1 Natureza jurídica da ação

             Giuseppe Chiovenda, citado por Agnelo Amorim Filho, propõe a divisão dos direitos subjetivos em duas categorias: 1) direitos a uma prestação, ou seja, aqueles direitos que têm por finalidade um da vida mediante uma prestação negativa ou positiva, subdividindo-se em direitos pessoais e reais; e 2) direitos potestativos, assim entendidos como os poderes, conferidos por lei a certas pessoas, de influírem nas situações jurídicas de terceiros, por meio de uma declaração de vontade, independentemente da vontade destes. Os direitos potestativos são insuscetíveis de violação e a eles não correspondem uma prestação. Ainda segundo Agnelo Amorim Filho, o direito que o terceiro interessado, o contratante, ou a Fazenda Pública dispõem para promover a nulidade do negócio jurídico eivado por simulação é potestativo, eis que, sujeita os simuladores e demais envolvidos à vontade daquele de extinguir a situação jurídica criada pela simulação, independentemente da aquiescência de quem quer que seja. Os direitos potestativos são exercidos, comumente, por meio de simples declaração de vontade, porém, no caso do pedido de nulidade do negócio jurídico simulado, somente por meio de ação judicial. A propósito, a lição de Agnelo Amorim Filho: “O autor não pleiteia do réu qualquer prestação, seja prestação de dar, de fazer de não-fazer, de abster-se, ou de outra espécie. O que ele visa com a propositura da ação é, apenas, criar, extinguir, ou modificar determinada situação jurídica, e isso é feito independentemente da vontade, ou mesmo contra a vontade da pessoa ou pessoas que ficam sujeitas ao efeito do ato. Assim, o réu da ação, embora não fique obrigado a uma prestação, sobre uma sujeição”. (AMORIM FILHO, Agnelo, 1997, p. 732). Levando-se em conta a trilogia das ações proposta por Giuseppe Chiovenda, conclui-se que a natureza jurídica da ação de nulidade por simulação é constitutiva-negativa, eis que, além de visar ao exercício do direito potestativo de pedir a nulidade do negócio jurídico simulado, extingue a situação jurídica criada pelo simuladores. Nesse sentido, o posicionamento de Pontes de Miranda, de Agnelo Amorim Filho e Marcos Bernardes de Mello, dentre outros. Parte da doutrina (FERRARA, VENOSO e VENOSA), equivocadamente, entende que a natureza da ação de nulidade por simulação é declaratória. Isso se deve graças à influência do direito romano, o qual tratava os atos nulos como sinônimos dos atos juridicamente inexistentes e, como tal, não produziriam efeitos. Daí não haveria necessidade de desconstituir nenhuma situação jurídica; caberia, simplesmente, reconhecer a sua inexistência, por intermédio de ação meramente declaratória. Não se produziria qualquer modificação de natureza jurídica, pois, o ato nulo, como sempre esteve fora do mundo jurídico, após a sentença, lá permaneceria, observa Pontes de Miranda. Na verdade, o ato nulo é aquele que, embora defeituosamente, ingressa no mundo jurídico, passando, a partir daí, a denominar-se ato jurídico. “Nulo é a negação de validade no mundo jurídico, e não negação de existência no mesmo mundo”, enfatiza Pontes de Miranda. Dessa forma, o ato jurídico, embora nulo, produz efeitos, até que lhe seja decretada a nulidade por sentença, pois, conserva uma aparência de regularidade que lhe proporciona uma existência de fato. As sentenças declaratórias não impõem prestações, nem sujeições, nem alteram, por qualquer forma, o mundo jurídico. Desta feita, “a decisão que pronuncia uma nulidade não tem efeito apenas declaratório, e sim, também, efeito constitutivo, pois, desloca o ato do mundo jurídico para o mundo fático”, acrescenta Agnelo Amorim Filho. Assim, o efeito da sentença é transformar um ato nulo em ato juridicamente inexistente, operando-se ex tunc, quer dizer, destrói a aparência do negócio jurídico simulado, bem como daqueles negócios que dele derivam, respeitados os direitos e interesses dos terceiros contratantes de boa-fé, fazendo com que as partes retornem, na medida do possível, ao seu estado anterior. Ademais, na ação de nulidade há também conteúdo declaratório, já que, toda sentença deve conter, impreterivelmente, a declaração da existência da relação jurídica sobre a qual versa, sendo conditio sine qua non para operar-se o efeito desconstitutivo. As ações constitutivas, como anteriormente mencionado, servem de meio para o exercício de um direito potestativo, por isso, estão sujeitas a prazo decadencial (ligado ao exercício do direito) e não prescricional, já que, nesse último caso, pressupõe-se uma lesão a direito (direito a uma prestação), que é inadmissível no direito potestativo. Nesse sentido, ensina Agnelo Amorim Filho:

“[...] só os direitos da primeira categoria (isto é, os direitos a uma prestação) conduzem à prescrição, pois, somente eles são suscetíveis de lesão ou violação [...] os direitos potestativos (que são, por definição, direitos sem pretensão, ou direitos sem prestação, e que se caracterizam, exatamente, pelo fato de serem insuscetíveis de lesão ou violação) não podem jamais, por isso mesmo, dar origem a um prazo prescricional [...] só as ações condenatórias podem prescrever, pois são elas as únicas ações por meio das quais se protegem os direitos suscetíveis de lesão [...] Os únicos direitos para os quais podem ser fixados prazos de decadência são os direitos potestativos, e, assim, as únicas ações ligadas ao instituto da decadência são as ações constitutivas, que têm prazo especial de exercício fixado em lei”. (AMORIM FILHO, 1997, p. 736).

            Destarte, se a lei não fixar prazo especial para a extinção dos direitos potestativos e, por via reflexa, da ação pela qual são exercitados, fica prevalecendo o principio da perpetuidade. É o que acontece com a ação de nulidade por simulação na sistemática do CCB/2002, notadamente em razão das disposições do seu art. 169, podendo ser denominada perpétua, segundo a lição de Agnelo Amorim Filho. Por outro lado, deve-se investigar se o legitimado à propositura da ação de simulação almeja a dedução de alguma pretensão em juízo decorrente do negócio jurídico simulado, como, por exemplo, alguém que maneja a ação para reivindicar algum bem, que, entretanto, teve sua titularidade consolida nas mãos de outrem devido à prescrição aquisitiva, esta situação levará, certamente, à extinção do processo. Essa situação criada, posteriormente ao negócio nulo, como produto de sua execução, está submetida aos efeitos extintivos da prescrição, pois, envolvem pleito condenatório. Em outras palavras, prescrita a pretensão de desfazer a situação gerada a partir da execução das prestações derivadas do negócio jurídico simulado, perde-se o direito de utilizar a ação de nulidade, pois, o interesse nada mais é do que a possibilidade de o provimento jurisdicional atingir os negócios subseqüentes, apesar de ser ação não sujeita a prazo. No CCB/1916, como os negócios jurídicos inquinados por simulação eram anuláveis, a respectiva ação deveria ser proposta dentro de prazo decadencial, definido lei. Situação esta não repetida pelo CCB/2002. Apenas a título ilustrativo, merece ser trazido à colação julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, proferido sob o império do Código Civil anterior, in verbis:

“-Prescreve em 4 (quatro) anos, contado o prazo, no caso de simulação, do dia em que se realizou o contrato (Cód. Civil, art. 178, § 9º, V). -Não se tratando de venda de ascendente para descendente, à espécie não se aplica o princípio das Súmulas 152 e 494/STF. Segundo o art. 165 do Cód. Civil, "A prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o seu herdeiro". Juridicamente, não se renova o prazo a cada transmissão. -Recurso conhecido pelo dissídio, mas improvido”. (STJ. Recurso Especial. nº. 52.220/SP. Rel. Min. Waldemar Zveiter. 04 de maio de 1999).

            No mesmo sentido, decidia o extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais, atual Tribunal de Justiça de Minas Gerais, in verbis:

“– A existência de simulação para efetivação de negócio jurídico só impede aos seus participantes de alegaram o próprio ato simulativo em seu benefício, não podendo os réus se aproveitarem da própria torpeza, nos termos do art. 104 do CC. – No entanto, a exceção da prescrição extintiva pode ser invocada, não restando prejudicada pela proibição do dispositivo civil aludido. Inúmeras são as razões para a adoção da tese de prescritibilidade da ação de anulação: 1. tratando-se de ato simulado, com ocorrência de fraude, opera-se um vício social, decorrendo daí um ato anulável, e não nulo de pleno direito, podendo ser convalidado; 2. a ação declaratória pura é imprescritível; mas quando ela é também condenatória-constitutiva, como no caso em apreço, está sujeita à prescrição; 3. prevalência da paz social, da tranqüilidade e segurança das relações jurídicas sobre a eventual ofensa ao ordenamento legal, com a vulnerabilidade do negócio jurídico; 4. e mesmo deixando de se reconhecer a prescrição extintiva, não se pode deixar de conhecer da prescrição aquisitiva, operando-se o usucapião extraordinário da propriedade (art. 550 do Código Civil), vez que, mesmo sem alentar para o justo título e a boa-fé, a posse dos recorridos no imóvel perdura já há mais de vinte anos, de forma mansa e pacífica, sem contestação”. (TAMG. Apelação Civil. nº. 2.000.00.280520-5/000. Relator: Des. Dorival Guimarães Pereira. 20 de outubro de 1999).

1.1 Direito intertemporal

            Outra questão que merece consideração é a relativa ao direito intertemporal, ou seja, perquire-se qual disposição legal será aplicada ao caso concreto, nas ações de nulidade intentadas a partir da entrada em vigor do CCB/2002, especialmente no que concerne à perpetuidade da argüição de simulação. Os negócios jurídicos simulados firmados antes da entrada em vigor do Código Civil atual, portanto, sob o império do CCB/1916, eram anuláveis, devendo ser aplicado o prazo decadencial de 04 anos, ante ao princípio tradicional de direito intertemporal tempus regit actum; in stipulationibus id tempus spectatur quo contrahimus. O CCB/2002, no seu art. 2035, subordina a validade dos negócios jurídicos simulados, anteriores a sua entrada em vigor ao prazo decadencial definido no art. 178, §9º, V, “b”. As disposições do Código Civil de 2002, somente se aplicam aqueles negócios jurídicos firmados a partir do seu surgimento.

2 Condições da ação de nulidade

            O negócio jurídico simulado é absolutamente nulo. De fato, embora inidôneo, juridicamente, para produzir efeitos, é certo que a retirada do negócio do mundo jurídico dependerá de manifestação judicial. Enquanto não houver manifestação judicial, “o negócio aparentemente normal está produzindo efeitos”, salienta Orlando Gomes. Apesar de a nulidade ser decretada por força da lei, ao Poder Judiciário, a quem incumbe a tutela jurisdicional, cabe a sua declaração, ou seja, a subsunção do fato à norma que prescreve a invalidade do pactuado. O pedido de reconhecimento da simulação do negócio jurídico pode tanto ser formulado por meio de ação própria para esse fim (ação de nulidade), como pode ser apresentado na forma de exceção, em ações que digam respeito ao negócio simulado, como ensina Francisco Amaral. A decretação da nulidade do negócio jurídico simulado é questão de ordem pública, e, como tal, interessa a toda a sociedade, eis que consubstancia o interesse de manter a segurança e a higidez dos negócios, garantindo-se eficácia às manifestações de vontade e estabilidade às relações tuteladas pelo Direito Civil. Daí sobressai a possibilidade jurídica do pedido de invalidação do negócio jurídico, com fulcro no art. 167 do CCB/2002. No que concerne à legitimidade ativa ad causam, conforme se depreende do art. 168 do CCB/2002, estão autorizados à propositura da ação de nulidade, ou a suscitar a invalidade, em demanda na qual se discuta o negócio simulado: o terceiro interessado, isto é, aquela pessoa que, de algum modo, foi ou será afetada pela declaração de invalidade do negócio (desde que haja repercussão no interesse pessoal ou patrimonial próprio, consoante leciona Arnaldo Rizzardo), as partes do negócio jurídico simulado e o Ministério Público, atuando como custos legis nas ações em que a lei prevê sua intervenção, definidas, basicamente, no art. 82 do Código de Processo Civil. Acerca da atuação do Parquet, ensina Carvalho Santos:

“O direito de alegar a nulidade é uma conseqüência da sua obrigação de intervir no feito. Se a lei, de fato, o obriga a intervir, é para ter uma ação eficiente, que forçaria o direito correlato de alegar a nulidade. Pois seria desidioso, não cumprindo seu dever, se deparasse uma nulidade evidente e não argüisse, esquecendo-se de que um dos seus principais deveres é defender a observância da lei”. (SANTOS, 2001, p. 935).

O juiz, de ofício, em ação de qualquer natureza, quando conhecer do negócio jurídico simulado ou seus efeitos, deverá reconhecer a nulidade, desde que haja prova do vício, bem como deve tomar todas as medidas ao seu alcance para que a invalidade permaneça. No pólo passivo da ação de nulidade, deverão figurar, além das partes do negócio jurídico simulado, todas as pessoas que com aquelas celebrarem negócios jurídicos que importarem em transmissão ou cessão, ainda que temporária, dos direitos ou interesses que houverem sido objeto do negócio eivado de nulidade. Há, nesse caso, litisconsórcio passivo necessário, pois, uma vez declarada a nulidade do negócio simulado, via de regra, invalidados também serão os negócios subseqüentes. Destarte, “sem que todas elas estejam presentes no processo, não será possível emitir um julgado oponível a todos os envolvidos na relação jurídica material litigiosa e, consequentemente, não se logrará uma solução eficaz do litígio”, observa Humberto Theodoro Júnior. Finalmente, o interesse de agir, na ação de simulação, exprime a necessidade de proteção jurídica e a utilidade do provimento jurisdicional que reconhece a nulidade, eis que se pretende que a invalidade seja reconhecida para o fim de evitar ou fazer cessar prejuízo causado em razão de relação jurídica existente entre o simulador e a parte autora. Se a simulação “não atingir por qualquer forma os direitos daquele que a pretende judiciariamente impugnar, não poderá o juiz pronunciar-se sobre ela, porque o autor que a vem alegar em juízo é parte ilegítima na ação, por falta de interesse”, acrescenta José Beleza dos Santos. É, portanto, conditio sine qua non, para a caracterização do interesse de agir na ação de simulação a verificação do prejuízo causado à parte que alega o “vício” invalidante do negócio.

3 Alegação de simulação entre os negociantes e terceiros

            O Código anterior não admitia que os simuladores se utilizassem da exceção de simulação para a promoção de sua defesa em juízo, em face da proibição contida no art. 104, que encerrava a regra nemo auditur propriam turpitudinem allegans. Essa disposição legal não foi repetida pelo CCB/2002, em face da adoção do sistema alemão, segundo o qual apenas a vontade verdadeira deve prevalecer; não podendo o negócio aparente, em regra, produzir efeitos. Os simuladores, então, somente se libertariam dos efeitos do negócio jurídico simulado se promovessem o distrato, já que, em juízo, não podiam requerer a invalidação do negócio. Hodiernamente, às partes do negócio jurídico simulado é lícito valer-se da exceção de simulação para fazer predominar a situação real (o negócio que se dissimulou) e evitar que o outro contratante o prejudique, não obstante tenham agido com torpeza ao simularem certo negócio jurídico. Isso se deve ao fato de que o negócio aparente, por não se exprimir a vontade real das contraentes, é nulo e, como tal, não obriga validamente ninguém. Assim, “é nula, frente a todos, a declaração aparente ou simulada”, como comenta Humberto Theodoro Júnior, ao fazer menção a Enneccerus, Theodor e Wolff. Se assim não fosse, o legislador daria azo a situações inconvenientes, vale dizer, ao punir a eventual má-fé de um dos envolvidos no negócio jurídico, estaria legitimando a apropriação indevida pela outra praticada. Acobertar-se-ia, em juízo, uma ilicitude. Ademais, não há que se falar em infração ao princípio constitucional da isonomia, quando o legislador impede que as partes aleguem certos vícios do negócio jurídico, quando litiguem em juízo, como ocorre no caso do dolo bilateral. Nessa hipótese, proíbe-se a alegação porque cada parte agiu com malícia em relação à outra, o que não ocorre na simulação, pois, nesta, nenhuma das partes engana a outra; o alvo são os terceiros alheios ao processo simulatório. Cabe mencionar, ainda, que não será acolhida a argüição de nulidade que objetive a prevalência de negócio ilícito que tenha sido ocultado sob a aparência do negócio jurídico simulado.

4 Prova da Simulação

            A prova é um dos maiores problemas enfrentados pelos litigantes na ação de nulidade, notadamente quando esta é manejada por terceiro, eis que, raramente os agentes documentam o processo simulatório. Isso não quer significar que a instrução probatória seja impossível. Vigora na ação de simulação, assim como nas demais ações, a regra inserta no art. 333, I do Código de Processo Civil (CPC), segundo a qual o ônus da prova incumbe ao autor quanto aos fatos constitutivos do seu direito (actori incumbit onus probandi). Não logrando êxito o litigante em provar a simulação do negócio jurídico, a nulidade não reconhecida, como decorrência do princípio: actore non probante, reus absolvitur. O demandante deve valer-se de todas as provas admitidas em Direito, desde que moralmente legítimas e obtidas através de meio lícito, conforme preceituam o art. 5º, LVI da Constituição da República (CR/1988) e o art. 332 do CPC. O julgador procederá a uma análise da causa simulandi e da necessidade dos contraentes de praticar o negócio jurídico e, a partir daí, passará a decidir pela existência ou da simulação, com base nas provas produzidas sob o crivo do contraditório, lembrando sempre que não há hierarquia entre uma ou outra espécie para o direito brasileiro. Impende ressaltar que se as partes do negócio jurídico simulado litigam em juízo, a elas devem ser impostas as normas sobre provas relativas aos negócios jurídicos, por exemplo a que afasta a prova exclusivamente testemunhal nos contratos que superem o décuplo do salário mínimo vigente. Os terceiros interessados não estão sujeitos a tais restrições, mas sim à regra geral da vedação de provas ilícitas, conforme ensina Alberto Júnior Veloso. Além disso, imperioso salientar que a prova exclusivamente testemunhal é vedada, apenas, quando objetiva demonstrar a existência do contrato, não atingindo, consequentemente, as circunstâncias que respeitam ao seu cumprimento ou inexecução. Por outro lado, o CPC traz norma específica, no que concerne à produção probatória na ação de simulação, vale dizer, o art. 404 considera lícito à parte inocente provar com testemunhas a divergência entre a vontade real e a declarada. Conforme ensinam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, admite-se tal espécie probatória desde que venha a esclarecer fatos relacionados à validade do negócio jurídico, ainda que, com ela não se possa provar a existência do negócio. Na simulação absoluta, a prova deve estar direcionada à demonstração da invalidade do negócio jurídico, a partir da desconformidade entre a vontade real dos agentes e a declarada. Ao passo que, na simulação relativa, a prova deve demonstrar que o negócio efetivamente realizado entre as partes foi outro, isto é, que existe um negócio oculto, que o negócio foi pactuado em data diversa daquela que consta no instrumento, que foi celebrado com valor distinto do que as partes registraram no instrumento ou que as partes realmente interessadas no negócio são outras, distintas daquelas que nele figuram. Eduardo Espínola propõe as seguintes soluções para o problema da prova na ação de nulidade: a) se o negócio foi constituído verbalmente, a simulação deve ser provada livremente, por todos os meios admitidos em direito; b) se o negócio jurídico foi formalizado por instrumento público ou particular, deve-se provar a simulação por meio de contradeclaração ou outra prova de caráter legal; c) havendo início de prova escrita, a prova testemunhal poderá complementá-la, qualquer que seja o valor da convenção; d) impõe-se a eqüidade, se não for possível obter-se a contradeclaração, conforme previsto no direito francês e italiano. A ressalva, ou contre-lettre do direito francês, consiste em um “escrito geralmente secreto, que comprova ou reconhece a simulação total ou parcial de um ato aparente, ao qual se refere”, como leciona Miguel Maria de Serpa Lopes. Serve de meio para que as partes garantam a sua respectiva posição jurídica. A finalidade da contradeclaração não é modificar a eficácia do negócio jurídico simulado, mas, sim, atestar a sua ineficácia. Essa prova não tem por objetivo comprovar a existência de uma convenção das partes, contrária ao negócio jurídico simulado; a sua finalidade precípua é demonstrar a ausência do “elemento espiritual do contrato, do consenso”. A tendência atual caminha no sentido do estabelecimento de indícios e presunções em matéria de simulação dos atos ou negócios jurídicos. Para Pontes de Miranda, as seguidas alienações, a falta de recursos do comprador, a declaração na escritura pública de já ter recebido o preço e a existência de dívidas dos cônjuges separados, nas vésperas de dissolução da sociedade conjugal são exemplos de indícios e de presunções de simulação reconhecidos pelos tribunais nacionais. J. M. Leoni Lopes de Oliveira complementa dizendo que são negócios simulados, por presunção, aqueles realizados, geralmente, entre parentes ou amigos íntimos, entre pessoas ligadas por relação concubinária ou parentes destes, em relação àqueles que adquirem bens valiosos sem ter capacidade financeira para tanto; em relação àquele que vende seu fundo de comércio, continuando a administrá-lo. Francesco Ferrara acrescenta que as presunções somente poderão ser utilizadas pelas partes contratantes na hipótese de não ser possível obter prova escrita, bem como se existir um princípio ínfimo de prova material. A respeito do tema, recentemente, o Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal decidiu, in verbis:

“I - Tratando-se de negócio simulado, que aparenta uma coisa, sem o ser na realidade, não é difícil concluir que a prova sobre sua existência nunca será plena, já que a realidade estará, sempre, acobertada pelo manto do ato simulado; II - E de se concluir pela ocorrência de simulação absoluta se a venda de um apartamento se concretiza por R$ 70.000,00 pela convivente, que é corretora de imóveis, possuindo, dessa forma, ampla experiência e total conhecimento dos preços de mercado à sua madrasta, que menos de 6 (seis) meses consegue revender o mesmo imóvel por, pelo menos, R$ 160.000,00 adquirindo, coincidentemente, após a segunda venda, determinada loja na Barra da Tijuca; III - Ademais, em depoimento pessoal, confessa a Ré que a venda foi efetivada por R$ 160.000, 00 e não R$ 70.000,00; IV - Sentença transitada em julgado determinou o retorno ao monte partilhável de metade do bem objeto da presente e, apurado o valor real de venda por força de informação da Ré, impõe-se a manutenção da sentença mas se levando em conta o informado; V - Primeiro recurso parcialmente provido. Segundo recurso improvido”. (TJDF. Apelação Cível. nº. 2005.001.39326. Relator: Des. Ademir Pimentel, 16 maio de 2006);

            Enfim, a prova na ação de nulidade por simulação é tarefa por demais árdua, na medida em que, geralmente, os vícios sociais e/ou do consentimento que maculam os negócios jurídicos permanecem no âmino psíquico dos envolvidos, que, por sua vez, muito raramente formalizam o processo simulatório.

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Data de elaboração: agosto/2006

 

Como citar o texto:

MAGALHÃES, Leonardo Cardoso de..Aspectos gerais da ação de nulidade por simulação. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 257. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-obrigacoes-e-contratos/1880/aspectos-gerais-acao-nulidade-simulacao. Acesso em 18 fev. 2008.

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