Diz a nossa Lei Maior, desde 1988, no inciso II do seu art. 37, que: "a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração".

 

Tal norma excluiu do nosso ordenamento jurídico o "concurso interno". O provimento de cargo ou emprego público passou a depender de "concurso público". Exemplificando: um técnico (cargo de nível médio) do INSS só se tornará analista (cargo de nível superior) dessa Autarquia se: 1. concluir curso superior, reconhecido pelo MEC; 2. concorrer, em igualdade de condições, em concurso público, com todos os outros candidatos interessados na vaga, já servidores ou não. Nada mais justo.

 

Exceção a essa regra é a nomeação para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. É aí que "o caldo entorna". Não raro, as nomeações para esses cargos levam em conta critérios políticos, ao invés de se atentar para critérios técnicos, o que leva à nomeação de pessoas que não têm nenhum conhecimento na área em que vão passar a atuar. Pergunto-me se tal procedimento seria adotado em empresa particular. Se seria nomeado para "Diretor Financeiro" de uma grande empresa particular um cidadão que nunca trabalhou na área e não sabe "nem pra onde vai" o serviço. Tal panorama só me lembra uma "estória" que meu pai contava com muito gosto:

 

Um senhor chega pra um político seu conhecido e pede um "emprego" para o filho, rapaz que até aquele momento não havia conseguido nada na vida.

- Major! Queria pedir um favor... queria que me arranjasse um empreguinho pro meu rapaz! Como o Sr. sabe, sempre lhe fui fiel e nunca pedi nada em troca.

- Mas é claro que o atenderei! E com muito gosto! Vou nomear o rapaz "Diretor de Transporte" do órgão "tal".

- Não... é muito, Major. Queria algo mais simples pra ele, já que ele está começando agora.

- Bem, sendo assim, vou conseguir a nomeação dele pra "Assessor do Diretor de Transporte" daquele Órgão.

- Major, ainda acho demais. Ele é um bom rapaz, mas não tem nenhuma experiência.

- Bem, sendo assim, vou colocá-lo como "Chefe da Garagem".

- Major, não dava pra colocar ele como agente administrativo, pra ele começar de baixo, aprendendo o serviço devagarzinho?

- Aí, não! Pra esses cargos aí, ele vai ter que "fazer concurso"!

 

Infelizmente, essa é a realidade do nosso País. Mas, trago aqui uma idéia que acho não ser inconstitucional. Sabemos que o concurso interno foi abolido do nosso ordenamento jurídico. Mas para ingresso em novos cargos ou empregos públicos. Não acho que seja inconstitucional o concurso interno para que se escolha, entre os servidores do quadro, já concursados, aquele que deverá ocupar um cargo de chefia. A prova seria objetiva, para evitar subjetivismos na sua correção, e tratando das matérias diretamente relacionadas com o cargo em disputa. Tal procedimento prestigiaria os servidores da Casa, daria chances iguais para aqueles que almejassem a posição, selecionaria o mais capacitado para exercer as funções em disputa e, especialmente, estaria em sintonia com os princípios da impessoalidade, moralidade, eficiência e transparência, vários deles insertos na Carta Magna, no art. 37, caput: "A administração pública direta e indireta a meu ver, estaria em perfeita sintonia com os preceitos constitucionais vigentes e, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)"

 

Poder-se-ia, entretanto, perguntar: mas e se nenhum dos candidatos conseguisse aprovação no "concurso interno"? A "chefia" ficaria vaga? E se nenhum dos servidores se interessasse em concorrer ao cargo de "chefe" vago? Possíveis soluções seriam:

 

1. O "concurso interno" não seria eliminatório, mas apenas classificatório. Logo, o candidato que obtivesse a melhor nota, qualquer que seja, seria nomeado. Em sendo muito baixas todas as notas, o "concurso" serviria para que a administração tomasse ciência das deficiências dos servidores daquele órgão, podendo (devendo) então tomar as providências cabíveis, como, por exemplo, a organização de treinamento ou reciclagem para aqueles que não obtiveram bom desempenho. Tudo a ver com os princípios expostos acima. Inclusive, bom lembrar que a palavra "desempenho", ligada a sua avaliação, aparece várias vezes na nossa Carta Política (art. 37, § 8°, II; art. 41, § 1°, III; art. 41, § 4°; art. 93, II, c; art. 247, parágrafo único etc.);

 

2. Dificilmente faltaria servidor interessado, considerando que as funções de "chefia", assim como os cargos em comissão, oferecem boas gratificações, e todos gostam de um dinheirinho extra. Mas, caso ninguém se apresentasse, poderia o dirigente máximo do órgão, usando de seu poder de direção, determinar que um deles, preferencialmente alguém do próprio setor cuja "chefia" está vaga, assumisse o cargo.

 

Certamente, outros problemas seriam colocados; mas, havendo boa vontade, todos encontrariam soluções razoáveis. E, não tenho dúvidas, os administrados seriam fortemente beneficiados com a implantação de modelo similar ao aqui pensado.

 

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As remissões feitas à Constituição Federal de 1988 se referem ao texto consolidado até a emenda 55, de 20/09/2007, disponível em http://legis.senado.gov.br/con1988/CON1988_20.09.2007/index.htm

 

Data de elaboração: fevereiro/2008

 

Como citar o texto:

BEZERRA, Maurício Dias Sobreira..Concurso Público x Concurso Interno. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, nº 262. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/trabalhos-academicos/1906/concurso-publico-x-concurso-interno. Acesso em 25 mar. 2008.

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