SUMÁRIO: 1 Introdução – 2 Evolução histórica – 3 Controle concentrado – 4.1 Controle formal – 4.2 Controle material – 5 Modelos e modalidades de controle constitucional – 6 Legitimados a propor a ação – 7 Medida cautelar em ADIn – 8  efeitos da decisão da ADIn – 8.1 Efeitos da ADIn sobre situações já constituídas – 9 Judicialização das relações políticas – 10 Considerações finais -  Referências.

RESUMO: A Constituição de 88 proporcionou uma ascensão institucional do Poder Judiciário por conta da recuperação das liberdades democráticas e das garantias da magistratura, onde juízes e tribunais passaram a desempenhar um papel político significativo. Associado a isso, houve um aumento na demanda por justiça, provocando a judicialização das relações políticas e sociais. Além de elencar e proteger os direitos fundamentais, a Constituição determina a adoção de políticas públicas aptas a realizá-los. Assim, todas as políticas públicas objetivando realizar ou não fins públicos prioritários eleitos pela Constituição, e dotados de superioridade hierárquica e centralidade no sistema, devem passar pelo crivo / controle do Judiciário. Entretanto, essa missão de resguardar o processo democrático e promoção dos valores constitucionais pode levar o Judiciário, em especial as Cortes Constitucionais, a exercer preferências políticas em lugar de realizar os princípios constitucionais, interferindo na tripartição dos poderes.

Palavras-chave: Controle de constitucionalidade; judicialização da política; democracia.

ABSTRACT: The Constitution of 88 provided an institutional ascent of the Judicial Power by count of the recuperation of the democratic liberties and of the guarantees of the magistracy, where judges and courts passed it perform a significant political paper.  It associated to that, had an increase in the demand by justice, provoking to judicialização of the social and political relations.  Beyond it list and protect the fundamental rights, the Constitution decides to adoption of apt public politics to carry out-them.  Like this, all the public politics planning carry out or not chosen priority public ends by the Constitution, and endowed with hierarchical superiority and centralidade in the system, should pass for the scrutiny / control of the Judiciary.  However, that mission of protect the democratic trial and promotion of the constitutional values can lead the Judiciary, in special the Constitutional Cuts, it exercise political preferences instead of carry out the constitutional beginnings, interfering in the tripartição of the powers.  

Key-words: Control of constitutionality; judicialização of the political one; democracia

1 Introdução

O controle concentrado de constitucionalidade tem um viés político capaz de transformar o Judiciário em um superpoder. Tal fato influenciou alguns Estados, como a França, a adotar sistemas de controle que evitasse o surgimento do superpoder capaz de comprometer a tripartição de poderes. No Brasil, os limites impostos ao STF quando do controle por via principal é atuar como legislador negativo – paralisando a eficácia de uma norma existente. Ficando vedado atuar como legislador positivo – inovando ao criar norma anteriormente inexistente. Ao impugnar trechos da lei argüida de inconstitucional, o Supremo não pode mudar o espírito da lei, pois seria criar virtualmente outra lei.

Num Estado Democrático de Direito o poder dos juízes e tribunais pode ser entendido como representativo na medida em que é exercido em nome do povo e a ele deve contas (à sociedade). Ao Judiciário, em especial ao STF, cabe o papel de afirmar a supremacia da Constituição, negando validade a lei infraconstitucional contrárias aos preceitos constitucionais. Sendo guardião da Constituição (expressão maior da vontade do povo), o Judiciário deverá exercer o controle constitucional das leis (expressão da maioria parlamentar). Entretanto, não se pode admitir que sob alegação de evitar a ditadura do Legislativo ou Executivo, o Judiciário na sua missão constitucional em um Estado Democrático de Direito, onde se espera um ativismo por parte dos juizes, seja instaurada uma “ditadura da toga”. Esta, se comparada às outras duas, anteriormente citadas, é a mais nociva de todas, pois tanto o Legislativo quanto o Executivo estão assentados no princípio da sucessão no poder, enquanto os juizes gozam da vitaliciedade.

2 Controle de constitucionalidade

A supremacia da lei constitucional sobre a lei ordinária resulta da primeira ser obra do poder constituinte, enquanto a segunda, um simples ato do poder constituído, um poder, hierarquicamente, inferior e limitado pela primeira. “A conseqüência dessa hierarquia é o reconhecimento da ‘superlegalidade constitucional’, que faz da Constituição a lei das leis, a lex legum, ou seja, a mais alta expressão jurídica da soberania”.2 Óbvio que o Legislativo, cuja competência deriva da Constituição, não pode introduzir no ordenamento jurídico leis em rota de colisão com os preceitos constitucionais: tais leis se tornariam inválidas, inaplicáveis, incoerentes e inconsistentes com a ordem jurídica em vigor.

A falta de validade de um ato jurídico (lato sensu) traz como conseqüência a nulidade ou anulabilidade. Em se tratando de lei ou ato normativo inconstitucional, aplica-se a sanção mais grave, que é a nulidade. Tal entendimento parte de um raciocínio lógico, pois sendo a Constituição a lei suprema, admitir a validade de lei ou ato normativo com ela incompatível é violar sua supremacia, seria negar a vigência da Constituição em relação àquela matéria. “[...] como regra, não serão admitidos efeitos válidos à lei inconstitucional, devendo todas as relações jurídicas com base nela voltar ao status quo ante.3

Entretanto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao longo do tempo, vem fazendo alguns temperamentos à aplicação rígida da tese4. A casuística tem demonstrado a insuficiência ou inadequação de mera pronúncia de nulidade da lei ou ato impugnado. Se a lei impugnada produziu efeitos jurídicos cujo retorno ao status quo ante se torna impossível ou compromete o princípio da segurança jurídica, o STF tem lançado mão de novas técnicas de decisão mais adequadas a multifacetada realidade que envolve cada ADIn. A necessidade de ponderação entre o princípio da nulidade da lei inconstitucional e os princípios da segurança jurídica e interesse social contribuiu para o desenvolvimento de técnicas alternativas de decisão no controle concentrado de constitucionalidade. No direito comparado, os tribunais não só estão mais aplicando soluções ortodoxas da declaração de nulidade total ou de mera decisão de improcedência da ADIn que gera, conseqüentemente, uma declaração de constitucionalidade(ADC).

3 Evolução histórica

Diversos constitucionalistas apontam a Lei 221 de 20 de novembro de 1894, como o marco da implantação de um controle da constitucionalidade no Brasil. Reconheceu à Justiça da União e as justiças dos Estados, competência para recusar aplicabilidade a atos do Executivo e do Legislativo considerados inconstitucionais.

A Constituição de 1934 alarga o raio do controle de constitucionalidade exercido pelo supremo. Além do incidental ou difuso, passaria ao controle direito e concentrado quanto à lei que decretasse intervenção federal. Foi responsável, também, pela instituição do mandado de segurança para defesa de direito líquido e certo, ameaçado por ato inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade.

A Constituição de 1937 obstaculizou a efetividade plena do controle de constitucionalidade ao submeter a decisão dos tribunais ao reexame do Parlamento. Isso ocorreria sempre que o presidente da República julgasse ser a lei, em questão, necessária ao bem-estar do povo e aos interesses nacionais. Dessa forma, o instituto sai da órbita da ordem constitucional, passando a figurar como instrumento político a serviço do Executivo. “Por dois terço de votos de cada uma das Câmaras, o órgão legislativo poderia invalidar a decisão judiciária, fazendo assim eficaz a lei inconstitucional”5.

Em 1946, numa atmosfera de redemocratização e reafirmação dos direitos individuais, promulga-se uma nova Constituição brasileira, que em matéria de controle concentrado, retomou o caminho que fora aberto pelo constituinte de 1934. O instituto passa por significativa melhoria, onde o controle concentrado exercido pelo supremo, apesar de limitado à intervenção federal, difere da forma preceituada na Constituição de 1937, pois agora a intervenção federal só poderia ser decretada após o Supremo haver examinado o ato argüido de inconstitucionalidade. Ainda sob a vigência da Constituição de 1946, foi editada a Lei 2.271/1954 criando a ADDI - ação direita de declaração de inconstitucionalidade, abrangendo tão somente atos vinculados à intervenção federal.

No terceiro quartel do século XX, alarga-se o raio em que se circunscrevia o controle concentrado. A Emenda Constitucional nº 16, de novembro de 1965 atribuiu à Suprema Corte competência para processar e julgar originariamente lei ou ato normativo federal ou estadual encaminhados pelo Procurador-Geral da República, objetivando verificar a sua constitucionalidade.

O alargamento do raio de ação do instituto ainda não pôde tornar-se um instrumento democrático, pois o exercício da ação ficava a cargo do Procurador-Geral da República, que por sua vez era indicado pelo Presidente da República, chefe do Executivo. Continuava sendo uma técnica de controle político a serviço do Executivo em detrimento de uma ordem constitucional democrática.”[...] o Supremo Tribunal Federal, em Acórdão de 10 de março de 1971, interpretou, com toda a rigidez, a competência exclusiva do Procurador-Geral da República tocante à iniciativa da ação direta de inconstitucionalidade”6.

O entendimento do STF gerou uma controvérsia doutrinaria sobre a matéria. Caberia ao Procurador-Geral da República, após tomar conhecimento de argüição de inconstitucionalidade em representação que lhe fora encaminhada por qualquer terceiro interessado, recusar-se a apresentá-lo ao STF ou estaria obrigado a encaminhar a representação com seu parecer contrário ou favorável ao pedido? O nosso entendimento é que a segunda opção é a mais acertada, pois não converte o Procurador-Geral da República em juiz da representação, o que seria uma flagrante usurpação de competência da Suprema Corte. “De sorte que em assim procedendo, não subtrairá a matéria arquida de inconstitucionalidade ao conhecimento da Corte e esta, se entender que há no caso representação sem titular, determinará o seu arquivamento” 7.

4 Controle concentrado

Devido à circunstância de concentrar-se em um único tribunal o controle constitucional de lei ou ato normativo recebe a denominação de controle concentrado. Sua verificação pode se dar em cinco situações: (1) ADIn ou ADI – ação direta de inconstitucionalidade – C. F., art.102, I, “a”; (2) ADPF – argüição de descumprimento de preceito fundamental – C. F.,art.102, §1º; (3) ADIn por omissão- C. F., art. 103, § 2º; (4) ADIn interventiva – C.F., art. 36, III; (5) ADECON ou ADC – ação declaratória de constitucionalidade – C.F., art. 102, I, “a”.

Genericamente, a ADIn (ação direta de inconstitucionalidade) é um instrumento processual que tem como objeto a lei ou ato normativo que se mostre incompatíveis com o sistema. Com ela, busca-se descobrir se determinada lei (lato sensu) é incompatível ou não com o sistema constitucional, cabendo ao Judiciário manifestar-se de forma específica quanto a inconstitucionalidade ou não.

Só poderá ser objeto de controle concentrado ato normativo revestido de abstração e generalidade. Assim as espécies normativas que podem ser objeto de controle concentrado são: emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções, etc.

A Emenda Constitucional nº 45/2004 consolidou o entendimento de que as convenções e tratados internacionais ratificados pelo Brasil sejam eles equivalentes a Emendas Constitucionais ou infraconstitucionais, cabendo controle abstrato/concentrado.

Todos os atos anteriores à Constituição não podem ser objeto de controle constitucional. Somente atos editados após a Constituição é que poderão ser objeto de controle, os atos anteriores são recepcionados ou não pela nova Constituição.

No que tange às leis e atos normativos municipais em face à Constituição Federal, “por falta de expressa previsão constitucional, seja nos arts. 102, I, “a”, ou 125, § 2º., inexistirá controle concentrado”8 .

No caso de lei ou ato normativo distrital contrariar a Constituição Federal, há particularidades a serem observadas. Primeiro, a Constituição de 1988 não fez qualquer previsão expressa quanto ao controle de constitucionalidade das leis elaboradas pelo Legislativo do Distrito Federal. Segundo, cabe ao Distrito Federal competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios 9. Tais particularidades nos leva ao entendimento de que o controle concentrado exercido pelo STF estará condicionado à natureza da norma elaborada pelo Distrito Federal. Assim teríamos: (a) lei ou ato normativo distrital de natureza estadual contrariando a Constituição Federal, caberia controle concentrado exercido pelo STF; (b) lei ou ato normativo distrital de natureza municipal contrariando a Constituição Federal, controle difuso ou incidental. “Há a possibilidade do ajuizamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental da lei ou ato normativo distrital, de natureza municipal, confrontada perante a C.F.”10 .

4.1 Controle formal

Tem como característica, uma feição técnica, voltado a aspectos formais, examinando se a elaboração das leis observou as formas previstas na Constituição, se não fere a competência constitucional de um dos poderes, a organização ou relações horizontais e verticais dos poderes, bem como o respeito ao sistema federativo do Estado.

Mas isso seria ainda pouco, quando o que se tem em vista nos países de Constituição rígida é instituir um controle em proveito dos cidadãos, fundar uma técnica da liberdade em nome do Estado de direito, fazer das instituições e do regime político instrumento de garantia e realização dos direitos humanos e não, como sói acontecer nos organismos totalitários, técnica que reduz o homem a meio e não fim. Daqui a necessidade de partir para um controle material de constitucionalidade das leis11

4.2 Controle Material

Por incidir sobre o conteúdo da norma, o controle material é caracterizado por seu elevado teor político, tornando-se um instrumento complexo e delicado. Busca verificar se a norma está em concordância/harmonia com o espírito, a filosofia, os princípios fundamentais que regem a Constituição.

5 Modelos e modalidades de controle constitucional

Há três modelos de controle: (a) austríaco - os juizes e tribunais difusamente argúem a inconstitucionalidade e suspende o processo remetendo a questão da constitucionalidade ao Tribunal Constitucional para concentradamente decidir. Após decisão, o processo retorna ao juízo ou tribunal competente; (b) americano- caracteriza-se por ser feito difusamente por todos os juizes e tribunais no desempenho ordinário de suas funções jurisdicionais.; c) francês - tem caráter não jurisdicional (político) e prévio, onde o controle é exercido pelo Conselho Constitucional, que se manifesta previamente á promulgação das leis, não cabendo declarar inconstitucionalidade de quaisquer diplomas legais vigentes.Implicitamente, podemos notar três modalidades: político ou judicial; prévio ou repressivo; difuso ou concentrado.

O Brasil adota um modelo híbrido/eclético com elementos do modelo austríaco e norte-americano. Há, também, oportunidade para o controle prévio, no Legislativo e no Executivo.

6 Legitimados a propor ação

Independentemente da pertinência entre o objetivado na ação e a área de atribuições e competências de cada uma das instituições e dada a natureza própria delas, estão legitimadas a promover ADIn: A Presidência da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados e a Procuradoria Geral da República, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, devido suas finalidades institucionais e ao mesmo tempo, entidade de classe de âmbito nacional.

As Mesas de Assembléias Legislativas e os Governadores dos Estados só estão legitimados a promover ADIn de leis ou atos normativos federais. Quanto às leis e atos normativos de outros Estados, só há legitimidade se houver sacrifício a direito ou interesse legítimo do proponente da ação, ou, então, se o princípio federativo sofrer ameaça de violação.

Quanto aos partidos políticos, basta que tenham representação no Congresso Nacional, podendo ser apenas em uma das Casas, ou seja, no Senado ou na Câmara dos Deputados.

Tanto as Confederações Sindicais, quanto às entidades de classe de âmbito nacional só terão legitimidade para impugnar leis ou atos normativos, federais ou estaduais, que envolvam, direta ou indiretamente, direitos ou interesses da categoria ou da classe que representam.

As restrições quanto a iniciativa individual para propositura da ADIn, reservada a algumas autoridades públicas, tem obstaculizado o exercício pleno da democracia, devido ao “preconceito antidemocrático  de não consentir ao cidadão a possibilidade de desfazer por sua iniciativa mesma aquilo que foi obra do legislador” 12.

7 Medida cautelar em ADIn

Segundo a doutrina e jurisprudência, trata-se de providência de caráter excepcional, devendo estar presentes determinados requisitos: (a) fumus boni iuris – plausibilidade jurídica da tese exposta; (b) periculum in mora – possibilidade de prejuízo decorrente do retardamento da decisão postulada; (c) a irreparabilidade ou insuportabilidade dos danos emergentes dos próprios atos impugnados; (d) a necessidade de garantir a ulterior eficácia da decisão. No Brasil, contudo, na prática, não se sabe bem se devido ao congestionamento da pauta do STF ou da banalização de tal instituto, vem-se atribuindo a suspensão cautelar da eficácia da norma impugnada uma maior significação.

O deferimento do pedido de cautelar provocará a suspensão imediata de qualquer processo em andamento no STF que verse sobre a mesma matéria até a decisão final da ADIn. Será dotada de eficácia erga omnes e concedida com efeito ex nunc, salvo se o tribunal entender que deva conceder eficácia ex tunc. De 1988 a meados de 2007 foram deferidas 1124 cautelares, num total de, aproximadamente, 1751 pedidos de cautelar, sendo 1088 com efeitos ex nuc e 36 com efeitos ex tunc13 .

A concessão de cautelar suspendendo eficácia de lei ou ato normativo argüido de inconstitucional caso haja legislação anterior, essa represtinará, salvo manifestação em contrário. Assim, caso não venha expressamente a proibição quanto a aplicação da legislação anterior, haverá efeitos represtinatórios na cautelar14 .

A concessão de medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário (§ 2º). O restabelecimento da vigência e eficácia da norma preexistente afetada pelo ato reconhecido como inconstitucional decorre da regra geral elementar de que; salvo situações excepcionais, os atos inválidos não devem  produzir efeitos válidos 15

8 Efeitos da decisão da ADIn

Pelo princípio da lógica da Lei n. 9.868/99, sendo improcedente o pedido de ação declaratória de inconstitucionalidade gera-se automaticamente uma declaração direta de constitucionalidade. A improcedência do pedido de ADIn não se reveste da autoridade da coisa julgada, permitindo aos legitimados do art. 103 da CF propor nova ação sobre a mesma matéria. A improcedência do pedido da ADIn, acaba que por reconhecer a constitucionalidade da norma argüida , impedindo análise de  constitucionalidade pelo controle difuso.

8.1 Efeitos da decisão da ADIn sobre situações já constituídas

A lei ou ato normativo rejeitado pela ADIn, por tornar-se inapto para produzir efeitos válidos, via de regra, torna inválidos os atos pretéritos praticados na sua vigência. Entretanto, nem sempre será possível a desconstituição automática das situações/relações jurídicas produzidas. É correto afirmar que as relações jurídicas constituídas sob a vigência da lei ou ato normativo impugnado pela ADIn, devem sofrer, com certa cautela e temperamento, os reflexos da impugnação. Todavia, a casuística nos obriga a observar, a boa-fé das partes, a segurança jurídica, a proibição de enriquecimento sem causa, etc.

O STF admite que a nulidade da decisão transitada em julgado não se opera automaticamente com a declaração de inconstitucionalidade, há que se dá por via da ação rescisória- instituto jurídico apto a pleitear a rescindibilidade da coisa julgada.

O entendimento que prevalece na doutrina é que a coisa julgada torna-se imutável quando transcorrido o prazo decadencial de dois anos para se propor a ação rescisória, exceto para matéria penal, haja vista o Código Processual Penal (art. 521) admitir a revisão criminal e o art. 522 prevê seu requerimento a qualquer tempo.

Na declaração prospectiva da ineficácia das leis inconstitucionais, busca-se analisar, por meio do principio da proporcionalidade, se as conseqüências da declaração de inconstitucionalidade são ou não excessivas. Impõe-se ponderação dos diferentes interesses em jogo: confronto entre interesses afetados pela lei impugnada e aqueles que hipoteticamente seriam sacrificados em conseqüência da declaração de inconstitucionalidade com eficácia retroativa e repristinatória. O STF, em casos excepcionais, mediante decisão da maioria qualificada (dois terços dos votos) pode estabelecer limites aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, proferindo inconstitucionalidade com eficácia ex-nunc ou profuturo, especialmente naqueles casos em que a declaração se mostre inadequada, por causar verdadeira catástrofe política, econômica ou social. Por cautela, há interpretação nesse sentido, o princípio da nulidade só poderá ser afastado se se puder demonstrar, com base numa ponderação concreta, que a declaração de inconstitucionalidade ortodoxa envolveria o sacrifício da segurança jurídica ou de outro valor constitucional materializável sob a forma de interesse social. Assim, além das já conhecidas técnicas: interpretação conforme a Constituição declaração de nulidade parcial sem redução de texto declaração de inconstitucionalidade sem pronuncia de nulidade apelo ao legislador temos as técnicas de limitação ou restrição de efeitos da decisão, o que possibilita a declaração de inconstitucionalidade com efeitos pro futuro, ou seja, determinado pelo tribunal.

 [...]o princípio da segurança jurídica, como os princípios em geral, não tem caráter absoluto. É possível cogitar, portanto, da necessidade de fazer sua ponderação com outros princípios de igual estatura, como o da justiça ou da moralidade, mediante a utilização do princípio instrumental da razoabilidade-proporcionalidade.16

Parte da doutrina defende não haver prazo decadencial para propositura de ação rescisória sob alegação de que a coisa julgada inconstitucional é nula, não se subordinando a prazos decadências. Há autores como Barbosa Moreira e Gulherme Marinoni que são contrários à relativização da coisa julgada. Há outra corrente que acredita ser a melhor alternativa, considerar a data da declaração de inconstitucionalidade como início do prazo decadencial pra propositura de ação rescisória.

De certo que o interprete constitucional há de ser extremamente cauteloso quanto à aplicação dessas idéias/correntes para não produzir injustiça em nome da segurança jurídica, nem tão pouco produzir uma banalização da coisa julgada.

 9 Judicialização das relações políticas

Segundo Boaventura de Souza Santos17, quando parcela da classe política impossibilitada de resolver seus embates ideológicos por vias habituais do sistema político resolve transferir para o Judiciário seus conflitos internos, ou por meio de denúncias veiculadas pela mídia18, objetivam, seja qual for o desenlace no Judiciário, que a exposição judicial e midiática do adversário político, no mínimo, o enfraqueça ou o liquide politicamente, estamos diante do fenômeno da judicialização das relações políticas.

Para Marcos Faro de Castro19, a incapacidade do Estado de assegurar a todos os cidadãos os direitos que lhes são assegurados pela Constituição, restringe a institucionalidade democrática em países como o Brasil, o que tem favorecido a ampliação da dimensão política da prática judicial. “A judicialização da política ocorre porque os tribunais são chamados a se pronunciar onde o funcionamento do Legislativo e do Executivo se mostram falhos, insuficientes ou insatisfatórios”20.

A democracia não deve estar assentada apenas no princípio majoritário, mas, também na realização dos direitos fundamentais, nos direitos das minorias e dos excluídos dos processos decisórios. Assim, cabe ao hermeneuta revelar a vontade do constituinte, ou seja, do povo, fazendo-a prevalecer sobre a das maiorias parlamentares eventuais. Isto porque a democracia se inspira por valores enquanto o processo político majoritário se move por interesses, daí a necessidade de rompermos com a idéia de democracia resumida ao principio majoritário, pois há direitos da minoria a serem respeitados, pois ser cidadão abrange, dentre outras facetas, a categoria de eleitor; governo do povo não pode estar circunscrito a governo da maioria. “O órgão judicial não impõe sua vontade nem seu próprio juízo de valores, mas apenas submete os legisladores atuais a escolhas prévias feitas pelo povo”21.

10 CONSIDERAÇÃOES FINAIS

O controle concentrado de constitucionalidade, por ser uma atividade criativa e substancialmente política, desperta a apreensão de muitos, de que por essa via o juiz constitucional tornar-se-ia um superpoder capaz de se substituir à vontade do Legislativo e do Executivo, anulando ou paralisando a separação dos poderes, levou determinados países, por cautela, a não confiá-lo aos tribunais, mas a uma assembléia, conselho ou comitê constitucional. A partir desse estudo chegamos aos seguintes resultados:

  • O número acentuado de ADIns impetradas pelos legitimados pode significar que o Legislativo e o Executivo habitualmente violam a Constituição, obrigando o STF a intervir em defesa da nossa Constituição. Entretanto, esses números podem indicar que os adversários políticos se utilizam das ADIns para converter o STF numa  espécie de “Casa Legislativa”, o que representaria um desrespeito à Constituição, ao estabelecer limites às decisões legislativas nas quais nem a própria Constituição impôs limites;
  • Há uma interação dos tribunais com o sistema político, entretanto sua forma estará condicionada a  diversos fatores, cuja variação dependerá do tipo de sociedade;
  • ADIn por omissão pode representar a juridicialização da política, por representar  um instrumento de censura à inércia do Congresso em legislar, levando os parlamentares a uma situação política desconfortável perante seus eleitores, pois a tomada de consciência destes quanto à preguiça legislativa de seu candidato pode representar o repúdio dos eleitores no próximo pleito

Seja qual for a real intenção, os constantes recursos ao STF tem provocado um crescente controle do judiciário sobre as decisões políticas. Em grau reduzido esse fenômeno faz parte do contexto dos Estados contemporâneos que adotaram o controle judicial de constitucionalidade;

Referências

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CASTRO, Marcos Faro de. O Supremo Tribunal Federal e a Judicialização da Política. http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_34/rbcs34_09.htm .

COSTA, Emilia Viotti da. O Supremo Tribunal Federal e a Construção da Cidadania. 2. ed. São Paulo: Editora UNESP, 2006.

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MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva, 1990.

Notas:

 

MELO, André Luís Alves de. 2001. A judicialização do Estado Brasileiro, um Caminho Antidemocrático e Monopolista . Teresina. Jus Navigandi, a. 6, n.o 52, nov. 2001. http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2408>.

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SILVA, Ives Gandra da / MENDES, Gilmar Ferreira. Ação Declaratória de Constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 1994.

STEIBEL, Fabro. Judicialização da Política e Propaganda Partidária: a visão do judiciário brasileiro sobre as campanhas presidenciais de 2002. www.unirevista.unisinos.br/_pdf/unirev_steibel.pdf < acesso em 15/10/2007>.

2 Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2007,p.296.

3 Idem , p. 16

4 O advento da Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999, ampliou a competência discricionária da Corte relativamente à pronuncia de nulidade e o conseqüente caráter retroativo da decisão.

5 Bonavides, Paulo.Curso de Direito Constitucional. 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 329.

6 Bonavides, Paulo.Curso de Direito Constitucional. 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.p. 331.

7 Bonavides, Paulo.Curso de Direito Constitucional. 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2007 p.332.                                 

8 Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 10 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Método, 2006, p132.

9 Constituição Federal, art. 32, § 1º.

10 Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 10 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Método, 2006, p. 134.

11 Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 10 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Método, 2006. p. 298.

12Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 10 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Método, 2006.p. 308.

13 Supremo Tribunal Federal, em http://www.stf.gov.br< acesso em 02/5/2007>.

14 Lei n. 9.868/99, art. 27.

15 Barroso Luís Roberto.  O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 169.

16 Barroso, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2006.p.198-199.

17 Santos, Boaventura de Souza. A Judicialização da Política. http://www.ces.uc.pt/opiniao/bss/079.php < acesso em 11/8/2007>.

18 Não há como afastar da análise, que os  meios de comunicação de massa são movidos por interesses econômicos e políticos próprios.

19Castro, Marcos Faro de. O Supremo Tribunal Federal e a Judicialização da Política. http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_34/rbcs34_09.htm .

20.Idem, p. 3.

21 Barroso, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.55.

 

Data de elaboração: novembro/2007

 

Como citar o texto:

DOS HUMILDES, Joildo Souza..Controle concentrado de constitucionalidade: possibilidades e limites da judicialização das relações políticas. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, nº 270. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/1915/controle-concentrado-constitucionalidade-possibilidades-limites-judicializacao-relacoes-politicas. Acesso em 29 jun. 2008.

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