INTRODUÇÃO

A Administração Pública é dividida em três esferas organizacionais, sendo estas a Federal, Estadual e Municipal, havendo em cada uma destas a presença dos três poderes, assim sendo, o Legislativo, Executivo e Judiciário.

A Constituição de 1988, em sua redação original, levando em conta tal divisão, estabeleceu um sistema prevendo limite máximo à retribuição dos servidores públicos, surgindo assim a primeira idéia do chamado “teto remuneratório”, como exposto abaixo:

"Art. 37 (...)

"XI -a lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos Poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal e seus correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, e, nos Municípios, os valores percebidos como remuneração, em espécie, pelo Prefeito"

Tendo em vista que se tratava de norma advinda do Poder Constituinte Originário, que notóriamente é conhecido por suas características de ser autônomo e ilimitado, tal disposição teve aplicação imediata, sem qualquer respeito a direito adquirido. Mesmo gozando de tais características, a nova ordem constitucional lançou mão do Ato das disposições transitórias, tornando de maneira inequívoca, por meio do artigo 17, a adequação imediata de todas as remunerações, percebidas pelos servidores, que fossem de algum modo contrárias ao disposto na nova ordem constitucional.

Como se pode auferir pela leitura do texto original, este contemplava a referência a dois limites máximos de remuneração: um limite que foi incumbido à lei ordinária estabelecer e um limite imposto desde logo à lei pela Carta Magna.

Caberia a lei ordinária, também, a fixação de uma relação de valores entre a maior e a menor remuneração, competência sobre a qual discorre Paulo Modesto (Teto constitucional de remuneração dos agentes públicos: uma crônica de mutações e emendas constitucionais. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 49, fev. 2001. Disponível em: . Acesso em: 21 jun. 2008. ):

A segunda competência, diversamente, dizia respeito à fixação de uma escala móvel de limites, de um limite móvel de remuneração (ou subteto móvel), pois apenas poderia consistir numa equação de relação entre a menor e da maior remuneração para fins de definição de limites abaixo do limite constitucional máximo de remuneração. O sistema apresentava, efetivamente, uma flexibilidade elogiável

O autor, ainda, explicita que, mesmo com tamanha flexibilidade, o limite máximo passou a ser jurisprudencialmente burlado, ou seja, o Supremo Tribunal Federal passou a enumerar situações em que seus efeitos fossem minorados ou até mesmo ignorados. Neste sentido, cumpre destacar que as vantagens patrimoniais foram excluídas do limite e, absurdamente, permitiu-se a exclusão de diversas parcelas remuneratórias, a Lei 8.852/94, por exemplo, chegou a excluir nada menos de dezessete parcelas remuneratórias.

Houve, portanto, total desmoralização do texto constitucional. O limite máximo foi imposto pela nova Carta Magna como forma de evitar a percepção exorbitante, sem quaisquer limites, de vencimentos por parte dos servidores públicos. Cabe destacar que impôs obstáculos, também, para a aplicação e criação de gratificações e adicionais, que são criados sem qualquer necessidade e que, muitas vezes, são concedidas com a indevida aplicação do efeito cascata. A jurisprudência, entretanto, tornou-o inócuo, impondo inúmeras exceções a este, desvirtuando o seu verdadeiro objetivo.

Em 1998, veio a Emenda Constitucional 19 que incluiu as vantagens pessoais no limite remuneratório, fixando este de acordo com o subsídio mensal, em espécie, dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Previu, ainda, em seu artigo 29, a aplicação imediata do teto remuneratório sem observância a direitos adquiridos, fato extremamente curioso tendo em vista que não se tratava do Poder Constituinte Originário e sim Derivado, adstrito a diversas limitações.

Cabe destacar, ainda, que naquela época os ministros do Supremo não percebiam através do instituto do subsídio e sim vencimento, fato pelo qual a EC 19, também, modificou o artigo 48, incluindo neste o inciso XV, que exigiu a fixação do subsídio dos ministros do Supremo, por meio de lei de iniciativa conjunta dos Presidentes da República, Câmara dos Deputados, Senado Federal e do STF.

Face a tamanha exigência, tal lei não veio a ser editada, tornando-se, evidentemente, impossível a aplicação do teto remuneratório, posto que a imediata adequação da remuneração dos servidores dependia, diretamente, da edição da lei responsável pela criação do subsídio dos ministros do Supremo.

Tal entendimento restou sedimentado na jurisprudência do STF daquela época, decidindo este, ainda, que as vantagens patrimoniais não serão incluídas no teto até que seja editada a lei formal, conforme podemos auferir em parte da ementa da decisão proferida pelo Pretório Excelso no julgamento da Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2.0705-7/RJ, tendo como relator o Ministro Celso de Mello, publicado no DJ em 26/03/2006:

NOVO TETO REMUNERATÓRIO, FUNDADO NA EC 19/98, SOMENTE LIMITARÁ A REMUNERAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS DEPOIS DE EDITADA A LEI QUE INSTITUIR O SUBSÍDIO DEVIDO AOS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. - Enquanto não sobrevier a lei formal, de iniciativa conjunta dos Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 48, XV), destinada a fixar o subsídio devido aos Ministros da Suprema Corte, continuarão a prevalecer os tetos remuneratórios estabelecidos, individualmente, para cada um dos Poderes da República (CF, art. 37, XI, na redação anterior à promulgação da EC 19/98), excluídas, em conseqüência, de tais limitações, as vantagens de caráter pessoal (RTJ 173/662), prevalecendo, desse modo, a doutrina consagrada no julgamento da ADI 14/DF (RTJ 130/475), até que seja instituído o valor do subsídio dos Juízes do Supremo Tribunal Federal. – Não se revela aplicável, desde logo, em virtude da ausência da lei formal a que se refere o art. 48, XV, da Constituição da República, a norma inscrita no art. 29 da EC 19/98, pois a imediata adequação ao novo teto depende, essencialmente, da fixação do subsídio devido aos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Precedentes.

Em razão de tantas dificuldades para a instituição do teto remuneratório, em 2003, houve a criação de nova emenda constitucional, a EC 41, que alterou novamente o disposto no artigo 37, inciso XI, da Constituição. Criou-se duas espécies de limitações, o teto remuneratório geral, tendo como limitação o subsídio dos ministros do STF, e os tetos específicos: para os municípios a limitação tornou-se o subsídio do prefeito e para os Estados e DF criou-se três subtetos, em relação a cada esfera de poder, no executivo encontrou-se limitação no subsídio mensal do governador, no legislativo o subsídio dos deputados estaduais e distritais e no judiciário o subsídio dos desembargadores do Tribunal de Justiça.

Insta frisar, que tal emenda em seu artigo 8º previu que até que seja editada a lei que virá a fixar o subsídio dos ministros do STF, o limite será a remuneração destes mais a parcela recebida em razão de adicional de tempo de serviço, de modo a impedir maiores delongas a aplicação da fixação do teto remuneratório.

Em seu artigo 9º, do mesmo modo que a EC 19, a Emenda 41 estabeleceu a aplicação imediata do teto remuneratório, sem novamente haver respeito a direito adquirido, invocando esta o artigo 17 do Ato das Disposições Transitórias. Mais uma vez surge controvérsia, posto que, tais disposições, são normas que tem por função regular e resolver problemas e situações de caráter transitório, ligados a passagem de uma ordem constitucional a outra, e, como o nome mesmo diz, são disposições de caráter temporário, destinadas a se exaurir depois de aplicadas e esgotados os interesses regulados (SILVA, José Afonso. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros. p. 373).

A referida emenda alterou também redação do artigo 48, retirando a exigência anterior e tornando de competência do Congresso Nacional, sob sanção do Presidente, a criação do subsídio mensal dos ministros do Supremo.

Em 2005, foi finalmente editada a lei 11.143 através da qual foi fixado o subsídio dos ministros do STF e tornou-se possível a aplicação do teto remuneratório. Mas esta aplicação imediata, prevista no artigo 9° da EC 41, sem respeito a direito adquirido, não estaria eivada de inconstitucionalidade, posto que se trata de Poder Constituinte Derivado, limitado, em sua natureza de forma material, circunstancial e formal?

Nesta pesquisa pretende-se defender a inconstitucionalidade do artigo 9º da Emenda 41, advindo tal entendimento de interpretação da própria Constituição, que em seu artigo 5°, XXXVI, dispõe que a lei não prejudicará direito adquirido, ato jurídico perfeito e a coisa julgada, devendo a expressão “lei” ser entendida em seu sentido genérico, como qualquer produto jusnormativo de processo legislativo previsto no artigo 59 (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Notas sobre a aplicação do teto remuneratório instituído pela Emenda Constitucional nº 19/98 apud CARVALHO, Sonia Maria Gonçalves de, in “O servidor Público e as Reformas da Previdência”, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 42)

 RAZÕES DA INCONSTITUCIONALIDADE

As emendas constitucionais, especificamente a EC 19 e a EC 41, ao estabelecerem em seus dispositivos a não observância a direitos adquiridos apresentam flagrante vício de inconstitucionalidade, vício este que é simplesmente ignorado e contra-argumentado com entendimentos que vão contra a estrutura organizacional do Poder Constituinte e princípios de grande porte, entre estes, o instituto do direito adquirido e a segurança jurídica.

Tal inconstitucionalidade acabou por prejudicar muitos servidores públicos que percebiam remuneração, subsídio ou proventos acima do teto remuneratório estabelecido, tendo em vista a imposição da imediata redução remuneratória.

Aceitar-se que Emendas Constitucionais possam afastar direitos adquiridos seria como derrubar a evolução normativa que tanto lutou para vedar o arbítrio e viabilizar a segurança jurídica. Releva ponderar, que tal princípio, juntamente com a estabilidade das relações jurídicas, faz parte do rol dos direitos e garantias individuais, sendo, portanto, insuscetível de afastamento mediante emenda, em razão do claramente disposto no art. 60, § 4º, IV, da Carta Magna, evidenciando este a patente inconstitucionalidade do artigo 9° da Emenda 41:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

(...)

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

Há doutrinadores, entretanto, que defendem a constitucionalidade da norma aqui discutida, alegando estes que a norma contida no art. 5°, XXXVI, deve ter interpretação restritiva, de modo que o termo lei deve ser interpretado em seu sentido formal, por meio do qual as emendas não estão incluídas e, portanto, não restritas à observância do direito adquirido.

Trata-se, entretanto, de entendimento minoritário e, data máxima vênia, passível de grande controvérsia, pois partindo-se da interpretação restritiva estariam, também, excluídos da limitação os decretos legislativos e as resoluções, não havendo qualquer consistência hermenêutica em tal pensamento (DANTAS, Ivo. Direito Adquirido, Emendas Constitucionais e Controle da Constitucionalidade. 2ª ed. Ed. Lúmen Júris, 1997. p.61.)

Há, também, um enorme contra-senso dentro da ordem constitucional, quando se defende a retroatividade das emendas constitucionais, sendo que desde 1824, o marco inicial da nossa Carta Magna, é consagrado o princípio da irretroatividade das leis, como podemos auferir abaixo:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

(...)

III. A sua disposição não terá effeito retroactivo.

Insta frisar que, as emendas constitucionais, como é notório, constituem o chamado Poder Reformador, ou seja, o Poder Constituinte Derivado, que, necessariamente, deve prestar homenagens à Constituição, em outras palavras, ao Poder Originário. Tal limitação encontra-se, expressamente, no art. 60, § 4°, do texto constitucional, além de que o simples fato de as emendas serem passíveis de controle de constitucionalidade, já torna evidente a subordinação destas ao exposto na Carta Maior.

Nesta linha de raciocínio, releva colacionar jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais em que se discorreu brilhantemente acerca do assunto, deixando de aplicar no caso discutido o teto remuneratório à aquilo já incorporado ao patrimônio do servidor:

REEXAME NECESSÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. PRELIMINAR. REJEIÇÃO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 41/03. FIXAÇÃO DE NOVOS TETOS REMUNERATÓRIOS PARA OS SERVIDORES. APLICAÇÃO IMEDIATA. INTELIGÊNCIA DO ART. 17, DO ADCT DA CF/88. VIOLAÇÃO DE DIREITO ADQUIRIDO. PRINCÍPIO-GARANTIA. LIMITAÇÕES MATERIAIS DO PODER CONSTITUÍDO. RESTITUIÇÃO DE VALORES. AÇÃO PRÓPRIA. REFORMA PARCIAL. 1. É vedado ao Poder Reformador desfigurar o texto elaborado pelo Poder Constituinte Originário, ignorando suas limitações como se o mesmo tivesse legitimidade constitucional para tanto, criando uma situação de insegurança alarmante no que tange à preservação dos direitos e garantias fundamentais do cidadão. 2. Deflui, portanto, a inconstitucionalidade do ato que impõe teto remuneratório aos substituídos da impetrante, cujos vencimentos/proventos estão sofrendo o desconto denominado ""abate-teto"", que já fora incorporado ao seu patrimônio funcional. 3. Rejeita-se a preliminar e reforma-se parcialmente a sentença, prejudicado o recurso voluntário. (TJMG, Apelação Cível/Reexame Necessário n° 1.0024.06.994540-0/001, Rel. Des. Célio César Paduani, j.24/05/2007, p.14/06/2007) (grifo nosso)

Insta frisar que, a emenda 41, além de tentar abolir direito adquirido peca também ao tentar restabelecer a eficácia de uma das normas do ADCT que, como já foi exposto, são disposições transitórias, criadas somente para facilitar a transição de uma Constituição para a outra, e que se exaurem em sua eficácia após reguladas as situações jurídicas para as quais foram criadas.

O afastamento do direito adquirido em 1988 deu-se por disposição transitória criada pelo Poder Constituinte Originário, que licitamente pode fazê-lo, mas o Poder Derivado não o pode, porque isso valeria como criar de novo a restrição e emenda constitucional não pode criar restrições ou afastamento de direito adquirido, como brilhantemente defende José Afonso da Silva (Comentário Contextual à Constituição. Ed. Malheiros. São Paulo. p. 903)

Não há melhor evidencia, quanto à fraqueza da sustentação da constitucionalidade da Emenda em questão, do que os argumentos fracos, nada convincentes, e algumas contradições que podemos encontrar em decisões dos Tribunais do país, inclusive do Supremo, acerca do assunto, cabendo frisar que este último é grande partidário do entendimento pela constitucionalidade da norma exposta no artigo 9° da Emenda 41.

Neste sentido, vale colacionar recente julgamento proferido em Mandado de Segurança nº. 24.875-1 – DF, em que se discutia a possibilidade de redução dos proventos de ex-Ministros do STF que ultrapassavam o teto remuneratório:

(...)1. Não obstante cuidar-se de vantagem que não substantiva direito adquirido de estatura constitucional, razão por que, após a EC 41/2003, não seria possível assegurar sua percepção indefinida no tempo, fora ou além do teto a todos submetido, aos impetrantes, porque magistrados, a Constituição assegurou diretamente o direito à irredutibilidade de vencimentos - modalidade qualificada de direito adquirido, oponível às emendas constitucionais mesmas. 2. Ainda que, em tese, se considerasse susceptível de sofrer dispensa específica pelo poder de reforma constitucional, haveria de reclamar para tanto norma expressa e inequívoca, a que não se presta o art. 9º da EC 41/03, pois o art. 17 ADCT, a que se reporta, é norma referida ao momento inicial de vigência da Constituição de 1988, no qual incidiu e, neste momento, pelo fato mesmo de incidir, teve extinta a sua eficácia; de qualquer sorte, é mais que duvidosa a sua compatibilidade com a  "cláusula pétrea" de indenidade dos direitos e garantias fundamentais outorgados pela Constituição de 1988, recebida como ato constituinte originário. 3. Os impetrantes - sob o pálio da garantia da irredutibilidade de vencimentos -, têm direito a continuar percebendo o acréscimo de 20% sobre os proventos, até que seu montante seja absorvido pelo subsídio fixado em lei para o Ministro do Supremo Tribunal Federal. (...)

Primeiramente, releva apontar a invocação do princípio da irredutibilidade de vencimentos garantida pela Constituição aos magistrados e que, de acordo com o acima exposto, deve ser classificada como “modalidade qualificada de direito adquirido oponível às emendas constitucionais”. Tal garantia é prevista no artigo 95, sob as seguintes condições:

Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:

(...)

III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.

Temos, assim, a primeira contradição, uma vez que a irredutibilidade é princípio garantido a qualquer servidor público, tendo em vista preceito contido no artigo 37, inciso XV, que garante a irredutibilidade de subsídios e vencimentos aos ocupantes de cargos e empregos públicos, nas mesmas condições que o acima exposto.

O Supremo deveria ter aplicado, como forma de manter-se consoante, a ressalva contida na última parte dos artigos evidenciados, ou seja, de que não haverá garantia da irredutibilidade quando os vencimentos ultrapassarem o teto remuneratório, tese defendia por aqueles que acreditam na constitucionalidade dos preceitos da Emenda 41.

Para a posição aqui defendida, ou seja, a inconstitucionalidade do artigo 9° da Emenda, tais ressalvas somente serão aplicadas para casos futuros, ou seja, somente nos casos em que servidores passarem a perceber vencimentos além do teto após a promulgação da EC 41, em razão do instituto do direito adquirido.

Analisando a decisão do excelso Tribunal Superior se evidencia que foi adotado este último entendimento, tendo em vista que se reconheceu o direito adquirido dos magistrados aposentados, em relação ao adicional de 20% sobre os proventos, mesmo este ultrapassando, claramente, o teto constitucional, simplesmente ignorando a ressalva do artigo 37, inciso XV, que deveria ser adotada por aqueles que defendem a imediata adequação.

Nesta linha de raciocínio, cabe evidenciar que o Supremo entendeu por aplicar tal entendimento em relação aos vencimentos, que curiosamente são de ex-ministros do Supremo, e entendeu por não aplicar em relação aos vencimentos dos demais servidores do país.

O acórdão, ainda, evidencia a infeliz invocação que a Emenda 41 fez em relação ao art. 17 do ADCT, reforçando o entendimento pela inconstitucionalidade da imediata adequação dos vencimentos, remunerações e proventos ao teto, uma vez que se trata de norma de eficácia exaurida e, portanto, não mais passível de aplicação.

Compulsando detidamente jurisprudências do nosso país, percebe-se que, em algumas decisões há a prevalência das alegações de aplicabilidade imediata da EC 41, lançando-se mão do notório entendimento de que não há direito adquirido face a regime jurídico.

Em relação ao primeiro conceito, “aplicabilidade imediata”, entendemos que tal jamais deve ser confundido ou mesmo interpretado como retroativo, a imediatividade deve significar que, a partir da promulgação da referida limitação, os servidores não poderão gozar de novas vantagens pessoais que venham a ultrapassar o teto remuneratório, mas o que já se incorporou ao patrimônio destes não há nada a fazer, posto que, como inúmeras vezes já suscitado, trata-se de direito adquirido.

Corroborando com as palavras acima expostas, relevante colacionar posição adotada pelo Ministro Marco Aurélio ao proferir seu voto no julgamento do Mandado de Segurança nº. 24.875-1 – DF, mencionado anteriormente, posicionamento que, relevante notar, desenvolve-se em exata consonância com o que aqui exposto, senão vejamos:

O teto é, realmente, absoluto, mas prospectivo, tendo-se a observância de marco inicial coincidente com a promulgação da Emenda Constitucional n° 41/2003. é o preço que se paga – costumo dizer – por viver numa democracia: o respeito irrestrito às regras estabelecidas. Conserte-se o Brasil – com “s” e com “c” -, mas sem retrocesso cultural, sem retroação, sem gerar-se, quanto a situações jurídicas aperfeiçoadas, porque surgidas sob a égide de certo arcabouço normativo, insegurança, o sentimento de não se saber o que poderá ser amanha, tendo em vista o alcançado anteriormente – repito – em harmonia com a ordem jurídica em vigor. Não confundo aplicação imediata com aplicação retroativa, sob pena mesmo, em que pese o famigerado artigo 17 do ato das disposições transitórias, ressuscitado no artigo 9° da Emenda – porque a rigor, esse artigo 9° tem o alcance de ressuscitar o citado artigo 17 sob pena de grassar a mais absoluta insegurança no tocante a algo já integrado ao patrimônio do cidadão.

Quanto ao segundo entendimento, a posição dos tribunais, e até mesmo do Supremo, sobre a inexistência de direito adquirido em relação à imutabilidade do regime jurídico do servidor, não afasta a proteção constitucional dos direitos adquiridos relacionados a eventuais vantagens pessoais que já tenham acrescido ao patrimônio do servidor público, pois são coisas diversas como nos ensina balizada doutrina de Alexandre de Moraes (Direito Constitucional, 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.).

O autor, para uma melhor compreensão de seu entendimento, lança exemplo bastante comum na prática e que evidencia a diferença entre o direito adquirido face a sua remuneração e o direito adquirido face o regime jurídico:

Assim, por exemplo, um servidor público que tenha ingressado na carreira sob a vigência de determinado regime jurídico que lhe garantisse a percepção de qüinqüênios, ou seja, acréscimo à sua remuneração de determinada verba, como adicional por tempo de serviço, a cada 5 anos, após 10 anos de efetivo serviço terá adquirido pelo transcurso do tempo de serviço (ex facto temporis) direito a integralização ao seu patrimônio desses dois qüinqüênios. Se, futuramente, houver alteração no regime jurídico regente da carreira desse servidor público, ele não mais fará jus à aquisição de novos qüinqüênios à cada 5 anos de efetivo serviço, em face do posicionamento da Corte Suprema pela inexistência de direito adquirido à regime jurídico; porém, em relação aos valores equivalentes aos dois qüinqüênios incorporados aos seus vencimentos, já se constituiu direito adquirido uma vez que já se haviam completado os requisitos legais e de fato para a integralização patrimonial. (grifo nosso)

 

Por todo o exposto, são fortes os argumentos que sustentam a tese de inconstitucionalidade das normas que por emenda constitucional tendem a diminuir a remuneração dos servidores sem observância a direito adquirido.

Como extraordinariamente expôs o Ministro Marco Aurélio em seu voto “O grande problema, no Brasil, esta em se pretender consertar as coisas retroativamente”, ou seja, por desídia do Poder Público, permitindo este a edição de normas que concedem adicionais e gratificações em percentuais exorbitantes aos seus servidores públicos, pretende este agora, lançando mão de emenda flagrantemente inconstitucional, a adequação das remunerações e vencimentos de modo a por alguma ordem no sistema remuneratório do país.

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Data de elaboração: janeiro/2008

 

Como citar o texto:

PAULSEN. Anna..A inconstitucionalidade da Emenda 41/2003. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 9, nº 506. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/1943/a-inconstitucionalidade-emenda-412003. Acesso em 24 jan. 2009.

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