1 INTRODUÇÃO SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL

 

A responsabilidade civil visa precipuamente, de um lado, reparar os danos causados pela prática de atos lícitos e, de outro, reprimir prática de novos atos ilícitos na sociedade. Impõe, deste modo, um dever jurídico de conduta do indivíduo no meio social, para que não realize algum ato que causa danos a outrem e, se acaso o realizar, será obrigado a reparar os prejuízos causados.

Nos dizeres de Maria Helena Diniz:

A responsabilidade civil é, indubitavelmente, um dos temas mais palpitantes e problemáticos da atualidade jurídica, ante sua surpreendente expansão no direito moderno e seus reflexos nas atividades humanas, contratuais e extracontratuais, e no prodigioso avanço tecnológico, que impulsiona o progresso material, gerador de utilidades e de enormes perigos à integridade da vida humana. (DINIZ, 2004, p. 3)

A responsabilidade está associada a idéia de obrigação e na reparação de um dano sofrido por alguém. A palavra responsabilidade origina do latim, do verbo respondere, que significa assegurar, assumir algo ou o ato que se praticou, este significado dá a exata dimensão de sua finalidade no mundo jurídico.

Conforme as palavras da já referida civilista:

A responsabilidade civil constitui uma sanção civil, por decorrer de infração de norma de direito privado, cujo objetivo é o interesse particular, e, em sua natureza, é compensatória, por abranger indenização ou reparação de dano causado por ato ilícito, contratual ou extracontratual e por ato ilícito. (DINIZ, 2004, p. 8)

2 A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE

A teoria da perda de uma chance caracteriza-se pelo fato de que em virtude de uma conduta ilícita (ação ou omissão), desaparece a possibilidade da ocorrência de um evento que traria um benefício futuro para a vítima ou evitaria o risco de um determinado prejuízo.

Nas palavras de Cavalieri Filho:

A teoria da perda de uma chance (perte d’ une chance), [...] se utiliza nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor. Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda.(CAVALIERI, 2008, p. 75)

Sérgio Savi assim esclarece sobre a terminologia da teoria:

O termo chance utilizado pelos franceses significa, em sentido jurídico, a probabilidade de obter um lucro ou de evitar uma perda. No vernáculo, a melhor tradução para o termo chance seria, em nosso sentir, oportunidade. Contudo, por estar consagrada tanto na doutrina, como na jurisprudência, utilizamos, [...], a expressão perda de uma chance, não obstante entendermos mais técnico e condizente com o nosso idioma a expressão perda de uma oportunidade. (SAVI, 2006, p. 3)

Assim, a teoria da perda de uma chance está lastreada na idéia de probabilidade de que se determinado fato ocorresse ou se tivesse sido evitado haveria uma situação de melhoria para a vítima ou ao menos seria evitado um prejuízo maior.

Mesmo não havendo neste caso um dano certo e determinado, existe um prejuízo para a vítima, decorrente da legítima expectativa que ela possuía em obter um benefício ou de evitar um prejuízo, de modo que para haver a reparação é necessário que as chances perdidas devem ser enquadradas como se danos fossem.

A reparação, assim repousa na idéia de probabilidade de que a chance seria realizada se a vantagem tivesse sido interrompida pelo evento danoso praticado pelo agente, de se dizer também que esta “vantagem” deve ser séria e real, uma vez que não se admite a indenização por dano hipotético, conforme será abordado mais especificamente a diante.

Por conseguinte, o que se indeniza, de acordo com a presente teoria não é a vantagem perdida, uma vez que não há certeza de que o resultado ocorreria ou não, mas sim pela perda da oportunidade de se conquistar determinada vantagem ou de evitar um prejuízo, dos quais estão totalmente desvinculados do resultado final.

Rafael Peteffi da Silva, descreve tal questão da seguinte forma:

A chance representa uma expectativa necessariamente hipotética, materializada naquilo que se pode chamar de ganho final ou dano final, conforme o sucesso do processo aleatório. Entretanto, quando esse processo aleatório é paralisado por um ato imputável, a vítima experimentará a perda de uma probabilidade de um evento favorável. Esta probabilidade pode ser estatisticamente calculada, a ponto de lhe conferir um caráter de certeza. (SILVA, 2007, p. 13)

Assim, a teoria da perda de uma chance está ligada ao elemento probabilidade de um evento favorável a vítima, que possuía chances sérias e reais de ser concretizado caso o evento danoso não tivesse ocorrido, somente havendo esta possibilidade de cálculo estatístico, por assim dizer, é que será possível existir a obrigação de reparação através da indenização.

Por trata-se de uma teoria em que para fins de indenização não se leva em consideração a concretização do resultado final, mas sim de sua probabilidade, tema este novo no mundo jurídico, a perda de uma chance foi por muito tempo hostilizada no meio jurídico.

Por muito tempo, o direito ignorou a possibilidade de se obter uma oportunidade de chances ou de evitar um prejuízo, argumentando que aquilo que não aconteceu não pode nunca ser objeto de certeza, a propiciar uma reparação. Igualmente à postura da doutrina, os tribunais costumam exigir, por parte da vítima que alega a perda de uma chance, prova inequívoca de que, não fora a ocorrência do fato, teria conseguido o resultado que se diz interrompido. (MELO, 2009)

Atualmente a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance tem ganhado cada mais espaço no meio jurídico, tanto em âmbito internacional como também nacional, a cada dia temos visto ações desta natureza relativa especialmente na área médica, advocatícia e demais profissionais liberais.

 

2.1 ORIGEM HISTÓRICA

A perda de uma chance surgiu na França, em meados da década de sessenta, primeiramente estando ligada a área médica, sendo registrado primeiro caso que versava sobre a responsabilidade civil de um médico, o qual teria diagnosticado equivocadamente seu paciente retirando-lhe as chances de cura ou de sobrevivência.

Conforme relata Glenda Gondim:

Foi em 1965, em uma decisão da Corte de Cassação Francesa, que pela primeira vez se utilizou tal conceituação. Tratava-se de um recurso da responsabilidade de um médico que teria proferido o diagnóstico equivocado, retirando da vítima suas chances de cura da doença que lhe acometia. (GONDIM, 2005)

Sobre sua origem histórica na França, Janaína Rosa Guimalhães descreve de forma bastante precisa e pormenorizada:

A decisão que inaugurou na jurisprudência francesa os fundamentos da teoria adveio da 1ª Câmara da Corte de Cassação, por ocasião da reapreciação de caso julgado pela Corte de Apelação de Paris, em julho de 1964. O caso narrou a acusação e posterior condenação de um médico ao pagamento de uma pensão devido à verificação de falta grave contra as técnicas da medicina, considerando desnecessário o procedimento que adotara, consistente em amputar os braços de uma criança para facilitar o parto.

Assim, a corte francesa considerou haver um erro de diagnóstico, que redundou em tratamento inadequado. Entendeu-se, logo em sede de 1ª instância, que entre o erro do médico e as graves conseqüências, a ser a invalidez do menor, não se podia estabelecer de modo preciso um nexo de causalidade. A Corte de Cassação assentou que presunções suficientemente graves, precisas e harmônicas podem conduzir a responsabilidade. Tal entendimento foi acatado a partir da avaliação do fato de o médico haver perdido uma chance de agir de modo diverso, condenando-o a uma indenização de 65.000 francos. (GUIMARÃES, 2009)

A partir deste precedente passou-se a adotar a teoria da perda de uma chance, chamada pelos franceses de perte d’ une chance, a qual foi posteriormente ampliada em toda a Europa e em especial na Itália.

No início esta teoria ganhou resistência na Itália, contudo, após aprofundamento de seus estudos, passou a ganhar inúmeros adeptos no direito italiano.

O primeiro caso aceito na Corte Italiana ocorreu no ano de 1983, quando uma determinada empresa convocou alguns trabalhadores para participarem de um processo seletivo para contratação de motoristas. Os candidatos foram submetidos a diversos exames médicos, contudo alguns destes foram impedidos de participarem das demais provas de direção e cultura, das quais eram necessárias para a conclusão do processo seletivo, movendo ação contra a empresa pela perda da oportunidade de realizam os exames necessários para admissão no emprego. Posteriormente, em segunda instância o tribunal reformou tal decisão considerando que o dano decorrente da perda de uma chance não seria indenizável, uma vez que seria um dano tão somente potencial. (MELO, 2007)

A Corte de Cassação Italiana, porém, entendendo de modo diverso do tribunal, sentenciou no sentido de que havia responsabilidade civil pela perda de uma chance, tendo em vista houve a perda da possibilidade dos candidatos conseguirem o resultado útil ao direito de participarem das provas e alcançar o objetivo que era o emprego.

2.2 A PERDA DE UMA CHANCE NO DIREITO BRASILEIRO

No Brasil, a perda de uma chance é uma teoria relativamente nova, seus estudos e aplicação ficaram a cargo da doutrina e da jurisprudência, uma vez que o atual Código Civil não abordou o tema dentro da seara da responsabilidade civil de forma expressa, fazendo-se uso da analogia para adaptar a legislação vigente ao caso concreto.

Os estudos sobre este tema ainda são tímidos no direito pátrio, mas nos últimos anos vêm ganhando mais espaço, sendo objeto discussão especialmente no meio acadêmico.

No campo jurisprudencial é possível notar um crescimento acentuado de demandas judiciais envolvendo a aplicação da teoria.

2.2.1 Da chance séria e real

Importante destacar que um dos elementos primordiais da teoria da perda de uma chance, tanto no direito brasileiro, quanto no estrangeiro é a necessidade, para que haja a indenização, além da vítima comprovar que perdeu a oportunidade de auferir o resultado esperado, que esta perda seja séria e real. De modo que meras esperanças de ordem subjetivas ou hipotética não são capazes de ensejar a responsabilidade civil pela perda de uma chance.

Como afirma Janaína Guimarães (2009):

[...] no que tange à indenização pela perda de uma chance é essencial que a oportunidade seja plausível e não aponte uma simples quimera. Trata-se da probabilidade de que o evento ocorresse, ou seja, não fosse a intervenção do agente, esta chance deveria ser séria e viável.

Logo, para que seja imputado ao agente o dever de reparar o dano, deve-se atentar que tal dano deve mesmo ser passível de acarretar prejuízo à vítima, que se não fosse pela conduta do agente a vítima teria chances reais de conseguir o resultado esperado.

Insta consignar que se trata aqui de chances de conseguir um resultado favorável e não o resultado favorável em si, o que muitas vezes é confundido e acaba inviabilizando a procedência da indenização.

A doutrina contemporânea é muito enfática nesta questão:

Não é, portanto, qualquer chance perdida que pode ser levada em consideração pelo ordenamento jurídico para fins de indenização. Apenas naqueles casos em que a chance for considerada séria e real, ou seja, em que for possível fazer prova de uma probabilidade de obtenção do resultado esperado, é que se poderá falar em reparação da perda de uma chance. (SAVI, 2006, p. 61)

Portanto, o que se indeniza não é aquilo que deixou de ser ganho com a perda da oportunidade ou chance, caso isto acontecesse seria necessário a prova cabal de sua certeza, mas sim o que se busca indenizar é a perda da sua possibilidade, estando ligado a um juízo de probabilidade onde se verifica se as chances eram sérias e reais.

Merece ser destacada as palavras do civilista Silvio Venosa, das quais contribui para a exata compreensão do assunto:

Se a possibilidade frustrada é vaga ou meramente hipotética, a conclusão será pela inexistência de perda de oportunidade. A “chance” deve ser devidamente avaliada quando existe certo grau de probabilidade, um prognóstico de certeza, segundo avaliamos. Por exemplo, a probabilidade de o cavalo obter vitórias e de o resultado não interposto ser bem-sucedido, nas hipóteses levantadas anteriormente. Ou a probabilidade de o corredor maratonista vencer, estando em primeiro lugar da prova, tendo sido obstado por um espectador. O julgador deverá estabelecer se a possibilidade perdida constitui uma probabilidade concreta, mas essa apreciação não se funda no ganho ou na perda porque a frustração é aspecto próprio e caracterizador da “chance”. A oportunidade, como elemento indenizável, implica a perda ou frustração de uma expectativa ou probabilidade. (VENOSA, 2005, p. 273)

Logo, neste tipo de responsabilidade civil não se admite expectativas incertas ou pouco prováveis. A chance a ser indenizada deve ser algo que certamente iria ocorrer, mas cuja concretização foi frustrada pelo fato danoso.

Contudo, a vítima não necessita provar de forma específica que a chance certamente iria ocorrer, uma vez que se trata de um processo provável e não absolutamente concreto, para tanto, basta demonstrar que a probabilidade de que a vantagem esperada fosse concreta, com boas chances de certeza, ou seja, a demonstração provável de sua ocorrência para que assim possa ser configurada a perda de uma chance.

2.2.2 Da sua natureza jurídica

Muito se discute sobre a natureza jurídica da responsabilidade civil pela perda de uma chance, especialmente na hora de julgar o caso concreto. A doutrina tradicional sempre oscilava no enquadramento como um lucro cessante ou dano emergente, outros já descreviam como uma espécie distinta que não se encaixaria em nenhuma das outras possibilidades.

A divisão clássica para os danos se enquadrarem ou como danos emergentes ou como lucros cessantes. O primeiro diz respeito a efetiva perda ocorrida e a imediata diminuição do patrimônio da vítima decorrentes do dano; o segundo caracteriza-se pelo que a vítima deixou de lucrar em virtude do dano, é uma perda de lucro esperável.

Todavia, com relação a teoria da perda de uma chance não se pode enquadrá-la de forma precisa em nenhuma das modalidades acima, o que dificulta em muitos casos a viabilidade de uma sentença favorável nas vias judiciais.

Conforme assinala Silvio Venosa:

A indenização deverá ser da ‘chance’ e não do ganho perdido. Não se identifica com que se deixou de receber; a medida desse dano deve ser apreciada judicialmente segundo o maior ou menor grau de probabilidade de converter-se em certeza e sem que deva se assinalar com o eventual benefício perdido. (VENOSA, 2005, p. 273)

Deste modo, se a perda de uma chance for enquadrada como um dano emergente ou lucro cessante, acarretará como conseqüência que o autor para obter êxito na sua pretensão indenizatória que comprovar de forma inequívoca se não fosse a ocorrência do dano praticado pelo agente o resultado favorável teria ocorrido, obtendo a vítima a chance pretendida.

Ocorre que este tipo de prova é impossível na perda de uma chance tendo em vista que o resultado favorável é hipotético, baseado em probabilidade de chances e nunca de certeza absoluta.

Sergio Savi pondera sobre o assunto da seguinte forma sobre o enquadramento da perda de uma chance como modalidade de lucros cessantes:

No caso dos lucros cessantes, o autor deverá fazer prova não do lucro cessante em si considerado, mas dos pressupostos e requisitos necessários para a verificação deste lucro. Já nas hipóteses de perda de uma chance, se permanecerá sempre no campo do desconhecido, pois, em tais casos, o dano final é, por definição, indemonstrável, mesmo sob o aspecto dos pressupostos de natureza constitutiva. (SAVI, 2006, p. 18)

Por esta razão, a natureza jurídica da perda de uma chance não se enquadraria exatamente nos danos emergentes nem nos lucros cessantes, em vista a sua probabilidade e não certeza de obtenção do resultado esperado.

Assim, a perda de uma chance é dita por muitos doutrinadores como uma categoria de dano específico, de forma autônoma, ficando assim sua natureza jurídica num campo intermediário entre os danos emergentes e os lucros cessantes.

A perda de uma chance é uma modalidade autônoma, específica, de dano, não se amoldando nos tipos de danos já concebidos pelo sistema, no entanto, para a sua configuração é necessário que a vítima prove a existência de um prejuízo e o seu nexo causal. No entanto, nesta teoria há uma valorização desses elementos que circundam a responsabilidade civil. (LOPES, 2009)

Neste mesmo sentido Raimundo Simão Melo afirma que:

Assim, o enquadramento desse dano não cabe exatamente no dano emergente nem nos lucros cessantes, ante a probabilidade e não certeza de obtenção do resultado aguardado. Entendo que se trata de uma terceira espécie indeterminada de dano, entre o dano emergente e o lucro cessante. (MELO, 2007)

Deste modo, a natureza jurídica da responsabilidade civil pela perda de uma chance não é definida de forma absoluta, sendo que para grande parte da doutrina atual se caracteriza como uma nova espécie de dano tendo em vista que, por suas características peculiares, não se enquadra as demais espécies de danos existentes.

2.2.3 Do quantum indenizatório na perda de uma chance

Outra questão amplamente debatida no campo doutrinário e jurisprudencial é o valor a ser arbitrado a título de indenização pela perda de uma chance, tendo em vista a dificuldade para sua aferição uma vez que se trata da privação de obter um resultado esperado e não um resultado concreto, o que dificulta sua mensuração.

O valor da indenização deve ser apurado tomando por base o valor integral do resultado a que se era esperado e, a partir disso, verificar quais foram as porcentagens ou probabilidades de chances reduzidas com o evento danoso. A partir deste cálculo é que pode ser apurado de forma efetiva e razoável o valor da indenização.

Nas sábias palavras de Cavalieri Filho:

A indenização, por sua vez, deve ser pela perda da oportunidade de obter uma vantagem e não pela perda da vantagem. Há que se fazer a distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de conseguí-lo. A chance de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização. (CAVALIERI, 2008, p. 75)

Ocorre que muitos equívocos tanto na formulação do pedido como na própria sentença ocorrem com relação a determinação do quantum a ser indenizado, buscando uma compensação no valor integral da chance perdida, o que é impossível tendo em vista que a perda foi da possibilidade de uma determinada vantagem e não o resultado final em si.

[...] o que se indeniza não é o valor patrimonial total da chance por si só considerada, como equivocadamente se tem visto na maioria dos pedidos. O que se indeniza é a possibilidade de obtenção do resultado esperado; o valor da indenização deve ser fixado tomando-se como parâmetro o valor total do resultado esperado e sobre este incidindo um coeficiente de redução proporcional às probabilidades de obtenção do resultado final esperado. Assim, como não se pode exigir a prova cabal e inequívoca do dano, mas apenas a demonstração provável de sua ocorrência, a indenização, coerentemente, deve ser proporcional à possibilidade maior ou menor de obtenção do resultado almejado. (MELO, 2007)

No caso da perda de uma chance a indenização nunca será o valor integral da chance perdida, mas sim de um valor percentual, que através de critérios de probabilidade e razoabilidade do grau de álea da chance de alcançar o resultado no momento em que ocorreu o evento danoso.

[...] a indenização da perda de uma chance jamais poderá ser igual ao benefício que a vítima obteria se não tivesse perdido a chance e tivesse conseguido o resultado útil esperado.[...] a indenização da chance perdida será sempre inferior ao valor do resultado esperado. (SAVI, 2006, p. 63).

Sergio Savi ainda afirma o seguinte sobre a valorização da chance perdida:

Para valoração da chance perdida, deve-se partir da premissa inicial de que a chance no momento de sua perda tem um certo valor que, mesmo sendo de difícil determinação, é incontestável. É, portanto, o valor econômico desta chance que deve ser indenizado, independentemente do resultado final que a vítima poderia ter conseguido se o evento não a tivesse privado daquela possibilidade.

O fato de a situação ser idônea a produzir apenas provavelmente e não com absoluta certeza o lucro a esse ligado influi não sobre a existência, mas sobre a valoração do dano. Assim, a chance de lucro terá sempre um valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização. (SAVI, 2006, p. 63).

Portanto, para quantificar o valor do dano em caso de perda de uma chance o julgador deverá partir do valor do resultado útil esperado e sobre este incidir o percentual de chances que a vítima tinha de obter a vantagem antes do evento danoso.

3 A JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA SOBRE A PERDA DE UMA CHANCE

A jurisprudência brasileira sobre a responsabilidade civil pela perda de uma chance ainda é muito recente, consistindo em alguns julgados de tribunais estaduais e do Superior Tribunal de Justiça.

O primeiro caso julgado, segundo registros doutrinários, foi no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, pelo então desembargador Ruy Rosado Aguiar Júnior, no ano de 1990, onde versava sobre uma ação de indenização de danos provenientes de erro médico, restando julgado que não se aplicava ao caso a teoria da perda de uma chance. (SAVI, 2006, p. 44)

O acórdão pioneiro possui a seguinte ementa:

Cirurgia seletiva para correção de miopia, resultado névoa no olho operado e hipermetropia. Responsabilidade reconhecida, apesar de não se tratar, no caso, obrigação de resultado e de indenização por perda de uma chance. (TJRS, 5ª Câmara Cível, Apelação Cível nº. 598069996, Rel. Des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, julgado em 12/06/1990).

 

Posteriormente, houve outra decisão no mesmo tribunal e com o mesmo desembargador onde foi reconhecido tratar-se de perda de uma chance, cuja ementa possui o seguinte teor:

Responsabilidade civil. Advogado. Perda de uma chance. Age com negligência o mandatário que sabe do extravio dos autos do processo judicial e não comunica o fato à sua cliente nem trata de restaurá-los, devendo indenizar à mandante pela perda de uma chance. (TJRS, 5ª Câmara Cível, Apelação Cível nº. 591064837, Rel. Des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, julgado em 29/08/1991).

 

Estes foram os dois julgados pioneiros sobre a perda de uma chance na jurisprudência brasileira. Posteriormente, houve uma crescente evolução no campo doutrinário e jurisprudencial acerca do tema, aumentando consideravelmente o número de decisões em nossos tribunais com relação a esta teoria.

Segundo destaca Rafael Peteffi:

O momento atual, porém, e mais uma vez aguardando correspondência com a produção doutrinária, se caracteriza pela ebulição da teoria da perda de uma chance em alguns tribunais brasileiros. Além do já citado tribunal gaúcho, que continua trilhando o caminho bem pavimentado por seus acórdãos pioneiros, a sólida jurisprudência de outras casas, como o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e o Tribunal de Alçada do Paraná, passa a conferir caráter nacional ao movimento de aceitação da teoria da perda de uma chance, considerada como instrumento útil para o deslinde das ações de reparação de danos. (SILVA, 2007, p. 186)

Efetivamente, é possível verificar que nos últimos anos a teoria da perda de uma chance vem ganhando aceitação no ordenamento pátrio, boa parte da doutrina civilista já faz menção sobre esta teoria e no campo jurisprudencial o crescimento de demandas relativas a indenizações com aplicação nesta teoria é crescente.

A aplicação da teoria da perda de uma chance na jurisprudência brasileira ganhou grande espaço na responsabilidade civil no desempenho das atividades profissionais, entre elas a do advogado e do médico. Existem em nossos tribunais inúmeras demandas buscando a indenização do advogado decorrente da má prestação dos serviços advocatícios, tais como perda de prazo para recursos e diligências no processo são as mais comuns.

Conforme destaca Rui Stoco:

Recebendo a procuração, o advogado tem o dever contratual de acompanhar o processo em todas as suas fases, observando os prazos e cumprindo as imposições do patrocínio, quais sejam: comparecer às audiências, apresentar as provas cabíveis, agir na defesa do cliente, e no cumprimento das legitimas instruções recebidas. (STOCO, 2004, p. 479)

Um exemplo de demanda envolvendo a perda de uma chance na seara advocatícia é o recurso de apelação cível nº. 70028740451, proferido pela Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, cuja ementa é a seguinte:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. MANDATO. ADVOGADO. PERDA DE UMA CHANCE POR AUSÊNCIA DE RECURSO. A “perda de uma chance” por omissão do advogado quanto a recurso não importa em obrigatório dever de indenizar. É imprescindível examinar as circunstâncias a fim de concluir se a situação justifica indenização, especialmente a conduta do advogado e o possível resultado do recurso. Caso onde a pretensão indenizatória não deve ser acolhida. Apelo dos réus provido, prejudicado o da autora. (Apelação Cível nº. 70028740451, Décima Quinta Câmara Cível do TJRS, Des. Rel. Paulo Roberto Félix, DJ em 19/08/2009).

Assim como na responsabilidade civil do advogado a do médico e demais profissionais da área da saúde a aplicação da teoria da perda de uma chance vem ganhando espaço na jurisprudência brasileira, sendo que atualmente a grande maioria das demandas judiciais versa sobre indenizações contra estes profissionais.

Do mesmo modo como ocorre com o advogado a relação do médico com seu paciente é tida como contratual, sendo inclusive protegida pelas regras do Código de Defesa do Consumidor.

Trata-se também, como regra geral, de uma obrigação de meio e não de resultado uma vez que o médico deve atender a todos os meios necessários para tratar do paciente, de acordo com os conhecimentos científicos existentes e os métodos adotados na profissão.

Assim, o médico, no desempenho de sua atividade, deve fazer uso de toda a técnica, conhecimentos e diligência que disponha na medicina na busca do melhor tratamento possível ao paciente, sob pena de incorrer em responsabilidade por evento danoso caso haja com culpa ou dolo.

Neste sentido o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tem o seguinte julgado relativo a responsabilidade civil do médico pela perda de chance de um tratamento adequado ao paciente:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. NEGLIGÊNCIA DO ESTABELECIMENTO DEMANDADO, AO LIBERAR A PACIENTE, DIANTE DAS INFORMAÇÕES CONTIDAS NA FICHA DE ATENDIMENTO AMBULATORIAL. PERDA DE UMA CHANCE. AGRAVO RETIDO. 1. Agravo retido interposto por parte do demandado não conhecido, em atenção ao disposto no artigo 523, caput e § 1º, do Código de Processo Civil. 2. Pedido de indenização por danos materiais e morais decorrentes de negligência no atendimento da parte autora, pessoa que apresentava histórico de AVC, especialmente em face de sua liberação, após apresentar sintomas de hipertensão e impossibilidade de falar. Acidente Vascular Cerebral confirmado dias após, em outro estabelecimento. Ocorrência de seqüelas. 3. A responsabilidade do estabelecimento hospitalar, mesmo sendo objetiva, é vinculada à comprovação da culpa do médico. Ou seja, mesmo que se desconsidere a atuação culposa da pessoa jurídica, a responsabilização desta depende da atuação culposa do médico, sob pena de não haver o dito erro médico indenizável. 4. Caso concreto em que o histórico da autora, e seu quadro de saúde não autorizavam sua liberação, sendo necessário o encaminhamento da mesma à outro nosocômio, para exames de maior complexidade. Configurada negligência do médico que autorizou a liberação. Subtraiu-se da parte autora a chance de obter tratamento imediato e adequado à sua enfermidade, o que por certo reduziria as chances de seqüelas. 5. Considerando as peculiaridades do caso em tela, fixa-se quantum indenizatório a título de danos morais em R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Juros de mora de 1% ao mês e correção monetária pela variação mensal do IGP-M, ambos desde a data deste acórdão. Precedentes desta Câmara. 6. Danos materiais não comprovados. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70030088462, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 24/06/2009).

3.1 Outros casos de perda de uma chance

Com os avanços das tecnologias e do próprio comportamento do homem no meio social criou-se por parte da prestação jurisdicional um anseio de tentar ao máximo a reparação integral dos prejuízos sofridos pela vítima de um dano; as construções doutrinárias e jurisprudenciais possibilitaram a criação de novos mecanismos para garantir a possibilidade de reparação cada vez mais efetiva dos danos.

Estes são alguns dos inúmeros acórdãos relativos a perda deu uma chance:

INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. IMPROCEDÊNCIA. TRANSFERÊNCIA DE VEÍCULOS. MULTAS DE TRÂNSITO POSTERIORES E ATÉ À VENDA, PELA REVENDEDORA, DO BEM A TERCEIRO. RESPONSABILIDADE DESTA FIRMADA. PREJUÍZOS MORAIS. AUMENTO DE PONTUAÇÃO NEGATIVA NA RESPECTIVA CARTEIRA DE HABILITAÇÃO. CHANCE DE EMPREGO. PERDA COMPROVADA. SENTENÇA REVERTIDA. APELO PROVIDO. 1 A revendedora de veículos que celebra contrato de venda de veículo, recebendo como parte do pagamento veículo usado, tem o dever legal de, no prazo de trinta dias, transferi-lo para a sua propriedade, como impõe o art. 123, I e respectivo § 1º do Código de Trânsito Brasileiro. Se assim não procede ela, assume a responsabilidade por todos os danos, materiais e morais, que vierem a ser infligidos àquele que lhe entregou o veículo, em razão da permanência do bem em seu nome. 2 Causa danos morais ao ex-proprietário de veículo que o transferiu à empresa revendedora o fato de receber ele, após essa transferência, notificações a respeito de infrações de trânsito cometidas pelo mesmo veículo, em razão da inércia da adquirente em transferi-lo oficialmente para o seu nome ou para aquela a quem ela revendeu-o. Mais se fazem presentes esses prejuízos morais, quando o antigo dono do bem vem a ter, como implicação lógica das infrações que lhe foram imputadas, lançados pontos negativos em seu prontuário de motorista, vindo, inclusive, a ter obstada a sua pretensão de ascender à categoria de motorista profissional, perdendo, com isso, uma boa chance de emprego. (Apelação Cível n. 2002.020402-7, de Itajaí Relator: Trindade dos Santos Órgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Civil Data: 08/09/2008).

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE FRANQUIA. DESISTÊNCIA PELO FRANQUEADOR APÓS FORMALIZAÇÃO DO PACTO E PAGAMENTO INICIAL PELO FRANQUEADO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES. RESPONSABILIDADE CIVIL. BOA-FÉ OBJETIVA. PERDA DA CHANCE. Lucros cessantes. Apelante que se insurge contra a sentença que julgou improcedente os pedidos de indenização por lucros cessantes e danos morais. Valores gastos nas tratativas pelo apelante que foram integralmente ressarcidos pela apelada após a desistência. Danos decorrentes da impossibilidade do apelante explorar a franquia almejada, por rescisão unilateral da franqueadora. Quebra da boa-fé objetiva configurada na hipótese, por ter a apelada rescindido a avença ao fundamento de onerosidade operacional, passando a explorar ela própria o empreendimento comercial no mesmo ponto em que pretendiam fazê-lo os apelantes. Inteligência do art. 422, CC/02. Necessária adequação da nova teoria da perda da chance à já arraigada teoria geral da responsabilidade civil, em especial, quanto aos lucros cessantes. Perda da chance que projeta a perda de uma oportunidade de se obter vantagem ou evitar-se um mal, ambos futuros, mas com repercussão presente. Lucros cessantes que se voltam para a um fato passado, qual seja: a atividade lucrativa cessada, que servirá de base para aquilo que o lesado deixou de ganhar. Perda da chance que é espécie do gênero lucro cessante e sob esta ótica é de ser contemplada. Ressarcimento que reintegra o apelante por sua frustração em ver o negócio que idealizara explorado pela própria franqueadora, em frontal quebra à confiança e à boa-fé; pela perda da expectativa do bom negócio, possibilidade que já se incorporara ao seu patrimônio jurídico e, portanto, deve ser ressarcida. Dano moral inexistente. Mero inadimplemento pós-contratual. Indenização fixada com base em cláusula penal do próprio contrato. Recurso a que se dá parcial provimento. (Apelação Cível nº. 2007.001.47396, Segunda Câmara Cível, TJRJ, Des.ª Rel.ª Cristina Tereza Gaulia, DJ em 26/09/2007).

Na área da informática e da rede mundial de computares existem ocorrências de casos em que a perda de uma chance possui abrangência:

INTERNET CONTRATO DE ASSESSORIA PARA RECOLOCACAO DE PROFISSIONAL NO MERCADO DE TRABALHO ERRO EM CURRICULO PERDA DE UMA CHANCE DANO MORAL. Apelação Cível. Relação de consumo. Contrato de assessoria para recolocação de profissional no mercado de trabalho com duas vertentes: intermediação ("headhunting") e divulgação de resumo curricular da autora no sítio eletrônico da fornecedora de serviço. Obrigações de resultado e de meio. Currículo que consta com grave erro na rede de computadores durante meses. Autora que busca emprego de arquiteta e aparece na rede como administradora de empresa. Vício de qualidade do serviço por inadequação. Inteligência do art. 20 e par. 2., CDC. Dano moral decorrente de perda de chance. Recurso parcialmente provido pela maioria. Vencido em parte o Des. Antonio Saldanha Palheiro. (Apelação Cível nº. 2007.001.09834, Quinta Câmara Cível, TJRJ, Des.ª Rel.ª Cristina Tereza Gaulia, DJ em 27/03/2007).

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou a respeito de um caso relativo a aplicação da responsabilidade civil pela perda de uma chance relativa a danos ambientais, neste caso, foi entendido que os danos causados no meio ambiente acarreta perda da chance de vida e saúde das gerações que nos sucedem:

RESPONSABILIDADE OBJETIVA AMBIENTAL – TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – PERDA DE UMA CHANCE. (...). A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. (...) Repara-se por força do Direito Positivo e, também, por um principio de Direito Natural, pois não é justo prejudicar nem os outros e nem a si mesmo. Facilita-se a obtenção da prova da responsabilidade, sem se exigir a intenção, a imprudência e a negligência para serem protegidos bens de alto interesse de todos e cuja lesão ou destruição terá conseqüências não só para a geração presente, como para a geração futura. Nenhum dos poderes da República, ninguém, está autorizado, moral e constitucionalmente, a concordar ou a praticar uma transação que acarrete a perda de chance de vida e de saúde das gerações. (Resp nº. 745363/PR, STJ, Rel. Min. Luiz Fux. Data da Publicação 20/07/2007).

Tantos outros casos podem ser citados como relativos a títulos de capitalização, apostas e sorteios.

TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO PAGO E NÃO CADASTRADO – TEORIA DA PAERDA DE UMA CHANCE. Hipótese na qual o autor adquiriu título de capitalização, que foi pago em 08/05/2002. Entretanto, não recebeu o título e, ao consultar a central de atendimento da Federal Capitalização S/A, segunda ré, verificou que não havia título em seu nome e CPF. Assim, resta caracterizada a falha no serviço. É caso de inadimplemento contratual, e responsabilidade das rés pela inexecução do ajuste. A abrangência do art. 403 do CC não autoriza a reparação do dano remoto, o que ocorreria se levado em conta o valor do prêmio que poderia ser obtido. A chamada teoria da perda de uma chance, em caso como o dos autos, deve ser equacionada dentro da reparação do dano moral, e sua carga lateral punitiva. Admitido que a ré pudesse sair livre da situação, apenas devolvendo o valor aplicado seria ofensa à dignidade de todos os consumidores que, como o autor, fazem a sua fé na sorte. (TRF-2ª Região – Apelação Cível nº. 2003.51.10.001761-6, Des. Rel. Guilherme Couto, Data da publicação 05/05/2006).

Outro caso que merece destaque diz respeito a coleta de células-tronco por uma empresa especializada, o qual, por negligência não foi realizado no momento do nascimento do filho dos contratantes, fazendo com que se perdesse a chance de obter material genético que possibilita a cura de patologias.

RESPONSABILIDADE CIVIL – COLETA E ARMAZENAMENTO DE CÉLULAS-TRONCO – AUSÊNCIA DE PREPOSTO DA EMPRESA NO MOMENTO DO PARTO. Se os pontos que se pretendia demonstrar com a produção de novas provas podiam ser averiguadas através dos documentos que instruíram a inicial, mostra-se desnecessária sua realização, inocorrendo, portanto, cerceamento de defesa. Considerando que as células-tronco são grande trunfo da medicina moderna no tratamento de inúmeras patologias consideradas incuráveis, não se pode dizer que a ausência da ré, que foi negligente ao deixar de encaminhar preposto qualificado para a coleta no momento oportuno, evidente se mostra o dano moral suportado pelos autores diante da frustração em ampliar os recursos para assegurar a saúde de seu primeiro filho. (Apelação Cível nº. 401.466-0, COAD 121952, TJPR, Des. Rel. Ronald Schulman, Data da Publicação em 01/06/2007).

E não podemos deixar de citar um dos mais conhecidos casos de aplicação da teoria da perda de uma chance no direito brasileiro, relativo ao programa Show do Milhão, onde o Superior Tribunal de Justiça proferiu a seguinte decisão:

RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido. (Resp nº. 788.459 – BA, Quarta Turma do STJ, Min. Rel. Fernando Gonçalves, DJ em 08/11/2005).

Estes são alguns dos inúmeros exemplos de precedentes na jurisprudência brasileira relativos a aplicação da teoria da perda de uma chance. Como se percebe, o tema não se esgota aqui, uma vez cada vez mais surgem novos casos em que a teoria é aplicada aumentando o número de demanda relativas ao assunto no Brasil.

A própria doutrina brasileira vem tratando cada vez mais sobre o assunto, introduzindo estudos, especialmente a nível acadêmico, de modo que a responsabilidade civil pela perda de uma chance é tida como uma nova espécie de dano e como tal, sua tendência é o aprofundamento de seus estudos e de aplicação no meio jurídico atual.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A chance perdida nada mais é que a perda da possibilidade de conseguir uma vantagem esperada. Assim, a principal característica desta teoria está no fato de que não há um juízo de certeza, uma vez que o próprio nome já diz ser apenas uma “chance”, mas sim por um juízo de probabilidade.

Todavia, para configuração desta teoria é necessário poder verificar que as chances são sérias e reais, não se pode fundar uma indenização baseada em situação meramente hipotética sendo necessário que os fatos indiquem que havia probabilidade de chance de obtenção do resultado favorável esperado, antes da ocorrência do evento danoso.

Tendo em vista as características peculiares desta teoria muitos se discute quanto a sua natureza jurídica, no campo doutrinário alguns autores entendem tratar-se de lucros cessantes, outros de danos emergentes e outra corrente defendem ser a perda de uma chance uma modalidade de dano específico, ficando entre o lucro cessante e os danos emergentes.

É preciso salientar que na responsabilidade civil pela perda de uma chance não se indeniza propriamente a vantagem perdida, mas sim a perda da possibilidade de conseguir esta vantagem, ai está o seu principal diferencial das demais modalidades de responsabilidades civis existentes.

A perda de uma chance ao longo das últimas décadas foi ganhando cada vez mais espaço no âmbito do direito, não só na Europa, onde foi o seu berço, mas também a nível mundial.

No Brasil, muito embora o seu estudo tenha se dado recentemente pode-se perceber a sistemática aceitação da teoria. Já é possível encontrar bibliografias específicas sobre o tema e alguns estudos a nível acadêmico, muito embora ainda aja muito que crescer neste aspecto o estudo da perda de uma chance no direito brasileiro.

A jurisprudência também vem demonstrando um avanço relativo a aplicabilidade da perda de uma chance, a cada ano é possível constatar um aumento no número de demandas judiciais envolvendo pedidos de indenização sob o fundamentos desta teoria.

Os principais casos em que os Tribunais de nosso país vêm tendo precedentes versa sobre o desempenho das atividades médica e de advocacia, muito embora, as ações judiciais vem crescendo em muitas outras áreas que até pouco tempo não haviam registros anteriores.

Embora a jurisprudência pátria adote critérios específicos para aplicação desta teoria e da forma de mensuração do valor da indenização, alvo de críticas de alguns doutrinadores, não se pode negar o crescimento do estudo e aplicação da teoria.

Assim, ao final deste estudo é possível detectar que a teoria da perda de uma chance possui grande relevância jurídica, uma vez que trouxe uma evolução para os conceitos e elementos da responsabilidade civil, fundamentando a reparação de prejuízos que anteriormente não eram admitidos, aumentando assim a possibilidade de reparação efetiva dos danos.

No contexto sócio-econômico a teoria da perda de uma chance tornou possível a indenização de danos que não fossem tão concretos e objetivos como até então se exigia, dando a oportunidade de reparação patrimonial de lucros futuros ou esperados, como também de prejuízos que poderiam ter sido evitados, o que denota seu grande avanço.

Já em termos jurídicos a responsabilidade civil pela perda de uma chance trouxe como evidência não ser mais possível deixar de fora do mundo jurídico acontecimentos considerados até então como fatalidades ou de mero acaso, trazendo a concepção máxima de que todo o dano deve ser reparado.

O direito brasileiro não ficou alheio a estas novas mudanças ligadas a responsabilidade civil, sendo que nos dias atuais e que o seu crescimento da teoria da perda de uma chance é evidente e sua aplicação irá requerer cada vez mais estudos doutrinários e jurisprudenciais para melhor adaptação aos casos concretos que surgem.

REFERÊNCIAS

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DINIZ. Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v. 7. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

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LOPES. Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. Direitonet. Disponível em: . Acesso em: 30 nov. 2009.

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VENOSA. Silvio Sálvio. Direito civil: responsabilidade civil. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.

SILVA. Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise comparado e brasileiro. São Paulo: Atlas, 2007.

STOCO. Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6ª ed. São Paulo: RT, 2004.

Data de elaboração: abril/2010

 

Como citar o texto:

RODRIGUES,Andressa Conterno..A responsabilidade civil pela perda de uma chance - um estudo sobre sua origem histórica e aplicação no direito brasileiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/2061/a-responsabilidade-civil-pela-perda-chance-estudo-origem-historica-aplicacao-direito-brasileiro. Acesso em 11 dez. 2010.

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