Durante décadas, e ainda hoje, há quem mantém a idéia de que este é o país da miscigenação, onde há abertura e espaço para que todas as raças vivam de forma perfeitamente harmônica, sem conflitos raciais ou discriminações.

 

Contudo, o conceito da discriminação elencado no art. 1º da Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, apresenta-se como:

Qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública.

Nesta Convenção, assinada e ratificada pelo Brasil, ainda vê-se que:

[...] não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem de proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência a manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos.

Logo, observa-se que a democracia racial no Brasil é um mito.

Existem várias formas de discriminação. Cabe, neste ínterim, explicitar sobre a discriminação de fato, que considera indiferente as condições sociais das classes minoritárias, colocando-as em situação de igualdade com as demais. Nesta categoria, há a seguinte definição para o racismo:

Uma doença que todos nós compartilhamos, porque todos nós portamos a marca de uma história comum. O preconceito inconsciente é problemático na medida em que ele não pode ser objeto de auto-correção (sic) pela via do processo político. Quando o discriminador não tem consciência do seu preconceito e tem convicção de que percorre a trilha da justiça, são parcas as chances de sucesso da razão e da persuasão moral.

Cumpre mencionar ainda sobre a discriminação presumida, que reflete os efeitos presentes de discriminações ocorridas no passado. O Direito americano, nesta modalidade, embora de uma forma flexível, utiliza-se de dados estatísticos para a comprovação. O elemento estatístico, embora seja dotado da realidade, é analisado em conjunto com outros fatores.

Sobre o disposto acima, Joaquim B. Barbosa Gomes, apoiando-se no Direito Comparado, tece proximidades entre a realidade americana e a brasileira:

[...] Tome-se, por exemplo, a questão do uso do elemento estatístico como forma de provar a existência do racismo e da discriminação. No Brasil, jamais se cogitou dessa utilização. Em realidade, talvez em razão do caráter profundamente conservador da Sociedade brasileira e do papel desprezível que nela sempre foi reservado aos negros, a problemática racial vem sendo ignorada pelo sistema jurídico como um todo, salvo raríssimas exceções. [...] Se os nossos Juízes, Advogados [...] tivessem coragem e a disposição intelectual para utilizar essa técnica de aferição da discriminação no nosso cotidiano [...] seguramente o resultado seria devastador, e invalidaria por completo o entediante argumento de que no Brasil a discriminação não ter um corte racial e sim social [...] Se diz correntemente, que a marginalização do negro decorre das parcas oportunidades educacionais que lhe foram franqueadas ao longo o tempo. Não é o que mostram os dados estatísticos [...]

O autor supracitado ainda dispõe que, indiferentemente do indivíduo de classes minoritárias cursar um ensino superior, as oportunidades mesmo assim são claramente desiguais:

[...] Tomemos certos setores do mercado de trabalho nos quais a formação universitária desempenha papel secundário. Assim, teremos: um passeio pelos nossos shopping centers nos levará à surpreendente constatação de que raríssimos negros trabalham em estabelecimentos comerciais especializados na venda de produtos de maior sofisticação; [...] aos restaurante elegantes nos indicará uma quase total ausência de negros em serviços que demandam contato próximo com a clientela [...] Em contraste, nesses mesmos espaços será abundante a presença de negros em funções que realçam claramente a sua inferioridade (‘leão-de-chácara’, manobristas, por exemplo), transmitindo, de forma sutil, a idéia da sua imprestabilidade para tarefas que exijam um grau maior de civilidade [...]

1. ANÁLISES ESTATÍSTICAS DOS AFRODESCENDENTES

Como já expresso alhures, a democracia racial no país é considerada um mito, a discriminação aos afrodescendentes é evidente, a sociedade vive uma realidade em que mesmo de forma sutil o ser negro é associado ao pior e o ser branco ao melhor. Os dados estatísticos evidenciam que os principais determinantes da pobreza no Brasil estão associados à desigualdade na distribuição de recursos. É o que tem sido revelado pelos institutos de pesquisas dotados de idoneidade, como IBGE , IPEA e Instituto Ethos.

Respectivamente, abordar-se-á os indicadores de cada instituto.

Os dados do IBGE apresentam que há desigualdade na distribuição de riquezas entre brancos, negros e pardos, o que por sua vez acontece por dois motivos principais: índice de analfabetismo (21% para negros, 19,6% para pardos e 8,3% para os brancos) e índice de renda em salários mínimos (2,43 salários para negros, 2,54 para pardos e 5,25 para brancos). Ainda revela que do 1% dos mais ricos do país, 88% são brancos; em contrapartida, dos 10% mais pobres, 70% são negros ou pardos.

A seguir, os dados do IPEA de 1999, de uma forma que corrobora as estatísticas do IBGE, demonstram que de acordo com a pesquisa nacional por amostra de domicílios, entre os aproximados 160 milhões de indivíduos que compunham a população brasileira, 54% se declararam brancos, 45,3% se declararam pretos ou pardos, 0,46% amarelos e 0,16 índios.

Ao que tange à população masculina, há 53% de brancos e 46,4% de negros; entre as mulheres, 55% são brancas e 44,3% são negras.

De acordo com a pesquisa, os negros ocupam 45% da população brasileira, mas correspondem a 64% da população pobre e 69% da população indigente. Os brancos, por sua vez, representam 54% da população total, mas somente 36% dos pobres e 31% dos indigentes.

Dos 53 milhões de brasileiros pobres, 19 milhões são brancos e 33,7 milhões são negros e pardos. Entre os 22 milhões de indigentes, há 6,8 milhões de brancos e 15,1% de negros e pardos.

Contatou-se que o branco é 2,5 vezes mais rico em comparação ao negro.

Quanto à educação, a escolaridade de um jovem negro, com 25 anos de idade, aproxima de 6 anos de estudo; um jovem branco da mesma idade tem cerca de 8,4 anos de estudo.

É interessante ressaltar também, que, na mesma pesquisa, foi identificado que 8% dos negros entre 15 e 25 anos eram analfabetos, enquanto entre os brancos da mesma faixa etária o índice é de 3%.

Aponta-se ainda que não completaram o ensino fundamental 57,4% dos alunos brancos e 75,3% dos alunos negros. Paralelamente, só completaram o ensino médio 12,9% dos brancos, e 3,3% dos negros.

Já os dados do ensino superiores são ainda mais alarmantes. O indicador de 11% dos brancos entre 18 e 25 anos havia ingressado na universidade. Os jovens negros nessa faixa de idade, se resume a 2% apenas.

E por fim, o Instituto Ethos, na pesquisa chamada de Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas, expõe que "apenas 1% das empresas diz manter programas para melhorar a capacitação profissional de negros, que constituem 43,3% da população economicamente ativa".

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Data de elaboração: junho/2010

 

Como citar o texto:

MACIEL, Álvaro dos Santos..A democracia no Brasil.. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/2109/a-democracia-brasil-. Acesso em 21 dez. 2010.

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