1. Introdução

 

Sabe-se que, nas relações trabalhistas que se formam, o trabalhador ou o empregado são a parte economicamente mais fraca, necessitando de uma proteção estatal especial, para ser amparado, o que alcança através da aplicação do princípio protetor.

Inicialmente, tratar-se-á do conceito do princípio do protetor, abordando, ainda, noções acerca de seus três subprincípios, o princípio do in dúbio pro operário, o princípio da norma mais favorável e o princípio da condição mais benéfica.

Por fim, apresentar-se-á uma nova roupagem dada ao princípio do protetor, quando o mesmo em sua acepção original deixa de ser uma regra e a proteção recai sobre o empregador que passa a ser protegido também por ser tão ou mais frágil que o empregado, concluindo que o Direito do Trabalho deve buscar a harmonização, uma relação de trabalho equilibrada, sem prejudicar nenhuma das partes envolvidas.

2. Conceito

Considerado por alguns doutrinadores como único princípio específico do Direito do Trabalho, o princípio da proteção ou princípio protetor, se caracteriza pela interferência do Estado nas relações de trabalho, por meio de normas imperativas, com o fim especial de compensar uma presumida desigualdade econômica desfavorável ao trabalhador através de uma proteção jurídica a ele mais favorável.

Em seus ensinamentos, os estudiosos costumam afirmar que: “o princípio primário do qual emergiram, por desdobramento, todos os demais, é o da proteção do hipossuficiente econômico” (PINTO, 2003, p.76).

Por ser da essência do direito laboral a tutela do trabalhador, vez que na relação jurídico-trabalhista o cerne é a desigualdade entre as partes, empregador e empregado, o jurista, uruguaio Américo Plá Rodriguez, responsável pela formulação mais completa na doutrina principiológica do direito trabalhista, destaca dentre todos os outros, o princípio da proteção.

Nesse sentido, Rodrigues Pinto (2003) esclarece que, dos embates gerados pela Revolução Industrial nasceu a certeza de que, nas relações de trabalho subordinado, a igualdade jurídica aconselhada pelo Direito Comum para os sujeitos das relações jurídicas se tornaria utópica em razão da deformação que o poder econômico de um provocaria na manifestação de vontade do outro.

Logo, como forma de amparar a debilidade econômica do empregado, na relação jurídica individual de emprego, a fim de restabelecer, em termos reais, a igualdade jurídica entre ele e o empregador, firmou-se, então, o aludido primado.

Américo Plá Rodriguez (1993) divide o princípio protetor em outros três subprincípios: o princípio do in dúbio pro operário, o princípio da norma mais favorável e o princípio da condição mais benéfica.

Sobre o princípio da norma favorável ao trabalhador, Amauri Mascaro Nascimento (2004) afirma possuir função tríplice: a primogênita, que diz respeito à elaboração das normas jurídicas, o que informa que a nova legislação deve dispor com o intuito de aperfeiçoar o sistema, beneficiando o trabalhador, só excepcionalmente, se afastando desse fim. A hierárquica é a segunda função do princípio da norma mais favorável. Assim, se faz mister, determinar uma ordem de hierarquia na imposição destas, qual seria: havendo duas ou mais normas, estatais ou não estatais, aplica-se a que mais favorecer o operário. A função terceira é a interpretativa, de maneira que, havendo obscuridade quanto ao significado da norma, prevaleça a interpretação mais benigna ao trabalhador, no sentido de que conduza ao que mais se ajuste com o sentido social do direito laboral.

Américo Plá Rodriguez (1993) assevera ser uma forma de compensar a inferioridade jurídica que há entre os sujeitos desta relação, reflexo do paralelo: subordinação versus poder diretivo, este por parte do empregador e aquele do empregado, o que é inclusive um requisito, para caracterizar o contrato de trabalho.

A subordinação, neste caso, deve ser entendida como a característica mais expressiva da existência de uma relação laboral, é a subordinação jurídica, que consiste na sujeição do trabalhador ao comando do empregador. Seria, por exemplo, a obrigação do obreiro em comparecer diariamente, ou nos dias determinados pelo empregador, cumprir a jornada fixada, ter que respeitar o cartão de ponto, estar sujeito a punição disciplinar, obedecer às normas internas, entre outros fatos.

O Poder diretivo, por sua vez, exprime a forma como o empregador define como serão desenvolvidas as atividades do empregado decorrente do contrato de trabalho. Abarca a organização, o controle e a disciplina do trabalho nos termos dos fins do empreendimento.

Em suma, sob esse enfoque, o princípio protetor visa o nivelamento que falta na relação jurídico-trabalhista frente ao desequilíbrio entre as partes.

O cunho protetor pode ser visto ainda sob dois enfoques: o físico, manifestado, por exemplo, pelo descanso anual, semanal, inter e entre jornadas, antes e depois do parto entre outros e, o sócio-econômico, por meio da garantia de previdência social, proteção à maternidade, seguro desemprego, proteção do salário, melhores condições de trabalho etc.

O preceito protetivo é patenteado na Constituição Federal de 1988, em seu artigo7º, caput, quando reza pela busca de melhores condições sociais aos trabalhadores urbanos e rurais, e implicitamente em seus incisos, principalmente no inciso I, que protege o obreiro de despedidas arbitrárias.

Parte importante da doutrina aponta este princípio como cardeal do Direito do Trabalho, por influir em toda a estrutura e características próprias desse ramo jurídico especializado. Esta é a propósito, a compreensão do grande jurista uruguaio Américo Plá Rodriguez (1993), citado outrora, que considera que o princípio protetivo se traduz em três dimensões distintas: o princípio do in dúbio pro operário, o princípio da norma mais favorável e o princípio da condição mais benéfica.

O “in dúbio pro operário” diz respeito à hipótese do aplicador do direito se deparar com duas ou mais interpretações para uma mesma norma. Eis uma hipótese em que deverá valer-se da interpretação mais viável ao empregado. Trata-se como se vê, em verdade, de uma regra de interpretação. Dependendo das circunstâncias tendo-se os entendimentos “A” e “B” para o caso “1” e para o caso “2” também, neste pode ser que a interpretação mais benéfica seja a “A” e, naquele seja “B”.

O subprincípio da aplicação da norma mais favorável decorre do fato de no Direito do Trabalho existir vários centros produtores de normas além do Estado, podendo os próprios sujeitos da relação empregatícia, separados ou conjuntamente, formular regras, por meio de acordo e convenção coletiva, regulamento de empresa ou do próprio contrato de trabalho, por exemplo.

Assim, de acordo com esse subprincípio, quando houver duas ou mais normas aplicáveis ao caso em concreto, que disponham da mesma matéria, deverá ser empregada pelo aplicador do direito a que beneficiar o operário. Contudo, deste já se deve ressaltar que este subprincípio não se aplica às normas proibitivas do Estado, caso da vedação, por exemplo, do aumento salarial acima das medidas determinadas pelo governo.

Outra importante observação neste sentido é a determinação legal de se preservar o interesse social acima do individual, portanto, mesmo existindo o mencionado subprincípio, o aplicador do direito não poderá nunca se desvencilhar deste axioma.

O subprincípio da aplicação da condição mais benéfica ao trabalhador trata-se de uma reprodução da prerrogativa constitucional do direito adquirido (artigo 5º, XXXVI, CF). Está relacionada à questão cronológica no emprego de lei trabalhista. Destarte, uma norma posterior que modifique ou suprima um direito consagrado em uma norma anterior revogada, para salvaguardar os direitos dos obreiros, frente estas transformações lesivas que podem afeta-los, deve o operador da lei posicionar-se pela manutenção da condição mais favorável ao trabalhador.

Esta regra tem alicerce em dois pontos: o primeiro, como sobredito, refere-se à ofensa ao direito adquirido, constitucionalmente protegido; o segundo é o que alude o artigo 468 da CLT, quando assevera que a modificação das regras trabalhistas, inclusive em relação ao contrato de trabalho, não pode ser em desfavor do obreiro.

Restrições à incidência deste princípio haverá quando se tratar de condições benéficas temporárias, cuja sua permanência possa gerar encargos pesados ao empregador que venham prejudicá-lo com conseqüências extremamente maléficas.

O emprego rigoroso deste subprincípio é propício a gerar efeitos psicológicos negativo no empregador, que, por exemplo, poderá evitar melhorar as condições de trabalho dos seus empregados por determinado período com receio da irreversibilidade.

Por fim, segundo a concepção de De La Lama Rivera (1993), existem dois inconvenientes para a aplicação da regra da condição mais benéfica, consubstanciando-se em inconveniente econômico e psicológico. O inconveniente econômico traduz-se em elevados encargos para a empresa, que ocasionalmente pode não ter condições para suportá-los, determinando, pois, o seu fracasso e ruína, juntamente com todas as demais conseqüências. O inconveniente psicológico mostra-se em face de que tal regra pode ser inibidora à outorga de vantagens ou benefícios ao trabalhador, ainda que de forma transitória, diante do risco de tornar-se inalterável.

2.2. Uma nova leitura do princípio protetor

O princípio protetor, em sua condição, não deixa de ser uma regra, e como tal, comporta exceções.

A aplicação dos princípios, em geral, e, especialmente o da proteção, não pode ocorrer de forma absoluta e impensada, sob pena de, em certos casos, ao invés de igualar os desiguais, acarretar uma desigualdade ainda maior, ou, por vezes, decidir arbitrariamente em favor de quem não faz jus à tutela jurisdicional pleiteada.

Ao menos de forma absoluta, não se pode afirmar que o empregado sempre será a parte hipossuficiente da relação jurídica, eis que, em certos casos, o empregador poderá ser tão, ou mais, frágil que o próprio empregado.

Neste sentido, exemplificando, Francisco Meton Marques de Lima menciona caso concreto ocorrido na Vara do Trabalho de Quixadá (CE), conforme ora se aduz:

Diante do pretório, o empregado e o patrão, ambos com sintoma de infinita pobreza; o primeiro reclama soma elevada de diferença salarial, 13º, férias, horas extras, salário-família, indenização de antigüidade, anotações de CTPS; o reclamado não sabe sequer se manifestar em contestação, limita-se a dizer que não tem condição financeira para pagar qualquer indenização, mesmo com prejuízo do sustento próprio e da família (claro que expresso em linguagem coloquial); o Juiz-Presidente propõe a conciliação e para a surpresa de todos, o reclamado oferece a bodega ao reclamante na condição de este o empregar com carteira assinada e salário-mínimo. O reclamante rejeitou a proposta, dizendo que a bodega (contra a qual reclamava) não suportava tal encargo. (LIMA, 1994, p.81)

Sendo assim, não se pode afirmar, de forma absoluta, que o empregado seja a parte hipossuficiente da relação jurídica, razão pela qual, em determinadas situações, a aplicação do princípio deve ser mitigada, tendo em vista o fato de que a hipossuficiência é recíproca.

Aliás, como forma de se reconhecer que, em determinadas ocasiões, o hipossuficiente da relação nem sempre é o empregado, basta lembrar que a subordinação que se exige como requisito para a caracterização da relação de emprego não é econômica, mas jurídica. Não é difícil encontrar situações em que o empregado, por diversas razões (como em função de uma outra fonte de renda, economias, herança etc.), possui condições econômicas melhores que o seu empregador.

Além disso, deve-se atentar que, embora haja, em essência, um antagonismo intolerável entre os princípios da imparcialidade do juiz e da proteção ao economicamente mais fraco, devem estes conviver harmoniosamente. Sendo cada um deles o maior fundamento do direito processual trabalhista e do direito material do trabalho, respectivamente, o ponto de equilíbrio é encontrado na aplicação do conjunto tutelar de regras de direito material, com a concessão de oportunidades simétricas para o exercício das regras processuais. Tal ponto de equilíbrio é rompido sempre que o órgão jurisdicional se investe, indevidamente, na função de tutor do empregado.

Como convenientemente exposto por José Augusto Rodrigues Pinto, em Processo Trabalhista de Conhecimento,

[...] a sabedoria do juiz trabalhista na dosagem entre os princípios, igualmente fundamentais, da proteção (de direito material) e da imparcialidade (de direito processual), torna-se, portanto, em fiel da balança de sua atuação no processo, visto não se poder ignorar que, em cada julgamento, o julgador é julgado pela sociedade em face da qual exerce seu poder.(PINTO, 2002, p. 21)

Também, há de se mencionar que existe grande divergência doutrinária acerca da possibilidade de aplicação da regra do “in dubio pro operário”, decorrente do princípio protetor, no âmbito processual, sobretudo em se tratando de matéria probatória. A doutrina divide-se, basicamente, em duas correntes, que discorremos a seguir.

Os que são a favor da adoção do referido princípio, inclusive em matéria probatória, a justifica, como Cesarino Júnior, da seguinte forma:

Na dúvida, isto é, quando militam razões pró e contra, é razoável decidir a favor do economicamente fraco, num litígio que visa, não satisfazer ambições, mas a prover às necessidades imediatas da vida. Isto é humano, isto atende ao interesse social, ao bem comum. Nada tem de ousado, ou de classista. Classista seria sempre decidir a favor do empregado, com dúvidas ou sem dúvidas, com a lei, sem a lei ou contra a lei /.../ assim, o elemento ético-social, concretizado na tutela razoável do trabalhador, contribui para uma solução humana e justa. (CESARINO JUNIOR, 1977, p.533)

No mesmo sentido, Mozart Victor Russomano (1990) entende que se deve decidir em favor do empregado sempre que o juiz estiver, com fundados motivos, hesitante entre duas soluções opostas. E quer essa dúvida resulte da interpretação da lei, quer resulte da avaliação crítica da prova, a conclusão do magistrado deve ser a mesma.

Em contrapartida, a doutrina mais tradicional, sustenta como Guillermo Camacho Henriquez (1993) que, a questão deve ser analisada sob o prisma do onus probandi, e não pela aplicação da regra do “in dubio pro operario”, sendo certo que somente poderá o magistrado afastar-se desse critério, nos casos em que o legislador estabeleceu determinadas presunções, permitindo-se, pois, a inversão do ônus da prova.

Por exemplo, no caso em que o empregado, com a finalidade de comprovar a jornada de trabalho laborada, requer ao juiz que determine ao empregador para proceder à juntada de cartões de ponto, e o empregador ignora a determinação judicial, haverá uma presunção de veracidade das alegações do empregado, por força da disposição constante no art. 359 do CPC e na Súmula nº. 338 de Jurisprudência do Colendo Tribunal Superior do Trabalho.

Entretanto, o caso acima mencionado reflete perfeitamente uma incidência do princípio da proteção, mas não da regra do “in dubio pro operário”.

Para Manoel Antônio Teixeira Filho, não haverá incidência da regra do “in dubio pro operário” em matéria probatória:

[...] tendo em vista que ou a prova existe ou não se prova. A insuficiência de prova gera a improcedência do pedido e, portanto, o resultado será desfavorável àquele que detinha o ônus da prova, seja ele o empregado seja ele o empregado. Por outro lado, se ambos os litigantes produzirem as suas provas e esta ficar dividida, deverá o magistrado utilizar-se do princípio da persuasão racional, decidindo-se pela adoção da prova que melhor lhe convenceu, nunca pendendo-se pela utilização da in dubio pro operario, já que neste campo não há qualquer eficácia desta norma. (TEIXEIRA FILHO, 1991, p. 101-102.)

A decisão em benefício do empregado, pelo simples fato de ser empregado, não é decisão que se coaduna com as normas jurídicas positivadas, mas, ao contrário disso, reflete, como bem salienta Manoel Antônio Texeira Filho (1991) atitude piedosa, de favor, que se ressente de qualquer lastro de juridicidade. Torna a sentença frágil, suscetível de virtual reforma pelo grau de jurisdição superior. A desigualdade real entre as partes, entretanto, há de ser outorgada por leis processuais adequadas e não pela pessoa do julgador, a poder de certos critérios subjetivos e casuísticos.

Deste modo, a aplicação da regra do “in dubio pro operário” não pode ser aplicada de forma absoluta, sendo que a sua aplicação requer discernimento e ponderação do magistrado diante das situações concretas, sob pena de, em certos casos, em vez de igualar os desiguais, acarretar uma desigualdade ainda maior, ou, por vezes, decidir arbitrariamente em favor de quem não faz jus à tutela jurisdicional pleiteada.

É importante ressaltar ainda, como faz Francisco Meton Marques de. Lima (1994) que existe um limite para a aplicação do princípio protetor, no que diz respeito a norma mais favorável ao empregado, já que o intérprete ou aplicador da lei não deve ter em vista o empregado considerado isoladamente, mas, deve buscar a preservação do interesse coletivo.

Ademais, outra questão de suma importância que merece destaque em relação ao princípio protetor, diz respeito à necessidade de flexibilização/relativização deste na Execução, seja por se tratar de um princípio propriamente dito de direito material, seja por uma questão de necessidade de adequação as mudanças sociais.

Em sede de execução, objeto do presente trabalho, a relativização ao princípio protetor merece uma maior guarida, porque, ausente a subordinação nesta fase processual (já que se busca apenas a satisfação de um direito já certificado na fase de conhecimento), um dos requisitos principais para aplicação deste primado, inexiste motivo para que não se tenha um tratamento mais isonômico entre as partes.

Além disso, registre-se que, o Direito do Trabalho do século XXI não é mais aquele do Estado-Novo (1937-1945), que regulava as relações individuais e coletivas de trabalho em um Brasil de rudimentar industrialização, submetido a um regime político caracterizado pelo corporativismo e pelo autoritarismo.

Hoje, o Brasil já faz parte do elenco das maiores economias do mundo industrial, onde o trabalhador industrial típico do modo de organização fordista-taylorista transformou-se no trabalhador do conhecimento e da informação, num Estado democrático de direito.

É evidente que, tantas mudanças ocorridas no mundo da economia, da tecnologia e da política deverão refletir-se na legislação que regula as relações individuais e coletivas de trabalho, para adaptar-se às novas realidades econômicas e sociais.

Assim, como reflexo da adaptação da superestrutura jurídica às novas realidades, uma nova leitura deve ser dada ao princípio protetor, em face das transformações que o Direito do Trabalho vem experimentando.

Necessária se faz, portanto, uma flexibilização do princípio cautelar e da imperatividade das normas laborais, que pode ser vislumbrada através de uma evolução da atividade interpretativa e da ampliação das categorias jurídicas, promovendo-se algumas revisões conceituais.

Não se pretende explicitar a tese de flexibilização das normas idealizada por Hans Kelsen (2000), segundo o qual: a flexibilização seria uma fenômeno contrário à segurança e estabilidade jurídicas de que é o objeto a Teoria Pura do Direito, ao vedar o arbítrio do aplicador do direito, no que tange à possibilidade de determinar regras individuais desvinculadas de uma fundamentação de uma regra de caráter geral (a exemplo do princípio protetor).

Flexibilizar as normas trabalhistas quer dizer, torná-las o mais ajustável possível a situações fáticas, menos rigorosas. Em princípio, corresponde à troca do preceito de natureza genérica por outro de natureza individualizada.

Aqueles, como Amauri Mascaro (1998), que preconizam a flexibilização, justificam tal teoria sob fundamentos diversos, sendo os mais indicados os seguintes: a pura necessidade de reformar e rever conceitos que hoje consideram superados, o excessivo “engessamento” das relações de trabalho pela indevida intromissão estatal; o extraordinário avanço da tecnologia, que tornam incompatíveis as modernas formas de produção com os atuais modelos de relação de trabalho; o excesso de proteção que teria efeitos perversos, resultando em diminuição dos postos de trabalho, aumento do subemprego e do trabalho informal.

Os instrumentos flexibilizadores são, portanto, capazes de compatibilizar os interesses das empresas e dos seus trabalhadores, de modo a adaptar os preceitos de ordem pública às grandes alterações ditadas pelas crises econômicas e pelo desenvolvimento tecnológico.

A visão conservadora e resistente às mudanças se esmera na supervalorização do princípio protetor, opondo-se à tendência renovadora, pregoeira de “novidades” como a flexibilização.

Cumpre esclarecer-se que o intuito do presente trabalho não é promover alterações drásticas ou tendenciosas na interpretação das normas e princípios trabalhistas, mas criar uma nova visão, aproximando os aplicadores do direito da realidade nacional do direito do trabalho, preocupando-se com a globalização, porém, visando sempre o benefício de toda a sociedade.

O princípio protetor, basilar no direito do trabalho tradicional, não necessita ser afastado em toda a sua essência, mais amoldado e analisado, de acordo com a situação que se apresenta e com as condições sociais que se impõem. Ele pode e até mesmo deve perder forças para outros princípios, numa análise direta de proporcionalidade, onde deve prevalecer a que envolve maiores valores sociais em detrimento do individual.

É a interpretação baseada em conhecimento empírico, impossibilitando o emprego dogmático da norma, ou dos princípios, sujeitando-os a uma melhor compreensão do direito pelo intérprete.

O princípio protetor deve ser aplicado em alguns casos, mas com moderações decorrentes de verificações impetradas pelo intérprete do direito, cedendo espaço para estas outras situações apresentadas, em atendimento à realidade e à necessidade social. Tais verificações, após investigadas, devem sopesar ou eliminar os benefícios do princípio protetivo, na sua interpretação tradicional.

Neste plano, consoante assevera Márcio Túlio Viana (1999), pode-se até falar, sem qualquer sobra de dúvidas, em princípio protetor dos empregadores, da manutenção de empregos: da família; das condições de trabalho, variando o prisma, de acordo com a necessidade e a realidade social.

Plauto Faraco de Azevedo, quando leciona acerca do dogmatismo jurídico e da necessidade de dinamização do direito, entende que:

[...] a questão não está, pois, em negar a Dogmática Jurídica, mas em redimensioná-la. Ninguém pode validamente sustentar que o estudo ‘dogmático’ do direito, - compreendendo o conhecimento das regras jurídicas, de sua organização e hierarquia, de seus conceitos fundamentais e princípios orientadores, buscando a determinação de seu sentido atual, tendo em vista a sua aplicação a determinado conceito social -, não seja indispensável. Tudo está em não desvinculá-la da realidade a que se destina, mas em reconhecer, em conformidade com esta, uma hierarquia de problemas a que deverá ela oferecer soluções. (AZEVEDO, 1998, p.51)

 

Assim, o princípio protetivo deve ser empregado na sua forma tradicional ou, ainda, para proteger os interesses dos empregadores, conforme valores e situação a ser ponderada e analisada pelo aplicados do direito.

José Luciano de Castilho Pereira, ao lecionar sobre o direito do trabalho no limiar do século XXI, declara sabiamente que:

A situação vivida atualmente é de transição, em que o velho não acabou de morrer, mas o novo ainda não terminou seu processo de nascimento. É um processo de mutação, onde o velho não pode ser usado e o novo ainda não foi compreendido. (PEREIRA, 1997, p. 1310)

O direito do trabalho brasileiro, nesta nova era de globalização, mostra-se em muitos pontos superado e falido.

Castán Tobeñas, já em 1966, publicou um artigo intitulado “La idea de justiça social” que traduz de forma correta, atual e em perfeita adequação ao momento presente brasileiro, o entendimento supra citado, verifique-se:

O princípio protecionista está em baixa e tem cada vez menos relevo no Direito do Trabalho. As normas do Direito do Trabalho, por estar ele baseado na justiça social, devem ser sempre interpretadas a favor do trabalhador, porém esta assertiva não é justa nem satisfatória.A justiça e o Direito devem perseguir soluções de equilíbrio harmônico(que se traduzirá umas vezes em proteger o trabalhador, mas outras vezes em prestar a proteção à empresa) e devem estar, sempre a serviço da coletividade, que tem preferência sobre o interesse próprio dos indivíduos e dos grupos.(CASTÁN TOBEÑAS, 1966, p. 40-41)

A nova ótica exige uma mudança na maneira de se visualizar e aplicar os princípios do direito do trabalho, que são o marco inicial de todas as alterações que devem ser perpetradas em nosso sistema jurídico, alterando-se, por vezes, a tutela do trabalhador para a empresa, porém, com devidas moderações.

A participação dos intérpretes neste processo de flexibilização do direito do trabalho é essencial, para o fim de dosar os princípios basilares do direito do trabalho, garantindo um mínimo de condições de trabalho ao obreiro, mas não perdendo de vista a globalização do mercado, com a sobrevivência das empresas, num final benéfico à toda a sociedade.

A principiologia do direito do trabalho deve ser encarada por uma nova ótica, com a intensa participação do Judiciário visando amoldá-la à efetiva realização da Justiça, seja numa ótica individual ou social. Coloca-se abaixo, a aplicação irrestrita e impensada do direito, valorando-se qual o maior objetivo a ser tutelado.

O princípio protetor deve ser utilizado de forma mais direcionada ao social, preocupando-se mais com a manutenção de empregos e de boas condições de trabalho do que com simples interesses individuais.

O consagrado Américo Plá Rodriguez oferece respaldo a nossa afirmação quando sustenta que:

os princípios, próprios do Direito do Trabalho, por sua própria natureza e pela índole de sua função, têm uma capacidade de adaptação e de ajuste a diferentes realidades, que lhe tiram a rigidez. Ao contrário, são particularmente aptos para conduzir e acompanhar as legítimas tentativas de flexibilização. (RODRIGUEZ, 2000, p.80)

É justamente o caráter dinâmico do direito e dos princípios que possibilita ao aplicador compatibilizar o princípio protetor com o da execução menos gravosa e, pautado neles, interpretar os dispositivos legais em vigor, permitindo a utilização do convênio adequada à realidade vivenciada na atualidade, propiciando a solução de um problema da execução sem perturbar a paz social.

A par da flexibilização, outra consideração que deve ser feita em relação ao princípio em debate, diz respeito ao cabimento de se falar com propriedade, em proteção como uma função do Direito.

Caberia ao Direito proteger em qualquer dos seus ramos, algum dos sujeitos de dada relação social?

A função do Direito, como bem ressalta Arion Sayão Romita, não é a proteção de uma das partes, veja-se:

[...] não constitui função do direito - de qualquer dos ramos do direito - proteger algum dos sujeitos de dada relação social. Função do direito é regular a relação em busca da realização do ideal de justiça. Se para dar atuação prática ao ideal de justiça for necessária a adoção de alguma providência tendente a equilibrar os pólos da relação, o direito concede à parte em posição desvaforável alguma garantia, vantagem ou benefício capaz de preencher aquele requisito.

Ninguém poderia, em sã consciência, admitir que o direito comercial protege o comerciante, que o direito administrativo protege a administração, que o direito tributário protege o fisco, que o direito das coisas protege o proprietário, que o direito das obrigações protege o credor( uma exceção, para confirmar a regra, poderia ser admitida: o direito processual penal protege o acusado contra possível arbítrio do Estado no exercício da pretensão punitiva). Seria uma sandice afirmar que o direito constitucional protege os poderes do Estado. O direito tributário regula as relações entre o fisco e o contribuinte, afirmação válida mutatis mutandis para as demais assertivas acima formuladas.

Não é função do direito do trabalho proteger o empregado. Função do direito do trabalho é regular as relações entre o empregado e o empregador. Afirmar a priori a função protecionista do direito do trabalho em benefício do empregado desconhece a bilateralidade da relação de emprego. Aceito o caráter sinalagmático do contrato de trabalho, seria de rigor a aceitação de igual dose de proteção concedida ao empregador: o instituto da falta grave e a repressão à greve podem ser lembrados como exemplos. (Romita, 2002, p.02)

Assim, como ramo do Direito que é o Direito do Trabalho, não deve buscar “proteger” o empregado, mas sim regular a relação de trabalho, buscando atingir o ideal de justiça.

O operador do Direito deve se preocupar é com a efetiva prestação jurisdicional para ambos os litigantes, de forma que cada um possa exercer seu direito, não resumindo a sua prestação jurisdicional a simples entrega do bem para aquele que tem o direito sem qualquer critério para isso. Deve agir assim, buscando manter um equilíbrio social e uma harmonia jurídica.

3. Conclusão

Perante tudo o que foi exposto acerca da proteção no sistema trabalhista vigente no país, o que deve ser buscado através do poder judiciário, é a devida tutela para os litigantes, através da efetiva prestação jurisdicional para ambos, de forma que cada um possa exercer seu direito a fim de se manter equilíbrio social e uma harmonia jurídica, não se trata simplesmente de entregar o bem para aquele que tem o direito sem qualquer critério.

Por isso é importante ressalvar, que de nada servirá a prestação jurisdicional, se para atender o interesse de uma das partes, passar a se tomar decisões desprovidas de razoabilidade, ocasionando a destruição da outra parte em nome do direito e da justiça, isso se considerado a atual conjuntura econômica brasileira e até mesmo mundial.

Espera-se, desta forma, que haja uma conscientização e relativização pelos aplicadores do Direito, visando alcançar a efetivação do princípio do protetor de forma reformulada, ponderando os interesses, chegando, assim, consequentemente, à aplicação de uma decisão mais justa e coerente para os casos concretos.

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Data de elaboração: outubro/2010

 

Como citar o texto:

SILVEIRA,Clariana Oliveira da..O princípio do protetor no Direito do Trabalho. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/2160/o-principio-protetor-direito-trabalho. Acesso em 16 fev. 2011.

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