Liberdade

 

Naturalmente, diz-se que o homem é livre, nasce livre, logo não cabe à sociedade limitar essa liberdade a não ser pelos próprios fins sociais; preservação e felicidade dos homens. Não havendo interesse público ou finalidade social limitando a liberdade, devem aventurar-se nossas vidas para garanti-la.

Antes mesmo do surgimento do Estado, foi preciso polir, aparar as arestas desse direito e também fixar seu campo de atuação e exercício mediante normas não escritas, os costumes, para facilitar a convivência. Precisamente a resistência a esses limites impostos atualmente pelo Poder, proibindo condutas, é que determina a conflituosidade social, razão de ser do direito . Desse modo, a evolução sócio-cultural juntamente com os aplicadores do Direito são sua oficina, forjam seu significado, tornam-se inscultores de novas liberdades, moldando-a e formatando-a a fim harmonizar a convivência e fazer prevalecer a paz.

Liberdade é assentamento imanente, inalienável e imprescritível da pessoa humana. Independentemente da organização social ou política e de crenças religiosas, seu condicionamento deve ser feito apenas por Lei garantindo a justiça: a justiça da tolerância. Assim sendo, considera-se Lei a vontade comum do povo instituída e concretizada por órgãos estatais legítimos. Chegando-se, por esse modo, aos dias de hoje, o princípio da reserva legal.

“A Vontade Comum é a fonte de legítimas instituições políticas; de que liberdade e lei são uma e mesma coisa nas operações da Vontade Comum, pois ela deve agir para o Bem Comum e, portanto, para o Bem “real” ou verdadeiro de cada indivíduo”.

Homem e liberdade são uma e mesma coisa, um não existe sem o outro. O ser humano seria incompleto, aleijado e disforme, não exerceria sua capacidade plena de desenvolvimento social, político, econômico, religioso e cultural. Destarte, a liberdade “é incompatível com qualquer tipo se imposição, visto que obrigar alguém a ser livre implicará em privá-lo de sua liberdade”.

Antes mesmo de existir o Estado, existia o homem. Por isso se diz que a Liberdade é Direito natural do homem, inerente à sua própria natureza no sentido de se fazer tudo o que se deseja sem interferir na liberdade dos demais, é condição de existência sine qua non (sem a qual não). Sendo assim, os homens em sociedade não se lamentam de ter trocado “essa inútil partícula de liberdade de que se privou, se a comparar com a soma de todas as demais liberdades que os seus concidadãos lhe sacrificaram, e se pensar que, sem as leis, estes últimos poderiam armar-se e unir-se contra ele”.

Faz-se mister definir, por conseguinte, conceituar e fixar, a evolução e sentido da liberdade da pessoa humana com vistas à melhor compreensão, aplicação, aprimoramento, aperfeiçoamento, condicionamento e evolução do instituto pena aos parâmetros da justiça, liberdade e paz social perseguidos pelo Estado de direito.

É o procurador e professor da PUC-PR, Frederico Marés, quem afirma que a liberdade de todos tem limite, mas o ser humano é o único que a conceitua e o único que estabelece regras para vivê-la, e as transforma. É sabido que nenhum ser tem qualquer chance de exercer sua liberdade quando disputa o espaço e o tempo com o ser humano.

O Estado, através do direito, fixa limites à liberdade, garantindo seu uso através da punição de seu abuso. Assim, é válido dizer que “o direito não está na lei [...], aplicar regras por definição formais e abstratas a casos por definição particulares e concretos é o direito”.

Por conseguinte, o homem, ao tentar defini-la, constata-se que se trata de palavra ambígua, comportando, em consequência, vários significados.

Com vistas à sua significação, faz-se necessário classificá-la para facilitar seu estudo e entendimento. São os ensinamentos de Francis Wolff, que demonstram e distinguem os diferentes sentidos e classificações da liberdade. Nestes termos;

“[...] quando nos perguntamos se em tal País se é livre, ou quando invocamos as liberdades políticas, as liberdades fundamentais, ou ainda quando dizemos de um homem que é livre (por oposição a um escravo ou a um preso), referimo-nos ao que se pode chamar liberdade de direito, isto é, em linhas gerais, a ausência de coerções externas - as interdições e as obrigações - nascidas do Estado, da coletividade ou da sociedade”.

Com efeito, há a liberdade de direito, como explicitado acima, que se subdivide em duas: liberdade política; variável conforme o regime e opõe-se à opressão, e.g., ditadura, e liberdade jurídica; aí se distinguindo o homem livre que se opõe ao escravo e o homem livre que se distingue do preso.

Além da liberdade de direito há um segundo sentido, que se pode chamar de liberdade de fato, opondo-se à de direito. Assim, não se trata mais de perquirir se é permitido fazer (dizer, pensar), mas se questiona: é possível fazer (pensar querer)?. Nesse caso não se trata mais de “coerções extrínsecas (as leis civis, as obrigações sociais, as regras coletivas, as interdições...)”, mas de coerções “intrínsecas, aquelas que concernem ao próprio sujeito”.

A acima nominada liberdade de fato pode também ser dividida em duas concepções, num primeiro momento destaca-se a capacidade de fazer o que se quer, exemplificativamente, não basta que eu viva num País onde há liberdade de viajar ao exterior, para isso posso ser impedido por minha situação social ou simplesmente por meus recursos financeiros. Assim, passa-se da questão de liberdade formal “temos o direito de fazer” para a questão da liberdade material “temos os meios de fazer”. Portanto, o sistema social, econômico ou cultural pode ser apenas um dos óbices para exercer um direito política e juridicamente reconhecido e garantido por que há também limitações físicas, e. g., paraplegia.

A principal característica da liberdade de direito é que ela existe ou não existe, a depender do regime ou sistema de governo. Já a liberdade de fato destaca-se por ser “proporcional” e “gradual” com relação aos meios dos quais possui (riqueza, saúde, cultura, força), nesse sentido, quanto mais se tem mais se pode falar que é livre.

Ainda sobre a liberdade de fato no âmbito individual-psicológico, destaca-se a liberdade de querer. Pergunta-se; somos verdadeiramente livres para querer o que queremos?. No querer influi o desejo, a violência das paixões ou o desespero do ódio, da dor, do rancor, ou, na atual sociedade, também a apelação da mídia em criar novos desejos que em outras circunstâncias ou épocas não desejaríamos, em vista disso, a razão cede-se à emoção, ao desejo, aos caprichos e vaidades estimulados à exaustão pelo sistema midiático, escrito ou televisivo, fazendo-nos querer o que não queríamos verdadeiramente.

Há, em suma, pois, uma “tríplice divisão dicotômica”: liberdade de direito (liberdade política e a jurídica) e liberdade de fato (liberdade de querer e a de fazer). A liberdade de querer subdivide-se em “liberdade de determinar-se em conformidade com o que se quer verdadeiramente, e liberdade de querer independentemente de todo o estado anterior”.

Também Rousseau distingue duas espécies de liberdade, tendo por marco de divisão entre elas o surgimento do Estado, são as seguintes: a liberdade natural; tendo por limite somente a força e capacidade de cada indivíduo, e a liberdade civil; por viver em sociedade o homem substitui em seu proceder a justiça ao instinto.

Já em 1690, logo antes de Rousseau, John Locke, também consciente da existência de duas espécies de liberdade, antes e depois do surgimento do Estado, dizia que a “liberdade natural do homem nada mais é que não estar sujeito a qualquer poder terreno, e não submetido à vontade ou à autoridade legislativa do homem, tendo como única regra apenas a lei da natureza”.

Esse mesmo filósofo explanou, nos termos em que segue, a respeito da liberdade social do homem que;

“A liberdade do indivíduo na sociedade não deve estar submetida a qualquer poder legislativo que não aquele estabelecido pelo consentimento na comunidade, nem sob o domínio de qualquer vontade ou restrição de qualquer lei, a não ser aquele promulgado por tal legislativo conforme o crédito que lhe foi confiado. A liberdade não é [...] ‘uma liberdade para qualquer homem fazer o que lhe apraz, viver como lhe convém sem se ver refreado por quaisquer leis’, a liberdade dos homens sob governo importa em ter regra permanente a lhe pautar a vida, comum aos demais membros da mesma sociedade [...]; a liberdade de seguir a própria vontade em tudo o que não está prescrito pela lei, não submetida à vontade mutável, duvidosa e arbitrária de qualquer homem; assim como a liberdade de natureza consiste em não sofrer qualquer restrição a não ser a lei da própria natureza”.

Extrai-se que a liberdade natural está ligada umbilicalmente à justiça social, gestando a liberdade civil, alimentada pelos princípios constitucionais da solidariedade e dignidade da pessoa humana.

Hans Kelsen, grande jurista de praga, em 17 de maio de 1952, ao se afastar do ensino, proferiu uma palestra em Berkeley, dizendo, a respeito da justiça ligada à liberdade buscada pela sociedade enquanto organizada em Estado, o seguinte;

“[...] não sei, nem posso dizer o que é a justiça, a justiça absoluta que a sociedade está buscando. Devo contentar-me com uma justiça relativa e só posso dizer o que é a justiça para mim. Uma vez que a ciência é a minha profissão e, portanto, a coisa mais da minha vida, a justiça, para mim, é a ordenação social sob cuja proteção pode prosperar a busca da verdade. A ‘minha’ justiça, portanto, é a justiça da liberdade, a justiça da democracia: em suma, a justiça da tolerância”. (grifo nosso)

Historicamente o homem evoluiu, organizou-se e criou cidades, máquinas, sistemas econômicos, sociais, políticos, religiosos e morais, conquistou países, guerreou, subordinou, explorou e escravizou povos, impôs religiões, e, claro, a liberdade sempre o acompanhou, deu-lhe suporte, fundamento e ânimo às suas conquistas, dominações e criações. Afinada pelo mesmo diapasão, a liberdade é poder de transformação do homem.

Por isso, a liberdade foi e é sempre lembrada para justificar ações políticas, ideológicas, reivindicações individuais ou coletivas, é palavra carregada de significações e “noções religiosas e morais” produzidas pela evolução histórico-cultural do homem.

A liberdade impulsiona os corações humanos para revolucionar, impor regimes autoritários ou impor religiões. Ela permitiu surgir o fanatismo religioso destruidor de direitos. Impedia-se a manifestação livre do culto na medida em que a religião cegava os seus adeptos, fazendo-os ver somente os

“espetáculos terrificantes em que o fanatismo erguia permanentemente fogueiras, onde corpos humanos alimentavam as chamas, em que a turba feroz se comprazia em escutar os gemidos abafados dos desgraçados, em que os cidadãos corriam, como a um divertimento, para contemplar a morte dos seus irmãos, em meios a turbilhões de negro fumo, onde os locais públicos ficavam repletos de restos palpitantes e de cinzas humanas”.

Pela sua gênese, mutação e manipulação, permitindo a evolução, criação e transformação do homem na vida social, liberdade é palavra difícil de ser conceituada, seu uso prático se fixou de modos diferentes em diferentes contextos culturais, comportando, em tal grau, vários significados no decorrer histórico dos diversos ramos do conhecimento, principalmente no direito.

É Adauto Novaes quem acentua que a “liberdade pode ser, portanto, um signo enganador, ‘complemento solene’ da violência que leva a defender não homens livres, mas idéias abstratas”.

Colocada a Liberdade de forma natural na atual organização social, desprezando toda a história humana, impossível se tornaria a convivência dos homens em sociedade e consequentemente entre países, visto que todas as pessoas são dotadas da mesma e igual liberdade na proporção de lhe assegurar segurança, felicidade e desenvolvimento.

Em sociedade a liberdade deve ser entendida e utilizada da seguinte forma:

“A liberdade, para o homem em sociedade, é a de se submeter ao que haja sido estabelecido por consentimento no seio do Estado. E o estabelecido, que limita a liberdade, há de ser feito em leis que sejam ditadas pelo poder legislativo de acordo com a missão que todos lhe hão confiado. Esta é a base do contrato social. Como o limite da liberdade é o contrato social, ou o conjunto de leis de uma nação , estas leis têm que ter forte dose de legitimidade, isto é,o reconhecimento de todos, porque é nela que se assenta o poder de limitar a liberdade de cada um.”

O ilustre doutor Gilberto Giacóia fornece a condição de uso e fruição da liberdade dissertando que os seres humanos, vivendo em sociedade, “se limitam inevitavelmente em suas liberdades, porquanto o poder de um encontra correspondência no igual poder dos outros que com ele convivem” , respeitando, por consequência, o que esclarece DEWEY; “cada um é livre enquanto suas ações não restringem as liberdades dos outros”.

A humanidade fez prevalecer em suas Constituições e, por conseguinte, em suas instituições os valores da liberdade e cidadania como garantia de uma vida mais feliz e próspera. “Os limites da liberdade individual são aceitos porque trocados pelos direitos individuais, ou pelo direito de livremente acumular bens e deles dispor pela venda ou troca”. Contudo, a cidadania inscrita nas Constituições “avançou mais no papel que na prática. Não há nada de novo. Durante o Império, nossa primeira Constituição adotava os princípios de liberdade das revoluções americana e francesa. Mas a escravidão era mantida”.

Não é só palavra essencial, a liberdade pertence inteiramente ao homem na exata proporção de sua preservação, desenvolvimento, dignidade e vivencia social, pelo que, quando de sua restrição ou violação injusta e ilegítima é reivindicada. Por certo, como afirmado no início, liberdade é direito fundamental, primordial em qualquer Constituição do mundo para se fazer um Estado respeitador da democracia e Direitos fundamentais.

Sem liberdade não existe dignidade, desenvolvimento pleno da personalidade humana. A liberdade da pessoa humana é o limite e condição da existência do homem. Esse direito é universal, é a base da história da humanidade.

“Nada é imutável exceto os direitos inerentes e inalienáveis do homem”.

Por impulso natural, essa palavra foi sempre invocada para transformar e dar fundamento a diversas experiências de mudança social, muitas vezes com sentidos diversos, variáveis conforme a pretensão dos insurretos sempre impulsionados pelo desrespeito à dignidade e liberdade do homem. Afirma-se que no século XVIII “Hobbes manipulou a conceituação da palavra liberdade para desestimular o povo à revolta contra o rei da Inglaterra eliminando a possibilidade de suscitar entusiasmo, paixão, em suma, rebelião”.

Sendo fruto de lutas, conquistas e transformações sociais e políticas, a liberdade do modo como é conhecida, amada, utilizada e praticada hoje, muito custou à humanidade.

“Pessoas deram a vida combatendo a concepção de que o rei tudo podia porque tinha poderes divinos e aos outros cabia obedecer. No século XVIII, a rebeldia a essa situação detonou a Revolução Francesa, um marco na história da liberdade do homem. No mesmo século surgiu um país fundado na idéia da liberdade individual: os Estados Unidos. Foi com esse projeto revolucionário que eles se tornaram independentes da Inglaterra”.

Escrevendo sobre as consequências da Revolução Francesa, cuja tríade da sua ideologia contemplava a liberdade, Hobsbawm afirma que o grande despertar dessa Revolução da sociedade feudal:

“ensinara que os homens comuns não necessitavam sofrer injustiças e se calar: ‘anteriormente, as nações de nada sabiam, e o povo pensava que os reis eram deuses sobre a terra e que tinham o direito de dizer que qualquer coisa que fizessem estava bem feita”.

Nessa revolução social de massa , derrubaram-se os privilégios dos nobres e clero, levou também à libertação da América Latina a partir de 1808 . Pregando a difusão da liberdade, morreram aproximadamente um milhão de pessoas nas guerras entre 1792-1815 . Durante a comuna de Paris de 1871 houve 17 mil execuções oficiais em quatorze meses.. Mas nada se compara à extraordinária capacidade mortífera na segunda guerra mundial entre 1939 e 1945, o mais cruel e generalizado conflito bélico entre as potencias mundiais, com um saldo de centenas de milhares de mortos e as piores atrocidades cometidas.

Tão importante e cara aos homens, foi preciso institucionalizar essas conquistas no mais importante instrumento de organização da sociedade e dos Estados. Assim, como não poderia deixar de ser, tendo em vista os fatos narrados, esse Direito expraia-se em todos os ramos jurídicos, materializando-se nas Declarações, Constituições, Leis, Tratados, etc. de vários Países. Portanto, cabe ao direito, idealizador e distribuidor de justiça, realizar e medrir a liberdade mediante sua restrição, evitando-se a repetição de tais fatos.

Transcreve-se, a título de esclarecimento, o preâmbulo da Constituição do Brasil de 1988 que alimenta em seu bojo a palavra liberdade, bem como seu artigo 3º inc. I e artigo 5º e mais alguns diplomas em que está esculpida a palavra em seus diversos sentidos.

“Nos, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, e igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇAO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”: (grifo nosso).

 

O Estado brasileiro postula, assim, como princípio teleológico, uma sociedade livre.

A magna carta de 21 de junho de 1215, peça básica da constituição Inglesa outorgada por João sem terra limitando o poder da monarquia, enuncia no seu item 39:

“Nenhum homem livre será detido ou aprisionado, ou privado de seus direitos ou bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou despojado, de algum modo, de sua condição; nem procederemos com força contra ele, ou mandaremos outros fazê-lo, a não ser mediante o legítimo julgamento de seus iguais e de acordo com a lei da terra”.

E o direito fundamental estampado na primeira parte do item 20, fixou a graduação da pena à importância do delito;

“Um homem livre não poderá ser multado por um pequeno delito a não ser em proporção ao grau do mesmo; e por um delito grave será multado de acordo com a gravidade do mesmo, mas jamais tão pesadamente que possa privá-lo de seus meios de vida.”

 

Esse princípio foi confirmado várias vezes, por exemplo na Petition of Rights, de 07 de junho de 1628 e na Bill of Rights, de 13 de fevereiro de 1689.

O BILL OF RIGHTS dava garantias contra certos abusos de autoridades do governo, tais como prisão arbitrária.

Liberdade é termo presente na Constituição americana de 1776;

Invocada na Constituição do México de 1919;

Estampada na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789;

Na declaração dos Direitos do homem e do Cidadão de 26 de agosto 1789, a mais famosa das declarações, aclara as liberdades nos artigos 1º, 2º, 4º, 7º, 10 e 11 (liberdade de locomoção, liberdade de resistir à opressão, de opinião, liberdade de expressão e a propriedade - liberdade de usar e dispor dos bens). Sua primazia vem exatamente do fato de haver sido considerada como modelo a ser seguido pelo constitucionalismo liberal.

Preceitua o artigo 4ª da declaração dos Direitos do homem e do Cidadão: “o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos demais membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos” [...] “estes limites não podem ser estabelecidos senão pela lei”

Esculpida na Constituição do Reich alemão de 14 de agosto de 1919;

Inscrita na declaração Universal dos Direitos do Homem promulgada em 1948 pela Assembléia geral das Nações Unidas ainda na emoção da vitória contra as forças totalitárias lideradas pelo nazismo, na Europa;

Gravada no Preâmbulo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos “PACTO DE SAN JOSÉ DE COSTA RICA” de 1969, nestes termos;

“Os Estados Americanos signatários da presente Convenção,

Reafirmando seu propósito de consolidar neste Continente, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do homem:” (grifo nosso)

Nota-se que a onda dos direitos mudou a cara e o mapa do mundo no final do milênio passado.

Na famosa conferência que pronunciou no Ateneu Real de Paris, em 1819, observa Constant que;

“Liberdade é para cada um o direito de não se submeter senão às leis, de não poder ser preso, nem detido, nem condenado, nem maltratado de nenhuma maneira, pelo efeito da vontade arbitrária de um ou de vários indivíduos. É para cada um o direito de dizer sua opinião, de escolher seu trabalho e de exercê-lo, de dispor de sua propriedade, (...); de ir e vir, sem necessitar de permissão e sem ter que prestar conta de seus motivos ou de seus passos. É para cada um o direito de reunir-se a outros indivíduos, seja para discutir sobre seus interesses seja para professar o culto que ele e seus associados preferem, seja simplesmente para preencher seus dias e suas horas de maneira mais condizente com suas inclinações, com suas fantasias. Enfim, é o direito, para cada um, de influir sobre a administração do governo, seja pela nomeação de todos ou de certos funcionários, seja por representações, petições, reivindicações, às quais a autoridade é mais ou menos obrigada a levar em consideração”.

Nesse trecho Benjamim Constant explicita o que é a liberdade individual do homem moderno mostrando nada ter a ver com a concepção que vigorou na antiguidade clássica, pois se consideravam livres apenas os cidadãos, isto é, os que tinham voz e voto, nas assembléias e demais órgãos públicos, para decidir sobre a paz e a guerra, votar as leis e julgar os seus concidadãos.

Assim, no Brasil, sobre a liberdade jurídica, Calmon de Passos disserta das garantias institucionalizadas em nossa Lei Maior;

“Nossas liberdades políticas têm a seu serviço um inexcedível arsenal de instrumentos. Dispomos do habeas-corpus e do hábeas-data, do mandado de segurança, tanto individual quanto coletivo, [...] mandado de injunção. [...] colocam a nosso dispor a ação popular, a ação direta de inconstitucionalidade, o controle difuso da constitucionalidade das leis, com possibilidade de tutela liminar satisfativa, mesmo que provisória, e com a garantia de que todos quantos a isso se opuserem estarão sob a ameaça de cadeia, mesmo que sem forma nem figura de juízo, trata-se de Ministro, empresário, banqueiro, soldado ou menestrel. Se estiver em risco sua liberdade de ir e vir, impetre habeas-corpus. Hoje, inclusive, a pedir reflexão ampliativa, visto como se propugna cada vez mais prender menos e cada vez mais se sancionar com penas restritivas de direitos. Se estiver em jogo outra liberdade que não a de ir e vir, impetre mandado de segurança, tanto individual, para defesa de seu interesse específico, como coletivo,[...].”

Não devemos nos esquecer que um dos principais agressores de nossa liberdade e outros direitos é o Estado, através do poder executivo. O mesmo autor cita os instrumentos ao nosso alcance para preservar tais direitos, nestes termos:

“[...] se você deseja ser um paladino do interesse público em face das agressões do poder político opressor (entenda-se como tal o Poder Executivo). Se algum ato desse poder político opressor lesar ou ameaçar de lesão o patrimônio público – e tudo é público e de todos, a luz, o ar, a terra, o céu, os sonhos e os pesadelos - ajuíze uma ação popular. Se houver registros secretos a seu respeito traga-os à luz pelo habeas data e se o reumatismo normativo deixar desprotegido seu direito, ajuíze mandado de injunção. Na hipótese de o legislativo ou o executivo desrespeitarem, manhosamente, qualquer dos mil direitos fundamentais que a Constituição lhe outorgou, tentando fazê-lo de bobo, afore alguma cautelar inominada, com pedido de liminar e de antecipação de tutela sem audiência da parte contrária, caso não tenha conseguido mobilizar algumas das entidades guardiãs da ordem jurídica, legitimadas para a ação direta de inconstitucionalidade, também com direito a liminar inaudita altera pars”.

Complementando e realçando a importância das instituições afirma Calmon que temos “no Ministério Público e, de resvalo, em algumas Defensorias Públicas, um exército de anjos tutelares, mobilizados para lhe darem a proteção que você, com suas poucas forças, jamais lograria conseguir”.

“Ao lado desse respeitável estoque, você também dispõe de armas de menor calibre, ainda que dotadas de respeitável poder de fogo, como sejam a ação civil pública, para a qual você é impotente como pessoa física, inconveniente facilmente contornável, todavia desde que você convoque algum amigo do peito, fundando com ele alguma entidade que tenha apelido pertinente e sugestivo, o que lhe dará legitimidade, por força de sua ‘adequada representatividade (na dependência do que pensar o magistrado, é bom advertir) para pleitear o que deseja pleitear e lhe foi interditado. Nem esqueça que há outros meios de você se afirmar politicamente, através do disfarce dos interesses difusos, coletivos e homogêneos, que aceitam sua encarnação em modestas ações comuns, ainda que em juizados incomuns e atendendo a princípios incomuns. Nem olvide que você tem no Ministério e, de resvalo, em algumas Defensorias Públicas, um exército de anjos tutelares, mobilizados para lhe darem a proteção que você, com suas poucas forças, jamais lograria conseguir”.

Por persecução e respeito às conquistas de direitos, a liberdade deve trilhar caminhos cujas finalidades são a preservação, desenvolvimento, manutenção e perseguição dos valores supremos da humanidade, muitas vezes expressos nas Constituições dos Estados, como visto acima, evitando-se atrocidades e retrocessos gravados na história dos povos. Cabe ao Direito, sempre atento às conquistas sociais e aos fatos históricos, dar forma e aplicação à liberdade.

Esse processo é imprescindível para impedir que o poderoso subordine o mais fraco, que o ditador subordine toda uma nação a seu bel-prazer, que o assassino mate, que o ladrão roube, que os poderosos explorem os desfavorecidos, é necessário também para evitar a atuação estatal fora das finalidades sociais e públicas bem como para evitar a repetição de fatos deploráveis ocorridos no século XX.

 

Data de elaboração: novembro/2010

 

Como citar o texto:

SANTOS, Fábio Roberto Lopes dos.Liberdade e sua restrição. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/2184/liberdade-restricao. Acesso em 22 fev. 2011.

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