A prescrição sempre fora instituto de grande relevância no universo jurídico, transmutando relações jurídicas, sobretudo, no Direito Penal, incide sobre a pertinência da mantença do persecutio criminis ou de ser executada a sanção imposta pela lei penal. Desta sorte, compõe temática de inegável importância a ser desenvolvida neste estudo.

Esse artigo tem o escopo de fomentar o estudo, tanto da prescrição sob um prisma genérico, quanto às diversas modalidades de prescrições apostas às suas peculiaridades, indispensáveis ao aprofundamento do assunto em questão. Além disso, será analisado as causas suspensivas e interruptivas da prescrição, as quais tem força legal para cessar o decurso prazal da prescrição.

A apreciação acadêmica teve como consulta bibliográfica obras consagradas de renomados doutrinadores da Ciência Penal do porte de Damásio E. de Jesus e Cezar Roberto Bittencourt, que trouxeram à lume pontos controvertidos que aclararam a intelecção sobre o tema.

Análise Geral da Prescrição

A prescrição tem como corolário a extinção da punibilidade. Decorre da desídia, negligência do Estado no exercício do poder jurisdicional em exercer o ius puniendi em face do indivíduo que incorreu na perpetração da conduta delitiva. A prescrição tem como fito trazer segurança jurídica por ensejar a intangibilidade da pretensão punitiva ou executória. Exceções a essa regra, decorrentes de sua imprescritibilidade é a prática de racismo e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Tais ressalvas tem sua razão de ser. Máxime, por ter sido consagrada pela Carta Política de 1988, com fulcro nos princípios basilares de igualdade e de sobrevivência do Estado.

O decurso do lapso prescricional, na prestimosa lição de Damásio E. de Jesus, “faz que considere inoperante manter a situação criada pela violação da norma de proibição violada pelo sujeito.” O reconhecimento da prescrição é direito subjetivo do réu. Desta feita, em qualquer fase do processo, o juiz poderá prolatar ex officio a resolução do mérito pela extinção da punibilidade decorrente do fenômeno da prescrição.

A prescrição, no que concerne à pena de multa, ocorrerá em dois anos quando a multa for a única cominada ou aplicada. Quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou aplicada, aplicar-se-á o mesmo lapso prescricional da pena privativa de liberdade estabelecida.

Uma peculiaridade da prescrição é sua redução pela metade, em razão do critério etário, ou seja, aquele que, no momento da ação ou omissão, for menor de 21 anos, ou na data da sentença, tiver mais de 70 anos terá o lapso prescricional abrandado pela metade. Tal preceito, continente ao Código Penal Brasileiro em seu artigo 115, tem como escopo avultar as benesses da prescrição àqueles que, não obstante, adquirirem capacidade de fato, não alcançaram total amadurecimento anímico. E também, àqueles que, em tese, terão pouco tempo de vida, em decorrência do ciclo natural de vida.

A prescrição se divide em duas: prescrição da pretensão punitiva e prescrição da pretensão executória, que serão objeto de apreciação minuciosa nos tópicos ulteriores.

Prescrição da Pretensão Punitiva

Esta espécie de prescrição incide sobre a pena in abstracto, ou seja, aquela cominada pelo diploma penal, antes da individualização da pena ao réu. Na escorreita preleção do penalista Cézar Roberto Bittencourt, a prescrição da pretensão punitiva, “Denomina-se prescrição abstrata porque ainda não existe pena concretizada na sentença para ser adotada como parâmetro aferidor do lapso prescricional.” A regra geral é norteada pelo máximo da pena privativa de liberdade estabelecida à infração penal. Como afere-se pelo artigo 109 do Código Penal em que a prescrição será de:

- 20 (vinte) anos, se o máximo da pena é superior a 12 (doze);

- 16 (dezesseis) anos, se o máximo da pena é superior a 8 (oito) anos e não excede a 12 (doze);

- 12 (doze) anos, se o máximo da pena é superior a 4 (quatro) anos e não excede a 8 (oito);

- 8 (oito) anos, se o máximo da pena é superior a 2 (dois) anos e não excede a 4 (quatro);

- 4 (quatro) anos, se o máximo da pena é igual a 1 (um) ano ou, sendo superior, não excede a 2 (dois);

- 3 (dois) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.

Às penas restritivas de direito são aplicáveis os mesmos prazos prescricionais engendrados para as penas privativas de liberdade.

Esta modalidade de prescrição, com seu advento, não acarreta conseqüências penais, nem constitui título executivo judicial, em virtude da inocorrência de sentença condenatória, advindo o sobrestamento de qualquer “represália” por parte do ius puniendi estatal.

A prescrição começa a correr, antes do trânsito em julgado da sentença final, do dia em que a infração penal fora consumada; no caso de tentativa, do dia em que sobrestou a atividade criminosa; nos crimes permanentes, ou seja, aqueles que o momento consumativo se protrai no tempo segundo a vontade do sujeito ativo do delito, do dia em que cessou a permanência delitiva; quanto aos crimes de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da data em que o registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido.

Prescrição da Pretensão Executória

A prescrição da pretensão executória dará azo após a sentença transitar em julgado e ocorrer a transposição do prazo prescricional cominado que é dotado de imprescindibilidade para seu ensejo.

Nesta espécie de prescrição, é considerada a pena in concreto, ou seja, após passar pelo crivo judicial, por meio do critério trifásico de aplicação de pena, consoante às características da conduta delitiva e aquelas concernentes à pessoa do infrator é estabelecida a pena para o crime que servirá como lastro para a aplicação da regra geral cominada no artigo 109 do Código Penal. No caso de reincidência, o lapso prescricional será alargado em um terço da pena.

Conforme preceito legal do artigo 112 do Código Penal, o prazo prescricional da pretensão executória começa a correr do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional; ou do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena. Na hipótese de fuga (ou evasão, como adota o Código Penal Brasileiro) ou de revogação do livramento condicional, a prescrição é regulada pelo tempo que resta de cumprimento de pena.

Prescrição Superveniente ou Intercorrente

A prescrição superveniente ou intercorrente é espécie do gênero prescrição da pretensão punitiva. Todavia, é exceção, em que é aplicada a pena in concreto na sentença condenatória, dirigindo-se para o futuro, ou seja, para períodos ulteriores à sentença condenatória recorrível. O lapso prescricional principiará da sentença condenatória recorrível, até o trânsito em julgado para acusação e defesa. O insigne mestre Bittencourt estabelece pressupostos para a ocorrência da prescrição intercorrente que são: A inocorrência de prescrição abstrata e de prescrição retroativa; Sentença Condenatória; e trânsito em julgado para acusação ou improvimento de seu recurso.

A única diferença entre a regra da prescrição da pretensão punitiva e de sua exceção reside no modo de contagem do prazo, em que nesta, aplica-se a pena in concreto, e naquela, in abstracto. Como visto outrora, aplicar-se-á a regra do artigo 109 do Código penal para a aferição do prazo prescricional.

Prescrição Retroativa

A prescrição retroativa, como a do tópico antecedente, também é modalidade de prescrição intrínseca ao instituto jurídico da prescrição da pretensão punitiva. Contudo, é aplicada a pena concretizada para a verificação da prescrição, ao contrário da prescrição da pretensão punitiva, em sua regra geral. Na lapidar lição de Guilherme de Souza Nucci: “trata-se de cálculo prescricional que se faz de frente pra trás, ou seja, proferida a sentença condenatória, com trânsito em julgado, a pena torna-se concreta.”

A prescrição retroativa é considerada, tendo como termo a quo e ad quem o tão somente o recebimento da denúncia e a sentença condenatória, pois a Lei 12.234/10 expungiu do Código Penal pátrio a aplicação da prescrição retroativa da data do fato até o recebimento da denúncia. Um ponto que merece ser considerado diz respeito ao fato de que, embora o Código Penal consagre a teoria da atividade, quanto ao tempo do crime, ou seja, aquela que propugna que o crime se subsume à linha temporal no momento da ação ou omissão, adota, excepcionalmente, em termos de prescrição, a teoria do resultado, em que o crime se dá ao tempo em que advém seu resultado.

Causas Suspensivas da Prescrição

As causas suspensivas da prescrição são aquelas que obstam o lapso prescricional até o fim do motivo que engendrou o sobrestamento. O prazo de prescrição já transcorrido é incluído no cômputo do prazo, ao contrário do que ocorre nas hipóteses de interrupção. As causas suspensivas da prescrição são cominadas no artigo 116 do Código Penal, todavia, o rol dessas causas impeditivas não é taxativo, ou seja, há outras hipóteses contidas em leis extravagantes e até na Constituição Brasileira.

As causas suspensivas da prescrição são bifurcadas consoante com a divisão das modalidades de prescrição: a prescrição da pretensão punitiva e a prescrição da pretensão executória. Na primeira espécie, encontra-se a suspensão em decorrência de pendência de questão prejudicial, ou seja, aquela em que há dependência de questão em processo distinto para aferição da existência do crime. Não obstante, haver distinção entre a análise de pontos controvertidos em processos diferentes, as questões estão de tal modo arraigadas, que a prejudicial tem papel imprescindível na elucidação da existência de infração penal. Dessarte, a suspensão da prescrição se faz mister, por não caracterizar desídia ou inércia do poder judiciário. Assim também, vislumbra-nos na hipótese do cumprimento de pena em território alienígena, em decorrência da impossibilidade de extradição, podendo ser até mais prolongada do que o próprio lapso prescricional.

A Magna Carta contempla uma hipótese, no caso de Imunidade Parlamentar, em que o indeferimento do pedido de licença ou a ausência de deliberação suspende a prescrição enquanto durar o mandato, ou seja, sem a permissão do Congresso Nacional para que o parlamentar seja processado há a suspensão do lapso prescricional. A Lei 9.099/95, institutiva dos Juizados Especiais Criminais, incorporou nova situação em que enseja suspensão do lapso prescricional: quando for aplicada a Suspensão Condicional do Processo.

A Lei 9.271/96, retificando o artigo 366 do Código de Processo Penal, instituiu nova ocorrência de suspensão prescricional, em que o réu, quando citado por edital, não havendo comparecimento nem constituição de defensor, dará causa à suspensão do processo e do prazo prescricional. Tal alteração em dispositivo legal tem como fito evitar a procrastinação do processo pelo acusado, com o intuito de ocasionar o status de prescrito ao crime perpetrado. Esta hipótese se dá quando o acusado se situar em local desconhecido, no caso de conhecimento quanto ao lugar em que o réu se situa, outra hipótese fora abalizada pela mesma lei supramencionada, em que, no caso de emissão de carta rogatória a juízo estrangeiro, enquanto não retornar, até seu cumprimento, a suspensão do prazo de prescrição estará em pleno vigor.

A única hipótese de suspensão do lapso prescricional pós-trânsito em julgado de sentença condenatória, ou seja, suspensão da prescrição da pretensão executória é no caso de cumprimento de pena por outro motivo, em que o cerceamento de sua liberdade, em virtude da prática de infração penal, entende-se como óbice lógico por impedir a satisfação dessa pretensão executória.

Causas Interruptivas da Prescrição

As causas que interrompem a prescrição tem como corolário a perda de todo o período já transcorrido do prazo de prescrição, apresentando eficácia ex tunc, ou seja, eficácia retroativa, reiniciando o lapso prescricional. A interrupção da prescrição açambarca tanto co-autores, quanto partícipes, com exceção da reincidência, do início e continuação do cumprimento da pena, que tem natureza pessoal.

O recebimento da denúncia ou da queixa pelo juiz, por meio de despacho inequívoco deste, é a primeira causa interruptiva da prescrição. Também, a Pronúncia, que é a determinação do juiz de que o réu será julgado pelo Tribunal do Júri, interrompe a prescrição, mesmo que venha a ser, futuramente, absolvido pelo Tribunal do Júri. A decisão confirmatória da pronúncia, também tem tal índole interruptiva.

A sentença condenatória recorrível interrompe a prescrição a partir da lavratura do respectivo termo pelo escrivão. Também apresenta esta peculiaridade o início e a continuação do cumprimento da pena, todavia, a interrupção neste caso apresenta certa impropriedade, em razão de não deflagrar os efeitos próprios do instituto da interrupção da prescrição, ou seja, a prescrição não reinicia do princípio como nos demais casos, mas do restante da pena que falta a ser cumprida.

A última hipótese enunciada pelo artigo 117 do Código Penal é a Reincidência, instituto sintomático pela perpetração de nova infração penal após o cumprimento de pena até os cinco anos posteriores, que interrompe a prescrição, além de exasperar a prescrição em um terço. Sobre a reincidência, o conspícuo mestre professor Damásio E. de Jesus aduz, com a erudição que lhe é peculiar, que “A reincidência somente interrompe o prazo prescricional da pretensão executória, sendo inaplicável à prescrição da pretensão punitiva”, opinião que encontra respaldo do STF e STJ. Também sobre a reincidência, Rogério Greco assevera que: “a interrupção, em virtude de reincidência, se dá com o trânsito em julgado do novo crime.”

Ao contrário do instituto da interrupção da prescrição do Direito Civil, que tem o condão de interromper a prescrição apenas uma vez, a interrupção da prescrição do Direito Penal poderá ser interrompida quantas vezes advir causa interruptiva da prescrição.

Considerações Finais

O Direito dá primazia à segurança das relações jurídicas. Especificamente no Direito Penal, a consagração da prescritibilidade solidifica a certeza jurídica, que, decorrente do decurso temporal torna inócuo o poder-dever de punibilidade estatal quanto à violação legal prescrita.

A prescrição, como instituto indiscutivelmente relevante, além de enumerar razoáveis prazos para a sua ocorrência, estabelece casos de suspensão ou interrupção, que, em regra, caracterizam a operabilidade do Estado em fazer valer seu ius puniendi. Deste modo, o legislador demarcou limites plausíveis ao Estado para defender-se, no lapso tempestivo, das ilicitudes contra as quais lhe é acometido.

A prescrição, inobstante os avanços alcançados no decorrer das décadas, tanto sob o aspecto material quanto sob o aspecto processual, é suscetível de aperfeiçoamento, principalmente no que toca à sua aplicabilidade pragmática, através do reconhecimento de ofício pelo magistrado e pelos demais sujeitos do processo, com vista a afastar qualquer iniqüidade que venha a justapor à legalidade instituída pelo Estado Democrático de Direito.

Referências Bibliográficas

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral, volume 1. 10ª edição. São Paulo. Editora Saraiva. 2006.

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GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 7ª edição. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2006.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: Parte Geral, volume 1. 28ª edição. São Paulo. Editora Saraiva. 2005.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 6ª edição. São Paulo Editora Revista dos Tribunais. 2006.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. volume 1. 2ª edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2006.

 

Data de elaboração: julho/2009

 

Como citar o texto:

CARVALHO, Marco Túlio Rios..Apontamentos sobre Prescrição no direito penal e suas espécies positivadas.. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/2214/apontamentos-prescricao-direito-penal-especies-positivadas-. Acesso em 10 mar. 2011.

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