RESUMO

A importância da pesquisa sobre o tema A Problemática da Conceituação de Organizações Criminosas está em esclarecer os pontos relevantes sobre o assunto. O que se pretende com este trabalho, em sentido amplo, é discutir sobre os diversos conceitos de organizações criminosas existentes na atualidade, sejam estes legais ou doutrinários, analisando a possibilidade de sua efetiva aplicação na lei de combate ao crime organizado e as conseqüências advindas da ausência de conceituação legal do que venham a ser referidas organizações criminosas.

Palavras – chave: Crime Organizado. Organizações Criminosas. Convenção de Palermo. Repressão.

 

01- Introdução

O combate ao crime organizado é uma constante preocupação de estudiosos, políticos e operadores do direito que buscam a qualquer modo um meio realmente eficaz para o enfrentamento dessa mazela social, que a cada dia que passa se mostra mais imponente, onipresente, destemida e globalizada.

A sociedade se apresenta como refém de um sistema estatal protetivo visivelmente falido. Tráfico de drogas, de armas, de pessoas e de animais, o crime se diversifica, objetivando o lucro fácil, nem que para isso, inocentes tenham que vir a sucumbir. Crianças crescem em meio a um mundo de terror, onde homens armados tomam conta de favelas, ditam leis, estabelecem regras, decidem quem deve viver e morrer, através de tribunais próprios, os ditos “tribunais do crime”, enfim, formam um verdadeiro Estado paralelo, onde o Estado positivado tem sua jurisdição diminuída, de forma que referidas crianças já nascem predestinadas à serventia do crime.

As organizações criminosas buscam o aperfeiçoamento do seu modus operandi, treinam seus integrantes, realizam a captação de pessoal competente às suas operações, além de se infiltrarem na esfera dos três poderes; possibilitando assim, uma certa protetividade nas suas atuações através do pagamento de propinas a policiais, influenciando na esfera legislativa e atuando na compra de sentenças no âmbito do poder judiciário. Isto acaba por ocasionar uma enorme disparidade entre os meios disponíveis pelo Estado para o combate às organizações criminosas e o progresso destes, visto que parecem estar sempre um passo a frente daqueles.

Desta feita, a escolha do presente tema se deu pela necessidade veemente de se frisar a carência atual da legislação pátria a respeito da definição legal de organizações criminosas, que mais constitui um verdadeiro Estado paralelo, já que seu enfrentamento somente pode ser efetivado através da garantia de um mínimo de eficácia da norma de enfrentamento de tais organizações, a lei 9.034/95.

A exposição acerca deste tema: A Problemática da Conceituação de Organizações Criminosas, objetiva ainda, fomentar a discussão e possibilitar, através do contato científico com o crime organizado, a aquisição de senso crítico a respeito do tema, que nos leve a reivindicar dos nossos representantes políticos, medidas enérgicas que visem ao equilíbrio e a paz social, em respeito primariamente ao princípio da dignidade da pessoa humana.

O ponto principal desse trabalho é, pois, destacar as discussões existentes a respeito da existência ou não, do conceito de organizações criminosas, e o reflexo da conclusão daí advinda.

02- Desenvolvimento

A necessidade de formulação de políticas criminais para o eficaz combate ao crime organizado é indiscutível. No dizer de William Douglas (1995, p.16): “Não é possível combater o crime organizado sem leis à altura de semelhante tarefa, [...]”, posicionamento que destaca a complexidade de referidas organizações e a necessária e constante atualização legislativa que deve existir sobre a matéria.

Em 05 de maio de 1995, foi aprovada a lei 9.034, advinda do projeto de lei de autoria do Deputado Federal Michael Temer, intitulada de lei de combate ao crime organizado, a qual tinha por objeto dispor "sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas”.

O primeiro capítulo de referida lei visava conceituar o que vinham a ser as organizações criminosas. Sintetizando os ensinamentos de Fernandes, Paulo César Correia Borges (2002, p.17) destaca a existência de três correntes doutrinárias e legislativas, que tentam conceituar o que venha a ser crime organizado. Dentre elas, temos a que inicialmente, busca definir o que seja organização criminosa, de forma a estabelecer que crime organizado seja todo aquele que venha a ser praticado por aquelas organizações. Tal corrente vem a ser a mais expressiva no Brasil. Outra corrente é a que define os seus elementos essenciais, entre os quais, tem-se a participação em uma organização criminosa, contudo tal corrente não especifica os tipos penais por elas praticados. Por fim, encontra-se a terceira corrente, que diferentemente da corrente anterior, estabelece um rol de crimes, que, acrescentados a outros delitos, acabam por qualificar o que vem a ser crime organizado.

Dando continuidade a tal pensamento, referido Autor destaca que a lei 9.034/95 não se filiou a nenhuma das três correntes, de modo que deixou em aberto o conceito de crime organizado, podendo ser entendido como qualquer figura delituosa desde que praticada por quadrilha ou bando, nos termos do art. 288 do código penal pátrio (BORGES, 2002, p.19).

No início da vigência da lei 9.034/95 passou a haver várias divergências no tocante ao campo de incidência de referida norma, principalmente em virtude da limitação legal das organizações criminosas ao delito de quadrilha ou bando.

Ainda sobre referida produção legislativa, Fernando Capez (2008, p.236) destacava que, pelo fato de haver um descompasso entre a ementa do capítulo 1 e a redação exegética do art. 1º, que destacava a figura típica de quadrilha ou bando a ser combatida, surgia a dúvida acerca do âmbito de aplicação de tal lei, se a mesma se aplicaria somente ao crime previsto no art. 288 CP, de modo a tornar tal figura típica um sinônimo de organizações criminosas, ou a este juntamente com os praticados por organizações criminosas, que não havia sido definida.

Entretanto, referidas divergências foram sanadas com a criação da lei 10.217 de 11 de abril de 2001, que alterou significativamente os artigos 1º e 2º da lei do crime organizado, inclusive, trazendo a previsão da técnica de infiltração policial, como meio operacional de investigação, dispositivo este previsto no projeto original da lei 9.034/95, mas que veio a ser vetado pelo então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso.

A lei 10.217/01 desvinculou o conceito de organização criminosa da figura típica de quadrilha ou bando, que segundo alguns autores, entre eles, William Douglas, Geraldo Prado, Paulo César Correia Borges, Carlos Alberto Marchi de Queiroz, constituía sinônimo daquela. O art. 1º da supra citada lei, além de manter a figura originária do art. 288 do CP, também trouxe a previsão da figura da associação criminosa e da organização criminosa, que como já dito, não mais se confunde com quadrilha ou bando, e por tanto figura autônoma, senão vejamos:

Art. 1º Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo.

Na mesma esteira de pensamento encontra-se ainda Fernando Capez (2008, p.237), ao afirmar que:

À vista disso, pode-se concluir que a redação anterior empregava mesmo o termo organizações criminosas como sinônimo de quadrilha ou bando, uma vez que foi necessária a modificação da redação do dispositivo para que organização criminosa passasse a significar coisa diversa. Em outras palavras, somente agora, com a inclusão expressa dessa espécie de crime no art. 1º, é que surge alguma diferença entre quadrilha ou bando e organização criminosa.

Contrário ao posicionamento supra aludido, referente à convergência conceitual entre o delito de quadrilha ou bando e organizações criminosas, temos Luiz Flávio Gomes (2002, on line), que afirmava ser a lei 9.034/95 somente aplicável as organizações criminosas, que no seu dizer, não se confundia com o tipo penal previsto no art. 288 do Código Penal brasileiro.

Em suma, antes do advento da lei 10.217/01, a lei do crime organizado, consubstanciada na lei 9.034/95, possuía eficácia bastante restrita, uma vez que visava apenas à prevenção e a repressão do crime de quadrilha ou bando mais os crimes dela resultantes em concurso material, uma vez que tal figura delitiva (art.288, CP) constituía sinônimo de organização criminosa.

Certo é ainda, que com o nascimento da lei 10.217/01 não restou solucionado o problema do âmbito de abrangência da lei de combate ao crime organizado uma vez que somente nos é conhecida às figuras típicas de quadrilha ou bando e a de associação criminosa, previstas respectivamente nos arts. 288 do código penal e art. 35 da lei 11.343/06 (Lei de drogas), enquanto que a definição de organizações criminosas nos continua inteligível, ou seja, juridicamente inexistente.

Como decorrência lógica de tal constatação, a lei de combate ao crime organizado tornou-se ineficaz para o fim a que se propôs, pois se vários de seus dispositivos se destinam exegeticamente às organizações criminosas, e ate hoje não se sabe o que estas significam legalmente, referidos dispositivos encontram-se com eficácia suspensa, ou em outras palavras condicionada a conceituação de tais organizações. Tal assertiva é colacionada por Luiz Flávio Gomes (2002, on line), em artigo publicado no IBCCrim:

Como se percebe, com o advento da Lei 10.217/01, estão perfeitamente delineados três conteúdos diversos: organização criminosa (que está enunciada na lei, mas não tipificada no nosso ordenamento jurídico), associação criminosa (ex.: Lei de Tóxicos, art. 14; art. 18, III; Lei 2.889/56, art. 2º: associação para prática de genocídio) e quadrilha ou bando (CP, art. 288).

Quadrilha ou bando sabemos o que é (CP, art. 288); associações criminosas (ex.: Lei de Tóxicos, art. 14; art. 18, III; Lei 2.889/56, art. 2º) sabemos o que é. Agora, que se entende por organização criminosa? (grifo original).

Não existe em nenhuma parte do nosso ordenamento jurídico a definição de organização criminosa.

Cuida-se, portanto, de um conceito vago, totalmente aberto, absolutamente poroso. Considerando-se que (diferentemente do que ocorria antes) o legislador não ofereceu nem sequer a descrição típica mínima do fenômeno, só nos resta concluir que, nesse ponto, a lei (9.034/95) passou a ser letra morta. Organização criminosa, portanto, hoje, no ordenamento jurídico brasileiro, é uma alma (uma enunciação abstrata) em busca de um corpo (de um conteúdo normativo, que atenda o princípio da legalidade).

Se as leis do crime organizado no Brasil (Lei 9.034/95 e Lei 10.217/01), que existem para definir o que se entende por organização criminosa, não nos explicaram o que é isso, não cabe outra conclusão: desde 12.04.01 perderam eficácia todos os dispositivos legais fundados nesse conceito que ninguém sabe o que é. São eles: arts. 2º, inc. II (flagrante prorrogado), 4º (organização da polícia judiciária), 5º (identificação criminal), 6º (delação premiada), 7º (proibição de liberdade provisória) e 10º (progressão de regime) da Lei 9.034/95, que só se aplicam para as (por ora, indecifráveis) organizações criminosas. (grifo original)

Corroborando ainda com referido pensamento Fernando Capez (2008, p.238) destaca que:

[...], a Lei do Crime Organizado somente pode ser aplicada aos crimes de quadrilha ou bando e de associação criminosa. Às chamadas organizações criminosas ainda não, pois não se sabe o que significam. Por essa razão, todos os dispositivos da Lei que se referem à organização criminosa são inaplicáveis, dado que são institutos atinentes a algo a algo que ainda não existe.

De um modo geral, como se depreende do aludido alhures, a lei de combate ao crime organizado (lei 9.034/95), nasceu e permanece carente de completude, no tocante ao estabelecimento de um conceito próprio para o que venham a ser, as organizações criminosas.

Em 15 de dezembro de 2000, fora realizada na Itália, mais precisamente na cidade de Palermo, a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, de modo que em tal ocasião chegou a ser estabelecido um conceito próprio para as ditas organizações criminosas, como sendo o “grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o fim de cometer infrações graves, com a intenção de obter benefício econômico ou moral”, referido pacto veio a ser ratificado no Brasil pelo Decreto Legislativo n°. 231, de 29 de maio de 2003 e promulgado pelo Decreto n. 5.015, de 12 de março de 2004.

Necessário fazer menção ao fato de que referido conceito, advindo da supra referida Convenção se mostrou por demais abrangente e impreciso no seu objetivo primordial de definir o que venham a ser organizações criminosas, carecendo por tanto de especificidade, ou seja, de uma qualificação mais precisa segundo seus caracteres básicos, ou pelo menos, estabelecendo um rol de figuras típicas por elas praticadas.

Notadamente referido conceito não gerou a aplicabilidade esperada, em virtude da inobservância de formalidades legais prevista no artigo 22, I, da Constituição Federal de 1988, referente à produção legislativa criminal, a qual é de exclusiva incumbência do poder legislativo federal, assim sendo, somente pode vir a ser estabelecido um conceito valido de organizações criminosas por lei ordinária, devidamente discutida, votada e aprovada pelo constituinte derivado, nos termos do processo legislativo estabelecido na Constituição Federal, e não pelo chefe do poder executivo, na figura do presidente da república, a quem é conferida simplesmente a atribuição de celebrar acordos e tratados internacionais.

Contrapondo-se a eficácia da Convenção de Palermo no ordenamento penal brasileiro, temos Luiz Flavio Gomes (apud CAPEZ, 2008, p.), ao dispor que:

quem tem poder de celebrar tratados e convenções é o presidente da República... O Parlamento brasileiro, de qualquer modo, não pode alterar o conteúdo daquilo que foi subscrito pelo presidente da República (em outras palavras: não pode alterar o conteúdo do Tratado ou da Convenção). O que resulta aprovado, por decreto legislativo, não é fruto u expressão da vontade dos parlamentares brasileiros, que não contam com poderes para alterar o conteúdo do que foi celebrado pelo presidente da República. ...Os tratados e convenções configuram fontes diretas (imediatas) do direito internacional penal (relação do indivíduo com o Ius puniendi internacional, que pertence a organismos internacionais- TPI, v.g.), mas jamais podem servir de base normativa para o direito penal interno ( que cuida das relações do indivíduo com o Ius puniendi do Estado brasileiro), cuja única fonte direto só pode ser a lei (ordinária ou complementar). O que acaba de ser dito expressa o conteúdo do chamado princípio da reserva legal, ou princípio da reserva de lei formal. A única manifestaçã legislativa que atende ao princípio da reserva legal é a lei formal redigida, discutida, votada e aprovada pelos Parlamentares. Essa lei formal é denominada pela Constituição brasileira de lei ordinária, mais não há impedimento que seja uma lei complementar que exige maioria absoluta (CF, artigo 69). (grifo nosso)

Tem-se assim que a supra referida Convenção de Palermo, não vingou no Brasil, em seu objetivo primordial, qual seja, o de estabelecer um conceito geral de abrangência internacional para o dito crime organizado.

Visando dirimir os evidentes impasses no tocante a aplicabilidade ou não da conceituação de organizações criminosas derivada do Pacto de Palermo, o Conselho da Justiça Federal (CJF) expediu a resolução nº. 517, que informava que a lei 9.034/95 deveria ser combinada com o conceito estabelecido na Convenção de Palermo, de forma a se ter por garantida a sua aplicabilidade.

Não obstante, o evidente objetivo da resolução do CJF, qual seja, o de afastar a idéia de inexistência de conceituação para as organizações criminosas, não se deve olvidar que o CJF se apresenta como um mero órgão administrativo, e por tanto, desprovido de eficácia normativa em seus provimentos, não gerando assim a vinculação pretendida no Judiciário.

Desta feita, nos dias atuais, a problemática não mais consta da necessidade de criação de uma legislação específica ao enfrentamento de tais organizações criminosas, mas a gênese do problema se encontra na difícil tarefa de se estabelecer um conceito válido, e por tanto legal, nos termos do princípio da reserva legal, de organizações criminosas, dada a omissão legislativa em tal matéria.

Corroborando com referida assertiva, o Supremo Tribunal Federal (STF), em julgado recente, deferiu ordem de Habeas Corpus, para trancar ação penal, a paciente denunciado como incurso no delito de lavagem de dinheiro e ocultação de bens, praticado por meio de organização criminosa (art. 1º, VII, da Lei 9.613/98), ao argumento de que o ordenamento pátrio ainda carece de locupletamento no que concerne ao estabelecimento de um conceito legal do que venha a ser organização criminosa.

A Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que denegara idêntica medida por considerar que a denúncia apresentada contra os pacientes descreveria a existência de organização criminosa que se valeria da estrutura de entidade religiosa e de empresas vinculadas para arrecadar vultosos valores, ludibriando fiéis mediante fraudes, desviando numerários oferecidos para finalidades ligadas à Igreja, da qual aqueles seriam dirigentes, em proveito próprio e de terceiros. A impetração sustenta a atipicidade da conduta imputada aos pacientes — lavagem de dinheiro e ocultação de bens, por meio de organização criminosa (Lei 9.613/98, art. 1º, VII) — ao argumento de que a legislação brasileira não contempla o tipo “organização criminosa”. Pleiteia, em conseqüência, o trancamento da ação penal. O Min. Marco Aurélio, relator, deferiu o writ para trancar a ação penal, no que foi acompanhado pelo Min. Dias Toffoli.

HC 96007/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 10.11.2009. (HC- 96007)

Inicialmente, ressaltou que, sob o ângulo da organização criminosa, a inicial acusatória remeteria ao fato de o Brasil, mediante o Decreto 5.015/2004, haver ratificado a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional - Convenção de Palermo (“Artigo 2 Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) ‘Grupo criminoso organizado’ - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;”). Em seguida, aduziu que, conforme decorre da Lei 9.613/98, o crime nela previsto dependeria do enquadramento das condutas especificadas no art. 1º em um dos seus incisos e que, nos autos, a denúncia aludiria a delito cometido por organização criminosa (VII). Disse que o parquet, a partir da perspectiva de haver a definição desse crime mediante o acatamento à citada Convenção das Nações Unidas, afirmara estar compreendida a espécie na autorização normativa. Tendo isso em conta, entendeu que tal assertiva mostrar-se-ia discrepante da premissa de não existir crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (CF, art. 5º, XXXIX). Asseverou que, ademais, a melhor doutrina defenderia que a ordem jurídica brasileira ainda não contempla previsão normativa suficiente a concluir-se pela existência do crime de organização criminosa. Realçou que, no rol taxativo do art. 1º da Lei 9.613/98, não consta sequer menção ao delito de quadrilha, muito menos ao de estelionato — também narrados na exordial. Assim, arrematou que se estaria potencializando a referida Convenção para se pretender a persecução penal no tocante à lavagem ou ocultação de bens sem se ter o delito antecedente passível de vir a ser empolgado para esse fim, o qual necessitaria da edição de lei em sentido formal e material. Estendeu, por fim, a ordem aos co-réus. Após, pediu vista dos autos a Min. Cármen Lúcia. HC 96007/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 10.11.2009. (HC-96007).

(Informativo nº.22/09)

De modo que referida conceituação passou a ser objeto da produção doutrinária pátria, que encontra na lição de Mario Chiavario (1994, p.28) digno valor conceitual, ao estabelecer que as organizações criminosas são:

[...] Organizações robustamente radicadas sobre o território mas já também com estreitas ligações e ramificações internacionais, ligadas sobretudo aquele narcotráfico, que aqui na América Latina se sente com uma intensidade ainda mais assustadora. Organizações capazes de criar uma espécie de anti-ordenamento jurídico com suas próprias regras, próprios tribunais e, sobretudo, próprios executores de sentenças, mas também, como já dizíamos, de insinuar-se nas fibras mais intimas das próprias instituições estatais: em uma rede de conveniência e de solidariedade que exprimem em inércias difusas quando não em troca de apoios ativos (e suspeitos, entre os mais inflamados, chegaram também a roçar pessonalidades já colocadas nos vértices do aparato estatal). Organizações enfim, que nos últimos anos puderam aproveitar também da degeneração das relações entre o mundo dos negócios, com a ampliação do assim chamado sistema de propina (isto é, das compensações distribuídas por baixo do pano pelos empreendedores públicos e privados, para partidos e homens de partidos para obter vantagens de todos os gêneros).

Tem-se ainda que, a conceituação de crime organizado não é exclusiva de juristas, de modo que órgãos técnicos no combate a tais organizações também a conceituam, entre as quais temos o FBI (2009, on line), que o define como sendo qualquer grupo que tenha alguma forma de estrutura formalizada e cujo principal objetivo é obter dinheiro através de atividades ilegais. Tais grupos mantêm a sua posição através do uso de violência real ou de ameaças, corrompendo funcionários públicos, corrupção e extorsão, tendo geralmente um impacto significativo sobre a população em suas localidades, região ou o país como um todo.

Diferente do modelo brasileiro, que se mostrou ineficaz na conceituação do chamado crime organizado, encontra-se em legislações estrangeiras conceituações que garantem o mínimo de efetividade no enfrentamento do crime organizado. Entre as quais, na lição de Alexis Sales de Paula e Souza (2007, on line), o modelo italiano, para quem:

O art. 416-bis do Código Penal prevê que para se configurar o tipo penal de associazione di tipo mafioso (associação do tipo mafioso) exige-se a participação de pelo menos três pessoas e a utilização por parte dos membros do grupo da força intimidativa do vínculo associativo, da condição de submissão ou da lei do silêncio dali oriunda, para adquirir, de modo direto ou indireto, a gestão ou o controle de atividades econômicas, de concessões ou de permissões de serviços públicos, para obter lucro ou vantagem ilícita. Pune-se, também, as ações que visem obstruir o livre exercício do direito de voto, ou a utilização de poder intimidatório para captar votos para si ou para outrem.

Destacando o fato da contribuição doutrinária, no que tange a conceituação de organizações criminosas, Fernando Capez (2008, p.237-238), ressalta que tais conceitos não podem ser levados em conta para a interpretação e aplicação da lei de combate ao crime organizado, pois se assim ocorresse, haveria uma flagrante ofensa ao princípio da reserva legal, que prima pela exclusividade da conceituação por parte da lei.

03- Conclusão

Em suma, no que concerne a legislação pátria, como mecanismo procedimental e repressivo do crime organizado, conclui-se, que tal norma (lei 9.034/95) carece de eficácia absoluta, abstratamente falando, pois a omissão legislativa no que tange a conceituação das organizações criminosas acabou por gerar a inaplicabilidade de diversos dispositivos de tal lei, ou seja, a existência de um meio de repressão inoperante, já que a produção de tal conceito sob pena de inconstitucionalidade não poderá ser advinda de órgãos administrativos, ou normatizações internacionais, já que a produção legislativa criminal é de competência da União e somente esta poderá estabelecer tal conceito, nos termos em que se concebe uma lei formal, em estrita consonância com o processo legislativo constitucional.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Data de elaboração: fevereiro/2011

 

Como citar o texto:

SILVA, Francisco Policarpo Rocha da..A Problemática da Conceituação de Organizações Criminosas. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/2297/a-problematica-conceituacao-organizacoes-criminosas. Acesso em 16 ago. 2011.

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