RESUMO

 

Referida pesquisa tem por objeto estabelecer caracteres gerais a respeito das ditas organizações criminosas, de forma a possibilitar o seu efetivo conhecimento e o estabelecimento de políticas públicas eficazes de enfrentamento de tais organizações segundo suas especificidades.

Palavras – chave: Crime Organizado. Organizações Criminosas. Modus operandi. Transnacionalidade.

01- Introdução

Para que se dê um eficaz combate as organizações criminosas, necessário se faz que sejam estabelecidas suas características básicas e específicas, ou seja, tenha-se traçado um perfil característico que seja comum a todas as organizações criminosas, assim como também um perfil segundo a natureza delitiva descrita no tipo penal, que venha a ser por eles praticados. Tudo isso, de modo a possibilitar aos órgãos encarregados do seu enfrentamento, identificá-los com maior facilidade e combatê-los segundo suas especificidades.

Em outras palavras, se existem organizações criminosas atuantes em vários ramos da criminalidade, numa decorrência lógica, ter-se-á que os meios investigatórios empregados na repressão de alguns crimes, como os praticados por quadrilhas especializadas em roubo a bancos, por exemplo, não possuem a mesma eficácia prática, para que se dê o combate a outros delitos, como o dos Cartéis do narcotráfico de âmbito transnacional. Daí a necessidade supra aludida, no que se refere à descrição de seus caracteres específicos.

02- Desenvolvimento

Comentando sobre a realização do XV Congresso Internacional de direito penal, o qual fora realizado entre os dias 04 a 10 de setembro de 1994, na cidade do Rio de Janeiro, Paulo César Corrêa Borges (2002, p.15-16), destaca a caracterização do crime organizado, feita por Guaracy Mingardi, como sendo, uma organização que contém a previsão de lucros, a existência de uma hierarquia com divisão funcional, ligações com o poder público, além da existência de planejamento no que concernem as suas atividades e delimitação territorial de atuação. Fato este ocorrido anteriormente à publicação da lei 9.034/95, e que nem assim, contribuiu para a definição legal de organizações criminosas.

Da definição de crime organizado estabelecida pelo FBI, podem-se ser extraídas diversas características de tais organizações, entre as quais: estrutura hierarquizada ou formal, objetivo primordial de lucro, consecução de seus fins através da utilização de violência real ou intimidação, práticas de corrupção, extorsão e uso de influência no meio.

O FBI define o crime organizado como qualquer grupo tenha alguma forma de uma estrutura formalizada e cujo principal objectivo é obter dinheiro através de actividades ilegais. Tais grupos mantêm a sua posição através do uso de violência real ou ameaçada, corromper funcionários públicos, corrupção, ou de extorsão, e geralmente têm um impacto significativo sobre a população em suas localidades, região ou o país como um todo. (2009, on line)

Luiz Flávio Gomes (2002, on line), no que tange ao estabelecimento das características das ditas organizações criminosas destaca que;

A ciência criminológica, de qualquer modo, já conta com incontáveis estudos sobre as organizações criminosas. Dentre tantas outras, são apontadas como suas características marcantes: hierarquia estrutural, planejamento empresarial, claro objetivo de lucros, uso de meios tecnológicos avançados, recrutamento de pessoas, divisão funcional de atividades, conexão estrutural ou funcional com o poder público e/ou com o poder político, oferta de prestações sociais, divisão territorial das atividades, alto poder de intimidação, alta capacitação para a fraude, conexão local, regional, nacional ou internacional com outras organizações etc.

Corroborando com a caracterização estabelecida por Luiz Flávio Gomes e Raúl Cervini para as organizações criminosas, Fernando Capez (2008, p.237-238), tece os seguinte comentários, a respeito de tais características:

a) Previsão de acumulação de riqueza indevida: não é necessário que a riqueza seja efetivamente reunida: basta a previsão de seu acúmulo, o intuito de lucro ilícito ou indevido.

b)Hierarquia estrutural: a organização consiste sempre em uma ordem hierarquizada, i.e., em um poder disposto de modo vertical, dentro do qual ocorre um estreitamento cada vez maior, até se chegar ao comando central (forma piramidal). É comum, nessas organizações, que os agentes das mais baixas posições desconheçam quem são os superiores de seu chefe imediato, o que torna mais difícil a identificação dos líderes.

c) Planejamento de tipo empresarial: a organização deve ter forma de recrutamento e pagamento de pessoal, programação de fluxo de caixa e estrutura contábil bem parecida com a de uma empresa legal. Aparentemente, funciona como uma empresa lícita e possui quase todas as características desta, dificultando a investigação.

d) Uso de meios tecnológicos sofisticados: as organizações possuem meios de telecomunicação, comunicação por satélite, gravadores capazes de captar sons a longa distância e uma série de outros recursos avançados que nem mesmo o Estado detém.

e) Divisão funcional de atividades: há uma especialização das atividades, nos moldes de organizações paramilitares. Os integrantes são recrutados, treinados e incumbidos de funções específicas, como se fossem soldados.

f) Conexão estrutural com o Poder Público: agentes do Poder Público passam a fazer parte da organização ou por ela são corrompidos, tornando-se complacentes com suas atividades. É comum tais organizações contribuírem maciçamente em campanhas eleitorais, criando fortes vínculos de mútua dependência com líderes governamentais. Cria-se, assim, uma barreira na qual o Estado não consegue penetrar.

g) A ampla oferta de prestações sociais: trata-se do chamado fenômeno do ‘clientelismo’. A negligência do Estado e das elites proporciona o surgimento de uma imensa camada de miseráveis, vivendo abaixo da condição da pobreza. Pessoas sem esperança e sem perspectivas que, por assim serem, nada têm a perder e tudo a ganhar. Aproveitando-se dessa situação de miséria humana, as organizações criminosas passam a atuar como prestadoras de serviços sociais, em substituição do estado ausente. Surge um ‘Estado’ dentro do Estado, o que permite a essas organizações obter legitimação popular e camuflar-se no meio da imensa multidão sem rosto.

h) Divisão territorial das atividades ilícitas: as organizações passam a atuar em territórios limitados, que são as suas áreas de influência. Essa divisão do espaço, às vezes, ocorre pelo confronto; às vezes, pelo acordo.

i) Alto poder de intimidação: as organizações conseguem intimidar até mesmo os poderes constituídos. Infundem medo e silêncio em toda a sociedade e, com isso, garantem a certeza da impunidade.

j) Real capacidade para a fraude difusa: aptidão para lesar o patrimônio público ou coletivo por meios fraudulentos, dificilmente perceptíveis (prática de crimes do colarinho branco ou criminalidade dourada).

l) Conexão local, regional, nacional ou internacional com outras organizações: em geral, as organizações estão interligadas, constituindo um poder invisível, quase indestrutível.

Certo é que, com o aparelho repressivo com que conta o Estado, e a constante especialização dos agentes policias, visando o enfrentamento do crime organizado, estabelecer características gerais a respeito das organizações criminosas, não se apresenta como uma tarefa difícil. O grande problema se encontra no necessário trabalho de caracterizar a dita criminalidade organizada, segundo suas características específicas. Tarefa esta que demanda expressivo conhecimento das mesmas, notadamente do seu modus operandi, e de sua capacidade de flexibilização, no que tange a facilidade de diversificar os tipos de crimes por eles praticados.

Os “senhores do crime” que, na atualidade, prosperam em suas atividades ilícitas de cunho lucrativo, o fazem por se mostrarem flexíveis, não “engessando” sua fonte lucrativa apenas em um determinado crime, como por exemplo, o tráfico de drogas, de armas ou o contrabando. Hoje em dia, estes buscam diversificar suas fontes de lucro, praticando delitos antes inimagináveis, como por exemplo, o tráfico de lixo tóxico, de medicamentos falsos, ou ate mesmo, através do contrabando de drogas lícitas como o cigarro, visando notadamente o mercado europeu. Desta feita, somente poder-se-á chegar às suas características específicas, se for dada a necessária atenção às praticas delituosas de tais organizações e seu modos operandi.

Como já ressaltado, este é um embate bastante difícil e complexo, mas que também se apresenta de uma fundamental importância para a efetivação do princípio da pacificação social almejado pelos Estados Nacionais do mundo inteiro.

De um modo geral, podem ser estabelecidos os seguintes caracteres gerais, do crime organizado:

a) Planejamento empresarial - consubstanciada na existência de uma hierarquia rígida, com divisão de funções, previsão de ascensão funcional entre os criminosos, controle de gastos, manutenção dos lucros e investimento em capacitação de seu pessoal.

b) Staff profissional - para que o crime organizado prevaleça ante a atuação repressiva estatal, necessário se faz contar com uma assessoria contábil e financeira, que atue no gerenciamento dos dividendos advindos das atividades ilícitas e em suas aplicações ou facilitação de atividades como a lavagem de dinheiro; necessário ainda se faz a presença de um corpo de advogados próprios ou em outras palavras, de uma assessoria jurídica, atuantes tanto no assessoramento, ou advocacia preventiva, como no assistencialismo, visando a defesa de seus poderosos clientes.

c) Previsão de lucros - objetivo primordial para que são voltadas as atividades criminosas, ou seja, seu objeto fim.

d) Formação de um Estado paralelo - possuem leis próprias (poder legislativo), tribunais do crime, onde julgam quem deve morrer ou viver segundo a conveniência de suas atividades (poder judiciário), existência de um poder maior central, unificado e controlador, próprio da estrutura piramidal, em suma, não sujeição ao Estado maior institucional.

e) Conexões com órgãos estatais - existência de rede de influência, troca de favores, lobbies, pagamento de propinas, infiltração nas três esferas do poder público, ou em outras palavras, uma interdependência entre agentes do governo e os criminosas.

f) Transnacionalidade - é o crime organizado sem fronteiras. Existência de Cartéis, conexões com outros grupos criminosos, atuação em outros países através de suas filiais, ou mesmo através da cooperação de órgãos estatais, tudo isso facilitado pela globalização e o estreitamento de fronteiras entre os países através dos meios de comunicação de um modo geral.

Diante do exposto, tem-se que a estrutura organizacional estabelecida pelas organizações criminosas visando à realização eficaz de seus objetivos ilícitos, rende-lhes um quê, de organização empresarial, pois, as características gerais anteriormente estabelecidas para referidas organizações, encontram-se eivadas dentre outros caracteres, da organicidade, controle logístico, e gestão empresarial, voltada tanto para o mercado interno como externo, institutos esses, próprios da atividade comercial-empresarial.

03- Conclusão

Conclusivamente, tem-se que a descrição de tais aspectos característicos da criminalidade organizada, em sua forma geral, mostra-se de grande valia ao enfrentamento de tais organizações, enfrentamento esse, que somente poderá ser efetivado de forma maciça, através da comunhão de esforços de estudiosos do fenômeno da criminalidade organizada e órgãos especializados encarregados de reprimenda, no sentido de chegar ao estabelecimento das características específicas de tais organizações criminosas, tomando-se como base os delitos por tais organizações praticadas, como já ressaltado alhures, tudo como forma de se promover um eficaz direcionamento de meios disponíveis de combate ao crime organizado, segundo as especificidades de tais organizações.

 

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Data de elaboração: janeiro/2011

 

Como citar o texto:

SILVA, Francisco Policarpo Rocha da..Características das Organizações Criminosas. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/2299/caracteristicas-organizacoes-criminosas. Acesso em 25 ago. 2011.

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