O suprimento judicial da declaração de vontade dos condôminos

As recentes alterações relativas ao Condomínio Edilício no Novo Código Civil trouxeram a necessidade de nova regulamentação dos Condomínios, através da alteração formal de suas Convenções Condominiais e, por conseqüência, o enfrentamento da maior de todas as dificuldades: a reunião de quorum mínimo de dois terços dos condôminos (artigo 1.351).

É sabido que o rigor do formalismo é medida de proteção dos interesses comuns, visando maior estabilidade da vida condominial posto que, conforme ensinamento de Alcides Bulgarelli (1), uma vez instituído, o Condomínio passa a ser regulado pela Convenção Condominial que :

"... é de natureza institucional, originada de manifestação plurilateral de vontades, direcionadas a determinado fim ( o condomínio). É considerada ato-regra e, sob esse enfoque, diz-se que tem efeito vinculante, no que tange ao equilíbrio comportamental do grupo condominial ( interna corporis) e, em certa medida, com direcionamento erga omnes (externa corporis), desde que cumprida a exigência registrária (registro no Cartório de Registro de Imóveis).

Exatamente por sua força vinculativa e obrigatória, em prol dos interesses comuns, cabe à Assembléia que reúna dois terços dos condôminos, deliberar sobre as regras de convivência e, a respeito, já previa o artigo 27 da Lei 4.591/64 (ainda em vigor naquilo que não contrarie as novas alterações efetivadas pelo Novo Código Civil) que, na eventualidade da Assembléia não se reunir para exercer os poderes que lhe competem, o juiz decidirá a respeito, a requerimento de qualquer interessado:

"...Se a assembléia não se reunir para exercer qualquer dos poderes que lhe competem, 15 dias após o pedido de convocação, o juiz decidirá a respeito, mediante requerimento dos interessados..."

E também o novo Código Civil, embora esteja tratando especificamente da Assembléia Geral Ordinária, deixa expresso em seu artigo 1.350:

§ 2o Se a assembléia não se reunir, o juiz decidirá, a requerimento de qualquer condômino..."

Assim, a inexistência de quorum mínimo não pode ser imposta como impeditiva da aprovação das alterações, uma vez que a própria lei autoriza ao Juiz deliberar em conformidade com os interesses dos condôminos.

J. NASCIMENTO FRANCO, em sua obra Condomínio (3a. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001), ensina:

"Como órgão hierarquicamente mais elevado do condomínio, cabe à Assembléia Geral, mediante convocação do síndico, reunir-se ordinária ou extraordinariamente para resolver assunto de sua competência. Omitindo-se o síndico em promover a convocação ou, se convocada a Assembléia não se realizar por falta de quorum, ou deixar de deliberar, qualquer interessado (condômino, síndico, Conselho Consultivo) tem legitimidade para requerer, com fundamento no art. 27 da Lei 4.591/64, decisão supletiva do Juiz." (pág. 289) Grifamos.

E mais:

"...Não se instaura propriamente uma ação, mas simplesmente um procedimento, através do qual, a pedido dos interessados, o órgão judiciário emite um pronunciamento de natureza administrativa para suprir a falta de deliberação por parte da Assembléia condominial..." (pág. 290).

Também:

...Definindo os objetivos de jurisdição voluntária, Frederico Marques escreve: Os atos de jurisdição voluntária são atos de Direito Público, praticados a pedido de interessados, que o Poder Judiciário realizada para reconhecer, verificar, autorizar, aprovar, constituir ou modificar situações jurídicas... (Instituições de direito processual Civil, v. 1, p.251)

Portanto, embora os Condomínios tenham encontrado formas irregulares de aprovação das deliberações assembleares, como, por exemplo, colher as assinaturas no livro de presença e na ata de realização da assembléia, posteriormente, "de porta em porta", a legislação defere ao Condomínio, o caminho judicial para suprir a falta de quorum nas assembléias, através de procedimento de jurisdição voluntária.

Ressalte-se, no entanto: para que tal pretensão seja acolhida judicialmente, necessário que se faça a prova da convocação especial de todos os condôminos (sem exceção - de preferência através de protocolo próprio e/ou comprovante de aviso de recebimento da ECT), bem como da aprovação das deliberações pelos condôminos presentes à assembléia.

Por último, advirta-se que não será possível ao Juízo, qualquer análise de mérito acerca das deliberações assembleares, pelo menos em sede de tal procedimento de jurisdição voluntária, salvo flagrante ilegalidade ou vício que deva ser conhecido ex officio. Fica assim limitado à análise dos aspectos formais da convocação e do quorum e, a sentença que a homologar, deverá acompanhar a documentação necessária para seu registro junto ao Cartório Imobiliário.

 

(Elaborado em Florianópolis, 04/2004)

Notas:

1 - Natureza Jurídica da Convenção Condominial, in http://www.stac.sp.gov.br/cedes/trab-juridicos/cedes-trab-38.htm.

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Como citar o texto:

EHRHARDT, Daisy..Da homologação judicial das convenções condominiais. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 1, nº 74. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/242/da-homologacao-judicial-convencoes-condominiais. Acesso em 27 abr. 2004.

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