Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. Conceito de Legalidade; 3. A diferença entre a Administração Pública e a administração particular; 4. Origem histórica, 5. Exemplos atuais de descumprimento do Princípio da Legalidade, 5.1. Autoridade descumpre edital e afronta o direito do candidato, 5.2 Procuradores afirmam, em ação contra a ANP, que não descumpriram o Princípio da Legalidade; 6. Conclusão; 7. Bibliografia.

 

Palavras chave: Princípio da Legalidade; Art. 37 da Constituição Federal; Submissão à Lei.

Considerações iniciais.

Os princípios norteadores da Administração Pública, discutidos amplamente na doutrina administrativa pátria, são derivados dos requisitos dispostos no art. 37 da Constituição Federal.

Esses requisitos que têm força de regra, são a legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, dentre outros princípios que decorrem do regime político brasileiro, como a segurança jurídica e a supremacia do interesse público, por exemplo.

No referido artigo da Carta Magna, são estabelecidos atitudes esperadas do Administrador Público no exercício de seu cargo, no decorrer de sua gestão em seus atos e atividades públicas. São regras que devem ser seguidas por este para o bom funcionamento da engrenagem estatal.

No presente artigo destaquei o Princípio da Legalidade, um dos símbolos do Estado Democrático do Direito, por causa da exigência do referido princípio de que os atos do Administrador Público, no papel de zelador do bem estar social, sejam vinculados à Lei e ao interesse coletivo.

1. Conceito de Legalidade.

A Legalidade, disposta no art. 37, CF, é um princípio básico, necessário e norteador da Administração Pública.

Segundo este princípio basilar a Administração Pública, representada pelo Administrador Público, deverá sempre, em seus atos e atividades ser coerente com a Lei e a vontade pública, o bem comum.

Diversos manuais de Direito Administrativo fomentam o conceito do Princípio da Legalidade, dentre eles o renomado doutrinador Hely Lopes Meirelles (2002 – Pág. 86):

A legalidade, como princípio da administração (CF, art. 37, caput) significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da Lei e as exigências do comum (...).

Outra grande contribuição para a conceituação do Princípio da Legalidade foi do eminente jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, quando afirma: “O princípio da legalidade, no Brasil, significa que a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina.”. (2001- Pág.75).

Já para o professor de Direito Administrativo Rafael Oliveira, em artigo escrito ao site da TV Justiça, o referido princípio é uma “vinculação positiva da Administração à Lei”.

Pelas consagradas definições transcritas, fica clara a “submissão do Estado à Lei” (MELLO, 2001. Pág. 21), o administrador público, nesse caso deve obediência à lei, sempre tendo em mente que os seus atos devem estar positivados para satisfazer o bem coletivo.

Nas palavras do atual doutrinador de Direito Público, Marcelo Alexandrino:

A administração pública, além de não poder atuar contra a lei ou além da lei, somente pode agir segundo a lei. (A atividade administrativa não pode ser contra legem nem praeter legem, mas apenas secundum legem). (sem grifos no original).

O administrador público que praticar ato alheio à Lei, conseqüentemente aos interesses da população enfrentará processo de responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. O referido ato que se distanciou da Lei, ou seja, feriu o Princípio da Legalidade é punido com a ineficácia, conforme o art. 2º, parágrafo único, I, da Lei 9784/99.

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

I - atuação conforme a lei e o Direito;

II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei; (...) (sem grifos no original)

Por fim, o administrador deve sempre se pautar pela normatividade e o interesse coletivo, conseqüentemente, sendo impedido de realizar atos que não estejam abraçados pela Legislação sob pena de ferir o Princípio da Legalidade, um das principais diferenças entre a administração particular e a Administração Pública.

2. A diferença entre a Administração Pública e a Administração Particular.

A grande diferença entre a Administração Pública, que visa o bem comum, e a Administração Particular, que visa o lucro, é a liberdade, a vontade pessoal.

Enquanto a primeira, pelo Princípio da Legalidade, nunca poderá agir em distância ou desacordo com a Lei, o particular poderá fazer tudo o que a lei não proíbe.

Neste sentido afirma o professor Kildare Gonçalves,

Diferentemente do indivíduo, que é livre para agir, podendo fazer tudo o que a lei não proíbe, a administração somente poderá fazer o que a lei manda ou permite.

Também detalhado pelo sábio doutrinador Bandeira de Mello:

Ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize. Donde, administrar é prover aos interesses públicos, assim caracterizados em lei, fazendo-o na conformidade dos meios e formas nela estabelecidos ou particularizados segundo suas disposiçõs.

Um exemplo prático e didático da diferença entre a Administração Estatal e a Iniciativa Privada, são os hospitais, enquanto o hospital público deverá contratar através de concurso público os seus funcionários, o hospital particular decidirá como contratará os seus funcionários.

Portanto, o princípio da legalidade é a diferença principal entre as duas administrações referidas, enquanto o princípio constitucional dá moldes positivos à Administração Pública, o particular não ficará atrelado a tal princípio, porém não poderá descumprir a lei.

3. Origem histórica

A idéia original de legalidade acompanha as lutas contra o poder Absolutista, regime político onde um monarca representava o Estado e poderia agir de acordo com a sua própria vontade sem respeitar nenhuma Lei, não atentando para a vontade do povo.

O referido princípio ganha contornos com o pensamento liberal, um sistema político-econômico fundado na liberdade individual, com destaque para o filósofo político John Locke (1632-1704).

Sahid Maluf descreve a importância do filósofo liberal:

Na formação dessa nova mentalidade se destacou a figura gigantesca de John Locke, que prega o anti-absolutismo, a limitação da autoridade rela pela soberania do povo, a eliminação dos riscos da prepotência e do arbítrio. (sem grifos no original) .

A preocupação dos filósofos do séc. XVIII foram voltadas para o cerceamento do poder do monarca sob seus servos, garantindo o direito individual, a liberdade individual, como explica Alexandre Rezende em artigo para o Jus Navegandi:

(...) a autoridade confiada ao Estado, no momento do Contrato Social, não pode ser abusada, se tal acontecer haverá uma quebra do Contrato, o que dá direito ao povo de retomar a soberania, ou seja, o direito à sublevação. (sem grifos no original)

As efervescentes idéias de liberdade econômica “encheram” os olhos da burguesia, que após as expansões comercias que ligaram o Velho Continente a diversos pontos do Mundo, procuravam lucrar, mas eram cerceados pela Realeza que exigia pesados impostos e não seguiam qualquer Lei.

A Revolução Francesa nasceu vislumbrando as idéias liberais disseminadas por nomes como Locke, Montesquieu, Rousseau e Voltaire, o princípio da legalidade nasce neste ambiente de desprezo pelo autoritarismo e a paixão pelo positivismo, e, num grande passo para o Direito Administrativo foi elaborada a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão:

A liberdade consiste em fazer tudo àquilo que não prejudica a outrem, assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites que os que assegurem aos membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Esses limites só podem ser estabelecidos em lei

Sendo assim, com norte na Revolução o princípio da legalidade, antes usado como escudo de Regime Absolutista, hoje é garantia do Estado Democrático de Direito, fundamento necessário para a proteção do cidadão perante a máquina estatal.

4. Exemplos de descumprimento do Princípio da Legalidade.

Apesar do princípio da legalidade ser uma garantia constitucional e um norte para os Administradores Públicos, muitos burlam essa regra do art. 37 da CF e causam enorme revolta na população.

4.1. Autoridade descumpre edital e afronta o direito do candidato.

 

O caso a seguir foi retirado do site de pesquisas jurisprudenciais – jurisway- nele, é possível ver que o candidato de um concurso público se sente lesado pelo descumprimento do edital, instrumento que estipula regras entre os aplicadores das provas e candidatos ao cargo. A decisão judicial, in litteris:

Candidato ao cargo de soldado no Concurso Público da Polícia Militar deve ser convocado para realizar a segunda fase do certame. Ele não foi chamado em uma segunda lista que deveria ter sido feita depois de dezenas de desistências, conforme previa o próprio edital do concurso. A decisão foi da Segunda Turma de Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Justiça de Mato Grosso que acolheu o Mandado de Segurança nº 90386/2008, reconhecendo direito líquido e certo do impetrante em face do comandante-geral da PM. Constam dos autos que o candidato foi classificado na posição de número 277 na primeira fase do concurso, sendo que 270 candidatos ganharam o direito de disputar a fase seguinte, formada pela avaliação médica e odontológica. Ressaltou que 68 candidatos não compareceram e que o item do Edital n. 003/PMMT/08 estabelece que, nesse caso, deveria ser feita a convocação suplementar, o que não aconteceu. Por esse motivo impetrou o mandado de segurança, que foi deferido para determinar ao Comando-Geral da PM marcar nova data e horário para realização da segunda fase do concurso ao candidato, que poderá seguir nas fases seguintes caso seja admitido. O relator, desembargador José Ferreira Leite, destacou que a administração pública não pode deixar de cumprir o que foi estabelecido por ela mesma, sob pena de ofensa aos princípios da legalidade, da vinculação ao edital e, também, da moralidade. Destacou as determinações constadas no próprio edital, ficando clara a violação ao documento, em afronta ao direito liquido e certo do impetrante. (sem grifos no original)

Na referida ação, o candidato ao cargo se sente lesado, e como forma de assumir o cargo cita, entre os diversos argumentos utilizados, a infração ao princípio da legalidade por parte do Comando Geral da PM, que descumpre o edital, documento que faz lei entre as partes acima citadas.

4.2. Procuradores afirmam, em ação contra a ANP, que não descumpriram o Princípio da Legalidade.

No exemplo seguinte, a ação foi impetrada pela a Advocacia Geral da União contra a ANP (Agência Nacional de Petróleo), na mesma a ANP alega afronta ao princípio da legalidade quando a AGU utiliza na fundamentação de seu argumento uma portaria e não uma lei, na íntegra decisão judicial:

A Advocacia-Geral da União (AGU) assegurou, na Justiça, a multa de R$ 50 mil, aplicada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) contra a Minasgás Distribuidora de Combustíveis Ltda. A empresa deu início a operações de envasilhamento de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), para comercialização, sem a devida licença da autarquia reguladora.

Mesmo diante da flagrante irregularidade, a Minasgás recorreu judicialmente pedindo a anulação da multa, insistindo na tese de que a autuação afrontaria o princípio da legalidade, pois era fundamentada em uma Portaria e não em lei.

A Procuradoria-Regional Federal da 1ª Região (PRF1) e da Procuradoria Federal junto à ANP (PF/ANP) rebateram as afirmações da empresa. Demonstraram que a aplicação da multa encontrava previsão não só na Portaria 843/90, como na Lei nº 9.847/99, que conferiu à autarquia a atribuição para fiscalizar, regulamentar e autorizar as atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, podendo aplicar sanções administrativas para o descumprimento de suas determinações.

Os procuradores ressaltaram que, de toda a forma, não haveria qualquer erro na tipificação da conduta infracional por meio de portarias. Além disso, salientaram que a empresa não foi multada em vão, mas sim porque realizava atividade clandestina.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) acolheu os argumentos das procuradorias da AGU e negou o pedido da empresa, afirmando que a matéria esta pacificada na jurisprudência do próprio TRF1, no sentido de que não haveria ofensa ao princípio legal autos de infrações lavrados com base em normatização de ordem técnica, respaldada por lei. (sem grifos no original)

Como defesa, a Procuradoria Geral da União, além de outros argumentos pertinentes à ação utiliza o argumento que a previsão da aplicação de multa, além da Portaria pode ser consultada em lei, refutando assim a idéia de que o órgão público teria infringido o princípio constitucional da legalidade.

5. Conclusão.

O Princípio da Legalidade, historicamente, é uma grande garantia do povo, como nas palavras do sábio Celso Antônio Bandeira de Mello: “tem raízes na soberania popular” (MELLO, pág. 75. 2001), ou seja, historicamente, visa resguardar o direito do cidadão frente ao Estado.

O constituinte de 1988 foi sábio quando definiu a legalidade como regra da Administração Pública no art. 37 da Carta Magna, demonstrou o apreço ao sistema positivista e ao Estado Democrático de Direito.

Portanto a obediência ao princípio da legalidade não é só um dever do administrador público, é uma garantia da sociedade, uma forma de repúdio ao poder absoluto do Estado revestido de princípio constitucional.

No seu porte de princípio basilar do Estado Democrático de Direito dever ser defendido e, quando infringido pelos administradores públicos estes devem ser punidos severamente, pois afetam toda a nação.

Bibliografia.

ALEXANDRINO, Marcelo. Resumo de Direito Administrativo Descomplicado. Rio de Janeiro: Método, 2008.

GONÇALVES, Kildare. Direito Constitucional Didático. São Paulo: Ferreira, 2006.

MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Editora Sugestões Literárias.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo – 27. ed. : Malheiros, 2002.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo – 13. ed.: Malheiros, 2001.

OLIVEIRA, Rafael. Princípio da Legalidade. Disponível em: < www.tvjustica.com.br>. Acesso em: 24 de abril de 2012.

SILVA, Alexandre Rezende da. Princípio da Legalidade. Disponível em: < www.jus.com.br>. Acesso em 25 de abril de 2012.

 

Data de elaboração: junho/2012

 

Como citar o texto:

SOUZAQ, katarina Cândido de..Princípio da Legalidade. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 993. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-administrativo/2536/principio-legalidade. Acesso em 28 jun. 2012.

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