Primeiramente analisaremos com base neste estudo, questões a despeito do conflito entre as disposições do § 4º do art. 9º da Lei nº 8.906/94, bem como o conceito de estágio trazido pela Lei nº 11.788/08, tendo o escopo de fazer uma melhor compreensão sobre o tema, analisando a antinomia jurídica entre duas Leis federais de mesmo grau de hierarquia, demonstrando os entendimentos diversos a respeito da uma mesma figura.

 

Após, em segundo plano, será buscado dirimir problemas relacionados ao prazo de duração do estágio (2 anos), aferindo se há a possibilidade ou não de ser aplicado este dispositivo inclusive ao estágio profissional realizado pelo bacharel em Direito.

I – Breve relato histórico

A advocacia, em Roma, era exercida pelos patrícios, tendo em vista que somente eles tinham acesso aos processos. Posteriormente, na Europa, durante a Idade Média, o advogado tinha a incumbência de assumir uma direção técnica para obter meios de prova na preparação dos procedimentos.

No Brasil, a “profissão” era exercida de forma praticamente livre, não sendo necessária qualquer formação, bastando apenas exercer a prática do ofício. Somente após o Alvará régio de 1713 que trouxe disposições sobre a figura do advogado, no sentido de que poderia ser “qualquer pessoa idônea, mesmo não sendo formada, tirando Provisão”, perdurando esta figura, até o advento da Lei nº 8.906/94.

Neste sentido, fazendo uma ligação histórica, o estágio teve suas especialidades regulamentadas na forma legal com a Lei nº 6494/77, que posteriormente foi inteiramente revogada pela Lei nº 11.788/08.

II – Conceito de estágio

Assim, se faz necessário entender o conceito de estágio trazido pelo art. 1º da Lei nº 11.788/2008 (Lei do Estágio):

“Art. 1o Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos. “

O dispositivo legal é expresso ao conceituar que o estagiário é o educando que está frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, ensino médio e anos finais do ensino fundamental, podendo-se assim, desmembrar o dispositivo legal no intuito de demonstrar separadamente cada requisito: a) ato educativo escolar supervisionado; b) realizado por educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de ensino superior.

O primeiro requisito já se mostra incompatível com o que consta no § 4º do art. 9º da Lei nº 8.906/94:

“ Art. 9º Para inscrição como estagiário é necessário:

(...)

§ 4º O estágio profissional poderá ser cumprido por bacharel em Direito que queira se inscrever na Ordem.”

O estágio como “ato educativo escolar supervisionado” traz a compreensão de tratar-se de um estudante (indiferente o grau de ensino, bem como sua modalidade) regularmente matriculado que realiza atividade com o objetivo de buscar disciplina, aprendizado, desenvolvimento dentro outras finalidades. A realização desta atividade é feita de forma supervisionada, sendo geralmente realizada em dois pilares, um pelo próprio supervisor lotado no setor de realização das atividades do estágio, bem como o posterior envio de relatório a instituição de ensino vinculada.

Estas considerações, na “modalidade” de estágio trazida pela Lei nº 8.906/94, não estão presentes, visto que o dispositivo em questão refere-se a bacharel em Direito, não possuindo este, vínculo a nenhuma instituição de ensino.

Passando a analise do segundo requisito legal, no sentido de o estágio ser realizado por educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de ensino superior, fica evidente de que o bacharel já não frequenta mais este grau de ensino, estando completamente impossibilitado de realizar estágio com base na Lei 11.788/08.

O conflito normativo e a sua solução

É visível a incompatibilidade dos dois dispositivos em questão, merecendo ser observada uma solução para esta antinomia jurídica. Assim cabe aqui apresentar o que ensina Hans Kelsen :

“Para haver um conflito normativo as duas normas devem ser válidas, pois se uma delas não o for não haverá qualquer antinomia, já que uma das duas normas não existiria juridicamente, jamais poderá afirmar que apenas uma é válida.”

Com o advento da Lei nº 11.788/08, não houve a revogação das disposições relacionadas ao estágio no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, sendo leis distintas, com objetivos diversos, a primeira trazendo a regulação específica referente às questões de estágio, e a segunda, de diploma com normas atinentes a profissão do advogado, que inclui também regramentos quanto ao estágio.

Baseando-se na teoria do direito, ressalto três possíveis critérios utilizados para a solução desta antinomia: a) Hierárquico; b) Cronológico; c) Especialidade.

Este primeiro critério está pautado na superioridade de um dispositivo sobre o outro, assim havendo o conflito de duas normas de diferentes níveis hierárquicos, preponderará a preferência pela aplicação em relação à norma de nível hierarquicamente superior. Aplicando-se ao caso concreto, fica evidente a sua impossibilidade, visto que a Lei nº 8.906/94 e a Lei nº 11.788/08 são hierarquicamente iguais, sendo duas leis infraconstitucionais.

Após se confirmar que as duas normas antinômicas são de nível hierárquico igualitário, consequentemente não podendo solucionar-se o conflito com base no critério de hierarquia, a tentativa de solução será direcionada ao critério cronológico, o qual traz a possibilidade de verificar qual das duas normas é a mais recente, e se efetivamente a lei posterior revoga total ou parcialmente o texto da lei fixada anteriormente.

É claro, a Lei do Estágio (2008) é posterior ao Estatuto da OAB (1994), porém o que se verifica é que não houve a revogação das disposições atinentes ao estagiário constantes na Lei nº 8.906/94, sendo interessante a aplicação do último critério, mais proporcional e razoável em relação ao caso concreto, critério este de especialidade.

O critério de especialidade no intuito de resolver conflitos antinômicos busca apontar que a norma especial se sobrepõe a norma geral no caso concreto. Entendimento este confortado pelo que ensina Maria Helena Diniz, em Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, p. 77:

"...mais acertado é dizer que as disposições da Lei n. 8.906/94 sobre estágio não foram revogadas pela Lei n. 11.788/08. Dá-se a situação, mencionada pela doutrina, de "subsistência de lei geral e especial, regendo, paralelamente, as hipóteses por elas disciplinadas". Devem conjugar-se, pois, os diferentes dispositivos, harmonizando-se as regras gerais da Lei n. 11.788/08 com as regras especiais da Lei n. 8.906/94."

A Lei nº 8.906/94 é dirigida aos acadêmicos ou bacharéis do curso de Direito, sendo que a Lei nº 11.788/08 serve como a regra geral de amparo ao estagiário, seja ele de nível superior, médio ou fundamental, estabelecendo regras básicas de assistência, benefícios, objetivos e direitos mínimos necessários para que a função principal de desenvolvimento ocorra.

Ademais, a partir do momento em que o acadêmico se torna bacharel, automaticamente a relação estabelecida entre o supervisor do estágio e o estagiário muda, no sentido de que a relação passa a ser de vínculo empregatício.

Desta forma, pela especificidade da Lei nº 8.906/94, entende-se que é possível um bacharel em Direito realizar estágio, porém conferido de forma exclusiva a ele.

II – Limitação à duração da inscrição de estágio profissional realizado por bacharel em Direito

Outra questão extremamente interessante a ser analisada neste contexto, porém de forma sucinta, é responder se o bacharel em direito tem prazo de duração no seu estágio profissional, verificação feita com base no § 1º e § 4º art. 9º da Lei nº 8.906/94:

“ Art. 9º Para inscrição como estagiário é necessário: (...)

§ 1º O estágio profissional de advocacia, com duração de dois anos, realizado nos últimos anos do curso jurídico, pode ser mantido pelas respectivas instituições de ensino superior pelos Conselhos da OAB, ou por setores, órgãos jurídicos e escritórios de advocacia credenciados pela OAB, sendo obrigatório o estudo deste Estatuto e do Código de Ética e Disciplina.

(...)

§ 4º O estágio profissional poderá ser cumprido por bacharel em Direito que queira se inscrever na Ordem”

Na teoria, com base em uma interpretação literal do dispositivo legal, verifica-se que não há limitação legal de prazo para a inscrição de bacharel em Direito como estagiário da OAB, tendo em vista de que o prazo de dois anos de duração é imposto ao estagiário graduando, e não ao bacharel.

Porém, mesmo com a referida lacuna, entende a Ordem dos Advogados do Brasil que o prazo serve tanto para um como para o outro, podendo este prazo ainda, ser prorrogado por mais um ano, previsão esta trazida pelo art. 35 do Regulamento Geral da OAB:

“Art. 35. O cartão de identidade do estagiário tem o mesmo modelo e conteúdo do cartão de identidade do advogado, com a indicação de “Identidade de Estagiário”, em destaque, e do prazo de validade, que não pode ultrapassar três anos nem ser prorrogado. “

Ao realizar uma análise conjunta destes dois dispositivos, é possível se chegar à conclusão de que a inscrição para estágio profissional na OAB pode se dar nos últimos dois anos do curso jurídico com base no § 1º do art. 9º da Lei nº 8.906/94, bem como podendo ser realizada também a sua inscrição com base no § 4º do art. 9º da referida lei, em caso de bacharel, podendo este manter a inscrição na qualidade de estagiário pelo prazo de três anos até a aprovação no exame.

Ademais, ensina Gisela Gondin Ramos :

´”Embora o Estatuto silencie a respeito do tempo de duração do estágio nestas condições, creio que o período máximo não deverá ultrapassar o dobro do tempo mínimo estabelecido para o estágio regular, sob pena de fazermos renascer a antiga figura do solicitador, ou provisionado, que o próprio Estatuto cuidou de abolir.”

Fica evidente, que fazer esta limitação, por mais que não conste no texto legal, é necessária. Não havendo limitação, estará sendo criada novamente a figura do solicitador, bem como traduz a doutrina colacionada acima.

Neste sentido, entende-se como uma interpretação conjunta e sistemática, extraindo a ideia de que é possível a prorrogação da inscrição de estagiário e bacharel pelo prazo de um ano, compreendo o prazo de inscrição e prorrogação.

III – Conclusão

Ao fim desta análise, chego à conclusão que fazendo a interpretação literal da lei, não há a disposição legal de prazo limite para que um bacharel em Direito realize estágio profissional. Porém como já destacado acima, verifica-se que este entendimento, a priori, deve ser conveniente e além do mais, justo, no sentido de ser imprescindível que haja uma interpretação extensiva no sentido de limitar este prazo, atendendo rigidamente aos demais requisitos legais previstos.

BIBLIOGRAFIA

LOBO, Paulo. Comentários ao estatuto da OAB. São Paulo: Ed. Saraiva, 2007.

RAMOS, Gisela Gondin. Estatuto da Advocacia, Comentários e Jurisprudência

Selecionada – 4ª Edição – Editora OAB/SC.

DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil interpretada . São Paulo, Saraiva, 2011.

 

Data de elaboração: agosto/2012

 

Como citar o texto:

LUKRAFKA, Marcos Ayres..Estágio profissional segundo o § 4º do art. 9º da Lei nº 8.906/94 e o conceito de estágio com o advento da Lei nº 11.788/08. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1015. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/pratica-forense-e-advogados/2598/estagio-profissional-segundo-p4-art-9-lei-n-8-90694-conceito-estagio-com-advento-lei-n-11-78808. Acesso em 24 set. 2012.

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