Resumo

A Sociedade clamava por uma justiça mais célere, assim, com base nos princípios da Razoável Duração do Processo e da Celeridade na Tramitação Processual, a Lei nº 11.280/2006 alterou a aplicação do instituto da prescrição no ordenamento jurídico brasileiro; que dispõe que o juiz deverá pronunciar “ex officio” a prescrição. Tal alteração causou nos operadores do Direito, vários questionamentos quanto a sua aplicação. Sendo bastante interessante a discussão se a alteração deve ser aplicada no Direito Processual do Trabalho.

Palavras-Chave

Prescrição; Pronunciamento de ofício da prescrição no processo do trabalho; Lei nº 11.280/2006; Direito processual do trabalho.

APPLICABILITY OF THE DECLARATION "EX OFFICIO" OF PRESCRIPTION IN PROCEDURAL LAW OF LABOUR

Abstract

The Society called for a speedier justice, thus, based on the principles of Reasonable Length of Process and Conduct of Celerity in Process, The Law No. 11.280/2006 changed the application of prescription institute in Brazilian law, which provides that the judge should pronounce "ex officio" the prescription. This change caused the operators of the law had many questions regarding its application. Being quite interesting discussion whether the change should be applied in Procedural Law of Labor.

Keywords

Prescription; Statement of craft of prescription in the labor process; Law 11.280/2006; procedural law of labor.

1. Efeito do Tempo nas Relações jurídicas

É antiga a ideia de que a faculdade de o titular exercitar um direito não pode ficar pendente por toda a eternidade. Conforme o antigo brocardo jurídico: dormientibus non succurit jus; o direito, realmente, não tem interesse em socorrer aos que dormem, aos titulares de direitos que se mantêm inertes. Ao contrário disso, os sistemas jurídicos apresentam prazos para o exercício e efetivação de direitos e pretensões.

O Direito estabelece normas que restringem o exercício dos direitos através do lapso temporal, ou seja, o titular de um direito deverá buscar a prestação jurisdicional dentro de um prazo determinado, sob pena de perder a prerrogativa de exercê-lo.

Não sendo assim, existiria uma abissal instabilidade jurídica (e, por conseguinte, uma instabilidade social).

Ao impor limitações temporais nas relações jurídicas, o que se está buscando é a estabilidade jurídica e a segurança nas relações sociais. Caso o titular de um direito tivesse a faculdade de forma indefinida, eterna, no tempo, a vida em sociedade seria baseada em uma assombrosa incerteza e instabilidade.

Se a possibilidade de exercício dos direitos fosse indefinida no tempo, haveria instabilidade social. O devedor, passado muito tempo da constituição de seu débito, nunca saberia se o credor poderia, a qualquer momento, voltar-se contra ele. O decurso de tempo, em lapso maior ou menor, deve colocar uma pedra sobre a relação jurídica cujo direito não foi exercido.

Com o fundamento na harmonia, paz e tranquilidade social e na estabilidade e segurança jurídica é que o Direito estabeleceu prazos para forçar o titular a buscar a satisfação do seu direito.

Instituídas com fundamento na harmonia, estabilidade e paz social, os institutos da prescrição e da decadência são invenções jurídicas para disciplinar a conduta do indivíduo.

1.1 Prescrição e Decadência

Conforme dissemos no tópico anterior, a prescrição e a decadência foram criadas pelo ordenamento jurídico com o intuito de disciplinar a conduta do individuo; por conseguinte, são fatos jurídicos em sentido estrito.

Existe uma grande relação de semelhança entre a prescrição e a decadência. Os dois institutos foram instituídos sob os mesmos fundamentos e decorrem da inércia do titular; entretanto, apesar das semelhanças, os institutos apresentam abissal dessemelhança na atuação e nos efeitos produzidos.

De acordo com os ensinamentos de Antônio Luís Câmara Leal, existem três grandes critérios para distinguir a prescrição da decadência:

O primeiro grande critério de distinção: a decadência extingue diretamente o direito, e com ele a ação que o protege, enquanto a prescrição extingue a ação, e com ela o direito que protege. A seguir, afirma o autor que o segundo critério reside no momento do início da decadência e no momento do início da prescrição: a decadência começa a correr, como prazo extintivo, desde o momento em que o direito nasce, enquanto a prescrição não tem seu início com o nascimento do direito, mas a partir de sua violação, porque é nesse momento que nasce a ação contra a qual se volta a prescrição.

A terceira distinção reside na diversa natureza do direito que se extingue, pois a decadência supõe um direito que, embora nascido, “não se tornou efetivo pela falta de exercício; ao passo que a prescrição supõe um direito nascido e efetivo, mas que pereceu pela falta de proteção pela ação, contra a violação sofrida” .

Assim, temos que a prescrição é a extinção do direito de ingressar com a ação, em virtude da ausência de manifestação por parte do titular do direito que foi violado, durante o decurso do prazo estabelecido pela lei.

A decadência, por sua vez, é a extinção do direito propriamente dito, em virtude da ausência de exercício em período que atende ao estabelecido pela lei.

Nesta obra trataremos mais detidamente do instituto da prescrição, que passamos a abordar de uma forma mais densa a partir do tópico subsequente.

2. Prescrição

A palavra prescrição provém do latim praescriptìo, vocábulo “derivado do verbo praescribere, formado por prae e scribere; significa escrever antes ou no começo.”

O artigo 189 do Código Civil dispõe que se um direito for violado, nascerá para o seu titular uma pretensão, a qual se extinguirá através da prescrição, nos prazos previstos pelos artigos 205 e 206. De tal forma, podemos dizer que a prescrição é a perda da pretensão (perda do direito de ingressar com a ação judicial), em virtude da ausência de manifestação por parte do titular do direito que foi violado, durante o decurso do prazo estabelecido pela lei.

Assim, “a base da prescrição é a inércia do titular do direito durante um certo prazo, que é fixado por lei e cujo decurso importa na perda da ação judicial própria”.

É importante ressaltar que na prescrição o que ocorre é a extinção da pretensão que nasceu para o titular do direito violado. Ou seja, o titular não poderá ingressar com uma ação judicial pleiteando a reparação, contudo, o direito permanece sem qualquer alteração, incólume.

Os requisitos necessários para a ocorrência da prescrição, conforme lição de Antônio Luís Câmara Leal , são:

1. existência de ação que possa ser postulada em juízo;

2. inércia do titular da ação;

3. continuidade dessa inércia em determinado lapso de tempo;

4. inexistência de fato ou ato que seja impeditivo, suspensivo ou interruptivo.

2.1 Prescrição Extintiva e Prescrição Aquisitiva

A prescrição, no ordenamento jurídico brasileiro, está dividida em prescrição extintiva e prescrição aquisitiva.

“A prescrição extintiva, prescrição propriamente dita, conduz à perda do direito de ação por seu titular negligente, ao fim de certo lapso de tempo, e pode ser encarada como força destrutiva.” A prescrição extintiva é, portanto, a que explicamos até este momento.

A prescrição também poderá ser aquisitiva, que faz com que um determinado direito seja adquirido pela inércia e pelo lapso temporal. É o direito que chamamos de usucapião. “É tida como aquisitiva essa prescrição porque, solidificando uma situação fática, pelo decurso de tempo, confere direito real ao possuidor. O direito do possuidor convalesce, ainda que a princípio não seja perfeito.

Embora tanto na prescrição extintiva como na prescrição aquisitiva o ponto de contato seja o decurso do tempo, os institutos têm finalidades diversas. Em razão disso, é correta a posição de ambos os Códigos em separar as duas formas de prescrição. A prescrição extintiva é estruturada na Parte Geral, uma vez que se aplica a todos os direitos, enquanto o usucapião é regulado na Parte Especial, dentro do direito das coisas, onde tem seu campo de aplicação, pois sua finalidade é a aquisição de direitos reais.

Como percebemos, a finalidade social de uma e de outra é diversa: enquanto a prescrição extintiva faz desaparecer direitos em face da inércia do titular, a prescrição aquisitiva ou usucapião faz nascer direito real, motivado pela posse contínua de uma coisa.”

Ressaltamos que esta obra trata da prescrição extintiva, quando discute a aplicação de ofício da prescrição pelo magistrado.

3. O Pronunciamento de Ofício da Prescrição

A Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, também designada como sendo a “Reforma do Judiciário”, implantou diversas alterações, dentre elas a inserção de novos princípios à Constituição Federal: O Princípio da Razoável Duração do Processo e o Princípio da Celeridade na Tramitação Processual, esculpidos no Artigo 5º, LXXVIII, que assim o dispõe: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

A Sociedade clamava por uma justiça mais célere, assim, tais princípios foram inseridos com o intuito de atender o clamor social, que demonstrava enorme insatisfação com o lapso temporal levado pelo judiciário na prestação dos seus serviços.

Com base nesses novos princípios inseridos na Constituição Federal, diversas normas foram criadas com o fim de efetivar a celeridade na tramitação processual. Dentre essas normas, destacamos a Lei nº 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, que alterou dez artigos do Código de Processo Civil e revogou um artigo do Código Civil.

Dentre os dispositivos da Lei nº 11.280, destacamos os artigos 3º e 11 que dispõe sobre a alteração da aplicação da prescrição no ordenamento jurídico brasileiro.

O artigo 3º da referida lei altera o parágrafo quinto do artigo 219 do Código de Processo Civil, que passou a vigorar com o seguinte texto: “Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. § 5o O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.” Para completar e permitir o disposto pela nova redação do art. 219, §5º do CPC, artigo 11 da lei supramencionada revoga o artigo 194 do Código Civil que assim dispunha: “Art. 194. O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz.”

A partir de tais modificações surgiram divergências na doutrina sobre a aplicação dos dispositivos supramencionados. Surgiram questionamentos a respeito da prescrição de ofício pelo magistrado; afinal, agora, a prescrição seria matéria de ordem pública?

“Alguns juristas respondem positivamente, caso de Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery, Maria Helena Diniz e Roberto Senise Lisboa. Entretanto, parece a este autor ser prematuro fazer essa afirmação. Isso porque a prescrição envolve direitos patrimoniais e, portanto, a ordem privada. Entendem que a prescrição não passou a ser matéria de ordem pública Rodrigo Reis Mazzei e José Fernando Simão.

Como terceira via, mas seguindo a segunda corrente, pode-se afirmar que, realmente, a prescrição não é matéria de ordem pública, mas a celeridade processual o é. Isso porque a Constituição Federal passou a assegurar como direito fundamental o direito ao razoável andamento do processo e à celeridade das ações judiciais (art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988, introduzido pela Emenda constitucional 45/2004). O reconhecimento da prescrição de ofício foi criado justamente para a tutela desses direitos.”

Ao tratar sobre o pronunciamento da prescrição, de ofício, pelo magistrado, Carlos Roberto Gonçalves leciona que “deve o magistrado, todavia, ouvir o autor da ação, antes de assim proceder, tendo em vista que este poderá demonstrar a existência de eventual causa interruptiva. Não se justifica, no entanto, a oitiva do réu, uma vez que, malgrado o ato do juiz, declarando de ofício prescrita a pretensão do autor, nada impede que aquele renuncie a prescrição a posteriori, propondo ação declaratória, ou fazendo-o incidentalmente, em outro litígio com o autor, ou, ainda, em recurso de apelação. Se o próprio obrigado deseja pagar a dívida já alcançada pela prescrição, a ordem jurídica não impede que isso aconteça. Seria até absurdo se o ordenamento jurídico impedisse o devedor de cumprir a obrigação. Segundo dispõe o art. 882 do Código Civil, “não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita...”.

Na IV Jornada de Direito Civil realizada em Brasília, em outubro de 2006, foi aprovado o Enunciado 295, com o seguinte teor: ‘A revogação do art. 194 do Código Civil pela Lei n. 11.280/2006, que determinou ao juiz o reconhecimento de ofício da prescrição, não retira do devedor a possibilidade de renúncia admitida no art. 191 do texto codificado’.

O referido enunciado tem como objetivo exatamente evitar que os juízes deixem de reconhecer a prescrição de ofício ao examinarem a inicial, postergado tal pronunciamento para fase posterior, após o decurso do prazo para a defesa, sob o argumento de que devem esperar a manifestação do réu sobre o exercício do direito de renunciá-la.”

Corroborando o entendimento, segue jurisprudência do STJ:

RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO. DECRETAÇÃO EX OFFICIO. PRÉVIA OITIVA DA FAZENDA PÚBLICA. NULIDADE. INEXISTENTE.

1. "Apesar da clareza da legislação processual, não julgamos adequado o indeferimento oficioso da inicial. De fato, constata-se uma perplexidade. O magistrado possui uma bola de cristal para antever a inexistência de causas impeditivas, suspensivas ou interruptivas ao curso da prescrição?" (Nelson Rosenvald in Prescrição da Exceção à Objeção. Leituras Complementares de Direito Civil. Cristiano Chaves de Farias, org. Salvador: Edições Jus Podivm, 2007. Pág. 190) 2. A prévia oitiva da Fazenda Pública é requisito para a decretação da prescrição prevista no art. 40, § 4º, da Lei 6.830/80, bem como da prescrição referida no art. 219, § 5º, do CPC, ainda que esse último dispositivo silencie, no particular. 3. Deve-se interpretar sistematicamente a norma processual que autoriza o juiz decretar ex officio a prescrição e a existência de causas interruptivas e suspensivas do prazo que não podem ser identificadas pelo magistrado apenas à luz dos elementos constantes no processo. 4. Embora tenha sido extinto o processo em primeira instância sem a prévia oitiva da Fazenda Pública, quando da interposição do recurso de apelação, esta teve a oportunidade de suscitar a ocorrência de causa suspensiva ou interruptiva do prazo prescricional. Assim, não há que ser reconhecida a nulidade da decisão que decretou a extinção do feito. 5. A exigência da prévia oitiva do Fisco tem em mira dar-lhe a oportunidade de argüir eventuais óbices à decretação da prescrição. Havendo possibilidade de suscitar tais alegações nas razões da apelação, não deve ser reconhecida a nulidade da decisão recorrida. 6. Recurso especial não provido”

(1005209 RJ 2007/0264853-1, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 07/04/2008, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 22.04.2008 p. 1)

Contudo, vale ressaltar que o que norma determina é que o magistrado, ao verificar a existência da prescrição, deverá, obrigatoriamente, pronunciar a prescrição; e muitos juízes assim o fazem, baseados no princípio da legalidade, no princípio da celeridade e, mais que isso, no princípio da eticidade. Afinal, se a função da justiça é dar a cada um o que é seu por direito, um juiz não poderia oferecer um julgamento imparcial e justo, se a sua decisão fosse consubstanciada em um direito prescrito.

4. Aplicabilidade do Pronunciamento de Ofício da Prescrição – Previsto pelo Art. 219, §5º, do CPC – no Processo do Trabalho

Vimos no tópico anterior que a doutrina e a jurisprudência civilista encontram-se divididas quanto à matéria do pronunciamento de ofício da prescrição, trazida pela Lei nº 11.280/2006. Quando a matéria chegou à discussão na área trabalhista, se o magistrado trabalhista deveria seguir o disposto pelo Art. 219, §5º, do CPC, e pronunciar de ofício a prescrição, as divergências se intensificaram e doutrina e a jurisprudência trabalhista também se dividiram sobre a aplicabilidade ou não do disposto pelo Art. 219, §5º, do CPC, no âmbito processual trabalhista.

A corrente doutrinária que defende a não aplicação da prescrição de ofício no Direito Processual do Trabalho afirma que o pronunciamento de ofício da prescrição infringe princípios intrínsecos ao âmbito trabalhista, tais como o Princípio da Proteção, Princípio da Valorização social do Trabalho e Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Nesse sentido, segue entendimento jurisprudencial:

RECURSO DE EMBARGOS. PRESCRIÇÃO. ARTIGO 219, § 5º, DO CPC. INCOMPATIBILIDADE COM O PROCESSO DO TRABALHO. RECURSO DE REVISTA CONHECIDO E PROVIDO PARA AFASTAR A PRESCRIÇÃO.

A prescrição é a perda da pretensão pela inércia do titular no prazo que a lei considera ideal para o exercício do direito de ação. Não se mostra compatível com o processo do trabalho a regra processual inserida no art. 219, § 5º, do CPC, que determina a aplicação da prescrição, de ofício, em face da natureza alimentar dos créditos trabalhistas. Ao contrário da decadência, onde a ordem pública está a antever a estabilidade das relações jurídicas no lapso temporal, a prescrição tem a mesma finalidade de estabilidade apenas que entre as partes. Deste modo, necessário que a prescrição seja arguida pela parte a quem a aproveita. A decisão da c. Turma merece ser mantida, porque consoante a jurisprudência atual desta c. Corte, que se manifesta pela incompatibilidade do art. 219, § 5º, do CPC com o processo do trabalho, conforme precedentes. Embargos conhecidos e desprovidos.

(2558400162008509 2558400-16.2008.5.09.0015, Relator: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 10/05/2012, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 18/05/2012)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PRESCRIÇÃO. DECLARAÇÃO DE OFÍCIO. INCOMPATIBILIDADE COM O PROCESSO DO TRABALHO. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, em face da evidência de violação, em tese, dos art. 5º, LV, da CF e 8º, da CLT, impõe-se o provimento do agravo de instrumento. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. PRESCRIÇÃO. DECLARAÇÃO DE OFÍCIO. INCOMPATIBILIDADE COM O PROCESSO DO TRABALHO. A prescrição consiste na perda da ação (no sentido material) para o titular de um direito, em virtude do esgotamento do prazo para seu exercício. Não se mostra compatível com o processo do trabalho a nova regra processual inserida no art. 219, § 5º, do CPC, que determina a aplicação da prescrição, de ofício, em face da natureza alimentar dos créditos trabalhistas. É manifesta a incompatibilidade do novo dispositivo com a ordem justrabalhista (arts. 8º e 769 da CLT). É que, ao determinar a atuação judicial em franco desfavor dos direitos sociais laborativos, a novel regra civilista entra em choque com vários princípios constitucionais, como o da valorização do trabalho e do emprego, o da norma mais favorável e o da submissão da propriedade à sua função socioambiental, além do próprio princípio da proteção. Recurso de revista conhecido e provido. (RR –81040-22.2006.5.15.0011 – 6ª Turma – Relator Ministro Maurício Godinho Delgado – Data Publicação: DEJT 30.09.2011).

Já a corrente doutrinária que defende o pronunciamento de ofício da prescrição afirma que a legislação trabalhista é omissa e a norma civil está em plena concordância com os termos do Direito Processual do Trabalho.

Ora, sabemos que a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT não dispõe expressamente sobre a possibilidade de pronunciamento de ofício da prescrição; e, ocorrendo casos de omissão, a própria CLT determina, através dos artigos 8º e 769, que sejam utilizados princípios e normas gerais do direito para solucionar tal ausência.

O artigo 8º da CLT assim o dispõe:

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

Redação esta, que é corroborada pelo artigo 769:

Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.

Não seria estranho que o Direito Processual do Trabalho aplique o texto disposto no Art. 219, §5º, do CPC, visto que a prescrição é tratada pelas regras gerais relativas à matéria, e, antes das alterações promovidas pela Lei nº 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, as regras gerais da prescrição, sobretudo da legislação civil, já eram aplicadas no Processo do Trabalho.

Nesse sentido, segue entendimento jurisprudencial:

PRESCRIÇÃO - DECLARAÇÃO DE OFÍCIO - POSSIBILIDADE - ART. 219, § 5º, DO CPC.

1. A nova regra do art. 219, § 5º, do CPC, de aplicação imediata aos processos pendentes, à luz do art. 1.211 do mesmo diploma legal, prevê a declaração de ofício da prescrição, aplicando-se necessariamente nesta Justiça Especializada. Para tanto, basta verificar o preenchimento das condições previstas no art. 769 da CLT sobre aplicação subsidiária da legislação processual civil na esfera trabalhista, quais sejam, a omissão e a compatibilidade da regra civil com o Processo do Trabalho.

2. -In casu-, a legislação trabalhista é omissa sobre a iniciativa para declaração dos efeitos da prescrição, pois o diploma consolidado apenas estabelece prazo prescricional (CLT, art. 11). Ademais, a nova regra não é incompatível, tampouco exclui o princípio da tutela do hipossuficiente que fundamenta o Direito do Trabalho, pois a fragilidade do trabalhador em relação ao empregador é apenas econômica, já tutelada pela legislação substantiva, não se justificando privilégio suplementar processual nesse campo, o qual implicaria ofensa ao art. 125, I, do CPC, que exige o tratamento isonômico das partes em juízo. O magistrado trabalhista deve aplicar de forma imparcial uma legislação material que já é protetiva do trabalhador.

3. Importante registrar que a declaração de ofício da prescrição contribui para a efetiva aplicação dos princípios processuais trabalhistas (garantia da informalidade, da celeridade, do devido processo legal, da economia processual, da segurança jurídica, bem como do princípio constitucional da razoável duração do processo e da dignidade da pessoa humana), impedindo a prática de atos desnecessários, como por exemplo, nas demandas em que o direito material discutido já se encontra fulminado pela prescrição.

4. Finalmente, é mister frisar que o próprio dispositivo anterior, que previa a necessidade de arguição, pela parte interessada, da prescrição de direitos patrimoniais tinha sede civil e processual civil (CC, art. 194; CPC, art. 219, § 5º), e era aplicada subsidiariamente na Justiça do Trabalho à míngua de regramento próprio desta. Mudando a legislação que disciplina o modo de aplicação da prescrição (revogação do art. 194 do CC e alteração da redação do § 5º do art. 219 do CPC), a repercussão é inexorável na esfera laboral. Pretender a não-aplicação da regra processual civil ao Processo do Trabalho, nessa hipótese, deixa sem respaldo legal a exigência judicial da arguição, pela parte, da prescrição, como condição de seu acolhimento, o que atenta contra o princípio da legalidade (CF, art. 5º, II).

5. Nem se diga que a norma civil revogada subsiste no Processo do Trabalho como princípio, uma vez que, havendo norma legal expressa em sentido contrário, não há possibilidade de remissão a princípio carente de positivação, mormente em matéria processual, que se norteia por regras claras e expressas. As próprias regras do CPC de 1939 que ainda subsistem como princípios sob a égide do CPC de 1973 (v.g., arts. 809 e 810, prevendo os princípios da variabilidade e fungibilidade recursais) são apenas aquelas que não foram expressamente contrariadas por dispositivos que estabelecessem procedimento diverso. Agravo de instrumento desprovido.

(2574410320025020034 257441-03.2002.5.02.0034, Relator: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 17/09/2008, 7ª Turma,, Data de Publicação: DJ 03/10/2008.)

PRESCRIÇÃO. NOVEL ARTIGO 219, § 5º, DO CPC. RECONHECIMENTO EX OFFICIO. POSSIBILIDADE NA JUSTIÇA DO TRABALHO.

Sem embargo da natureza protecionista derivada da sistemática teleológica reinante na esfera trabalhista, concluo que a possibilidade de decretação da prescrição, de ofício, pelo Magistrado, revela verdadeiro mecanismo de aplicabilidade da celeridade na entrega do provimento jurisdicional, sendo, portanto, plenamente aplicável pela Justiça do Trabalho ante a ausência de dispositivo legal específico trabalhista que verse sobre a prescrição, levando à utilização supletiva das normas processuais civis, com fulcro no artigo 769 da CLT. PRESCRIÇÃO. ARTIGO 7º, XXIX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A índole do instituto da prescrição é afastar a perpetuação dos litígios. Daí sua limitação no tempo. É garantia constitucional o acesso de todo cidadão ao Poder Judiciário, mas deverá o interessado fazê-lo nos prazos determinados em lei. Extinto o contrato de trabalho e ajuizada ação trabalhista após o biênio constitucional, aplica-se o instituto da prescrição total. Recurso do Distrito Federal conhecido. Recurso da reclamante parcialmente conhecido. Declarada a prescrição de ofício, nos moldes do art. 219, § 5º, da Lei Civil, e extinto o processo com resolução do mérito (art. 269, IV, do CPC).

(397200900510003 DF 00397-2009-005-10-00-3, Relator: Juiz Grijalbo Fernandes Coutinho, Data de Julgamento: 06/10/2009, 3ª Turma, Data de Publicação: 16/10/2009)

Diante de todo o exposto nesta obra, podemos concluir que a aplicação do Art. 219, §5º, do CPC, ou seja, do pronunciamento de ofício da prescrição no Processo do Trabalho, resulta, em verdade, na aplicação dos princípios da celeridade, da economia processual, da segurança jurídica, da garantia da informalidade, do devido processo legal, bem como do princípio constitucional da razoável duração do processo e da dignidade da pessoa humana; além de evitar a execução de atos inúteis em virtude de um processo que, em verdade, já estaria atingido pelo instituto da prescrição, e, por conseguinte, apenas atrasando o adequado curso dos processos viáveis.

Em se tratando do argumento da corrente que versa pela não aplicação do pronunciamento de ofício da prescrição no Processo do Trabalho, de que a referida norma seria incompatível com princípios fundamentais da seara trabalhista, como o Princípio Protetor, não há fundamento. Ora, ao declarar de ofício a prescrição de uma ação trabalhista o magistrado não estaria tolhendo, cerceando, inibindo, bloqueando, fulminando, aniquilando ou obstando nenhum direito do trabalhador, nem de nenhuma das partes no processo. Um juiz trabalhista que pronunciasse de ofício a prescrição estaria apenas, e tão somente, certificando uma circunstância jurídica que já foi consumada.

O magistrado tem o dever de ser totalmente imparcial e ético, de tratar as partes em juízo de forma isonômica.

Afinal, se a função da justiça é dar a cada um o que é seu por direito, como um juiz poderia oferecer um julgamento imparcial, justo, equitativo e, sobretudo, ético, se a sua decisão fosse consubstanciada em um direito prescrito?

Poderíamos dizer que a Justiça do Trabalho estaria efetivamente cumprindo a sua função de estabelecer a ordem e a harmina entre as partes quando, nela estaria imperando a política do “vamos ver se cola”, do “jogar no erro da outra parte”... A sociedade não merece uma judiciário que a faça acreditar que a faça acreditar que a justiça é baseada na sorte, e não no julgamento justiçoso do caso ocorrido.

A legislação trabalhista é protetiva, e assim realmente deve ser, contudo, ao mesmo passo deve ser justa, equitativa, isonômica, técnica e, acima de tudo, absolutamente ética. Por tal motivo é que o Art. 219, §5º, do CPC, deve ser aplicado no âmbito trabalhista. Assim, portanto, deve o magistrado efetivar o pronunciamento de ofício da prescrição.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Civil. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/

2002/L10406.htm>.

_____. Consolidação das leis do trabalho. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>.

_____. Constituição da república federativa do brasil de 1988. Disponível em .

_____. Lei nº 11.280, de 16 de fevereiro de 2006. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11280.htm>.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume I: parte geral. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

LEAL, Antônio Luís Câmara. Da prescrição e da decadência. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

NORAT, Markus Samuel Leite. Direito do consumidor. Leme: Edijur, 2012.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

WALD, Arnoldo. Direito civil: introdução e parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003.

 

Data de elaboração: agosto/2012

 

Como citar o texto:

NORAT, Markus Samuel Leite..Aplicabilidade do pronunciamento de ofício da prescrição no direito processual do trabalho. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1025. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/2641/aplicabilidade-pronunciamento-oficio-prescricao-direito-processual-trabalho. Acesso em 5 nov. 2012.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.