Resumo: Este artigo discorre sobre a proteção jurídica do nascituro em geral e suas especificidades. Aborda-se a evolução histórica do mesmo nas civilizações antigas e especialmente no ordenamento pátrio. Por fim faz-se uma reflexão especial acerca da personalidade jurídica, e da problemática de seu termo inicial além das teorias que abordam tal temática.

 

Palavras-chave: Nascituro. Personalidade Jurídica. Teoria Concepcionista

Abstract: The following article discusses about the unborn legal protection in a general perspective and in its specificities. Is addressed the historical evolution of it in ancient civilizations and especially in national laws. Lastly, is performed a special reflection about the legal personality, and over the problematic of its initial term, beyond the theories that address this issue.

Keywords: Unborn. Legal Personality. Conceptionist Theory

Súmario: Introdução. 1.Considerações iniciais sobre o nascituro. 2. Aspectos históricos. 2.1 Referências bíblicas, Idade Antiga e Grécia. 2.2 Nascituro no direito romano. 2.3 Nascituro no direito brasileiro. 3. Personalidade Jurídica. 3.1 Aquisição da personalidade jurídica. 3.1.1 Teoria natalista. 3.1.2 Teoria concepcionista. 3.1.3 Teoria da personalidade condicional. Conclusão. Referências bibliográficas

A personalidade jurídica do nascituro

Introdução

A tutela jurídica do nascituro é um tema bastante complexo e que envolve pesquisa em diversos ramos científicos tais como, a biologia, a medicina e especialmente o direito. A temática em tela teve por finalidade discutir um assunto bastante polêmico dentro do ordenamento jurídico pátrio, debatendo desta forma a problemática dos direitos atribuídos ao nascituro, haja vista não ser pacífico doutrinaria e jurisprudencialmente o momento de aquisição da personalidade jurídica do ser humano. Por fim, salienta-se a discussão acerca das teorias que marcam o início da personalidade jurídica do nascituro. Foram utilizados no presente labor diferentes métodos de pesquisa, tais como o método hipotético dedutivo, interpretativo e o comparativo, com o fito de oferecer maior cientificidade ao presente trabalho.

1. Considerações iniciais sobre o nascituro

O termo nascituro originou-se do latim e tem como significado “aquele que estar por nascer, que deverá nascer”. Assim o nascituro é o ente já concebido, porém o seu nascimento ainda não se consumou.

No mesmo sentido temos as palavras de Maia(2000,apud PUSSI, 2005, p.54) quanto à conceituação do nascituro:

“Quer designar assim com expressividade, o embrião [venter, embrio, foetus], que vem sendo gerado ou concebido, não tendo surgido ainda à luz como ente apto [vitalis], na ordem fisiológica. Sua existência é intra-uterina [pars vsicerum matris], no ventre materno [in uterus], adstrita a esta contingência até que dele se separe, sendo irrelevante se por morte natural ou artificial, concretizando-se o nascimento com vida, existência independente e extra-uterina para a aquisição do atributo jurídico de pessoa.” (grifo do autor)

Faz se mister salientar que não pode haver confusão entre o nascituro e o embrião decorrente da utilização da fertilização in vitro, já que um dos requisitos essenciais para ser considerado nascituro é que o ovo fecundado deverá estar dentro do ventre materno. Deste modo a sua existência é intrauterina. Logo, nos casos em que a fecundação tenha sido realizada de forma extracorpórea, enquanto não for implantado no útero feminino, o ovo fecundado não poderá ser considerado nascituro.

Outro importante ponto que deve ser distinguido é a diferença entre o nascituro e a prole eventual.

A distinção elementar entre o nascituro e a prole eventual funda-se em ser o nascituro um ente já concebido enquanto o segundo ainda não apresenta esta característica de já estar concebido, sendo portanto um evento futuro e incerto.

Feita estas considerações iniciais sobre o nascituro, e já o tendo conceituado de forma clara e coerente, inclusive fazendo as distinções necessárias a objetos similares ao nascituro, passemos agora a evolução histórica e posteriormente ao real problema que permeia o tema.

2. Aspectos Históricos

2.1 Referências bíblicas, Idade Antiga e Grécia

Na Bíblia há referência expressa acerca do nascituro, havendo glorificação originada por Davi que enfatiza o conhecimento de Deus sobre a formação do nascituro a partir de sua concepção, conforme pode ser verificado no Livro dos Salmos 138,13-16:

“Fostes vós que plasmastes as entranhas do meu corpo, vós me tecestes no seio de minha mãe. Sede bendito por me haverdes feito de moto tão maravilhoso. Pelas vossas obras extraordinárias conheceis até o fundo a minha alma. Nada de minha substância vos é oculto, quando fui formado ocultamente, quando fui tecido nas entranhas subterrâneas. Cada uma de minhas ações vossos olhos viram, e todas elas foram escritas em vosso livro; cada dia de minha vida foi prefixado, desde antes que um só deles existisse.”

Já na Grécia antiga havia entendimentos sobre o nascituro, existindo até a punição para o aborto em certas regiões e em determinados períodos de tempo. Contudo algumas localidades e temporalidades não apresentavam a mesma punição. Alguns filósofos da época defendiam a possibilidade de realização do aborto, como por exemplo, Platão e Aristóteles. O primeiro pregava que os interesses do Estado deveriam prevalecer, assim por necessidades demográficas por temor a fome poderia haver o aborto. O segundo também defendia o aborto dentro do âmbito do Estado e afirmava que só poderia ocorrer o abortamento enquanto não houvesse o feto adquirido a alma, destacando-se que o momento da aquisição da alma é distinto para ambos.

É necessário salientar os esboços realizados sobre o nascituro na Grécia antiga, em que colaboraram enormemente para a ciência da embriologia. Os primeiros estudos sobre esta matéria que se tem conhecimento foram desempenhados por Hipócrates, considerado o Pai da Medicina. Posteriormente, no século IV a.C., Aristóteles registra um tratado de embriologia, sendo dado a ele o título de o Fundador da Embriologia.

2.2 Nascituro no direito romano

Em virtude da incomensurável influência deste direito no ordenamento pátrio, é necessário abordar o nascituro neste contexto, analisando desta forma o espectro romanista.

A princípio é importante salientar que os textos romanistas que abordam o tema apresentam-se de forma bastante contraditória, demonstrando tendências doutrinárias do direito romano divergentes. Da mesma forma também os romanistas brasileiros e os estrangeiros tratam o nascituro de diferentes formas.

Esta divergência é encontrada nos textos romanos em que hora afirmam que o nascituro não é um homem, sendo apenas parte do corpo da futura genitora, e em outros escritos abordam o nascituro de forma equiparada a uma criança já nascida.

Distintos documentos também mostram diferenças no tratamento concernente a capacidade jurídica do nascituro, onde em alguns momentos reconhecem e em outros negam à capacidade jurídica do nascituro. Por fim há ainda os que trazem uma personalidade condicional, condicionando-se a aquisição ao nascimento viável, a criança teria tal personalidade condicionada ao nascimento,ou seja, já mantinha a salvo seus direitos se fossem viáveis, negando-a aos inviáveis ou aos neonatos que apresentassem algum defeito.

Nas palavras de Semião (2000, p.46) conforme pode se retirar do seguinte trecho, a divergência existente no Direito Romano neste ponto era clara.

“Manifesta-se assim vacilante, o Direito Romano, quanto ao início da existência da pessoa e da personalidade. Em algumas vezes era reconhecida personalidade ao nascituro; em outras, se estabelecia uma personalidade condicional, colocando-se a salvo os seus direitos, sob a condição de que nascesse viável, consoante o brocardo: “ Nasciturus pro jam nato habetur Quoties de ejus commodis agitur ”. Em outras ainda, considerava-se criança não viável como despida de personalidade e finalmente, às vezes, negava-se personalidade aos monstros ou crianças nascidas sem forma humana.”

Para o reconhecimento da pessoa física por parte dos romanos era necessário o preenchimento de duas condições, quais sejam, o nascimento perfeito e o status, condição natural e civil respectivamente. Assim para que deste nascimento perfeito brotasse os efeitos jurídicos inerentes fazia-se necessário a separação do feto do ventre materno ocorrendo assim o nascimento com vida, ter forma humana e ser viável o neonato.

Destarte para o Direito Romano não era indispensável apenas que ocorresse o nascimento com vida, era imprescindível ainda que o neonato apresentasse formas humanas. Caso tais condições não ocorressem, o mesmo seria considerado um monstro e não seria reconhecido como pessoa.

Segundo os ensinamentos de Alves (1987, p.111), monstro seria o ser que apesar de gerado de uma mulher, apresentasse conformação de animal, no todo ou em parte, sendo desta feita demonstrado que o mesmo nasceu de coitus cum bestia.

Importante também era o atributo da viabilidade para os romanistas. Este era um requisito que tinha por finalidade estabelecer um lapso temporal determinado onde haveria a possibilidade de ser completada a gestação de um filho de modo que o mesmo continuasse a viver depois de vir ao mundo.

Utilizando-se dos ensinamentos de Hipócrates instituiu-se que o nascituro poderia nascer com viabilidade, vivo e perfeito com o tempo mínimo de 182 dias e máximo de 10 meses. Este foi o prazo de gestação fixado para que pudesse ser considerado o nascituro viável dentro do Direito Romano. Destarte era de suma importância para os romanistas tal prazo, tendo em vista que dentro deste lapso temporal o filho seria considerado legítimo e contraído por justas núpcias.

Do mesmo modo é o posicionamento de Pussi(2005, p.68), coadunando com todo o exposto ao afirmar:“... considerava-se filho legítimo aquele que nascesse perfeito no período do casamento, desde o princípio do sétimo mês ou 182 dias depois de sua realização ou , ainda, nascido dentro do prazo de dez meses de sua dissolução, já que nas duas situações presumia-se concebido durante as justas núpcias. Tudo com base nos textos de Paulo (D. 1.5.12 de status hom.) e Ulpiano (D.38.16.3.11 de suis).”

Salienta-se que mesmo no Direito Romano o nascituro já era detentor de direitos ainda que antes do nascimento com vida. Assim para os romanistas ele pode ser equiparado ao próprio nascido em certos aspectos. Destarte podemos enumerar alguns dos direitos garantidos ao nascituro no direito romano: direito a alimentos, como condição preponderante para que o mesmo tenha possibilidade de nascer vivo, direitos a posse em nome do nascituro, com a finalidade de avalizar os direitos sucessórios do mesmo, dentre diversos outros.

2.3 Nascituro no direito brasileiro

O direito brasileiro e suas legislações tiveram origem nas Ordenações do Reino de Portugal, que teve sua constituição influenciada enormemente pelo Direito Romano e posteriormente pelo Direito Canônico e Germânico. Assim no princípio a ordem jurídica pátria continha opiniões bastante similares as que eram encontradas nestes ordenamentos.

Inicialmente o Brasil era regido especialmente pelas Ordenações Filipinas. Esta estabelecia que havendo falecimento de um homem, cujo filho estivesse nos ventres de uma mulher (nascituro), o mesmo já seria compreendido e resguardado como filho. Da mesma forma era previsto a nulidade do testamento em caso de morte do testador se adviesse um filho legítimo. Também havia o direito a posse e proteção de alguns bens em favor do nascituro, dentre outros direitos que eram garantidos.

Assim, segundo Badalloti é possível visualizar certa proteção ao nascituro desde as Ordenações Filipinas, ou seja, desde o princípio da ordem jurídica pátria. No entanto era importante consolidar as relações civis do período, que só iria ocorrer com o surgimento do Código Civil.

É importante salientar a incomensurável discussão doutrinária que já surgia também na origem da codificação civil pátria, acerca do início da personalidade jurídica e que persiste ainda hodiernamente.

Os mais notáveis juristas pátrios, anteriores ao Código Civil de 1916, tais como Teixeira de Freitas, José Thomaz Nabuco e Clóvis Bevilácqua, eram adeptos da escola concepcionista.

Teixeira de Freitas em seu Esboço afirmava ter início a existência da pessoa natural com a concepção, podendo adquirir certos direitos, mesmo antes de nascido, como se nascido fosse. Thomaz Nabuco, em seu anteprojeto, trouxe como absolutamente incapaz as pessoas que estão por nascer, sendo estes entes já concebidos e que tem vida intrauterina. Já Clovis Bevilácqua dizia ter início a personalidade civil do ser humano com a concepção, tendo como condição o nascimento com vida.

Contudo majoritariamente defendia-se a escola natalista, entendendo o próprio Bevilácqua que o direito positivo da época reconheceu a teoria natalista sobre o princípio da personalidade jurídica. Desta feita, trataremos no tópico a seguir de modo mais denso a problemática da personalidade jurídica do nascituro e seus diversos aspectos no ordenamento pátrio.

3. Personalidade Jurídica

Inicialmente é necessário abordar o que é pessoa para posteriormente se poder analisar de forma correta a personalidade jurídica.

Conforme os ensinamentos de Venosa (2003, p.244)o termo pessoa é uma derivação do vocábulo latino persona, que trazia a ideia de uma máscara utilizada por atores, vindo posteriormente a ser empregado para determinar o próprio papel desempenhado pelos intérpretes e conseguintemente sendo contextualizado para designar a atuação de cada indivíduo no panorama jurídico já que na sociedade cada indivíduo desempenhava um papel, do mesmo modo que os atores no teatro. Assim tornou-se uma qualidade ou atributo do ser humano.

O termo pessoa também apresentava uma acepção filosófica. Segundo França (1999, p.125) pessoa seria uma substância natural beneficiada pela razão, já na ciência jurídica seria o sujeito dos direitos.

Personalidade pode ser conceituada como a competência que a pessoa adquire para titularizar direitos e deveres, de modo que a pessoa se torna apta a contrair direitos e obrigações, tornando-se a partir de então sujeito de direitos.

Do mesmo modo Gonçalves (2006, p.70) define personalidade jurídica como: “... aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações ou deveres na ordem civil. É pressuposto para a inserção e atuação da pessoa na ordem jurídica... É qualidade jurídica que se revela como condição preliminar de todos os direitos e deveres.”.

Assim com a aquisição da personalidade por parte do indivíduo ele se tornará sujeito de direitos e deste modo poderá participar de relações e negócios jurídicos. Passa-se então a ser sujeito de uma pretensão ou titularidade jurídica, intervindo com o seu poder de ação na produção de uma decisão judicial. É importante frisar que estando presente determinado direito, há de existir forçosamente um sujeito que detenha sua titularidade, apresentado deste modo personalidade civil.

O nosso ordenamento reconheceu duas modalidades de pessoas, as físicas ou naturais e as jurídicas. Estas últimas como sendo uma coletividade de pessoas ou bens visando alcançar sua finalidade econômica ou social, já aquelas primeiras são entendidas como sujeito de direito e deveres.

É imperioso frisar que a personalidade jurídica não é apenas um atributo garantido a pessoa natural, ser humano, e sim também as pessoas jurídicas, já que no artigo 1º do Código Civil não há previsão alguma acerca da exclusão das pessoas jurídicas no que concerne ao atributo da personalidade.

A doutrina apresenta dois espectros acerca da personalidade, sendo um primeiro naturalista e o outro jusnaturalista ou positivista. Na primeira acepção seria um atributo inerente a condição de ser humano. Já no espectro jusnaturalista a personalidade é tida como uma investidura do direito.

Diretamente relacionado com a personalidade jurídica encontra-se a capacidade jurídica, que se interpenetra uma na outra, todavia sem se confundirem. A capacidade é a medida jurídica da primeira, ela é a condição de validade dos negócios jurídicos e das relações jurídicas.

É de extremo interesse os ensinamentos de José Carlos Moreira Alves, ao afirmar que é necessário distinguir personalidade de capacidade. Adu-lo que aquela é absoluta, ou seja, ou existe personalidade ou a mesma inexiste. Enquanto a capacidade é um conceito relativo, facultando-se ter mais ou menos capacidade jurídica e demonstrando ser uma limitação da potencialidade de adquirir direitos e obrigações, ou seja, da personalidade. Assim poderia se falar em poder ser mais ou menos capaz, contudo não se pode ser mais ou menos pessoa.

Na opinião de Montoro (1997, p. 112) há uma lastimável confusão acerca dos conceitos de personalidade e de capacidade no que se refere ao nascituro. Para este mencionado autor a personalidade é a aptidão para alguém ser titular de direito e a capacidade se relacionará a extensão dos direitos da pessoa. Assim todos os homens serão dotados de personalidade de igual modo, já a capacidade jurídica nem todos terão as mesmas.

A capacidade pode ser plena ou apenas limitada. Todos os seres humanos sem qualquer distinção adquirem a capacidade de direito ou gozo, uma capacidade conhecida por ser à base da aquisição de direitos. Contudo a capacidade de fato, qual seja, a idoneidade da pessoa para exercer por si só os atos reconhecidos na vida jurídica demanda alguns requisitos para o seu exercício.

Deste modo a novel codificação cível brasileira apresenta certos pressupostos para a efetivação da capacidade de fato, consistindo nos elementos mais importantes a maioridade, saúde e desenvolvimento mental. Todavia salienta-se que há outros dados específicos referentes à capacidade de fato. Assim para se ter a capacidade plena é necessário que o indivíduo seja maior de dezoito anos, não apresente nenhuma enfermidade ou deficiência mental (mesmo que seja transitória) que retire sua capacidade de discernir para a prática dos atos da vida civil, não seja ébrio ou viciado em tóxico habituais, tenham o desenvolvimento mental completo e por fim que não seja declarado pródigo.

Estando presentes os dois modos de capacidade, tanto a de direito quanto a de fato, haverá aí a denominada capacidade plena. Já se ocorrer apenas à capacidade de gozo, existirá apenas uma capacidade limitada, a denominada incapacidade.

É necessário salientar que a ausência de capacidade plena pode ser suprida utilizando-se de alguns institutos jurídicos como a tutela, onde há uma substituição de vontade, e a curatela, onde a parte é assistida por outrem, a assistência e outros instrumentos.

É importante ainda distinguir a capacidade jurídica e a legitimação, já que muitos autores fazem tal confusão acerca destes institutos e que tantas vezes pode ocorrer a capacidade plena sem que haja a legitimação para a realização de ato específico. Assim nem toda pessoa capaz estará legitimada para o desempenho de determinadas atitudes.

Sobre este assunto é interessante a explicação prática e perspicaz de Venosa (apud GAGLIANO, 2007, p.89):

“Não se confunde o conceito de capacidade com o de legitimação. A legitimação consiste em averiguar se uma pessoa, perante determinada situação jurídica, tem ou não capacidade para estabelecê-la. A legitimação é forma específica de capacidade para determinados atos a vida civil. O conceito é emprestado da ciência processual. Está legitimado para agir em determinada situação jurídica quem a lei determinar. Por exemplo, toda pessoa tem capacidade para comprar ou vender. Contudo, o art. 1.132 do Código Civil estatui: ‘os ascendentes não podem vender aos descendentes, sem que os outros descendentes expressamente consintam’. Desse modo, o pai, que tem a capacidade genérica para praticar, em geral, todos os atos da vida civil, se pretender vender um bem a um filho, tendo outros filhos, não poderá fazê-lo se não conseguir a anuência dos demais filhos. Não estará ele, sem tal anuência, ‘legitimado’ para tal alienação. Num conceito bem aproximado da ciência do processo, legitimação é a pertinência subjetiva de um titular de um direito com relação a determinada relação jurídica. A legitimação é um plus que se agrega à capacidade em determinadas situações.”

Diante disto, é fácil perceber que há uma tênue, porém importante, diferença entre a capacidade e a legitimação, sendo este último uma forma de especialização daquela.

Imensa polêmica surge no que tange o momento de aquisição da personalidade jurídica, tanto no direito pátrio quanto no alienígena, inserindo-se neste momento a problemática do nascituro. Prevalece neste ponto as três teorias do marco inicial da personalidade jurídica, quais sejam, a teoria natalista, a teoria concepcionista e a teoria da personalidade condicional.

3.1 Aquisição da personalidade jurídica

Diversas teorias surgiram para tentar explicar a natureza da personalidade jurídica do nascituro bem como seu marco inicial e o modo e momento que pode haver a tutela do nascituro.

Neste estudo não são apenas levados em consideração temas referentes à seara jurídica, mas também outras áreas da ciência, como a medicina e a biologia, induzindo a composição de diversas teorias tanto no ordenamento pátrio quanto nas legislações estrangeiras.

A doutrina francesa e holandesa, por exemplo, tem o maior número de adeptos à corrente que reconhece o termo de origem da personalidade o momento da concepção, contudo estando condicionado ao nascimento com vida, fazendo-se deste modo necessário, também, que o recém-nascido seja viável. Nascendo com vida sua personalidade remontará ao período de sua concepção.

Segundo Semião(2000, p.54), o Código Alemão liga diretamente a personalidade ao nascimento do nascituro, afirmando que a aptidão para adquirir direitos e deveres seria confirmada apenas com a verificação desta condicionante. Do mesmo modo enuncia o direito Português, no artigo 66 do Código Civil.

O direito espanhol exige que o neonato tenha forma humana e que tenha vivido por no mínimo vinte e quatro horas para que se adquira.

Já apresentando uma visão mais moderna em relação à obtenção de personalidade, o direito argentino afirma que a aquisição da personalidade não seria condicionada a fatos futuros. Assinalam deste modo que a concepção seria a origem da personalidade do nascituro, assim a concepção e a personalidade encontrar-se-iam de modo paralelo, como se pode extrair do art.70 do Código Argentino.

No direito brasileiro, o novel Código Civil estabelece em seu artigo 2º que: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção os direitos do nascituro.”.

Assim ao analisarmos o artigo acima citado pode-se implicar, inicialmente sem um estudo mais complexo acerca do artigo em questão, que a personalidade jurídica se inicia a partir do nascimento e aqueles que ainda estiverem por nascer terão seus direitos resguardados e garantidos desde a concepção.

Contudo ao se fazer uma análise mais profunda acerca deste artigo constatasse que o mesmo gera vultosas dúvidas e discussões que merecem um exame mais crítico.

A princípio pode alguém ser sujeito de direitos sem apresentar personalidade jurídica?

Se a personalidade civil inicia-se com o nascimento quem seria o sujeito dos direitos salvaguardados pelo artigo 2º do código civil brasileiro?

Neste caso poderia ser aplicada a tese do direito sem sujeito?

Entretanto como se explicaria o direito à vida, alimentos e integridade física resguardados ao nascituro de modo inconteste, sem que o mesmo tivesse personalidade?

Desta forma são incontestes as dúvidas pertinentes a este artigo que de forma indireta resulta na diversidade de teorias tentando demarca o princípio da personalidade e a condição jurídica do nascituro.

Assim com a finalidade precípua de esclarecer esses questionamentos suscitados, estudaremos com mais contumácia as teorias natalista, concepcionista e da personalidade condicional.

3.1.1 Teoria natalista

A primeira teoria a ser estudada encontra grandes defensores na doutrina pátria como, por exemplo, os civilistas Paulo Carneiro Maia, Vicente Ráo, Sílvio Rodrigues,Sílvio de Salvo Venosa, João Luiz Alves, Eduardo Espínola, Whasington de Barros Monteiro dentre outros. É a doutrina que se apresenta de forma majoritária no direito pátrio, contudo não coadunamos com seus pensamentos.

Posicionam-se defendendo a visão natalista, assim como os acima citados, Stolze e Pamplona Filho(2007, p.81) quando afirmam que:

“No instante em que principia o funcionamento do aparelho cardiorrespiratório, clinicamente aferível pelo exame de docimasia hidrostática de Galeno, o recém-nascido adquire personalidade jurídica, tornando-se sujeito de direito, mesmo que venha a falecer minutos depois.”

O teste de docimasia hidrostática de Galeno é o exame mais utilizado para comprovar se o bebê nasceu vivo ou morreu anteriormente ao parto, ou seja, enquanto se apresentava ainda no interior materno.

Tal teoria defende que o nascituro detém apenas uma mera expectativa de direito já que seria uma “mera expectativa de pessoa”. Na mesma linha discorre João Luiz, quando diz ser a personalidade concedida ao nascituro não ter outra significação se não a de criar uma expectativa de direito, já que os efeitos jurídicos só emergem a partir do nascimento. Ainda Vicente Ráo assinala não ser reconhecido nem atribuído ao nascituro a personalidade civil, mas apenas uma conjuntura jurídica de expectativa subordinada, que apenas aperfeiçoar-se-á com o nascimento.

Do mesmo modo coadunando com o acima exposto emanam os ensinamentos de Rodrigues (2007, p.36) ao assim dizer: “Nascituro é o ser já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno. A lei não lhe concede personalidade, a qual só lhe será conferida se nascer com vida. Mas, como provavelmente nascerá com vida, o ordenamento jurídico desde logo preserva seus interesses futuros, tomando medidas para salvaguardar os direitos que, com muita probabilidade, em breve serão seus.”.

Segundo Semião(2000, p.41), os natalistas sustentam ainda a tese de que os direitos dos nascituros são abordados de forma taxativa na codificação cível brasileira, e não de modo exemplificativo como defendem os concepcionistas.

Assim afirmam os adeptos desta teoria que se o nascituro tivesse personalidade desde a concepção, como defendido pelos concepcionistas, não seria necessária essa taxatividade já que o mesmo seria considerado pessoa e seus direitos subjetivos seriam outorgados automaticamente sem haver o mister de elencá-los especificamente.

Dentro desta escola, parte considerável de seus partidários tem a visão de que o nascituro é considerado apenas parte das vísceras maternas, apresentando inclusive um órgão em comum com a genitora, qual seja, a placenta. Assim no momento do nascimento deixaria de ser parte da mãe e “mera expectativa de pessoa” para se tornar uma pessoa detentora de personalidade jurídica.

Diverso argumento utilizado pelos natalistas com a finalidade precípua de defender tal teoria refere-se ao Direito Penal.

Alegam-nos que a tutela garantida ao nascituro pelo Código Penal não é a mesma de uma pessoa já nascida. Afirmam eles existir gravidade diversa no crime de aborto e de homicídio, deste modo e corroborando com a diferença entre os bens jurídicos tutelados, assinalam que a possibilidade do aborto terapêutico e o aborto sentimental comprovam a teoria natalista de forma clara.

Entretanto interessante posicionamento demonstra Chinelato (2000, p.56), defensora da escola concepcionista pura. Afirma que mesmo os aderentes da visão natalista, jamais negaram a salvaguarda de certos direitos e o status do nascituro antes do nascimento. No entanto, infelizmente alguns operadores do Direito vêm negando eficácia a direitos incontestemente reconhecidos, como por exemplo, ao recusar o direito de indenização por morte do nascituro, haja vista que feriria o próprio artigo 2º do Código civil, já que neste há a tutela de direitos do nascituro desde sua concepção.

Desta forma concluem-se os defensores da teoria natalista, que está deve ser a tese acolhida em nossa legislação, apesar de grande discussão e eminentes doutrinadores que defendem outras teorias. Defendem o princípio da personalidade a partir do nascimento com vida, mesmo que venham a falecer segundos posteriores ao fato, sendo doravante produzidos os efeitos jurídicos da aquisição da personalidade, porém ressalta-se que deve ser considerado como existente desde sua concepção para o que for juridicamente proveitoso.

Da mesma forma disserta sobre a importância desta teoria e do nascimento com vida Whashington de Barros Monteiro e Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto(2009, p.67) ao afirmar: “... desde logo se percebe, é de suma importância tal indagação, de que podem resultar importantíssimas consequências práticas. Se a criança nasce morta, não chega a adquirir personalidade, não recebe nem transmite direitos. Se nasce com vida, ainda que efêmera, recobre-se de personalidade, adquire e transfere direitos.”

3.1.2 Teoria concepcionista

Para os defensores desta teoria, que obteve grande influência no ordenamento francês, desde a concepção é reconhecido ao nascituro sua personalidade jurídica, sendo desta feita considerado pessoa. Assim apenas para alguns direitos específicos seria dependente do nascimento com vida, como é o caso dos direitos patrimoniais.

São defensores da teoria concepcionista, a qual somos adeptos, Silmara J. A. Chinelato e Almeida, Teixeira de Freitas, Limongi França, André Franco Montoro, Francisco do Santos Amaral, Maria Helena Diniz dentre outros juristas pátrios notoriamente reconhecidos.

Há aqui uma visão em que enquadra o nascituro como pessoa, e não como uma mera perspectiva de pessoa com expectativa de direitos.

Neste sentido preleciona Chinelato(2000, p.78) “Juridicamente, entram em perplexidade total aqueles que tentam afirmar a impossibilidade de atribuir a capacidade ao nascituro ‘por este não ser pessoa’. A legislação de todos os povos civilizados é a primeira a desmenti-lo. Não há nação que se preze (até a China) onde não se reconheça a necessidade de proteger os direitos do nascituro (Código chinês, art.1.º). Ora, quem diz direitos, afirma capacidade. Quem afirma capacidade, reconhece personalidade.”

O argumento principal o qual se utiliza para defender esta teoria é que tendo o nascituro direitos o mesmo deverá ser considerado pessoa, já que somente pessoa poderá ser sujeito de direitos, de modo que só a pessoa tem personalidade jurídica para tanto. Assim não haveria como se ter um direito sem sujeitos, já que o direito em si sempre deverá ter um titular.

Acomete ainda que ao se ponderar e reconhecer direitos ao nascituro, necessariamente incorreria em adotar o atributo de pessoa para o mesmo, tendo em vista que juridicamente todo titular de direito é pessoa. Desse modo, segundo Semião (2000, p.35) ter a qualidade de pessoa significa propriamente ser sujeito titular de direito. Importante ainda salientar que a personalidade conforme explicado anteriormente é uma aptidão genérica para adquirir direitos e obrigações. Desta feita é defendido que o nascituro possui personalidade, já que o mesmo possui direitos, e quem possui direitos consequentemente é capaz de possuí-los, ou logicamente não poderia obtê-los.

Lecionam ainda que reconhecer a doutrina natalista, seria afirmar que o nascituro é mera perspectiva de pessoa com mera expectativa de direitos, negando desta forma os direitos que o são assegurados de modo inconteste, sendo assim um retrocesso para o sistema jurídico pátrio admitir a teoria natalista.

Com relação à tutela jurídica do nascituro os concepcionistas afirmam que os mesmos terão direito a tudo o que for compatível na legislação com a sua condição de conceptus, contrariando desta maneira a escola natalista que enuncia um rol taxativo de direitos assegurados ao nascituro.

Concluem-se assim os estudiosos da desta escola que a condição do nascimento não existe para que surja a personalidade jurídica, mas simplesmente e nomeadamente para que a capacidade jurídica seja concretizada. Logo apenas para alguns direitos determinados, como os patrimoniais, os efeitos deles são condicionados ao nascimento com vida, entretanto é indiscutível a titularidade dos demais direito, havendo apenas a incapacidade jurídica.

Nesta mesma linha de pensamento já decidiu Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que notoriamente é reconhecido pelo seu caráter progressista, ao qual trazemos agora a decisão na íntegra:

“Seguro-obrigatório. Acidente. Abortamento. Direito à percepção da indenização. O nascituro goza de personalidade jurídica desde a concepção. O nascimento com vida diz respeito apenas à capacidade de exercício de alguns direitos patrimoniais. Apelação a que se dá provimento. (TJRS, 6ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 70002027910, rel. Des. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, j. 28.3.2001)” (grifo nosso)

Inicialmente os simpatizantes da teoria natalista afirmam que haveria grande consequência em admitir-se a visão concepcionista no que tange aos direitos patrimoniais. A título exemplificativo, ocorrendo o caso da morte de um marido que se casou em comunhão parcial de bens deixando uma viúva grávida e ascendentes, diversas consequências podem ser geradas. No caso do filho nascer com vida e morrer poucos segundos após o nascimento há a transmissão para o mesmo dos bens e posteriormente a transmissão para a genitora. Já no caso que sobrevier um natimorto a transmissão dos bens adquiridos anteriormente ao casamento será feita aos pais do falecido. A tese natalista, defende que seria inviável a aplicação da teoria concepcionista, tendo em vista que modificaria bastante o entendimento em caso, contudo é importante ressaltar que especificamente para alguns direitos, tais como os patrimoniais a própria teoria concepcionista requer o nascimento com vida, como condicionante para obtenção da personalidade.

Outro ponto controverso para os natalistas seria o caso do aborto. Aduzem que não haveria o inicio da personalidade jurídica a partir da concepção, já que é permitido o aborto realizado por médico quando não houver outro meio de salvar a vida da genitora ou no caso de estupro quando houver consentimento da gestante, conforme preceitua o art.128, I e II do Código Penal.

No entanto é importante salientar que os artigos que versam sobre a questão do aborto encontram-se locados no título I, dos crimes contra a pessoa, capítulo I, dos crimes contra a vida, da parte especial do Código Penal, de modo que o nascituro no caso do aborto foi considerado pessoa para o Direito Penal.

No caso específico dos incisos I e II do art. 128 da codificação penal é importante frisar que apesar do direito a vida ser absoluto e erga omnes, em casos que haja conflito de direitos fundamentais ou conflitos entre o mesmo direito a duas pessoas deve ser utilizado o princípio da proporcionalidade ao caso concreto, da mesma forma que foi utilizado na legítima defesa a proporcionalidade e razoabilidade.

Deste modo deverá haver uma análise dos direitos no caso concreto e procurar um compatibilização ponderando os interesses antagônicos, havendo desta forma uma restrição de determinado direito momentaneamente.

Destarte neste caso em que o direito a vida de uma pessoa implica na morte, inviabilidade ou torna insuportável a vida de outro indivíduo o ordenamento jurídico mediante uma minuciosa valoração dos interesses conflitantes preferiu tutelar o direito a vida da genitora e o direito a dignidade da mesma. Logo é interessante falar que o ordenamento jurídico pátrio proibiu o aborto, entretanto nos casos em que envolve o direito a própria vida da mãe ou viola a sua dignidade há essas exceções.

Outro interessante argumento para se defender a teoria concepcionista da personalidade diz respeito ao Pacto de São José da Costa Rica que é um tratado que versa sobre direitos humanos e que durante muito tempo teve status de lei ordinária.

Contudo a partir dos julgamentos do Habeas Corpus 87.585-8/TO e dos Recursos Extraordinários 349703/RS e 466.343/SP, passou-se a existir duas correntes distintas no que tange ao status deste tratado que versa sobre direitos humanos, sendo a primeira defendida pelo Ministro Gilmar Mendes, aduzindo que o mesmo apresenta caráter supra-legal, enquanto a segunda corrente acolhida pelo Ministro Celso de Mello defende que o pacto de São José da Costa Rica, que trata sobre direitos humanos apresentaria valor constitucional ,(sendo a primeira tese a vencedora). Deste modo o tratado em comento posicionou-se abaixo da constituição, contudo acima da legislação interna.

Este Tratado afirma em seu art.1º n.2. que: “Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.”. E em seu art. 3º enuncia que “Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica”.

Destarte, visto que não se pode em momento algum retirar o status de ser humano para o nascituro, já que até mesmo os natalistas o consideram ao menos um ser humano, mas não pessoa, mesmo que em formação, contudo um ser humano. Desta forma fazendo-se uma interpretação simples e lógica, ao se afirmar que todo ser humano é pessoa, e que toda pessoa deve ter reconhecida sua personalidade jurídica, consequentemente estará sendo enunciado que, o nascituro que é um ser humano deve ter reconhecida sua personalidade jurídica.

Parte da doutrina subdivide a teoria concepcionista em duas: a primeira seria a teoria concepcionista pura e a segunda a concepcionista da personalidade condicional ou simplesmente teoria da personalidade condicional. Contudo outros juristas enunciam ser está escola da personalidade condicional uma terceira teoria. Aqui trataremos como uma teoria distinta da concepcionista pura, simplesmente por finalidades didáticas.

A escola concepcionista pura é a que vem sendo abordada no presente tópico e doutrina que a personalidade jurídica principia-se a partir da concepção, independente de qualquer condição para que seja concretizada a personalidade do nascituro. Apenas alguns direitos estariam condicionados ao nascimento com vida.

3.1.3 Teoria da personalidade condicional

Esta teoria apresenta-se como uma mescla das duas teses anteriormente explanadas, apontando alguns autores como uma subdivisão da visão concepcionista da personalidade jurídica do nascituro. Oferece uma visão onde reconhece a personalidade desde a concepção, porém condicionada ao nascimento com vida.

Um dos autores que subdividem a teoria concepcionista é Sérgio Abdalla Semião.

Já William Artur Pussi traz como seguidor desta teoria, da personalidade condicional Clóvis Bevilácqua, J.M. de Carvalho Santos bem como Miguel Maria da Serpa Lopes. Lopes ( 1953 apud PUSSI, p.94) que leciona o seguinte: “De fato, a aquisição de tais direitos, segundo o nosso Código Civil, fica subordinado à condição de que o feto venha a ter existência; se tal o sucede, dá-se a aquisição; mas, ao contrário, se não houver o nascimento com vida, ou por ter ocorrido um aborto ou por ter o feto nascido morto, não há uma perda ou transmissão de direitos, como deverá se suceder, se ao nascituro fosse reconhecida uma ficta personalidade. Em casos tais, não se dá a aquisição de direitos.”

Afirmam tais doutrinadores, que a lei assegura direitos ao nascituro durante o período da gestação, tutelando-lhes alguns direitos personalíssimos e patrimoniais, entretanto estariam eles sujeitos a uma condição suspensiva, qual seja, o nascimento.

O nascimento com vida leva os mesmo a realizarem a condição suspensiva e desta forma consolidar os direitos que adquirira desde a concepção, tendo em vista que sua eficácia estava atrelada a condição do nascimento com vida, e desta forma integrarão definitivamente o patrimônio do nascituro, mesmo que venha a falecer segundos após ter vindo ao mundo.

Assim corroborando com este entendimento encontra-se Eduardo Espínola e Espínola Filho, quando entende que ao nascituro é reconhecida sua personalidade desde o momento da concepção, entretanto é necessário verificar a condição do conceptus nascer com vida.

A esta teoria existem várias críticas, tendo como um destes críticos Limongi França, que afirma ser a teoria da personalidade condicional a mais completa, a que mais se aproxima da realidade, contudo, peca em afirmar que a personalidade está ligada ao nascimento com vida, sendo uma inverdade visto que a personalidade é adquirida desde a concepção, dizendo, ainda, que a condição do nascimento é requisito para a consolidação da capacidade jurídica, tornando válidos os negócios jurídicos.

Coadunando com o exposto, entretanto apresentando-se mais radical, temos o posicionamento de Miranda(apud PUSSI, 2005, p.96), recriminando a possibilidade de existência de qualquer condição. Assevera Miranda que:

“É de repelir-se qualquer noção de condição. Não há condição nas situações jurídicas do nascituro (arts. 4 e 1.718), nem de prole eventual de determinada pessoa (art. 1.718 in fine). Quando o filho de A nasce morto, o herdeiro é outra pessoa, porque o filho de A não foi herdeiro. Não houve herdeiro nem herança sob condição resolutiva, nem retro-atividade, nem qualquer efeito de suspensividade aposta ao negócio jurídico do testamento, nem criada pela lei sobre sucessão legítima, ou aos herdeiros legítimos, no dia da morte do testador (Le mort saisit Le vif) : a falta da criança que nascesse viva apenas demonstrou não ter tido eficácia a dsiposição do testador a favor do conceptus sed nondum natus. O momento que a ineficácia se deu pode ter sido antes do nascimento; a demonstração da ineficácia é do momento do nascimento sem vida. O herdeiro concebido não existiu. Pensava-se que viesse a confirmar-se a suposição de existir e, uma vez que os homens não advinham e é de presumir-se que nasçam com vida os já concebidos, o sistema jurídico ressalva, desde a concepção os direitos do nascituro.”

Contudo, a teoria da personalidade condicional diz que o nascituro apresenta personalidade jurídica desde o momento da concepção, porém, sendo condicionada ao nascimento com vida. Assim, verificando o nascimento com vida é de suma importância ressaltar que a personalidade retroagirá ao momento de concepção do mesmo conferindo a este uma tutela jurídica que avançará ao passado.

Conclusão

Este artigo teve por objetivo analisar de modo conciso, porém detalhado a personalidade jurídica do nascituro.

Foi realizado uma evolução histórica e um pequeno estudo de direito comparado do nascituro e as teorias do início da personalidade jurídica, com a finalidade de garantir uma tutela mais justa dos direitos do nascituro.

Assim, entendemos que o nascituro possui personalidade desde a concepção. Contudo o mesmo não se pode falar da capacidade jurídica, admitindo então proteção de todos os direitos inerentes ao nascituro, aplicando-se toda a legislação no que couber, lhes garantido, por exemplo, o direito a vida, o direito a curador quando o pai houver falecido e a mãe apresentar-se na ausência do pátrio poder, o direito a reconhecimento de filiação, o direito a alimentos, direito a reparação por danos morais e ou materiais, dentre uma infinidade de normas que visam salvaguarda-lo.

Deste modo, diante de tudo explanado, cabe ao direito, ou melhor, aos operadores desta Ciência, proteger esta criatura que se apresenta como a mais pura e desarmada de proteção jurídica, qual seja, o nascituro.

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Data de elaboração: setembro/2012

 

Como citar o texto:

FALCÃO, Rafael de Lucena..A personalidade jurídica do nascituro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1028. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/2656/a-personalidade-juridica-nascituro. Acesso em 17 nov. 2012.

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