O professor Nilo Batista, lotado atualmente na Universidade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro como professor titular de Direito Penal, possui uma diversidade de livros e artigos publicados, que em sua maioria tem uma característica em comum: mostram o Direito Penal a partir de uma perspectiva crítica e tem como escopo oferecer as diretrizes básicas para que se reconheça a verdadeira função e impacto deste ramo do ordenamento jurídico em meio a uma realidade marcada pela desigualdade social, como é o caso do Brasil.

No que concerne ao livro Introdução Crítica ao Direito Penal, objeto deste estudo, é percebido uma tentativa do autor em mostrar aos iniciantes em estudos de Direito Penal, uma perspectiva histórica e ao mesmo tempo crítica dos principais preceitos que norteiam o Direito Penal brasileiro através de uma linguagem sucinta e que possa servir de material didático para aqueles que de algum modo se interessem pela área penal e estejam iniciando seus estudos. Esta tentativa, diga-se de passagem, foi muito bem sucedida.

O livro de Nilo Batista (2007) traz à tona a necessidade de se reconstruir o Direito Penal para que se alcance a sua verdade e se faça aparecer o que outrora esteve obscurecido, ou seja, existe uma pergunta a ser respondida, e essa pergunta é: contra e a favor de quem está o Direito Penal?

Partindo de tais premissas o autor começará sua arguição defendendo a tese de que a verdadeira essência do direito é, antes de mais, econômica, pois é ela que embasa as definições jurídicas abstratas que foram frutos do processo social de criação do direito. Neste sentido, não está sozinho. Karl Marx (1998) já escrevia em sua época que no período pós Revolução Industrial, com o poder concentrado nas mãos de uma minoria (classe dominante), instaurara-se na sociedade um processo onde a massa dominada economicamente passa a absorver, em um processo gradual, as ideias da classe dominante (quase sempre representadas pelo Estado) até o ponto em que passam a estar compartilhados por todos os indivíduos. É o que Marx chama de ideologia, onde as vontades de uns se sobrepõem em relação aos demais, num processo que tende claramente a favorecer apenas os mais afortunados.

A contribuição de Nilo batista está em demonstrar que o Direito Penal, assim como todos os outros ramos do ordenamento, existe para cumprir finalidades e não por uma mera necessidade de se celebrar valores infindáveis ou glorificar paradigmas morais. Ou seja, não cabe mais a propagação da ideia de um direito absolutamente neutro cuja finalidade primordial de seus aplicadores é o alcance da justiça e da paz eternas.

O autor nos informa, a partir das definições de vários doutrinadores, que o Direito Penal pretende garantir condições minimamente dignas de convívio entre indivíduos de uma sociedade, mas que a sua atuação, contudo, se limita à coibição de condutas criminosas anteriormente descritas na lei penal e que efetivamente venham a ser praticadas e registradas.

Isso demonstra que a pretensão do controle inerente ao Direito Penal, na verdade é limitada e não compreende o verdadeiro domínio instaurado no meio social. Zaffaroni (2007) a despeito disso, nos informa que a avaliação do controle social deve ultrapassar as esferas do sistema penal e da lei penal, chegando ao âmbito da estrutura familiar, educação, medicina e todos os outros mecanismos que compões a malha social. Nilo Batista destaca neste sentido que a principal garantia que nos pode ser dada pelo Direito Penal é a tutela de bens jurídicos, através da cominação, aplicação e execução da pena. Contudo, para ele, é muito claro que em uma sociedade estratificada como a nossa, a pena será acima de tudo, uma ideologia imposta pela classe dominante e que se faz, destarte, como a “missão secreta” do direito penal.

Nilo Batista, desta forma, quer chamar a atenção para o fato de que nos casos concretos, o simples apego à letra da lei, em verdade, poderá apenas difundir ideais de uma classe dominante e promover o inverso do que se espera da atuação do direito, ou seja, no lugar em que deveria haver justiça e liberdade passa a estar presente a injustiça e a opressão das classes dominadas.

Como reforço de toda sua construção textual, Nilo Batista elenca uma série de princípios, que no seu entender, servirão como ponto de partida na busca por um Direito Penal mais justo e igualitário e menos opressor. Legalidade, intervenção mínima, lesividade, humanidade e culpabilidade, portanto, constituem o eixo em torno do qual deve girar o sistema penal que se pretenda verdadeiramente democrático.

 Esses princípios resumem sucintamente o caráter que na visão do autor deve revestir verdadeiramente a atuação do direito penal: “remédio sancionador externo” cuja atuação se baseie em condutas desviantes que outros ramos do direito não deram conta de conter, devidamente norteado por leis anteriores aos atos, onde o indivíduo seja punido na medida de seu desvio. Aqui, o esforço do autor se encontra no sentido de tentar emancipar das visões dogmáticas, as interpretações das leis penais, isto é, o enfoque do autor se dá muito mais nos valores que regem o sistema do que na mera letra da lei. Apreende-se aqui que Nilo Batista, bem como Kelsen (2000), afirma que a segurança jurídica, tão prezada pelo direito, só será alcançada efetivamente se for pressuposto da sua aplicação a sua anterioridade à conduta, bem como uma aplicação que leve em conta o fato de que a lei é mesma para todos os indivíduos incondicionadamente.

Seguindo o mesmo raciocínio, Fernando Capez (2012) acentua que o Direito Penal deve atuar não como um simples instrumento de opressão e defesa do Estado que se baseie em abstracionismos ou apelos demagógicos, mas acima de tudo como um mecanismo que reflita o justo anseio social (fruto de longos processos de diálogos e amadurecimento no seio da comunidade à qual se destinarão seus preceitos).

Por fim, destaca-se a significativa contribuição de Nilo Batista na obra Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro que consegue mostrar ao seu leitor uma perspectiva diferenciada e um tanto quanto inovadora do Direito Penal através de uma análise sucinta e esclarecedora dos antagonismos e desafios que envolvem sua aplicação. Os preceitos lançados por Nilo Batista nesta obra são apenas os primeiros passos de uma grandiosa jornada, mas devem ser encarados com seriedade por qualquer jurista ou estudante que pretendam de alguma forma, contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e preocupada com a resolução de seus problemas. A tarefa talvez não seja tão fácil, pois assim como já foi dito, existem uma série de ideologias a serem desconstruídas, mas é essencial que grandes esforços sejam empreendidos para a construção de um sistema penal mais eficiente e igualitário.

REFERÊNCIAS

BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, volume I, parte geral: (arts. 1º a 120). São Paulo: Saraiva, 2012.

KELSEN, H. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. pp. 79-91.

MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileira, volume I – parte geral. São Paulo: RT, 2007.

  

 

 

Elaborado em fevereiro/2013

 

Como citar o texto:

SILVA, Marcus Vinícius Leal..A Resignificação do Direito Penal e o Alcance da Verdadeira Justiça. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1115. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/2797/a-resignificacao-direito-penal-alcance-verdadeira-justica. Acesso em 31 out. 2013.

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