1. Introdução

Diante de várias definições que têm sido propostas por importantes penalistas, parece-nos aceitável a que considera o delito como típico, antijurídico e culpável.  Desse modo, o delito é o produto de várias circunstâncias fáticas, que não podem ser divididas em partes. 

Na precisa lição de Greco (2009, p.144-145): "O crime é, certamente, um todo unitário e indivisível. Ou o agente comete o delito (fato típico, ilícito e culpável) ou o fato por ele praticado será considerado um indiferente penal. O estudo estratificado ou analítico permite-nos, com clareza, verificar a existência ou não da infração penal; daí a sua importância".

A conduta típica, conforme à visão finalística, é constituída pelos seguintes pressupostos, a saber: 1) conduta dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva, 2) resultado, 3) nexo de causalidade entre conduta  e o resultado, 4) tipicidade formal e conglobante (GRECO, 2009).

Quanto à ilicitude, esta configura-se a partir da relação da conduta do agente com o ordenamento jurídico. Desta forma, a ação será lícita se estiver protegida uma das causas previstas no artigo 23 do Código penal, a saber: 

        Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: 

        I - em estado de necessidade; 

        II - em legítima defesa;

      III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito

Na ausência de umas dessas condições, não será afastada à ilicitude da conduta criminosa. Desse modo, passa-se à analisar a culpabilidade. Pode-se afirmar que a mesma, segundo Greco (2009,p.146): “é o juízo de reprovação pessoal que se faz sobre a conduta ilícita do agente. São elementos integrantes da culpabilidade, de acordo com a concepção finalista por nós assumida: 1) imputabilidade, 2) potencial consciência da ilicitude do fato, 3) exigibilidade de conduta diversa".

Na mesma obra, salienta Zaffaroni (1999, p.146) apud Greco (2009, p.146): "O delito é uma conduta humana individualizada mediante um dispositivo legal (tipo) que revela sua proibição (típica), que por não estar permitida por nenhum preceito jurídico (causa de justificação) é contrária ao ordenamento jurídico (antijurídica) e que, por ser exigível do autor que atuasse de outra maneira nessa circunstância, lhe é reprovável (culpável)". 

Como se vê, o atual Código Penal não estabelece uma definição apropriada do conceito de crime, apenas registra que delito é toda conduta punida com reclusão e detenção e multa,  nos seguintes termos: " Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente".

Neste sentido, diante da constitucionalização do direito, os princípios penais, inclusive da intervenção mínima, devem orientar o legislador na adaptação do Código Penal brasileiro em prol dos novos costumes da sociedade brasileira.

No que tange ao princípio em comento, este deve regular às condutas mais relevantes, ou seja, incumbe ao legislador tipificar as condutas que sejam precisas à conservação das relações sociais, num direcionamento da ultima ratio. Também, cabe ao legislador a descriminalização das ações cujo dano provocado não seja drástico para a intervenção do Direito Penal.

Neste sentido, mais uma vez preceitua Greco (2009, p.49): 

O Princípio da Intervenção mínima, ou última ratio, é o responsável não só pela indicação dos bens de maior relevo que merecem a especial atenção do Direito Penal, mas se presta, também, a fazer com que ocorra a chamada descriminalização. Se é com base neste princípio que os bens são considerados com os de maior importância, também será com fundamento nele que o legislador, atento às mutações da sociedade, que com a sua evolução deixa de dar importância a bens que, no passado, eram da maior relevância, fará retirar do nosso ordenamento jurídico-penal certos tipos incriminados.

Como se vê, a intervenção mínima visa impedir o arbítrio do legislador, bem como à fixação de penas injustas e delitos desnecessários. Com respaldo constitucional, o Direito Penal deve ser acionado quando os demais ramos do Ordenamento jurídico não prevenirem condutas ilícitas. 

2. Princípio da lesividade

Aqui, o objetivo tem um foco parecido com o princípio anterior, isto porque a lesividade impede a incriminação de ações internas, bem como condutas que não excedam no âmbito do próprio autor. Neste sentido, aduz Greco (2009, p.53):

O princípio da lesividade, cuja origem se atribui ao período iluminista, que por intermédio do movimento de secularização procurou desfazer a confusão que havia entre direito e moral, possui, no escólio de Nilo Batista, quatro principais funções, a saber: a) proibir a incriminação de uma atitude interna; b) proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor; c) proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais; d) proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico.

É necessário observar a narrativa do verbo núcleo do artigo 171, §2°,V do CP, cujo dispositivo estabelece a fraude do recebimento ou indenização de seguro, com base nessa vedação que não se pune o suicídio e a sua tentativa.

3. Princípio da humanidade das sanções

O artigo 5°, XLVII, da Constituição Federal, incide à racionalização das penas e a superação das penas corporais impostas aos condenados. Este princípio representa a configuração das penas aos princípios humanistas que servem como diretrizes do ordenamento jurídico. Desse modo, o respectivo artigo proíbe a aplicação de penas perpétuas, trabalhos forçados, banimentos cruéis ou de morte.

Com o advento da Constituição Federal, tal matéria é tutelada em diversos dispositivos, a saber: art.1, art.5°, III, XLVI e XLVII. Também, é vital a observância do devido processo legal, nos artigos 5°, LXI, LXII, LXIII e LXIV, todos da Constituição. Na execução da pena privativa de liberdade, o amparo constitucional prevê os seguintes dispositivos: art.5, XLVII, XLVIII, XLIX e L.

Desse modo, aduz Ferrajoli (2002, p.318) apud Greco (2009,p.83):

(...) acima de qualquer argumento utilitário, o valor da pessoa humana impõe uma limitação fundamental em relação à qualidade e quantidade da pena. É este o valor sobre o qual se funda, irredutivelmente, o rechaço da pena de morte, das penas corporais, das penas infames e, por outro lado, da prisão perpétua e das penas privativas de liberdade excessivamente extensas (...) um Estado que mata, que tortura, que humilha um cidadão não só perde qualquer legitimidade, senão que contradiz sua razão de ser, colocando-se no nível dos mesmos delinquentes.

4. Princípio da Responsabilidade Pessoal

Este princípio impede a punição de outra pessoa que não seja aquele que de alguma forma concorreu para a prática da conduta delituosa. Desse modo, prescreve Greco (2009, p.79):  “(...) somente o condenado é que terá de se submeter à sanção que lhe foi aplicada pelo Estado. Já se foi o tempo em que não só o autor do fato respondia pelo delito cometido, como também pessoas ligadas ao seu grupo familiar”.  

5. Princípio da individualização da pena

O disposto no artigo 5°, XLVI da Constituição limita o legislador na elaboração de penas restringindo-o às que estão tipificas nas cinco alíneas da norma em questão, proporcionalmente em especial o resultado ou gravidade da infração penal.

Em outro lado, norteia o juiz, que acompanhará na execução penal, uma vez que a progressão de regime e a obtenção de benefícios por parte do condenado dependerão do tempo de pena cumprido mas também se seu mérito (GRECO, 2009).

Desse modo, segue o esclarecimento do Superior Tribunal de Justiça:

Ao individualizar a pena, o juiz sentenciante deverá obedecer e sopesar os critérios no art.59, as circunstâncias agravantes e atenuantes e, por fim, as causas de aumento e diminuição de pena justa e fundamentada, a quantidade de pena que o fato está a merecer (STJ, HC 48122/SP; HC 2005/0156373-8, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª T., Dj 12/6/2006,p.511) (GRECO, 2009,p.72).

Neste sentido, salienta Mirabete ( 1990, p.60-61 ) apud Greco (2009,p.72-73):

(...) A individualização, portanto, deve aflorar técnica  e científica, nunca improvisada, iniciando-se com a indispensável classificação dos condenados a fim de serem destinados aos programas de execução mais adequados, conforme as condições pessoais de cada um.

6. Princípio da Proporcionalidade

 Neste item, segue o princípio que regulamenta o equilíbrio da conduta tipificada e a fixação da pena. Está implícito no Ordenamento Jurídico e é originário do ideal distributivo de justiça.

Por isso, em primeira análise, dirige-se ao legislador na imposição de limites proporcionais à gravidade do resultado delituoso. Em outra via, também volta-se ao juiz na aplicação da pena em face da gravidade do crime identificado no caso concreto.

Em passagem clássica, registra-se o pensamento de Beccaria (2005, p.70-71):

(...) outros jurisconsultos medem a gravidade do delito pela dignidade da pessoa atingida, antes que ao mal que possa trazer à sociedade. Se tal método fosse recebido, uma pequena irreverência em relação ao Ser Supremo mereceria um castigo mais severo do que o assassínio de um rei, pois, a superioridade da natureza divina compensaria ao infinito da ofensa.

7. Princípio da Insignificância Penal

 Antes de investigar à natureza do princípio, segue a precisa lição de Assis Toledo (1994 p.133) apud Greco (2009,p.67): “Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentará, só vai aonde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas”.

Este princípio dirige-se ao juiz e tem como objetivo à correção de distorções eventualmente verificadas na aplicação da legislação penal ao caso concreto, cuja aplicação afasta a tipicidade material quando, embora expressamente tipificada a conduta não resulte intervenção do Direito Penal.

Na ausência de tipicidade material, pode-se afirmar que não há fato típico, o que afasta a conduta delituosa. Acerca da terminologia, a insignificância se insere na irrelevância da gravidade do dano provocado pela conduta.

O princípio normativo, em análise jurisprudencial, se insere no seguinte posicionamento, a saber:

Princípio da insignificância. Identificação dos vetores cuja presença legítima o reconhecimento desse postulado de política criminal. Consequente descaracterização da tipicidade penal, em seu aspecto material. Delito de furto. Condenação imposta a jovem desempregado, com apenas 19 anos de idade. Res furtiva no valor de R$ 25,00 (equivalente a 9,61% do salário mínimo atualmente em vigor). Doutrina. Considerações em torno da jurisprudência do STF. Pedido deferido. O princípio da insignificância qualifica-se como fator de descaracterização da tipicidade penal (STF – HC 84412 MC/ SP – 2 turma- Rel. Min. Celso de Mello, publicado no Dj de 19/11/2004,p.00037) (GRECO,p.68).

8. Princípio da Culpabilidade

O princípio da culpabilidade visa impedir a responsabilização penal objetiva, ou seja, trata-se de uma tese contra à Teoria Objetiva da ação. Então,  uma pessoa só poder ser punida no caso de uma conduta praticada com dolo ou culpa.  Por isto, que um agente não pode ser punido por dano que causou, por movimento involuntário ou estado de inconsciência, sendo verificável conduta delituosa mediante o nexo de causalidade entre a conduta e o dano.

Desse modo, a culpabilidade integra o conceito analítico de crime, conforme visto nas páginas iniciais. Além disto, é considerada à primeira circunstância judicial a ser verificada pelo juiz na aplicação da pena base, nos termos da art. 59 do CP, a saber:

O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;  III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade  IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

 Para Assis Toledo (1999, p.86-87) apud Greco (2009,p.89):

 Deve-se entender o princípio da culpabilidade como a exigência de um juízo de reprovação jurídica que se apoia sobre a crença – fundada na experiência da vida cotidiana – de que ao homem é dada a possibilidade de, em certas circunstâncias, agir de outro modo.

Vale registrar o pensamento de Greco (2009, p.92):

(...) a culpabilidade deve ser entendida somente como um princípio em si, pois que, uma vez adotada a teoria finalista da ação, dolo e culpa foram deslocados para o tipo penal, não pertencendo mais ao âmbito da culpabilidade, que é composta, segunda a maioria da doutrina nacional, pela imputabilidade, pelo potencial conhecimento da ilicitude do fato e pela exigência de conduta diversa.

9. Princípio da legalidade

Aqui, será destacado o princípio matriz do Ordenamento Jurídico, cuja  definição é imprescindível no pensamento de Streck e Bolzan de Morais (2000, p.83-84) apud Greco (2009,p.93):

O Estado de Direito surge desde logo como o Estado que, nas suas relações com os indivíduos, se submete a um regime de direito, quando, então, a atividade estatal apenas pode desenvolver-se utilizando um instrumento regulado e autorizado pela ordem jurídica, assim como os indivíduos – cidadãos- têm a seu dispor mecanismos jurídicos aptos a salvaguardar-lhes de uma ação abusiva do Estado.

Neste sentido, a Constituição Federal, no artigo 5°, II limita o poder estatal, bem como, o inciso XXXIX, do mesmo artigo restringe de forma geral a utilização do poder, de modo a coibir o abuso que possa violar à liberdade dos cidadãos.

Por outro lado, visa impedir a retroatividade legislativa que definem delitos ou penas, cuja função é impedir a incerteza e a desordem social. Também, tem como escopo, impedir a incriminação de condutas pelos costumes (GRECO, 2009). 

Acerca da analogia, a legalidade impede à incriminação de condutas e aplicação de penas mediante tal instituto. De fato, a incriminação de conduta vagas e indeterminadas é proibida pelo princípio em comento, bem como a doutrina nacional defende o uso da interpretação de tipos penais fechados, cuja análise não estabelece margem de interpretação da norma (GRECO, 2009).

Neste sentido, o caput do art.2 do Código Penal, prevê o instituto do abolitio criminis.  Acerca do art.4 do mesmo códex, o dispositivo determina o tempo do crime como o da conduta da ação ou omissão. O disposto no artigo 6, define a recepção da teoria mista como à regra do lugar da infração penal.

10. Princípio da extra atividade da lei penal

Via de regra a lei penal não retroage, mas há casos em que à mesma incide sobre condutas consumadas na elaboração de uma lei. Desse modo, a produção de efeitos à fatos anteriores de sua vigência denomina-se  retroatividade. Já à produção de efeitos posteriores à revogação denomina-se de ultra atividade da lei penal.

Na precisa lição de Greco (2009, p.109): “Fala-se em ultra atividade quando a lei, mesmo depois  de revogada, continua a regular os fatos ocorridos durante a sua vigência; retroatividade seria a possibilidade conferida à lei penal de retroagir no tempo, a fim de regular os fatos ocorridos  anteriormente à sua entrada em vigor”.

11. Considerações Finais

Diante do exposto, o Direito Penal brasileiro deve se inserir a partir de uma nova hermenêutica, cuja doutrina penalista não deve parar de criar novos entendimentos frente ao comando constitucional.

No decorrer do artigo, percebeu-se que a jurisprudência recepcionou o conceito analítico de crime, bem como consolidou o princípio da insignificância e da intervenção mínima.

Desse modo, portanto, os princípios analisados são configurados como núcleo existencial do Direito Penal, cuja interpretação é pressuposto de um código atualizado e adequado aos avanços sociais e à hermenêutica ontológica do direito.

12. Referências

 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. São Paulo: Martin Claret, 2005.

FERRAJOLI, Luigi.  Direito e razão – Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

GRECO, Rogério. Curso de Direito PenalParte Geral. Niterói: 11°ed. Impetus, 2009.

MIRABET, Júlio Fabbrini. Execução Penal. São Paulo: Atlas, 1990.

STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

TOLEDO, Francisco de Assis. Penas restritivas de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro - Parte Geral . 2°ed. São  Paulo: Revista  dos Tribunais, 1999.

 

 

Elaborado em maio/2014

 

Como citar o texto:

MARQUES, Fernando Cristian.. Princípios Do Direito Penal: Aspecto Doutrinário E Jurisprudencial A Partir Da Contribuição Das Teorias Penalistas . Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 22, nº 1166. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/3097/-principios-direito-penal-aspecto-doutrinario-jurisprudencial-partir-contribuicao-teorias-penalistas-. Acesso em 23 mai. 2014.

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