INTRODUÇÃO

Sigilo fiscal é uma proteção de caráter constitucional das informações fiscais prestadas pelos destinatários legais, também chamados contribuintes, ao fisco.

A ideia de tributo surgiu com a criação do Estado, pois quando a administração pública passou a gerir a vida dos indivíduos em coletividade fez-se necessário a arrecadação de uma quantia que seria recebida para o Ente Estatal se manter e conduzir suas atribuições, de forma a efetivamente promover uma vida digna a todos os cidadãos. Assim, o fisco foi criado com o fito de para fiscalizar e arrecadar os valores pagos pelos contribuintes.

A prestação compulsória paga ao fisco, não se resume somente ao adimplemento de uma pecúnia derivada de um fato gerador. Pois a Fazenda Pública tem também o poder e competência de fiscalizar questões financeiras que envolvam o interesse comum do Estado.

Muitas vezes para fiscalizar os contribuintes é necessário que o fisco detenha informações privilegiadas financeiras e econômicas acerca de seus bens, contas bancárias e etc.

Contudo, a própria Constituição Federal garantiu aos brasileiros o direito à privacidade e ao sigilo fiscal.

Dessa maneira, para se ter acesso a informações fiscais de outrem é mister que haja uma quebra desse sigilo garantido aos cidadãos.

Quando o caso não se enquadrar nas exceções legais, a quebra do sigilo deve ser precedida de um procedimento judicial onde deverá haver uma requisição fundamentada do Juiz. O problema é que maioria dos casos de quebra do sigilo fiscal pelo fisco ocorre de forma ilegal, o que pode culminar na anulação do feito, caso constatada a irregularidade da fiscalização por parte do ente público

DESENVOLVIMENTO

Com a evolução das sociedades e do pensamento surge a criação do Estado, que segundo as teorias contratualistas decorreria de um pacto feito entre o ente abstrato criado e os cidadãos, do qual emanaria direitos e obrigações mútuas.

Com a formação do Estado o homem abdicou de parcela de sua liberdade ao Ente Estatal, que em troca, passaria a viabilizar a vida em sociedade, a luz do interesse geral e do bem comum, através de normas regulamentadoras. Foram assegurados a cada indivíduo direitos fundamentais traduzidos como bens jurídicos tais como a vida, liberdade, saúde, patrimônio, honra, privacidade etc. Nesse sentido:

Uma questão que muito preocupou os filósofos políticos dos séculos XVII e XVIII foi a de encontrar uma justificação racional — dedutiva — para a existência das sociedades humanas. O problema apresenta-se do seguinte modo: sendo um dado indiscutível (ou pelo menos aceitável pela maioria dos contratualistas) que o homem possui uma natureza própria que lhe garante a liberdade e a igualdade, como explicar a existência dos governos e como legitimar o poder destes? E, se à partida todos são naturalmente livres e iguais, como justificar o dever de obediência ao governo por parte de qualquer indivíduo?

A ideia central contida nas respostas a essas perguntas (que não é de modo algum comum a todos os contratualistas) é a de que, sendo o estado natural uma situação que promove a instabilidade e a insegurança, os indivíduos teriam concordado em associar-se e em constituir um governo, cedendo a este último certos poderes. A condição desta cedência era que os governantes utilizassem esse poder para garantir a segurança de todos. E, assim, os indivíduos comprometer-se-iam a acatar as deliberações do governo. Desse acordo resulta um hipotético contrato que, por ser subscrito por todos, faz que todos saibam quais as suas obrigações e quais as obrigações do governo. LUÍS FILIPE BETTENCOURT.ddddddddddddddddddddddddddddddddddd                                                                                               (http://criticanarede.com/teoriacontratualista.html)

A administração pública para então passar a gerir a vida dos indivíduos em coletividade criou tributos que seriam arrecadados como forma de se manter e conduzir suas atribuições, de forma a efetivamente promover uma vida digna a todos os cidadãos.

            Destarte, todas as pessoas que estão sujeitas a soberania estatal devem compulsoriamente financiar as despesas do governo através de uma prestação pecuniária em moeda. Em outras palavras, o tributo passou a ser uma obrigação ou encargo de alguém ao se submeter a um determinado fato gerador.

            Como forma de administrar tais prestações pecuniárias e, sobretudo, em apego aos princípios da especialidade e eficiência, o Estado criou uma administração fazendária, chamada de fisco, que tem como incumbência o controle e a fiscalização do adimplemento dos tributos pelos contribuintes. Para tanto, a administração possui amplo acesso as informações fiscais de cada um deles.

            Contudo, essas informações fiscais não podem ser passadas irrestritamente a terceiros, afinal dão conta da privacidade e intimidade de outrem, contendo dados pessoais e inclusive econômicos dos contribuintes.

            Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 elencou como garantia fundamental o Direito a Privacidade e ao sigilo fiscal, senão vejamos:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

(...)

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (...)

O Código Tributário Nacional também legislou nesse diapasão:

Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. 

§ 1o Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes:

I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;  

II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.

§ 2o O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo. 

§ 3o Não é vedada a divulgação de informações relativas a:

I – representações fiscais para fins penais;      

II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública;

III – parcelamento ou moratória.

Dessa forma, o sigilo fiscal nada mais é que uma proteção de caráter constitucional das informações fiscais prestadas pelos destinatários legais, também chamados contribuintes, ao fisco.

Da simples leitura dos dispositivos supra, percebe-se, extreme de dúvida, que uma quebra do sigilo fiscal meramente administrativa é ilegal e, até mesmo, um fato típico.

Como garantia de cunho constitucional, a quebra do sigilo, salvo as exceções expressas no art. 197 do Código Tributário Nacional –CTN, deve ser precedida de um procedimento judicial onde haverá uma requisição fundamentada do Juiz.

Infelizmente, a maioria esmagadora dos casos de quebra do sigilo fiscal pelo fisco ocorre de forma ilegal, o que pode culminar na anulação do feito, caso constatada a irregularidade da fiscalização por parte do ente público.

O Decreto-Lei n° 3.724/2001 regulamenta o procedimento pelo qual o contribuinte deve ser inicialmente intimado para apresentar eventuais documentos e informações sobre informações financeiras, que depois de verificadas, sendo insuficientes ou provavelmente falsas, o fisco poderá requisitar documentos a agências bancárias e instituições financeiras.

Na verdade, o que ocorre na prática, é que a Receita Federal notifica desde logo o contribuinte para fornecer documentação acobertada pelo sigilo fiscal, o que é uma prática incorreta e imoral, configurando um constrangimento ao contribuinte que expõe sua intimidade financeira totalmente.

A conduta correta para quebra do sigilo fiscal seria a expressa no parágrafo único do art. 198 do CTN, que prevê, nos casos onde houver processo judicial instaurado e o Juiz considerar necessário juntar ao processo informações advindas do fisco, para solucionar a lide, a sobreposição do interesse público em detrimento do particular.

Esse foi o entendimento do Supremo tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 389.808, que somente o Poder Judiciário pode realizar a quebra de sigilo, e mesmo assim, apenas no caso de investigação criminal, ou instrução processual penal.

Nesse sentido é a jurisprudência:

CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. DENÚNCIA RECEBIDA. ATOS INSTRUTÓRIOS INICIADOS (AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO). CRIMES, EM TESE, CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PRATICADOS POR SERVIDOR DA RECEITA FEDERAL EM CARUARU/PE. ALEGADO VÍCIO DE PROVAS OBTIDAS MEDIANTE A QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. INEXISTÊNCIA. DECISÃO ARRIMADA NAS ESCORAS LEGAIS. MOTIVAÇÃO/FUNDAMENTAÇÃO SATISFATÓRIAS. PRESENÇA DE INDÍCIOS DE FATO CRIMINOSO E DE AUTORIA. IN DUBIO PRO SOCIETATE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1 - No caso concreto, após apuração em Inquérito Policial e em procedimentos cautelares penais preparatórios (quebra de sigilo bancário e telefônico, busca e apreensão), foi oferecida denúncia pelo Ministério Público Federal em face do Paciente e demais 18 pessoas, supostamente envolvidas em crimes, em tese, contra a administração pública, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, formação de quadrilha e falsidade ideológica. 2 - A impetração visa, em síntese, a exclusão de provas obtidas através de medidas cautelares, devidamente autorizadas pelo juízo federal apontado como coator, dentre elas a quebra do sigilo bancário, que, consoante a exordial, se apresentou fora dos pressupostos legais, convertendo em regra geral a medida de exceção, promovendo indevida invasão da esfera de intimidade e privacidade constitucional dos pacientes. 3 - Ve-se dos autos, ao menos neste sítio preambular, que a quebra do sigilo bancário está amparada no ordenamento jurídico pátrio, porquanto destinada à apuração de fato específico, no âmbito do inquérito policial ou processo criminal, com existência de indícios satisfatórios de existência de fato criminoso e indícios de autoria, não sendo absoluto o direito à intimidade/privacidade, tendo sido, no caso concreto, objeto de autorização judicial, devidamente motivada/fundamentada, inexistindo, por conseguinte, ilegalidade a ser reparada. 4 - Decisão motivada pela necessidade de se dar continuidade às investigações para apuração dos crimes, em tese, perpetrados, mostrando-se necessária para que se pudesse identificar os participantes da empreitada criminosa, revelando-se, naquele momento, inclusive, com o único método viável para os esclarecimentos dos fatos delituosos. 5 - Trata-se de ação penal complexa, com a imputação de vários crimes e multiplicidade de acusados, donde se revela açodada a extirpação de provas obtidas mediante a medida cautelar autorizada judicialmente, que, neste momento, se apresentam lícitas e válidas, mas que, acaso se apresentem ao magistrado singular, como imprestáveis ao seu convencimento, e por certo não sendo as únicas produzidas na instrução, não enseja desprezarem-se as demais que, por ela não contaminadas e dela não decorrentes, porquanto formarão o conjunto probatório da autoria e materialidade dos delitos supostamente praticados pelos investigados e denunciados. 6 - Provas que, por força do in dubio pro societate, devem permanecer nos autos para a devida apreciação do juízo cognoscitivo penal (livre convencimento). Prosseguimento da persecução penal. 7 - Ordem de habeas corpus denegada.

 

(TRF-5 - HC: 431552320134050000  , Relator: Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira, Data de Julgamento: 26/11/2013, Quarta Turma, Data de Publicação: 28/11/2013)

CONCLUSÃO

             

Todas as pessoas que se sujeitam a soberania do Estado devem obrigatoriamente se sujeitar também ao pagamento de tributos ao fisco sempre que ficar caracterizado o fato gerador.

Como já foi dito, a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional protegem o sigilo fiscal e a quebra desde, de forma administrativa e fora das exceções prevista em lei é irregular.

A quebra do sigilo deve ser precedida de um procedimento judicial onde haverá uma requisição fundamentada do Juiz. Acontece que a maioria dos casos de quebra do sigilo fiscal pelo fisco ocorre de forma ilegal, o que pode culminar na anulação do feito, caso constatada a irregularidade da fiscalização por parte do ente público

BIBLIOGRAFIA

 

1. JARDIM, Eduardo M. F. Manual de Direito Financeiro e tributário. 8. ed.

São Paulo: Saraiva, 2007.

2. LUÍS FILIPE BETTENCOURT. Disponível em (http://criticanarede.com/teoriacontratualista.html). Acesso em 01/06/2014.

3. _______. Disponível em (http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=426). Acesso em 03/06/2014.

 

 

Elaborado em junho/2014

 

Como citar o texto:

CRUZ, Lucas Coelho..Quebra Do Sigilo Fiscal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 22, nº 1170. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-tributario/3103/quebra-sigilo-fiscal. Acesso em 9 jun. 2014.

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