Resumo: O Sistema de Solução de Controvérsias visa a integração econômica e a ordem jurídica do bloco Mercosul. A integração vem sendo objetivada desde o Tratado de Assunção, ao Protocolo de Olivos. Vários caminhos foram criados, buscando tal fim. Na vigência do Protocolo de Brasília, criou-se o Tribunal Arbitral Ad Hoc. O Tribunal Arbitral Ad Hoc, passou a emitir laudos sobre as lides a ele apresentadas. Os laudos não são obrigatórios, tampouco vinculantes. Do mesmo modo não criam jurisprudência. Com o Protocolo de Olivos institui-se o Tribunal Permanente de Revisão. Este inova como instância recursal, e a emissão de opiniões consultivas. Inicia-se, assim, a consolidação dos entendimentos do bloco. As opiniões consultivas se mostram como o meio fundamental para a integração. Necessário para serem solicitas as opiniões consultivas, é o juízo de admissibilidade da Suprema Corte Nacional. Percebe-se que a dependência de admissibilidade interna, em especial a do Brasil junto ao Supremo Tribunal Federal, torna o processo excessivamente moroso. Verifica-se que o envio, da solicitação consultiva, diretamente ao Tribunal Permanente de Revisão, seria o meio mais eficaz. E, ao fim, denota-se que, ao combater a morosidade, permitindo acesso direto dos magistrados ao Tribunal Permanente de Revisão, se evitariam desavenças diplomáticas e prejuízos financeiros.

Palavras-chave: Integração, MERCOSUL, Opinião Consultiva, Solução de Controvérsias.

ABSTRACT: The Dispute Settlement System, aims the integration a economic and legal order of the MERCOSUR. The integration is the objective since the Treaty of Asuncion, to the Protocol of Olivos. Several paths were created, seeking that end. With the Brasilia Protocol, has been created the Ad Hoc Arbitration Court. The Ad Hoc Arbitration Court, has initiated issuing reports on the labors submitted to it. The reports would not be obligatory, nor binding. Similarly would not create law. With the Olivos Protocol instituted the Permanent Review Tribunal. The Permanent Review Tribunal innovated with a court of appeals, and the issuance of advisory opinions. Began the consolidation the understandings of the block. Advisory opinions appear as the fundamental means for integration. Necessary to be able to make a  request of opinion, is a judgment of the admissibility of the Supreme Court National. It can be seen that the dependence of internal admissibility, especially in Brazil, from the Supreme Court, makes the process slowness. Realize that with the sending direct to the Permanent Review Tribunal, the advisory request, would be the most effective. And at the end, it is denoted that the combat against the slowness, allowing direct access to the magistrates to the Permanent Review Tribunal, would be avoided diplomatic disagreements and financial losses.

kEYWORDS: Integration, MERCOSUL, Disputes Settlement, Advisory Opinion.

1 INTRODUÇÃO

Com o advento do Mercado Comum do Sul[3], em 26 de março de 1991, por meio do Tratado de Assunção[4], objetivando satisfazer as necessidades econômicas do quarteto que originariamente o compunha, República do Paraguai, República Argentina, República Oriental do Uruguai e República Federativa do Brasil (atualmente integra o bloco a Venezuela)[5], e tendo por apoio, o fato de que cada Estado-parte é responsável pela execução, em casos concretos, do direito originário desta integração, alargando-se então, o leque de normas mercosulinas, surge a necessidade de comunhão dos entendimentos, buscando assim unificar a aplicação das normas junto aos Estados que integram o bloco, exigindo adaptações na ordem jurídica interna dos Estados, bem como no campo da cooperação processual civil interjurisdicional e internacional[6].

Ante a necessidade de integração, buscando a solução em meio às controvérsias surgidas pelas diversas interpretações normativas suscitadas em cada Estado-parte, criou-se pelo Protocolo de Olivos (2002), em aperfeiçoamento ao sistema instituído pelo Protocolo de Brasília (1991), o Tribunal Permanente de Revisão, que anseia estabilizar e homogeneizar as decisões proferidas sobre o sistema[7], fortalecendo assim o acordo de integração.

Superada a necessidade da criação de um novo Tribunal, de outro norte, se encontra carente a atuação dos magistrados nacionais a cooperarem com o sistema integracionista, que agora encontram meios para saírem de entre os espectadores e atuarem diretamente junto ao órgão criado, contribuindo unidos ao fim almejado. 

Encontra-se então, por meio da possibilidade de ação conjunta, ao se autorizar, pelo Protocolo de Olivos, a realização de solicitações de opiniões consultivas[8], a chance de enfim rumar a uma aliança de interpretações, sendo esta o resultado dos estudos do Tribunal Permanente de Revisão, divulgando então, a visão unitária do bloco Mercosul, a todos os Estados membros.

Assim se torna relevante abordar o tema, vez que, as opiniões consultivas, podem ser a chave para se alcançar os objetivos firmados inicialmente com o Tratado de Assunção (1991), e, uma vez que as normas regulamentadoras, que ensejam as solicitações de opiniões ao Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul, foram aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil (em 03 de abril de 2012), cabe agora aos legitimados explorarem tais consultas, privilegiando as respostas obtidas, aplicando-as em suas sentenças, fazendo assim sua parte junto a almejada harmonização.

Explorar-se-á então, a real contribuição do Tribunal Permanente de Revisão para o processo de integração, caminhando inicialmente pelos sistemas adotados para a solução de controvérsias, do revogado Protocolo de Brasília ao atual Protocolo de Olivos, partindo por sua sistemática processual, até chegar, em um segundo momento, aos laudos arbitrais, decisões e opiniões consultivas propriamente ditas, vislumbra-se assim: a que ponto a integração pode se dar através destas ferramentas; quanto o Tribunal Permanente colaborou; se o Judiciário nacional vem as utilizando e, ainda; se o meio processual estipulado é o mais eficaz e esperado.

2 O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NO ÂMBITO DO MERCOSUL

Notório se faz que os Estados integrantes de tratados internacionais, nos quais objetiva-se o desenvolvimento comercial, ou o fortalecimento de blocos regionais, devem respeitar as normativas apresentadas, sendo indispensáveis mecanismos para que tais normas sejam realmente observadas[9].

Um sistema de solução de controvérsias provém de um conjunto de aspectos, tais como o alcance do sistema, sua função, onde, quando e em quais esferas serão aplicados, dependendo diretamente do grau de integração alcançado pelo bloco[10].

O mecanismo de solução de controvérsias adotada pelo Mercado Comum do Sul tem, diante da desigualdade socioeconômica encontrada entre os países integrantes, onde principalmente Brasil e Argentina se destacam como detentores de melhores e numerosos recursos, contribuído positivamente com o ideal integracionista, utilizando da normativa diplomada para sobrepesar tais diferenças[11].

Inicialmente, os procedimentos e regras de solução de conflitos foram regulados pelo Protocolo de Brasília, em 1991 e, mais recentemente, pelo Protocolo de Olivos, em 2002, os quais serão, no presente capítulo, criteriosamente especificados, explorando-se os pontos em que competem a atuação dos Tribunais e o momento do surgimento da participação dos magistrados nacionais.

2.1Na vigência do Protocolo de Brasília (1991)

O Tratado de Assunção, em sua origem, previa a criação de um grupo de trabalho para o planejamento eficaz de um sistema de solução de controvérsia[12], neste esteio, em dezembro de 1991, fora firmado o Protocolo de Brasília[13] para Solução de Controvérsias[14].

Referia-se o anexo III do citado Tratado, sobre o prazo fixo de 180 (cento e oitenta) dias, da entrada em vigor do Tratado, para a apresentação do sistema de solução de controvérsias, o que ocorreu antes mesmo de se exaurir o prazo fixado, em outubro de 1991, em reunião realizada pelo Grupo do Mercado Comum[15], regrando a criação do Grupo Ad Hoc[16], que elaboraria o cobiçado projeto[17].

O Protocolo de 1991 tinha caráter provisório, deveria ser substituído quando o Mercosul[18] estivesse maduro, atingindo o legítimo status de Mercado Comum[19], nesta passagem vigoraria um sistema amparado em diretrizes costumeiras de arbitragem entre Estados, atuando objetivamente sobre controvérsias de interpretação, aplicação, ou no inadimplemento das disposições previstas nos compromissos internacionais, assim como sobre normas provindas de seus órgãos, decisões, resoluções e diretrizes emanadas pelo Conselho do Mercado Comum[20]-[21].

Destaca-se que o sistema de solução de litígios iniciou-se de forma flexível, célere e obrigatório, e como qualquer ordenamento jurídico, passível de lacunas, sendo que ao se confrontar tal obstáculo, cabia ao julgador solucioná-los, amparando-se no sistema jurídico de integração e nas normativas internacionais[22].   

Por meio do Protocolo de Brasília, criaram-se 03 (três) procedimentos extrajudiciais que visavam solucionar a lide[23], sendo os 02 (dois) primeiros de caráter intergovernamental: a negociação, presente em seu Capitulo II[24]; a conciliação, encontrada no Capítulo III[25]; e o procedimento derradeiro, o meio arbitral, que traria uma decisão emanada por terceiros[26].

Criou-se assim, um sistema de solução tripartido, onde consistia a primeira parte em uma fase política obrigatória, através da qual os Estados negociavam diretamente entre si, e, na fase seguinte, na impossibilidade de anterior acordo, haveria a interferência do Grupo do Mercado Comum, que surgia neste ponto como órgão conciliador e, considerando ainda esta fase igualmente vencida, sem solução, constituía-se um Tribunal Arbitral Ad Hoc, responsável por proferir um laudo decisório definitivo[27].   

Assim, resume-se o “modus operandi”[28] do Sistema de Solução de Controvérsias durante a vigência do Protocolo de Brasília: inaugurava-se com negociações diretas entre as partes, acompanhados pelo Grupo do Mercado Comum, tendo 15 (quinze) dias de limite para chegarem a um censo comum; findo o prazo, cabia ao Grupo do Mercado Comum emitir, em 30 (trinta) dias, recomendações visando solucionar o conflito; se estas não fossem acatadas, ou na impossibilidade de atingir um consenso sobre as mesmas, passava-se ao procedimento arbitral encontrado no Capítulo IV[29]-[30].

O Tribunal Arbitral Ad Hoc, seria composto por 03 (três) árbitros, que decidiriam emitindo um laudo, confeccionado de acordo com o expresso no artigo 19[31], do Protocolo de Brasília[32]. O Tribunal Arbitral Ad Hoc, caracterizava-se pelo método consensual na tomada de decisões, pela inexistência de efetiva coercibilidade das mesmas, e pela falta de um mecanismo jurídico que garantia a aplicabilidade das normas produzidas por seus organismos, nos ordenamentos jurídicos dos Estados-partes[33], ficando a deliberação destes, aplicar ou não o decidido pelo Tribunal, sem uma força maior a motivar tal decisão.

Percebe-se que, de certo modo as partes podiam defender seus interesses, sendo livres para indicar árbitros, bem como sugerir meios para a solução objetivada.

Expresso no artigo 15[34], do protocolo em foco, encontrava-se que o Tribunal Arbitral poderia criar suas regras de procedimento, desde que assegurasse a oportunidade de manifestação para os envolvidos[35]. A instauração da arbitragem dependia da solicitação advinda de um dos Estados conflitantes, junto a Secretária Administrativa[36] do Mercosul, onde caberia a esta informar ao outro Estado-parte sobre a solicitação, conduzindo o procedimento arbitral, do modo que segue organizado: constituir-se-ia o tribunal por 03 (três) árbitros, cabendo a cada parte envolvida, no prazo de 15 (quinze) dias, indicar 01 (um) árbitro para tal feito, devendo o terceiro árbitro ser de nacionalidade não relacionada ao conflito, escolhido pelas partes, ou sorteado em lista organizada pelo Grupo do Comércio Comum; fixar-se-ia a sede do tribunal; observando-se o contraditório[37] e a produção de provas; se decidia por maioria de votos; e seria expedido o  laudo inapelável, que deveria ser cumprido de imediato ou em prazo fixado no mesmo; poderia ser solicitado esclarecimento sobre a decisão ou sobre sua aplicação, e, por fim, lavravam-se as decisões nos idiomas espanhol e português[38].

O artigo 3º, do Anexo III, do Tratado de Assunção[39], apontava a data de 31 de dezembro de 1994, como o ponto de criação de um sistema permanente para solução de controvérsias, prevendo uma reunião, que configuraria a instituição deste. De tal ato resultou o Protocolo de Ouro Preto[40], o qual surgiu como perpetuação ao Protocolo de Brasília[41].

A inovação proporcionada por este novo dispositivo foi a possibilidade de serem apresentadas as reclamações à Comissão de Comércio[42] do Mercosul, a qual chegaria, de forma consensual, a uma solução para o caso, e se para isso fosse necessário, poderia fazer uso de auxílio técnico[43].

Ressalta-se que o marco entre o Protocolo de Brasília e o Protocolo de Ouro Preto, se fez presente em sua fase diplomática. Apresentavam-se como competentes para tal fim, tanto o Grupo do Mercado Comum, como a Comissão do Comércio do Mercosul, direcionando a lide para um ou outro destes órgãos com a mesma valia[44], terminantemente mantendo a missão de julgar a controvérsia ao Tribunal Arbitral Ad Hoc[45].

De relevância o fato que, mesmo se utilizando do mecanismo de consulta apresentado pelo Protocolo de Ouro Preto, ao estado solicitante não seria negado utilizar os meios apresentados pelo Protocolo de Brasília[46].

Encontra-se ainda que, tal sistema de solução, direcionava-se igualmente aos particulares, que procederiam formalizando suas reclamações junto a Seção Nacional[47] do Grupo do Mercado Comum do Estado onde reside, e, decidindo esta por patrocinar a reclamação, levaria o caso a exame junto ao Grupo do Mercado Comum. Tal opção se dava vez que, existindo regra internalizada, derivada dos órgãos com poder normativo junto ao Mercosul, ainda que não destinada aos particulares, mas que de certa forma os sujeitasse, estes se tornavam legitimados para, em nome da ordem jurídica, pleitear seu afastamento[48].

Percebe-se que usualmente as divergências entre particulares, ou entre particular e Estado, se resolviam pela jurisdição nacional, ou pela via arbitral, arduamente utilizando-se do sistema acima apresentado. Sendo certo que o particular poderia apresentar sua reclamação perante a Seção Nacional, do Estado de seu domicílio, e concordando tal órgão com sua reclamação, este não participaria diretamente dos procedimentos subsequentes, não garantindo então, de forma efetiva, a tutela de seus direitos[49].

Por fim, apresentava-se a possibilidade de os Estados litigantes, julgarem o Tribunal Arbitral Ad Hoc incompetente diante de questões que, aparentemente, não contemplassem os tratados do Mercosul, encontrando então, na figura arbitral, a autonomina necessária para a tomada de decisões, devendo considerar para tal fim, sequencialmente o disposto no Tratado de Assunção, os acordos celebrados sob este, as decisões do Conselho do Mercado Comum, as resoluções do Grupo do Mercado Comum, e as diretrizes da Comissão do Comércio do Mercosul, admitindo-se, caso houvesse concordância entre as partes, o uso da equidade[50] por parte arbitral[51].

Percebe-se dentro da sistemática apresentada a falta de uma instância recursal, sendo tal necessidade entendida e suprida durante a vigência do Protocolo de Olivos, o qual tem seus procedimentos a seguir detalhados.

2.2 Na vigência do Protocolo de Olivos (2002)

Em Buenos Aires, Argentina, no dia 18 de fevereiro de 2002, realizou-se uma reunião extraordinária do Conselho do Mercado Comum, na qual fora conhecida a nova proposta do sistema de solução de controvérsias[52].

Este protocolo veio fundado no anseio de se encontrarem garantias jurídicas, de cunho fundamental, para serem vistos preservados o exercício dos direitos e o cumprimento das obrigações pelos entes participantes[53].

O novo instrumento apresentou um sistema processualmente esmiuçado, trazendo, agora, um Tribunal Permanente de Revisão, competente para se manifestar sobre controvérsias trazidas pelas partes, recebendo e emitindo pareceres interpretativos, sobre as normas que visam à integração do bloco[54].

Mesmo revogando o Protocolo de Brasília, o de Olivos manteve-se transitório, não adotando um sistema permanente de solução de controvérsias, conforme previsto originariamente no Tratado de Assunção, condicionando tal feito ao momento da definitiva convergência de uma Tarifa Externa Comum[55] para o Mercosul. O sistema agora apresentado, não extingue o mecanismo de solução existente no âmbito da Comissão do Comércio do Mercosul, externado pelo Protocolo de Outro Preto[56], apresentando-se, assim, como um sistema híbrido[57].

O Protocolo agora inova nos seguintes pontos: cria um Tribunal Permanente de Revisão; regula mecanismos de medidas compensatórias; cria normas procedimentais; torna opcional a intervenção do ente conciliador, e, possibilita a eleição de foro[58], autorizando também que os órgãos com capacidade decisória e os Tribunais Superiores dos Estados-partes, com jurisdição nacional, possam solicitar opiniões sobre o direito de integração[59].

Dentre tantas, destaca-se o Tribunal Permanente de Revisão, que surge como instância recursal em face dos laudos emitidos pelos Tribunais Arbitrais Ad Hoc, podendo enxergar de maneira diferente sobre a matéria[60], empreendendo então, força de coisa julgada.

Já a intervenção do Grupo do Mercado Comum e da Comissão do Comércio do Mercosul, nesta nova fase de integração poderá ser suprimida, optando as partes por recorrerem diretamente ao Tribunal Arbitral Ad Hoc, sem a opinião daquele órgão[61].

Apesar das mudanças expostas, grande parte da estrutura foi mantida. Preservou-se a legitimidade para acionar o sistema de solução, tanto aos Estados membros, quanto aos particulares, os quais ainda dependentes dos governos nacionais, bem como mantendo-se as resoluções de controvérsias operadas por negociações  e arbitragem[62].

O Protocolo de Olivos apresenta ao Sistema de Solução de Controvérsia do Mercosul, a alternativa do conflito ser levado a mecanismos diversos de solução de disputas, autorizando tal ato quando há competência concorrente entre o sistema do bloco e outro[63], exemplo este que ocorre entre o Mercosul e a Organização Mundial do Comércio[64], ou ainda com esquemas preferenciais de comércio, a que pertençam individualmente os Estados-partes, sendo esta opção exclusivamente de interesse do Estado demandante, prejudicando assim o foro do Mercosul[65].

Escolhendo a parte por este meio, ressalta-se a impossibilidade de se recorrer a outro foro[66]. O impedimento, ou prevenção do juízo, assim que escolhido e iniciados os procedimentos, apresenta-se como medida incisiva, evitando soluções divergentes, provenientes de diferentes órgãos, o que colocaria o sistema adotado pelo Mercosul em risco, visando garantir assim o respeito à coisa julgada[67].

As fases procedimentais propriamente ditas, apresentadas pelo Protocolo de 2002 são: negociação direta; conciliação facultativa; arbitragem Ad Hoc; recurso ao Tribunal Permanente de Revisão; medidas compensatórias e o sistema de consultas[68].

Fica claro, então, o sistema híbrido de solução de controvérsias adotado, trazendo simultaneamente uma fase diplomática, obrigatória; uma fase intergovernamental, onde figura o Grupo do Mercado Comum e a Comissão do Comércio do Mercosul, opcional; e a fase arbitral[69].

Destaca-se que as reclamações podem ser tanto submetidas ao Tribunal Arbitral Ad Hoc, como, em caso de decisão conjunta entre os litigantes, serem diretamente submetidas ao Tribunal Permanente de Revisão, que atuará com as mesmas competências de um Tribunal Arbitral Ad Hoc, sendo, neste caso, os laudos obrigatórios, não estando sujeitos a recursos de revisão, e tendo força de coisa julgada[70]. Observa-se então que o envio ao Tribunal Arbitral ou ao Tribunal Permanente é fase obrigatória[71].

Uma vez apresentada a controvérsia, e recebida a inicial, o Tribunal, presentes os indícios de direito da parte, poderá conceder medidas provisórias, resguardando o direito em foco, podendo ser tais medidas revogadas a qualquer tempo, a livre arbítrio do órgão concedente, mas não o sendo até o envio do recurso ao Tribunal de Revisão, deverá aguardar a primeira reunião deste órgão, não cabendo revogação antes de tal feito[72].

Quanto ao Tribunal Permanente de Revisão de Solução de Controvérsias, este visa fortalecer a estrutura institucional do Mercado Comum do Sul, contribuindo para a aplicação uniforme das normas do bloco[73], sua função recursal poderá ser explorada por qualquer das partes na controvérsia, devendo ser acionada no prazo máximo de 15 (quinze) dias, contados da notificação[74].

O recurso versará somente sobre as questões de direito tratadas em primeira instância[75], e as interpretações jurídicas da causa, proferidas pelos árbitros, sendo incabível recurso quando o laudo arbitral fundar-se exclusivamente no princípio “ex aequo et bono”[76]-[77]. Dos laudos de ambos os tribunais caberão os recursos de esclarecimento, visando aclarar a decisão sobre pontos obscuros, ou explicações insuficientes[78].

Em relação ao acesso dos particulares, o Protocolo de Olivos manteve o expresso pelo Protocolo de Brasília, reinando a impossibilidade destes apresentarem de forma autônoma suas demandas, continuando a mercê da tutela de seu Estado[79].

Outro ponto positivo a se destacar é a possibilidade da solicitação de opinião consultiva[80], o que não existia no bojo do Tratado de Assunção, no Protocolo de Brasília e no Protocolo de Ouro Preto[81].

Tal dispositivo apresenta os seguintes legitimados: todos os Estados-partes do Mercosul, os órgãos decisórios do bloco, e os Tribunais Superiores dos Estados-partes com jurisdição nacional. Permitindo-se deste feito, prevalecer a segurança jurídica e a boa aplicação normativa, ante a uniformização das opiniões, agora emitidas por órgão competente da própria organização do grupo[82].

Apesar das favoráveis inovações apresentadas, o Protocolo de Olivos é alvo de críticas, tecidas a respeito da via arbitral, a qual permanecendo como meio central para a solução de controvérsias, seria incompatível com a possibilidade recursal, pois estes relativizarião a confiança depositada nos árbitros. Outro ponto, igualmente atacado, é a possibilidade de escolha do foro, vez que esta alternativa não consagraria no sistema solução de controvérsias, a primazia do foro regional, ora, a jurisdição deve ser a base de todo o sistema, mas com a alternativa de sua eleição, tal possibilidade mostrou-se incompatível com a organização  integracionista[83].

Eis que surge nesta fase, com grande destaque, as opiniões consultivas, as quais podem ser vistas como o principal caminho, uma vez sendo utilizadas como ferramenta eficaz nas mãos dos magistrados nacionais, para se chegar a esperada integração.

3 AS DECISÕES TOMADAS NO ÂMBITO DO SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS E A SUA FORÇA NORMATIVA

Após analisarem-se criteriosamente as etapas apresentadas pelos Protocolos de Brasília, Ouro Preto e Olivos, os quais orientam o bloco Mercosul, passa-se então a sopesar as decisões advindas de cada sistema, sua importância junto aos Estados-partes, e o respeito a estas devotado.

Primeiramente serão abordados os laudos do Tribunal Arbitral Ad Hoc, os quais inapeláveis e obrigatórios, que, obstante não contarem com força coercitiva para sua imposição, sempre foram respeitosamente cumpridos pelos Estados[84].

Em ato contínuo se vislumbrará a força decisória do Tribunal Permanente de Revisão, em que cabe a reanálise a este confiada, e a utilização de sua ferramenta central, as opiniões consultivas, para ser atingido o objetivo central do bloco, expondo-se o que é necessário para que sejam devidamente utilizadas, e merecer tal destaque junto ao sistema integracionista.

3.1 Os laudos arbitrais dos Tribunais Ad Hoc

Conforme anteriormente explanado, o Protocolo de Brasília previa três fases, sendo tais: a negociação direta entre as partes; a intervenção do Grupo do Mercado Comum; e, por última instância, o Tribunal Arbitral Ad Hoc[85].

Os laudos, que na última fase eram proferidos, traziam estampado o cuidado em resguardar os interesses dos Estados-partes, sendo nítido com tal precaução o interesse na consolidação e desenvolvimento do bloco, buscando com as decisões aplicar as suas normas, de modo a integrar as partes a sistemática do Mercosul[86].

No mesmo sentido, visível se tornava o posicionamento do Tribunal Arbitral quanto à solução de controvérsias, amparando-se nos princípios do direito público internacional, protegendo assim o objetivo primordial do Mercosul, sendo este a instituição de um mercado comum[87].

Ante o comprometimento do Tribunal Arbitral, encontram-se laudos que trazem soluções rápidas às lides, apresentando os fundamentos e a clareza esperada, seguindo um padrão de interpretação e de aplicação dos princípios gerais, como por exemplo, o da boa fé, o da compatibilidade das normas internas com os objetivos da integração, dentre outros, o que levou ao não questionamento quanto da eficácia de tal mecanismo[88], mostrando-se tais decisões respeitadas e cumpridas pela parte vencida[89].

Pelos motivos expostos, o Protocolo de Olivos, manteve a essência do procedimento arbitral, trazida pelo Protocolo de Brasília, mas agora apresentou a possibilidade de unificação de representação, em hipóteses onde dois ou mais Estados sustentassem a mesma posição frente a controvérsia, sendo que ai caberia a ambos, conjuntamente, a escolha do arbitro a representá-los[90].

O Tribunal Arbitral Ad Hoc sempre decide pela maioria, amparando-se além dos já mencionados princípios, também nas disposições do Tratado de Assunção e seus acordos; nas decisões do Conselho do Mercado Comum e suas resoluções, podendo ainda as partes da controvérsia consentir em uma decisão “ex aequo et bono”[91]-[92], no qual o Tribunal utilizará da equidade para chegar a uma decisão condizente.

De importância destacar que a aplicação deste instrumento jurídico fora utilizado quatro vezes entre Brasil e Argentina para solucionar seus conflitos antes que outro país do bloco a ele tivesse acesso. Isso revela uma diferença interna do Mercosul, eis que, somente quando acionado pela quinta vez, este mecanismo fora  utilizado por país diverso, sendo este o Uruguai e, mais adiante, já no oitavo laudo, o Paraguai[93] acabou por servir-se de citado instrumento. Deste modo, percebe-se mais uma vez instalada a diferença socioeconômica entre os integrantes do grupo, anteriormente apresentada, haja vista que coube aos dois membros poderosos utilizarem-se primeiramente do dispositivo, para que timidamente os mais frágeis tivessem a possibilidade de acesso.

Ao se analisar as características dos laudos arbitrais, encontram-se nestes as características de sentenças internacionais, sendo que para surtirem efeito junto ao Estado-parte, necessário se faz que este aceite a jurisdição internacional que envia a sentença, possibilitando assim sua execução. Destarte, o Estado deve aceitar a jurisdição do Tribunal de que emanou o laudo arbitral[94].

Com foco na aplicação dos laudos, percebe-se que, apesar da orientação advinda, desde o Protocolo de Ouro Preto, de serem obrigatórias as decisões emanadas dos órgãos do bloco, isto não se da automaticamente, vez que tal feito foi reprovado durante o período de transição do grupo, ficando a aplicação destes a mercê do plano interno dos Estados membros, dependendo de mecanismos próprios dos ordenamentos jurídicos nacionais e da legislação de cada ente[95].

Os laudos, pelos Tribunais Arbitrais Ad Hoc gerados[96], são inapeláveis, tendo força de coisa julgada a partir de sua respectiva notificação, devendo ser cumpridos imediatamente, a menos que o Tribunal prolate de forma diversa, obrigando assim, juridicamente o Estado que se submete à arbitragem[97].

Quanto à elaboração dos laudos, o Tribunal Arbitral Ad Hoc, de posse dos dados necessários para a decisão, se pronunciará no prazo de 02 (dois) meses após a designação de seu presidente, podendo tal prazo ser prorrogado por mais 30 (trinta) dias, e tal decisão, o Estado vencido deve acatar imediatamente, ou no prazo pelo laudo fixado. A decisão se dará por maioria, a votação será confidencial e os votos dissidentes não poderão ser fundamentados[98].

Observa-se ainda que, dentro de 15 (quinze) dias, o Estado-parte pode solicitar esclarecimentos sobre o laudo, ou ainda interpretações de como deve cumpri-lo, tendo o Tribunal Arbitral, iguais 15 (quinze) dias para manifestar-se, podendo, se entender preciso, suspender o laudo até que se elucide a dúvida apresentada[99], ressalta-se que ao contrário do que se pode imaginar, tal meio de esclarecimento, que frequentemente é utilizado, não se encontra viciado pela procrastinação[100].

Ante o descumprimento do laudo arbitral, é facultado ao Estado-parte adotar medidas compensatórias temporais, visando vê-lo efetivado, sintetizando tais medidas em suspensões de concessões ou outras medidas equivalentes[101], as quais sopesariam os danos econômicos e institucionais encontrados pelo Estado favorecido[102]. Tendo por exemplo, as medidas adotadas pelo Uruguai contra a Argentina, face ao descumprimento do laudo número 01/2005[103], onde fixou uma taxa de 16% sobre a importação de pneumáticos advindos deste último[104].

Tais medidas compensatórias são vistas de maneira duvidosa, levando-se em compensação a diferença econômica entre os países integrantes do bloco[105].

Exceção à eficácia e obrigatoriedade dos laudos arbitrais, encontra-se quando: o Tribunal ou um de seus árbitros exceder suas prerrogativas; a sentença for prolatada por meio de fraude  arbitral; a sentença for pronunciada por árbitro em situação de incapacidade ou quando uma das partes tiver cerceado algum dos princípios fundamentais do processo[106], ocorrendo nestes casos, a anulação do laudo, o qual será submetido ao Tribunal Permanente de Revisão[107].

Depois de demonstradas a funcionalidade e a força dos laudos arbitrais, necessário se faz demonstrar sua aplicação em casos concretos, para isto apresentam-se alguns dos laudos arbitrais por este Tribunal emitido[108].

O laudo inicial, de abril de 1999, envolvendo o Brasil e a Argentina, discutia a compatibilidade do regime brasileiro de licenças para importação, com o conjunto normativo do Mercosul, referindo-se objetivamente as licenças automáticas e não automáticas de importação, as quais estariam dificultando a importação de produtos argentinos, como farinha de trigo, parafina, e alguns produtos lácteos.  O Tribunal Arbitral Ad Hoc, comungou pelo entendimento apresentado pela Argentina, firmando que as normas do bloco, devem atender os fins de integração, mesmo não se tratando de normas supranacionais[109]-[110].

Tal entendimento fundou princípio junto ao sistema de integração, esclarecendo que, os litígios no bloco surgidos, deveriam ser interpretados teleologicamente[111], sendo esta a contribuição especial deste primeiro laudo, o qual de início serviria apenas as partes envolvidas, mas por fim criou princípio ao sistema de integração[112].

Agora, em análise ao laudo emitido junto ao terceiro Tribunal Arbitral Ad Hoc, formado em março do ano 2000, percebe-se o reforço à importância da interpretação teleológica, como princípio do bloco. Desta vez o Brasil acionou o Tribunal, reclamando contra medidas de salvaguarda[113], sobre a importação de produtos têxteis brasileiros, adotadas pela República Argentina, a qual, em justificativa as medidas adotadas, alegava não haver norma no Mercosul, versando sobre o tema[114].

Vindo assim, o Tribunal ali designado, decidir que se deve interpretar as normas do bloco, de acordo com a finalidade integracionista, e que o livre comércio se aplica a todos os membros do grupo, não cabendo salvaguardas unilaterais, mas apenas as advindas de acordos entre os Estados-partes, devendo então, a Argentina revogar tal medida em favor do Brasil[115].

Apesar da eficácia, da rapidez, da acessibilidade e aceitação dos laudos arbitrais, percebe-se que estes julgados não formam jurisprudência, mesmo com a existência de princípios e alguns entendimentos consolidados, uma vez que as decisões são tomadas por Tribunais Arbitrais Ah Hoc, formados para casos específicos e decididos de maneiras diversas[116], motivo que levou à criação do Tribunal Permanente de Revisão, que traria maior unicidade as decisões.

3.2 As decisões e as opiniões consultivas do Tribunal Permanente de Revisão do MERCOSUL

Em 16 de agosto de 2002, na cidade de Assunção, Paraguai, através do Protocolo de Olivos, que revoga o anterior Protocolo de Brasília, criou-se o Tribunal Permanente de Revisão, sendo este acionado ao surgimento de casos concretos, reunindo-se assim seus árbitros nesta cidade que também é sua sede[117].

A criação deste novo tribunal almeja a evolução do sistema de solução de controvérsias, para que sejam corretamente interpretados e aplicados os tratados nascidos no seio do bloco econômico, e assim seja possível direcionar, com consistência em seus atos, a integração fundamentada nos tratados[118].

Deste modo, encontra-se a necessidade de intensificação da institucionalização na solução de controvérsias do Mercosul, viabilizando a uniformização nas decisões proferidas quanto às normas do bloco[119].

O Tribunal Permanente de Revisão é incumbido das seguintes funções: solucionar controvérsias entre os Estados; apreciar recursos de revisão; decidir sobre medidas excepcionais e de urgência e receber opiniões consultivas[120].

Assim, os laudos do Tribunal Arbitral Ad Hoc, serão dispensados quando as partes, por espontaneidade, decidirem recorrer diretamente ao Tribunal Permanente de Revisão[121], tendo este então as mesmas competências daquele, aplicando-se o que se encontra no Protocolo vigente, cabendo ainda a este órgão, em fase recursal, confirmar, modificar e revogar os fundamentos jurídicos e as decisões do Tribunal Arbitral Ad Hoc[122].

Incumbe-se ao Tribunal Permanente de Revisão alcançar maior homogeneidade nas decisões do bloco, destarte, tendo o Tribunal Permanente de Revisão se manifestado sobre determinado conteúdo, não será necessário novamente acioná-lo, pois, tendo decidido sobre a questão, todos os Estados-partes do Mercosul, deverão ser cientificados[123]. Ato que obviamente exigirá julgamentos complexos, aprazados, que serão contrapesados por uma maior segurança na interpretação das normas do Mercosul, e pela harmonização[124], evitando que a mesma matéria encontre aplicações divergentes pelo Tribunal Arbitral Ad Hoc.  

Desta maneira, exercendo o controle normativo interpretativo, cautelosamente uniformizando a jurisprudência, que neste ponto da integração ainda não se concretiza, mas se torna referência para as decisões posteriores[125].

Aprovada a reanálise das decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral Ad Hoc, torna-se possível a apreciação das questões de direito por juristas altamente qualificados, que corrigirão eventuais falhas interpretativas, passíveis de serem encontradas, autorizando ainda as partes litigantes recorrerem ao Tribunal, solicitando esclarecimentos de como os laudos deverão ser efetivados[126].

Os laudos, agora pelo Tribunal Permanente de Revisão confeccionados, são de força obrigatória[127], impossibilitando o Estado vencido em optar pelo seu descumprimento, ocorrendo a coisa julgada entre as partes, e sendo este Tribunal a última instância, descabidos quaisquer recursos[128].

O Tribunal Permanente de Revisão pode, de igual modo, decidir pela adoção de medidas provisórias, definindo as necessárias para evitar eventuais danos, podendo também sustá-las a qualquer tempo. Este meio deve apresentar-se proporcional ao dano demonstrado, e ser prontamente cumprido pela parte encarregada, cabendo, desta decisão, pedido de reconsideração, não existindo recurso aceitável face à denegação da medida de urgência[129].

Visando o cumprimento dos laudos, são estabelecidas garantias, como por exemplo, a obrigação de a parte inadimplente cumprir certas medidas compensatórias, que de modo algum a eximem das determinações instituídas nos laudos[130].

Tais medidas são a forma pela qual se impõe a aplicação do laudo, efetivando a decisão do sistema de solução de controvérsias. Destaca-se que as compensações não são previstas em pecúnia, mas sim em suspensões de concessões ou análogas[131].

Outra função do Tribunal aqui analisado é a consultiva, que possibilita a esse órgão funcionar como jurisdição de consultas, emitindo pronunciamentos, de caráter jurídico, a respeito de interpretação e aplicação das normas do Mercosul sobre fatos concretos, objetivando a uniformidade da aplicação destas no território que compõe o bloco[132].

O Tribunal Permanente de Revisão pode receber solicitações para se pronunciar a respeito da interpretação da normativa do bloco, aplicável a um caso concreto, feita por um órgão jurisdicional nacional.  Cabe ao Tribunal Permanente de Revisão a emissão da opinião consultiva e o julgamento da causa que deu origem a solicitação, ao órgão judiciário nacional solicitante[133], que deveria se curvar à opinião emitida, para assim, garantir a harmonização e a unificação da normativa do bloco dentro das jurisdições nacionais.

Para ser possível a solicitação das Opiniões Consultivas, necessária é a regulamentação interna pelos Estados-partes, instrumentalizando o acesso dos juízes nacionais a este procedimento[134], encontrando em tais regulamentações que  o envio ou não do pedido de interpretação é facultado ao juiz, e aos Tribunais Nacionais[135].

Quanto às Opiniões Consultivas, o Tribunal Permanente de Revisão manifestou-se positivamente sobre a possibilidade destas versarem sobre a validade das normas derivadas do bloco, frente ao direito originário[136], ou sobre normas internas dos Estados perante a norma mercosulina[137].

O Protocolo de Olivos (2002) traz como legitimados a solicitarem as Opiniões Consultivas: o Conselho do Mercado Comum; o Grupo do Mercado Comum; a Comissão do Comércio do MERCOSUL; e as Cortes Supremas de Justiça dos Estados-partes[138].

As Opiniões Consultivas serão acompanhadas de considerações formuladas pelas partes do pleito, ademais a precedência da consulta depende da admissibilidade do Tribunal Superior do Estado-parte[139]. No Brasil, com a aprovação da Emenda Regimental número 48[140], pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, a Corte Suprema regulamentou o encaminhamento das solicitações, exigindo prévio juízo de admissibilidade do pedido e da pertinência processual[141].

Tal juízo de admissibilidade se dará, conforme orientação regimental, tendo início com a solicitação de opinião consultiva, originada de processo em curso junto ao Poder Judiciário, tratando necessariamente sobre matéria de interpretação normativa do bloco[142].

Percebe-se que será legitimado para requerer o encaminhamento da solicitação, o juiz da causa, seja ele de primeiro grau ou Tribunal[143].

Mas, dentro desta sistemática, encontra-se um afastamento desnecessário no caminho a ser percorrido pela solicitação de opinião consultiva, o que torna o procedimento muito mais moroso que o esperado. Ora, o requerimento de encaminhamento será enviado ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, o qual dará início à colheita de votos, ou ainda, poderá designar sessão administrativa para analisar se o pedido é admissível[144]

Depara-se então, com um regimento que, de certo modo, dificulta a sistemática de integração, destarte, mais viável seria o envio direto pelos magistrados nacionais, ao Tribunal Permanente de Revisão, cabendo a este, da análise do feito, julgar a admissibilidade do requerido, sem as prolongas de trâmites pelo Poder Judiciário nacional.

O envio direto ao Tribunal, pelo magistrado que julga diretamente o caso, seria o elo de força no processo de integração, tendo em vista que caberá a este solicitante aplicar a vontade do Tribunal, e uma relação mais próxima facilitaria o envolvimento mútuo. Outra vantagem possível de se visualizar, é quanto a antecipação na solução dos litígios. Uma relação direta entre o Tribunal e o solicitante, pouparia o tempo despendido aguardando o acolhimento ou não pelo Supremo Tribunal Federal, assim, levando em consideração que os assuntos primordialmente discutidos pelo bloco versam sobre importações, comércio e congêneres, e que estes carecem de rápidas soluções, evitar-se-iam desgastes diplomáticos e maiores prejuízos econômicos. 

 Não obstante o regimento interno, o sistema de consultas opinativas, previsto no Protocolo de Olivos, prevê detalhadamente o caminho processual a ser cumprido pelos Estados-partes ao se depararem com a existência de controvérsias, ou interpretações que necessitem de homogeneidade.

Ante toda a legalidade, se os Estados-partes se recusarem a acompanhar o entendimento contido no parecer solicitado, este posicionamento negativo se mostrará como uma quebra do elo da confiança mútua, gerando desgastes frente à sociedade regional, indo contra os pilares do bloco, quais sejam a concessão recíproca e a confiança, podendo ocasionar consequências e dificuldades diversas ao Estado, tais quais descontentos diplomáticos, ou ainda, ter ao acionar o Tribunal Permanente de Revisão, suas chances de êxito reduzidas pelo descrédito depositado[145].

Uma vez que as opiniões consultivas não vinculam ou obrigam o Estado solicitante[146], cabe aos juízes aplicarem tal interpretação aos casos concretos encontrados, sendo uma forma de cooperação vertical entre as jurisdições nacionais e mercosulina, competindo à aceitação das opiniões o sucesso integracionista[147].

De relevância se faz essa cooperação, pois são os judiciários nacionais que levam estas normas a seus países, eis então a necessidade de pareceres coerentes, sem riscos de interpretações distintas sobre a mesma norma, sendo correto que uma controvérsia anteriormente apreciada pelo Tribunal Permanente de Revisão, quando apresentada por partes diversas, seja decidida no mesmo sentido da anteriormente elucidada[148].

Apesar de não vinculantes, as opiniões consultivas servem de instrumento para a aproximação entre os povos dos Estados-partes, propiciando um ambiente adequado ao processo de integração, sendo possível identificar, em certo grau, que estes pareceres se mostram cogentes[149].

Quanto a não vinculação, percebe-se a fragilidade do mecanismo ante a intergovernamentabilidade presente no bloco[150], de outro norte esta omissão a respeito de não serem vinculantes, não tira o valor jurídico das manifestações do Tribunal Permanente de Revisão, que permite presumir que a opinião consultiva emitida será aplicada ao caso apresentado, sendo todas as consultas tratadas de forma igualitária perante o Tribunal[151].

Em semelhança ao que acontece com os laudos do Tribunal Arbitral Ad Hoc, percebe-se que, através das opiniões consultivas, o Tribunal Permanente de Revisão vai, pouco a pouco, harmonizando o sistema de solução de controvérsias, assim encontra-se na Opinião Consultiva número 01/2008[152]. Nesta, o Tribunal Permanente de Revisão, compreendeu ser de sua competência, emitir opiniões consultivas, sobre a compatibilidade de uma norma interna, com as normas mercosulinas, devendo o Tribunal limitar-se a analisar a norma interna, exclusivamente quanto à possível colisão[153], possibilitando assim, ao emitir opiniões sobre a relação de norma interna dos Estados, com a do bloco, guiar a aplicação pelo magistrado nacional, da vontade advinda do Mercosul.

De maneira diversa a apresentada, podem as opiniões consultivas emitidas em decorrência de consulta formulada pelos Estados-partes, em ações conjuntas, ou pelos órgãos decisórios do Mercosul, serem desvinculadas de casos concretos, tendo então função de prevenir conflitos, servindo a afastarem futuros desentendimentos, evitando assim enfrentamentos jurídicos[154].

Outrora a grande relevância encontrada nas opiniões consultivas, percebe-se que o Tribunal Permanente de Revisão, até dado momento só havia emitido três opiniões neste sentido, sendo todas solicitadas pelos judiciários dos Estados-partes, dentre os quais, acredita-se que devido à recente aprovação pelo Supremo Tribunal Federal das medidas necessárias a solicitação, nenhuma foi solicitada pela República Federativa do Brasil[155].

Ante o exposto e a importância das mesmas, segue o que levou a solicitação, e a opinião emitida pelo Tribunal Permanente de Revisão ante aos fatos que até o momento lhe foram apresentados.

Na Opinião Consultiva 01/2007,  incitada pela Juíza de Primeira Instância Cível e Comercial do Primeiro Turno da Jurisdição de Assunção – Paraguai, Magistrada Maria Angélica Calvo, versando sobre a lide movida por Norte S.A. Imp. Exp., contra Laboratórios Northa Sociedade Anônima, sendo a primeira, empresa argentina e a segunda, empresa paraguaia. Neste caso a empresa argentina opôs exceção de incompetência de Juízo, aclamando a aplicação do Protocolo de Buenos Aires, afastando assim a lei paraguaia, sob a alegação de primazia do tratado do Mercosul sobre a lei nacional.[156]

Aqui discutiu-se a possibilidade de prevalência do direito do bloco sobre os ordenamentos internos dos Estados-partes, decidindo o Tribunal Permanente de Revisão, pela maioria de seus árbitros, que a natureza própria do direito de integração permitiria a prevalência das normas do Mercosul sobre a ordem jurídica nacional.

Já a Opinião Consultiva 01/2008, suscitada pela Suprema Corte de Justiça da Republica Oriental Uruguaia, pelo Juizado Letrado de Primeira Instância no Cível de Primeira Turma, questionava se as normas do bloco prevaleceriam sobre as uruguaias, as quais implantavam um tributo, chamado de “taxa consular”, que violaria o acordo mercosulino, reafirmando então os árbitros a prioridade normativa do bloco sobre o direito interno.[157]

Do mesmo modo, na Opinião Consultiva 01/2009, requerido o Tribunal Permanente de Revisão, pela Suprema Corte de Justiça Uruguaia, sobre o tema abordado na Opinião Consultiva 01/2008, agora pelo Juiz de Direito da Instância da Segunda Vara Cível, os árbitros seguiram os precedentes, confirmando a posição formada pelo bloco, enaltecendo as normas do Mercosul sobre as nacionais a partir do momento que são incorporadas no direito interno pelos Estados-partes.[158]

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando-se pormenorizadamente o sistema de solução de controvérsias no âmbito do bloco MERCOSUL e dos Protocolos de Brasília e Olivos que o regem, percebeu-se as diversas tentativas de melhor solicionar os conflitos.

Tentativas estas que passaram pelas negociações diretas, apresentadas no Tratado inicial de Assunção, pelo Tribunal Arbitral Ad Hoc, externado pelo Protocolo de Brasília  e, por fim, o Tribunal Permanente de Revisão dispositivado no Protocolo de Olivos.

Com os laudos arbitrais dos Tribunais Arbitrais Ad Hoc, já seria possível compreender a vontade do bloco, mas não seria crível chegar à cobiçada integração, pois Tribunais diferentes, apresentam entendimentos que podem até ser contraditórios, cabendo então, ao Tribunal Permanente de Revisão, através de sua função recursal, unificar os entendimentos.

É de suma importância, ao se analisar a contribuição do Tribunal Permanente de Revisão junto ao processo de integração, destacar a ferramenta da solicitação de opiniões consultivas.

Relembrando que tanto os juízes singulares, quanto os tribunais, são legitimados a solicitá-las, pois são estes que aplicam diretamente tais normas, sendo então, os Tribunais Superiores, responsáveis por centralizar as consultas, devendo, obrigatoriamente, passar por este órgão as dúvidas surgidas, que então serão encaminhadas ao Tribunal Permanente de Revisão.

Tal procedimento claramente torna o processo moroso, sendo que o envio direto ao Tribunal Permanente traria uma resposta rápida à questão prejudicial apresentada.

Apesar da expressiva importância das opiniões consultivas, estas não tem caráter vinculante, e tampouco obrigatório, o que significa que o órgão solicitante não está adstrito ao resultado da consulta, tendo esta mero caráter de esclarecimento sobre a aplicação normativa, destarte, não comprometendo a decisão a ser tomada pelo juiz.

Todo o exposto reflete a importância dos mecanismos apresentados pelo Mercosul para a solução de controvérsias, trazendo a solicitação de opiniões consultivas como eficaz instrumento para a integração, pois através destas, os juízes e demais órgãos nacionais competentes, saberão, antes de emanar suas decisões, o posicionamento unificador objetivado para o bloco.

Tendo em vista o carente detalhe das opiniões consultivas não terem caráter obrigatório, compete aos solicitadores o bom senso de segui-las, colaborando então com o sistema de integração, cabendo ainda explorarem ao máximo esta ferramenta apresentada, devendo tal faculdade ser difundida entre os operadores do direito, em especial aos da República Federativa do Brasil, observando que esta foi a última a regulamentar o acesso a tão valorosa atribuição, e, por momento, dela ainda não se utilizou.

REFERÊNCIAS

ACCIOLY, Elizabeth. MERCOSUL & União Europeia: estrutura jurídico-institucional. Curitiba: Juruá, 1999.

ALFAYA; Renata M. V.. A Sistemática para Solicitação de Opiniões Consultivas Junto ao TPR, Sua Regulamentação pelo Estado Brasileiro e a Importância de tal Sistema para o Avanço do Mercosul.

 

Como citar o texto:

GABRIELLI, Kleberson Adir; RADÜNZ, Liliam..A Contribuição Do Tribunal Permanente De Revisão Do Mercosul Para O Processo De Integração. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 22, nº 1172. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-internacional/3124/a-contribuicao-tribunal-permanente-revisao-mercosul-processo-integracao. Acesso em 17 jun. 2014.

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