Resumo:

A Defensoria Pública é órgão de importância imensurável no sistema jurídico nacional, uma vez que representa perante a justiça a parcela populacional que mais necessita de amparo, que são aqueles que não possuem renda suficiente para arcar com custas processuais, tampouco com honorários advocatícios. Desta forma fica claro que a Defensoria Pública deveria ser um dos órgãos do sistema jurídico mais bem estruturados, mas infelizmente não é o que ocorre na realidade, já que os defensores públicos se encontram em um número muito baixo de efetivos em relação ao número de comarcas, e principalmente muito desvalorizados quando comparados a outros planos de carreira como promotoria e magistratura. Porque investir tanto no estado-juiz e no estado-julgador, e tão pouco no estado-defensor? Que na verdade é o representante da parcela que mais necessita de representação e orientação.

Palavras-chave: Defensoria Pública. Escassez. Nomeação. Promotoria. Magistratura.

1 DEFENSORIA PÚBLICA E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA       

Com a evolução do sistema jurídico nacional, tornou-se cada vez mais nítida a necessidade de um amparo Estatal a população desfavorecida financeiramente, uma vez que a justiça garante direitos iguais a todos, passa a ser dever do Estado garantir o acesso de todos.

Como uma boa parcela da população do país não possui condições de arcar com custas judiciárias e honorárias de um advogado particular, ao longo dos anos foi-se mostrando necessário que o Estado tomasse uma providência em relação a isso, para que fosse assegurado o direito de defesa jurídica para a população carente, papel hoje exercido pela Defensoria Pública. O autor Francisco Vani Bemfica, trás o seguinte texto em uma de suas obras:

Como diz Artênio Zanon, em sua obra “Da assistência Jurídica Integral e Gratuita”, a melhor no gênero, mesmo no tempo de Hamurabi já se dispensava atenção aos carentes de fortuna para que também tivessem sua causa defendida[1]

Expressamente, a primeira menção a Defensoria Pública só foi constatada muitos anos após a iniciativa de Nabuco de Araújo, quando em 1975 foi promulgada a Constituição Estadual do Estado do Rio de Janeiro[2], onde foi mencionado a respeito da Defensoria em âmbito estadual apenas. Em âmbito federal, o órgão público com dever de representar os pobres perante a justiça só foi mencionado alguns anos depois, na carta magna, sendo Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[3].

Embora a Defensoria tenha sido expressamente mencionada apenas em 1975, existem resquícios anteriores do serviço de assistência judiciária gratuita. Em 1870 o até então Presidente do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, Nabuco de Araújo, deu o primeiro passo em defesa a justiça para com os pobres, decidindo então que seriam nomeados anualmente 10 advogados para defesa da população carente diante dos tribunais cíveis e criminais[4].

Em 1935, o Estado de São Paulo criou um serviço de assistência judiciária, cujo nome era Departamento de Assistência Social, por meio do Decreto Estadual 7.078[5], que a subordina a imprensa Oficial do Estado, o Departamento de Administração Municipal, o Departamento Estadual do Trabalho e a Procuradoria de Terra à Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, que passará a denominar-se Secretaria de Estado da Justiça e Negócios do Interior, e dá outras providências, regulamentado pela Lei Estadual 2.497, de [6] de 1935, que dispõe sobre a organização do Departamento de Assistência Social do Estado de São Paulo, organizando o serviço de assistência judiciária do Estado de São Paulo, embora tendo dado este grande passo, o Estado só organizou a Defensoria Pública em 2006, por meio da Lei Complementar 988, de 09 de janeiro de 2006[7], que dispõe sobre a organização da Defensoria Pública do Estado, institui o regime jurídico da carreira do Defensor Público do Estado.

 Os primeiros cargos com denominação de Defensor Público, surgiram em 1954 no Estado do Rio de Janeiro, por meio da Lei 2.188/1954, até então os defensores do estado eram vinculados a Procuradoria Geral do Estado. O artigo 1º da Lei nº 3.434, de 20 de julho de 1958[8], que dispõe sobre o código do Ministério Público do Distrito Federal, e dá outras providências, incluiu o Defensor público como órgão do Ministério Público do Distrito Federal.

No passar dos anos vários outros estados foram criando suas próprias formas de prestar assistência judiciária, e a ideia de um órgão específico para esta função foi se tornando cada vez mais forte e necessária, até que em 1975, como dito anteriormente, o Estado do Rio de janeiro deu um enorme passo para a evolução do sistema de assistência judiciária, reconhecendo a assistência como órgão do Estado em sua Constituição Estadual, onde um capítulo denominado “Assistência Judiciária” ficou determinado que o chefe institucional fosse o Procurador-Geral da Justiça, e o ingresso na carreia far-se-ia por meio de concurso público”[9].

O autor Francisco Vani Bemfica, também trás algumas informações a respeito dos primeiros relatos da existência da Assistência Judiciária Integral e Gratuita:

No Brasil, essa assistência realmente se tornou expressa na Lei nº 261, de 3 de dezembro de 1941, que reformulou o Código de Processo Criminal de 1932, prescrevendo, no art. 99, que o réu pobre, que não pudesse pagar as custas só poderia ser compelido ao pagamento da metade.

Prosseguiram-se outras leis e regulamentos, até que se chegou a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, que estabelece que os poderes públicos federal e estadual, independentemente da colaboração que possam receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil, concederão assistência judiciária aos necessitados.[10]

           

O autor, também, expõe a respeito do funcionamento da assistência judiciária gratuita atualmente:

Atualmente, rege a assistência judiciária, em parte, a Lei nº 7.510, de 4 de julho de 1986, que dá nova redação a dispositivos da Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950. Seu art. 4º dispõe que a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família. Seu §1º diz que se presume pobre, até provem em contrário, quem afirmar essa condição sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais. Seu §2º dispõe que a impugnação do direito à assistência judiciária não suspende o custo do processo e será feita em autos apartados.[11]

           

Sobre o tema, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[12] trouxe o seguinte texto: “A defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”[13]. Desta forma, reconhecendo, pela primeira vez, o órgão da Defensoria Pública em âmbito federal. O artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988 diz em seu inciso LXXIV: “O estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;”[14]

O artigo 134[15] complementa o dito no artigo 5º, tendo em vista que é assegurado o direito de assistência judiciária gratuita, papel esse que passa a ser exercido pela Defensoria Pública a partir do reconhecimento do referido órgão na Constituição da República Federativa do Brasil em 1988. Acerca do disposto no artigo 5º do referido diploma, o doutrinador Francisco Vani Bemfica trás em sua obra O Juiz, O Promotor, O Advogado, o seguinte texto:

A defesa referida no artigo é dos direitos e interesses daqueles que a norma contempla e não de qualquer pessoa situada em polo passivo processual, como poderia se entender pelo uso do vocábulo “necessitado”.[16]

 

Buscou o aludido autor expor que o dispositivo legal ora analisado ambiciona amparar apenas os que realmente necessitam, e não tem condições de arcar com as custas processuais, não isentar todos de tais custas.O Superior Tribunal de Justiça mostra o seguinte parecer acerca da assistência judiciária gratuita:

Ementa: Processual Civil e Administrativo. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Ação de Impugnação de gratuidade de justiça. Deferimento do benefício. Declaração de insuficiência de recursos do requerente. Presunção iuris tantum. Desconstituição. Ônus da parte adversa. Veracidade não infirmada. Revolvimento de matéria fático-probatória. Impossibilidade. Súmula N. 7/STJ. 1. Controvérsia que orbita em torno da concessão do benefício da gratuidade de justiça pelas instâncias de origem com base na declaração de insuficiência de recursos do impugnado, cuja veracidade não foi afastada apesar da contrariedade do impugnante. 2. No caso de concessão da assistência judiciária gratuita, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que basta a simples afirmação da parte de que não possui condições de arcar com as custas do processo, sem prejuízo próprio e/ou de sua família, cabendo à parte contrária, por se tratar de presunção relativa, comprovar a inexistência ou cessação do alegado estado de pobreza. 3. O Tribunal de origem, com base na análise do acervo fático-probatório dos autos, entendeu que o autor não poderia arcar com as custas processuais sem prejuízo do seu sustento ou de sua família, o que mostra inviável a revisão do acórdão por esta Corte, pois infirmar tal fundamento ensejaria o reexame de provas, procedimento defeso, em sede de recurso especial, ante o óbice da Súmula n. 7/STJ. 4. Agravo regimental não provido[17].

 

Ementa: RHC. Falsidade ideológica. Trancamento de ação penal. Pleito de justiça gratuita. Conduta atípica. Ausência de elementos subjetivos e objetivo do tipo. Falta de justa causa evidenciada. Recurso provido. […] 3. A Justiça Gratuita somente pode ser concedida ao hipossuficiente que, nos termos da Lei nº 1.060/50, demonstra ostentar situação econômica que não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família. […] (Superior Tribunal de Justiça – Quinta Turma/ RHC 21.147/SC/ Relatora: Ministra Jane Silva (Desembargadora Convocada do TJ/MG)/ Julgado em 04.10.2007/ Publicado no DJ em 22.10.2007, p. 313).[18]

 

 

2 ESCASSEZ DE DEFENSORES PÚBLICOS

Visto todo o caminho percorrido pelo início da assistência judiciária gratuita até a criação efetiva do órgão da Defensoria Pública, podemos ver o tamanho da importância dos Defensores Públicos em todo país, uma vez que o defensor público atende aos que não possuem renda suficiente para o acesso à justiça, o referido cargo esta promovendo a igualdade social tão almejada pela população e citada até mesmo na Constituição da República Federativa do Brasil em 1988[19].

Tal cargo de tamanha importância, em tese, jamais poderia encontrar-se em déficit, ou seja, faltando Defensores Públicos, pois se faltar quem tem a função de defender os pobres, a igualdade não está sendo efetivada, pois esta parcela da população fica claramente desfavorecida judicialmente perante as demais parcelas populacionais que possuem renda capaz de arcar com custas judiciais e não são atendidos pela Defensoria Pública. Ocorre que infelizmente a realidade nacional em relação à Defensoria Pública é totalmente diversa do ideal almejado, em quase todo o território nacional o Defensor Público é um cargo que necessita de um número maior de efetivos atuando.

Em março de 2013, a ANADEP (Associação Nacional dos Defensores Públicos) e o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), lançaram uma pesquisa a respeito do número de defensores no país, relacionando tal número com o número de pessoas que necessitam de assistência da defensoria, e ficou comprovada falta de defensores públicos em 72% das comarcas do país.[20]

A pesquisa aponta que a Defensoria Pública está presente em apenas 754 das 2.680 comarcas de todo o país, ou seja, grande parte da população sofre com a ausência de um órgão para a defesa dos pobres. Tamanha falta faz com que muitos defensores tenham que atuar em mais de uma comarca, por meio de extensão. Nas poucas comarcas em que a Defensoria existe, ainda sofrem com a falta de defensores efetivos. A pesquisa também mostra que foram criados no Brasil 8.489 cargos de defensor público no Brasil, porém apenas 5.054 cargos estão devidamente providos de defensores, o que representa apenas 59,5% do número total, ou seja, temos um pouco mais da metade do número de defensores que deveriam existir.

A referida pesquisa trouxe um mapa acerca da Defensoria Pública, mapa este que aponta outros problemas, como por exemplo, no que diz relação às comarcas, onde a ausência de defensores é ainda mais acentuada nas comarcas menores, com menos de 100 mil habitantes, o que é totalmente controverso quando se pensa que nas comarcas menores o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da população é menor e o número de pessoas carentes é maior. Portanto, a desigualdade está nítida ao perceber que onde mais se precisa de defensores públicos é onde menos eles existem.[21]

3 DESIGUALDADE ENTRE MAGISTRADOS, PROMOTORES E DEFENSORES PÚBLICOS

A mesma pesquisa citada anteriormente traz outro exorbitante problema da Defensoria Pública no Brasil. A desigualdade entre os defensores, magistrados e promotores       Os defensores públicos em tese possuem a mesma importância que os magistrados e promotores, tendo em vista que todos fazem parte do sistema jurídico e possuem suma importância dentro do andamento processual. Porém pelo fato do defensor público ser um cargo relativamente novo, quando comparado aos cargos de promotor e magistrado, a desigualdade entre os cargos é gritante no que se diz respeito ao número de cargos providos.

Dentro de todo o território nacional as comarcas contam com 11.835 magistrados, 9.963 membros do Ministério Público e 5.054 defensores públicos, o que traz um grave problema na relação do Estado com a sociedade, uma vez que em um grande número de comarcas a população conta com o estado-juiz e com o estado-acusação, e não conta com o estado-defensor.[22]

A situação em que se encontra o sistema jurídico mostra claramente a gritante diferença de investimentos no sistema de justiça, onde a Defensoria Pública é claramente desfavorecida em relação aos demais órgãos, sem uma explicação plausível para isto, já que os três órgãos são de importância inexpressível para o sistema jurídico, não podendo um ser maior que o outro, para que acusação, defesa, e julgamento tenham o mesmo peso, e seja exercida desta forma a igualdade para ambas as partes de qualquer processo.

Da forma que estão distribuídos os investimentos, está ocorrendo uma grave falha no sistema jurídico, pois investe-se menos na parcela populacional que mais necessita, que é a população carente. Em alguns Estados essa diferença salta aos olhos, como por exemplo, no Rio Grande do Norte, em que, para cada defensor público, existem cinco juízes e cinco promotores. Outro grave problema que ocorre nesta distinção entre promotores, magistrados e defensores públicos é a questão remuneratória. Em boa parcela dos estados brasileiros a remuneração dos defensores públicos é incompreensivelmente menor que a de magistrados e promotores.

O jornal A Gazeta publicou uma matéria em maio de 2014 acerca deste assunto, mostrando que no Estado do Espírito Santo o salário do defensor público é 60% (sessenta por cento) inferior ao do juiz, e que muitos defensores desmotivados com a desigualdade promovida trocam de carreira para atuar em outros estados[23]. Além da remuneração inferior, os defensores públicos são impedidos de advogar fora da Defensoria Pública, o que desmotiva ainda mais os efetivos nos cargos de defensor.

O Estado do Espírito Santo, com intuito de evitar a saída de mais defensores, decidiu por um acréscimo de 20% (vinte por cento) no salário para defensores que atuem em mais de uma vara, ou seja, incentivando os defensores a trabalhar mais para melhorarem seus rendimentos[24]. O especialista em políticas públicas e professor da UFES, Roberto Simões, diz o seguinte em reportagem ao jornal A Gazeta, a respeito do assunto:

Para oferecer à população um atendimento que cobrisse o mínimo de necessidades do direito básico, o ideal seria o Estado ter um quadro de defensores públicos que pudesse permitir à categoria ser inserida num sistema mais amplo. Podemos dizer que a Defensoria é o prisma pobre desse processo quando se analisa a estrutura do Judiciário e do Ministério Público. Por isso, a gente vê a tendência da rotatividade nessa categoria. O grande problema é que, com a falta de defensor público, o Estado nega cidadania. Não adianta existir a lei se não tem ninguém que defenda a lei.[25]

O que o especialista quis expor em seu comentário, é que a Defensoria Pública deveria ser encarada com a mesma importância que o Ministério Público e o Judiciário, pois é parte de igual importância dentro do processo. Porém na realidade não é o que ocorre, sendo a Defensoria o lado pobre desse trio, pois é a que recebe menos investimentos.

4 A FARRA DAS NOMEAÇÕES

Com a falta de defensores públicos surge a necessidade da nomeação de advogados particulares para que as pessoas sem condições de pagar advogados particulares não fiquem sem a devida orientação legal. O jornal A Gazeta, trouxe uma reportagem acerca deste tema, referindo-se aos gastos do Estado do Espírito Santo com nomeações de advogados particulares, gastos esses que poderiam ser investidos na Defensoria Pública. Na referida reportagem, a repórter Mikaella Campos trouxe as seguintes informações:

Sem defensor público o suficiente para atender à população de baixa renda, o Estado tem gastado quantias milionárias na nomeação de advogados particulares. A despesa com essa assistência judiciária triplicou em três anos. Só em 2013, o governo pagou a esses profissionais quase R$ 3 milhões, quantia o suficiente para reforçar a Defensoria Pública com mais 15 servidores.[26]

Fica óbvio o mau investimento da renda destinada a esse fim, ao invés de investir fortunas com advogados nomeados, a Defensoria Pública poderia ser um órgão de estrutura muito maior, e com defensores públicos satisfeito em seus cargos. Conforme a reportagem citada acima, o Estado do Espírito Santo chegou a pagar o valor de R$ 700 mil para um único advogado particular, nomeado minutos antes da audiência. Nomeações de valores astronômicos como esta são absurdos ao se analisar o salário de um defensor público para atender a inúmeros processos por mês. É financeiramente inviável a mantença de advogados nomeados, e muito mais vantajoso um investimento maior na Defensoria Pública.

5 A DEFENSORIA PÚBLICA E O SISTEMA PRISIONAL

A escassez em observância vem a se conceituar não somente como uma falha no sistema judiciário brasileiro, mas também um problema social, incluso quando trazemos para essa reflexão o problema da “superpopulação carcerária brasileira”, que é de fato, extremamente relacionado com a deficiência assistencial em questão, que é de obrigação do Estado garanti-la para os cidadãos. São constatados altos índices de pessoas consideradas como presos temporários, e que sofrem com o atraso do julgamento, sendo obrigado a exceder o período de permanência no regime prisional.

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) publicou uma matéria em seu próprio site onde exponha a cerca da super lotação dos presídios em Santa Catarina, devido a ausência de Defensoria Pública. A referida reportagem trás um diagnóstico feito pelo juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça, Márcio Fraga:

 

Há uma deficiência enorme de assistência jurídica aos presos que não tem condições de pagar um advogado pela falta de uma defensoria pública estadual, afirmou. A assistência jurídica à população carcerária é prestada atualmente por advogados dativos, o que tem gerado críticas dos presos e presas do estado, de acordo com as inspeções realizadas nas últimas quatro semanas pelo Multirão Carcerário do CNP nas prisões do Estado.[27]

 

Em muitos casos os presos encontram-se em carceragem de estado deplorável, sem nenhuma condição de habitação de um ser humano, ferindo vários direitos constitucionais de qualquer cidadão, situação esta que foge totalmente do principal objetivo da Defensoria Pública Prevista em lei.

A divergência do que ocorre com o previsto em lei fica claro ao analisarmos os artigos 3º e 4º da Lei Complementar n.º 80, de 12 de janeiro de 1994:

Art. 3º-A.  São objetivos da Defensoria PúblicaI – a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais

II – a afirmação do Estado Democrático de Direito

III – a prevalência e efetividade dos direitos humanos; e     

IV – a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus; 

II – promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos;      

III – promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico;     

IV – prestar atendimento interdisciplinar, por meio de órgãos ou de servidores de suas Carreiras de apoio para o exercício de suas atribuições;

V – exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses;

VI – representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos;

VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes;

VIII – exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal;      

IX – impetrar habeas corpus, mandado de injunção, habeas data e mandado de segurança ou qualquer outra ação em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução;    

X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela;

XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado;

XIV – acompanhar inquérito policial, inclusive com a comunicação imediata da prisão em flagrante pela autoridade policial, quando o preso não constituir advogado;     

XV – patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública;  

XVI – exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei;

XVII – atuar nos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes, visando a assegurar às pessoas, sob quaisquer circunstâncias, o exercício pleno de seus direitos e garantias fundamentais;

XVIII – atuar na preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência, propiciando o acompanhamento e o atendimento interdisciplinar das vítimas;

XIX – atuar nos Juizados Especiais;

XX – participar, quando tiver assento, dos conselhos federais, estaduais e municipais afetos às funções institucionais da Defensoria Pública, respeitadas as atribuições de seus ramos;

XXI – executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores;

XXII – convocar audiências públicas para discutir matérias relacionadas às suas funções institucionais.

§ 2º As funções institucionais da Defensoria Pública serão exercidas inclusive contra as Pessoas Jurídicas de Direito Público.

§ 4º  O instrumento de transação, mediação ou conciliação referendado pelo Defensor Público valerá como título executivo extrajudicial, inclusive quando celebrado com a pessoa jurídica de direito público.

§ 5º  A assistência jurídica integral e gratuita custeada ou fornecida pelo Estado será exercida pela Defensoria Pública.

§ 6º  A capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público.   

§ 7º  Aos membros da Defensoria Pública é garantido sentar-se no mesmo plano do Ministério Público.

§ 8º  Se o Defensor Público entender inexistir hipótese de atuação institucional, dará imediata ciência ao Defensor Público-Geral, que decidirá a controvérsia, indicando, se for o caso, outro Defensor Público para atuar.

§ 9º  O exercício do cargo de Defensor Público é comprovado mediante apresentação de carteira funcional expedida pela respectiva Defensoria Pública, conforme modelo previsto nesta Lei Complementar, a qual valerá como documento de identidade e terá fé pública em todo o território nacional.

§ 10.  O exercício do cargo de Defensor Público é indelegável e privativo de membro da Carreira.

§ 11.  Os estabelecimentos a que se refere o inciso XVII do caput reservarão instalações adequadas ao atendimento jurídico dos presos e internos por parte dos Defensores Públicos, bem como a esses fornecerão apoio administrativo, prestarão as informações solicitadas e assegurarão acesso à documentação dos presos e internos, aos quais é assegurado o direito de entrevista com os Defensores Públicos.

Fica claro que os objetivos e deveres da Defensoria Pública estão sendo deixados de lado quando analisamos a situação carcerária em questão. Esta é apenas uma das muitas consequências que a escassez de defensores públicos traz para todo o território nacional.  Escassez essa que poderia ser solucionada se a verba pública fosse direcionada a estruturação da Defensoria, ao invés de nomear tantos advogados particulares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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_____________. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: . Acesso em 15 mai. 2014.

CAMPOS, Mikaella. Faltam Defensores, Estado Triplica Gasto com Advogado.  A GAZETA, Vitória. 1 mai. 2014, p. 27

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SÃO PAULO (ESTADO). Decreto Estadual Número 7.078, de 06 de abril de 1935. Subordina a imprensa Oficial do Estado, o Departamento de Administração Municipal, o Departamento Estadual do Trabalho e a Procuradoria de Terra à Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, que passará a denominar-se Secretaria de Estado da Justiça e Negócios do Interior, e dá outras providências. São Paulo, 1935. Disponível em . Acesso em 15 mai. 2014

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RIO DE JANEIRO (ESTADO). Constituição (1975) Constituição Estadual do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em http://www.amperj.org.br/store/legislacao/constituicao/cerj.pdf>. Acesso em 13 mai. 2014

  

[1] BEMFICA, Francisco Vani. O Juiz, o Promotor, o Advogado, seus Poderes e Deveres. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1992, p. 461

[2] RIO DE JANEIRO (ESTADO). Constituição (1975) Constituição Estadual do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1975. Disponível em http://www.amperj.org.br/store/legislacao/constituicao/cerj.pdf>. Acesso em 15 mai. 2014

[3] BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, 1988. Disponível em . Acesso em 13 mai. 2014

[4] BORGES, Felipe Dezorzi. Defensoria Pública, uma breve história. Revista Jus Navigandi, Teresina. Disponível em . Acesso em 13 mai. 2014

[5]  SÃO PAULO (ESTADO). Decreto Estadual Nº 7.078, de 06 de abril de 1935. Subordina a imprensa Oficial do Estado, o Departamento de Administração Municipal, o Departamento Estadual do Trabalho e a Procuradoria de Terra à Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, que passará a denominar-se Secretaria de Estado da Justiça e Negócios do Interior, e dá outras providências. Disponível em . Acesso em 15 mai. 2014

[6] SÃO PAULO (ESTADO). Lei Estadual Nº 2.497, de 24 de dezembro de 1935. Dispõe sobre a organização do Departamento de Assistência Social do Estado de São Paulo Disponível em . Acesso em 15 mai. 2014

[7] SÃO PAULO (ESTADO). Lei Complementar Nº 988, de 09 de janeiro de 2006. Dispõe sobre a organização da Defensoria Pública do Estado, institui o regime jurídico da carreira do Defensor Público do Estado. Disponível em . Acesso em 15 mai. 2014

[8] DISTRITO FEDERAL. Lei nº 3.434 de 20 de julho de 1958. Dispõe sobre o código do Ministério Público do Distrito Federal, e dá outras providências. Brasília, 1958. Disponível em . Acesso em 15 mai. 2014

[9] BORGES, Felipe Dezorzi. Defensoria Pública, uma breve história. Revista Jus Navigandi, Teresina. Disponível em . Acesso em 13 mai. 2014

[10] BEMFICA, 1992, p. 461

[11] Idem. p. 462

[12] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 13 mai. 2014

[13] BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, 1988. Disponível em . Acesso em 13 mai. 2014

[14] BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, 1988. Disponível em . Acesso em 13 Mai. 2014

[15]  BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 13 mai. 2014: Artigo 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.

[16] BEMFICA, 1992, p. 463

[17] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão proferido em Agravo Regimental no Agravo Nº 1.289.175/MA. Processual Civil e Administrativo. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Ação de Impugnação de gratuidade de justiça. Deferimento do benefício. Declaração de insuficiência de recursos do requerente. Presunção iuris tantum. Desconstituição. Ônus da parte adversa. Veracidade não infirmada. Revolvimento de matéria fático-probatória. Impossibilidade. Súmula N. 7/STJ. Órgão Julgador: Primeira Turma. Julgador: Ministro Benedito Gonçalves. Julgado em 17 mai. 2011. Publicado no DJe em 24 mai. 2011. Disponível em: . Acesso em 15 mai. 2014.

[18] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC. Falsidade ideológica. Trancamento de ação penal. Pleito de justiça gratuita. Conduta atípica. Ausência de elementos subjetivos e objetivo do tipo. Falta de justa causa evidenciada. Recurso provido. Órgão Julgador: Quinta Turma. Relatora: Ministra Jane Silva (Desembargadora Convocada do TJ/MG). Julgado em 04 out. 2007/ Publicado no DJ em 22 out. 2007. Disponível em: . Acesso em 15 mai. 2014.

[19]  BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 13 mai. 2014.

[20] BRASIL. Mapa da Defensoria Pública no Brasil. Disponível em: . Acesso em 13 mai. 2014.

[21] BRASIL. Mapa da Defensoria Pública no Brasil. Disponível em: . Acesso em 13 mai. 2014.

[22] BRASIL. Mapa da Defensoria Pública no Brasil. Disponível em: . Acesso em 13 mai. 2014

[23]  CAMPOS, Mikaella. Faltam defensores, estado triplica gasto com advogado.  A GAZETA, Vitória. 1 mai. 2014, p. 27

[24] BRASIL. Mapa da Defensoria Pública no Brasil. Disponível em: . Acesso em 13 mai. 2014

[25] CAMPOS, 2014, p. 27

[26] CAMPOS, 2014, p. 27

[27] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Falta de Defensoria Pública piora sistema prisional catarinense. Disponível em . Acesso em 13 de maio de 2014 

 

 

Elaborado em maio/2014

 

Como citar o texto:

COSTA, Daniel Brum; LAYBER NETO, Delphino ; RANGEL, Tauã Lima Verdan.Desvalorização De Defensores Públicos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 22, nº 1175. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/pratica-forense-e-advogados/3132/desvalorizacao-defensores-publicos. Acesso em 28 jun. 2014.

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