1.      INTRODUÇÃO

 

Na concepção de Silvio Venosa (2005), o nascituro é um ente já concebido e que poderá ser sujeito de direito no futuro, dependendo do nascimento, tratando-se de prole eventual. Dessa forma percebe-se que o nascituro é um ser que está a caminho da vida, um ser que foi concebido e se encontra, em desenvolvimento, no útero materno. Assim, admite-se que o nascituro tem expectativas de direito, pois ele ainda não adquiriu o atributo necessário para ser um sujeito de direito – a personalidade jurídica.

Para a doutrina majoritária a personalidade jurídica é a aptidão genérica para ser titular de direitos e contrair obrigações. Assim, como afirma Stolze (2011), a personalidade jurídica é a condição necessária para ser sujeito de direito. De acordo com o Código Civil de 2002, esta condição é adquirida no nascimento com vida, conforme o seu art. 2º que dispõe que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Assim, o nascituro, na sua condição de estar a caminho da vida, ainda não adquiriu a personalidade jurídica, portanto não é considerado sujeito de direito. Mas, como se percebe no artigo 2º do Código Civil, seus direitos estão resguardados pela lei. Tal afirmativa pode levar a um questionamento: Afinal, o nascituro tem ou não direitos? Dessa forma, o presente trabalho tem por finalidade discutir a natureza jurídica do nascituro e explorar a questão da sua proteção jurídica, no que tange ao alcance dos direitos sobre ao nascituro. Para isso utilizou-se de pesquisa bibliográfica doutrinária, além da análise de casos práticos jurisprudenciais.

2.      OS DIREITOS DO NASCITURO

Para responder a esta pergunta, se o nascituro tem ou não direitos, devem ser levadas em consideração algumas teorias que são de grande força na doutrina.

A primeira, chamada de natalista, acredita que o nascituro só adquire o caráter de sujeito de direito após o nascimento com vida.

“Sustenta ter  o  direito  positivo  adotado,  a  teoria  natalista,  que  exige  o nascimento  com  vida  para  ter  início  a  personalidade.  Antes  do  nascimento  não há personalidade.” (GONÇALVES, 2007, p. 79.)

Já a segunda, chamada de concepcionista, entende que o nascituro é pessoa desde a concepção.

“A teoria concepcionista, por sua vez, influenciada pelo Direito francês, contou com diversos adeptos. Segundo essa vertente de pensamento, o nascituro adquiriria personalidade jurídica desde a concepção, sendo, assim, considerado pessoa. É a posição de TEIXEIRA DE FREITAS seguido por BEVILÁQUA, LIMONGI FRANÇA  e FRANCISCO AMARAL SANTOS. Essa linha doutrinária rende ensejo inclusive a se admitirem efeitos patrimoniais, como o  direito aos alimentos decorrentes da  personificação do nascituro.” (GAGLIANO e FILHO, 2011, p.127)

Mais recentemente, surgiu outra teoria a respeito dos direitos do nascituro, a chamada personalidade condicional, onde o nascituro seria sim sujeito de direito, mas apenas ao alcance dos direitos personalíssimos, como é o caso do direito à vida. Na personalidade condicional, o nascituro não tem direitos patrimoniais.

“Os adeptos da teoria da personalidade condicional sufragam entendimento no sentido de que o nascituro possui direitos sob condição suspensiva (OERTMANN). Nesse sentido, preleciona ARNOLDO WALD: A proteção do nascituro explica-se, pois há nele uma personalidade condicional que surge na sua plenitude com o nascimento com vida e se extingue no caso de não chegar o feto a viver. Também essa e a linha de pensamento de MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES. Essa corrente, em geral, não é tão incisiva ao ponto de reconhecer a personalidade do nascituro (inclusive para efeitos patrimoniais).” (GAGLIANO e FILHO, 2011, p.127)

Assim, percebe-se que a temática não é pacífica na doutrina. Mas, podem ser citados alguns direitos garantidos ao nascituro, presentes na legislação.

O nascituro é titular de direitos personalíssimos, como o direito à vida, tanto é que o aborto é tipificado como crime (artigos 124 a 128 do Código Penal). E o direito à proteção pré-natal, conforme o artigo 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.”

O nascituro também pode ser beneficiado por legado e herança e, conforme os artigos 877 e 878 do Código de Processo Civil (CPC), pode ser nomeado curador para a tutela de seus interesses.

Art. 877. A mulher que, para garantia dos direitos do filho nascituro, quiser provar seu estado de gravidez, requererá ao juiz que, ouvido o órgão do Ministério Público, mande examiná-la por um médico de sua nomeação.

§ 1o O requerimento será instruído com a certidão de óbito da pessoa, de quem o nascituro é sucessor.

§ 2o Será dispensado o exame se os herdeiros do falecido aceitarem a declaração da requerente.

§ 3o Em caso algum a falta do exame prejudicará os direitos do nascituro.

Art. 878. Apresentado o laudo que reconheça a gravidez, o juiz, por sentença, declarará a requerente investida na posse dos direitos que assistam ao nascituro.

Parágrafo único. Se à requerente não couber o exercício do pátrio poder, o juiz nomeará curador ao nascituro.

Também poderão ser concedidos alimentos em favor do nascituro, conforme a lei nº 11.804 de 5 de novembro de 2008. (lei de alimentos gravídicos)

Antes do surgimento da lei, em 2003, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul proferiu o seguinte julgado:

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ALIMENTOS PROVISÓRIOS EM FAVOR DO NASCITURO. POSSIBILIDADE. ADEQUAÇÃO DO QUANTUM. 1. Não pairando dúvida acerca do envolvimento sexual entretido pela gestante com o investigado, nem sobre exclusividade desse relacionamento, e havendo necessidade da gestante, justifica-se a concessão de alimentos em favor do nascituro. 2. Sendo o investigado casado e estando também sua esposa grávida, a pensão alimentícia deve ser fixada tendo em vista as necessidades do alimentando, mas dentro da capacidade econômica do alimentante, isto é, focalizando tanto os seus ganhos como também os encargos que possui. Recurso provido em parte. (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70006429096, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES, JULGADO EM 13/08/2003)”.

3.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, conclui-se que o nascituro, apesar de não possuir personalidade jurídica, atributo necessário para ser sujeito de direitos, pode titularizar direitos. Podendo ser titular de direitos personalíssimos como o direito à vida e a um tratamento pré-natal. Ao nascituro, no entanto, não são atribuídos os direitos patrimoniais. Isto porque estes estão condicionados ao nascimento com vida, conforme a legislação vigente. O nascituro é titular de direitos personalíssimos, pode ser beneficiado por legado e herança.

4.      REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GAGLIANO, Pablo Stolze;  FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil  - Volume I . 15ª Ed. 2011. Editora Saraiva.

GONÇALVES,  Carlos  Roberto.  Direito  civil  brasileiro/  parte  geral.  4  ed.  São  Paulo: Saraiva, 2007. 1v.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil/ parte geral. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005. ______. Direito Civil. 8 ed.  São Paulo: Atlas, 2008.

 

 

Elaborado em julho/2014

 

Como citar o texto:

SILVA, Tales Araujo..A proteção do nascituro e a sua natureza jurídica: uma análise doutrinária e jurisprudencial.. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 22, nº 1188. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/3182/a-protecao-nascituro-natureza-juridica-analise-doutrinaria-jurisprudencial-. Acesso em 20 ago. 2014.

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