Resumo: O presente artigo tem como objetivo fazer referência ao conceito de sentença parcial de mérito no ordenamento jurídico brasileiro que se dá quando o juiz profere decisão referente a parte incontroversa e deixa para outro momento o julgamento da parte controversa. Assim, fez-se referência ao conceito de sentença no código de processo civil de 1973 e no de 2005. Salientou-se que, anteriormente, sentença era o provimento que colocava fim ao processo, ao passo que com o advento da lei 11.232/2005 esse conceito modificou-se para tornar-se no ato que implica nas situações dos artigos 267 e 269, não colocando fim ao processo, portanto.Acrescentou-se que o conceito de sentença parcial de mérito já vinha sendo utilizado quando da aplicação da tutela antecipada. Por fim, falou-se acerca da natureza jurídica desse conceito que seria de julgamento conforme o estado do processo.

Palavras-chave: Conceito de sentença; sentença parcial de mérito; natureza da decisão.

Abstract: This article aims to make reference to the concept of partial judgment on the merits in the Brazilian legal system that occurs when the judge makes a decision on the uncontroversial part and leave for another time the trial of the controversial part. Thus, reference was made to the concept of judgment in the civil procedure code 1973 and 2005.-It was emphasized that, previously, the sentence was upheld that put an end to the process, whereas with the advent of Law 11,232 / 2005 this concept has changed to become the act implies that in situations of articles 267 and 269, not putting an end to the process, if so. Said that the concept of partial judgment on the merits was already being used in the application of injunctive relief . Finally, there was talk about the legal nature of this concept would be judging according to the state of the process.

Sumário. 1. Introdução 2. Sentença. 2.1. Conceito de Sentença. 2.2.Sentenças Parciais: Conceito e admissibilidade no ordenamento jurídico brasileiro. 2.3. Natureza da decisão. 3. Conclusão 4. Referências

1. Introdução

O conceito de sentença sofreu profundas alterações com o advento da lei 11.232/2005.

 Assim, no primeiro capítulo aborda-se o conceito de sentença. Refere-se que com a redação dada pelo código de 1973, sentença seria o ato pelo qual o juiz colocava termo ao processo. Portanto, deveria haver eficácia extintiva do provimento em primeiro grau. Já com a nova redação da lei 11.232/2005 que dispõe que sentença é um ato que implica nas situações dos arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil, vê-se que sentença não precisa exaurir o procedimento em primeiro grau visto que o artigo 269 trata da resolução do mérito, mas sem falar em sua extinção.

Logo após, trata-se do conceito de sentença parcial de mérito que seria a decisão proferida pelo juiz julgando apenas parte da demanda, remetendo para outro momento o julgamento da parte controversa. Salientou-se que tal conceito já era considerado por alguns autores, desde 2002, quando da aplicação da tutela antecipada em pedidos incontroversos.Acrescentou-se parcela da doutrina e jurisprudência que inadmite a aplicação do conceito de sentença parcial de mérito.

Por fim, salientou-se sobre a natureza jurídica da sentença parcial de mérito que seria de uma nova modalidade de julgamento conforme o estado do processo, pois há uma cognição definitiva já no decorrer do processo.

2.Sentença.

2.1. Conceito de Sentença.

            Para uma melhor compreensão do tema, faz-se necessário algumas considerações sobre o conceito de sentença.

Ao elaborar o CPC de 1973 o legislador adotou a consequência dos pronunciamentos judiciais como critério distintivo. A redação original do art. 162, § 1o dispunha que: “sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”.

Com base na legislação processual civil de 1973, (MARINONI, ARENHART, 2005, p.400-401) dispõem que:

 

 “Como está claro, o Código de Processo Civil, ao classificar em três os atos que podem ser praticados pelo juiz, resolveu definir que a sentença é o ato que põe fim ao processo, julgando ou não o mérito, enquanto que a decisão interlocutória é o ato que resolve questão no curso do processo, sem, contudo, encerrá-lo.

Dessa forma, o Código de Processo Civil tornou bastante simples saber qual é o recurso apropriado para os atos do juiz. Se o ato põe fim ao processo, e, portanto é uma sentença, cabível é o recurso de apelação. Se o ato resolve, no curso do processo, determinada questão, o recurso cabível é o agravo, que pode ser de instrumento ou retido, conforme o caso. “Quando o ato do juiz, ainda que praticado no curso do processo, não provoca gravame à parte, não cabe recurso algum”.

Na classificação do art. 162 do CPC, não se leva em consideração a matéria sobre a qual incide o pronunciamento do juiz. Perceba-se que uma decisão proferida no curso do processo pode, ainda que sem encerrá-lo, incidir unicamente sobre o mérito. Lembre-se, por exemplo, da liminar em ação possessória, e especialmente da nova espécie e tutela antecipatória presente no art. 273, § 6 º, do CPC, por meio da qual o juiz trata da parcela incontrovertida do mérito. Nesses casos, o ato do juiz incide evidentemente sobre o mérito, muito embora deva ser classificado como decisão interlocutória. É que importa saber, para a definição da natureza do ato do juiz, se ele põe ou não fim ao processo.Como as decisões, nessas hipóteses, não colocam fim ao processo elas são ditas “decisões interlocutórias”, e assim abrem ensejo  à interposição de recurso de  agravo. (art.522,CPC). Frise-se que o ato que põe fim ao processo é chamado de sentença, julgue ou não o pedido. O ato do juiz que extingue o processo, justamente por colocar ponto final ao processo, configura sentença, ainda que a extinção ocorra sem o julgamento da procedência ou da improcedência do pedido ( ver arts.267 e 269, CPC)”. ( Grifo nosso)

 

 

 (THEODORO JR., 2002, p.451-452, v.2) observa que:

“Para o código, sentença “é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa” (art. 162, §1º). Mas, teórica e praticamente, há que se distinguir, dada a completa diversidade dos efeitos, entre os provimentos que solucionam a lide e os que não a alcançam.

Assim, as sentenças são tradicionalmente classificadas em:

a)          Sentenças terminativas; e

b)          Sentenças definitivas.

Terminativas são as que “põem fim ao processo, sem lhe resolverem, entretanto, o mérito”. São as que correspondem aos casos de extinção previstos no art. 267. Importam reconhecimento de inadmissibilidade da tutela jurisdicional nas circunstâncias em que foi invocada pela parte. O direito de ação permanece latente, mesmo depois de proferida a sentença.

Definitivas são as sentenças “que decidem o mérito da causa, no todo ou em parte”. Apresentam à parte a prestação jurisdicional postulada e, de tal sorte, extinguem o direito de ação.

Embora o código, no art. 162, § 1º, tenha definido a sentença apenas em face de sua eficácia de pôr fim à relação relação processual, pouco importando, ao legislador, o conteúdo da declaração jurídica nela contida, o certo é que, em outras passagens do mesmo diploma legal, há nítida diversidade de tratamento para as sentenças definitivas e meramente terminativas.

 Sem falar na mais profunda diferença de eficácia, que é da coisa julgada material, que só existe perante as sentenças de mérito, até mesmo nos requisitos formais o Código distingue, no art.459, entre as hipóteses de sentença definitiva e sentença terminativa.

Procedeu o legislador, porém, a uma salutar unificação em matéria recursal, de maneira  que, de toda  sentença ( seja definitiva ou terminativa), o recurso será sempre de apelação, pela  sistemática  do novo Código ( art.513). Aboliu-se o agravo de petição (sentenças terminativas) bem como as chamadas causas de alçada (embargos infringentes).

Embora o código considere a força de extinguir o processo como traço distintivo da sentença, na verdade a relação processual nunca se encerra com a simples prolação de uma sentença. Isto só ocorre quando se dá a coisa julgada formal, ou seja, quando o pronunciamento judicial se torna irrecorrível. Com a sentença, na verdade, o que finda é a função do órgão jurisdicional, perante o qual flui o processo (art. 463).

            Como se observa, para que o provimento judicial pudesse ser classificado como sentença era imprescindível a presença simultânea de dois aspectos: (conteúdo e eficácia extintiva do procedimento em primeiro grau).

Portanto, se o ato do juiz, embora veiculando algum dos conteúdos previstos nos arts. 267 e 269 do CPC, não fosse apto a extinguir o procedimento em primeiro grau, ele não era sentença para nenhum dos fins do direito positivo. Exemplo disso, eram os casos de liminar em ação possessória e  da  tutela antecipada (art. 273, § 6º, do CPC), já citados.

Assim, em virtude das várias modificações que na lei processual foram se sucedendo, dentre elas, aquelas que alteraram a forma de cumprimento judicial e, ainda assim, as que trataram das demandas de natureza condenatória que tornaram os títulos exigíveis sem necessidade de ingresso de nova ação, a sentença foi deixando de significar o fim do processo.

Por isso a necessidade de transformação no conceito de sentença, o que culminou com o surgimento da lei 11.232/2005 que deu nova roupagem ao conteúdo de sentença, dispondo que: “Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta lei”.

Cabe referir, que o artigo 267, do Código de Processo Civil, trata da “extinção” do processo sem resolução de mérito, já o art. 269 trata das hipóteses de “resolução” do mérito, mas sem falar em extinção de mérito.

Percebe-se, assim, que a sentença deixou de ser ato que põe fim ao processo.

Nesse sentido, cabe anotar o que salienta (WAMBIER, 2008, P.543, V.1)

“Então, a partir da Lei 11.232/2005, a sentença deixa de ser identificada  exclusivamente por sua aptidão de pôr fim ao processo (...). A própria  lei passa  a dar expressamente relevância ao conteúdo  do ato ( na esteira do que já fazia a doutrina). Se o ato decisório do juiz  reconhecer a existência de um defeito que impede, em termos  absolutos, o julgamento do mérito ( art. 267), ou se proceder à própria  resolução ( julgamento) do mérito, será sentença- ainda que não esteja pondo fim ao processo.  Mas é claro que também aqueles atos que efetivamente ponham fim ao processo são sentenças (p.ex., o ato que encerra o processo executivo; o ato que  encerra o procedimento de cumprimento da sentença e, portanto, o processo como um todo etc.).[grifos nossos].

 

 

Assim, diante da alteração sofrida, abriu-se a possibilidade de o juiz proferir sentença sem que necessariamente ocorra o encerramento do processo, conforme (FILHO,2007, p.287) dando-se ensejo a uma decisão de cognição exauriente, possibilitando o julgamento parcial da lide, sem a necessidade de dilações indevidas, e em harmonia com a garantia constitucional do acesso efetivo à justiça ( art. 5º, XXXV e LXXVIII, da CF).

2.2.Sentenças Parciais: Conceito e admissibilidade no ordenamento jurídico brasileiro.

             Como referido no item anterior, a nova redação dada ao § 1º, do art. 162, do CPC, afastou a idéia de que  sentença é o ato do juiz que põe termo  ao processo.

            Assim, quando o juiz profere decisão julgando apenas parte da demanda, remetendo para outro momento o julgamento de parcela controversa, tem-se o que se denomina de sentença parcial de mérito.

             Acrescenta-se que, mesmo antes do advento da lei 11.232/2005, tal conceito já vinha sendo empregado em outros termos.

              A lei 10.444/02 é exemplo disso, uma vez que trouxe situação diferenciada no ordenamento jurídico brasileiro, visto que o artigo 273, caput e § 6º, respectivamente, passou a prever: “O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação” e(...) § 6o “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”.

            Assim, evidente que, desde 2002, caso houvesse cumulação de pedidos, e se um ou algum desses mostrassem-se incontroversos, poderia o juiz deferir o pedido de antecipação de tutela com base na parte incontroversa do pedido.

            E para alguns autores, como (SILVA E XAVIER, 2006, p.47) juristas gaúchos, quando ocorresse tal hipótese, já estaríamos diante de caso de sentença parcial com resolução de mérito, pois essa já se inseria nas situações previstas no artigo 269, II, do Código de Processo Civil.

Importante referir o trecho de julgado do Tribunal Gaúcho que mesmo antes do advento da lei 11.232 manifestou-se a respeito do assunto, referindo em trecho de seu julgado que:

“Ora, se o autor (ou reconvinte) formula dois ou mais pedidos cumulados, e o réu deixa de contestar um deles, o mesmo resta incontroverso, razão pela qual a antecipação da tutela deveria ser incondicionada, eis que a sentença, em relação a esse pedido, será sempre de procedência.

Na hipótese, mais eficaz seria que o legislador tivesse permitido ao juiz, por ocasião do saneador, antecipar-se ao julgamento de tal pedido, acolhendo-o, assim, permitindo ao autor, no particular, a abreviação da satisfação de seu direito, pois se o réu deixou de se opor a tal pretensão, é porque a reconheceu implicitamente, pelo que razão alguma existe para que se condicione a antecipação da tutela à prova inequívoca, que convença o juiz da verossimilhança da alegação e, ainda, à presença de um dos requisitos dos incisos I ou II do caput do artigo 273.

Até porque não há razão, no mesmo caso, para que a execução da tutela antecipada, na hipótese do parágrafo 6º, fique condicionada ao disposto no artigo 588, pois se trata de exagero exigir do autor a prestação de caução para a execução de pretensão que foi, ainda que implicitamente, reconhecida pelo réu.

Desta forma, o bom seria que o legislador tivesse posto o citado parágrafo 6º em artigo separado, logo após 273, ou então ressalvado expressamente que, para a sua efetivação, não seria observado o disposto, nem no caput do artigo 273, nem haveria a exigência de observar-se o disposto no artigo 588, ambos do CPC. Essa, quem sabe, é uma tarefa da doutrina e jurisprudência, que poderão dar a esse novo dispositivo legal a interpretação adequada para a mais rápida solução dos litígios.

O legislador deveria ter avançado ainda mais, permitindo que a decisão de que trata o citado § 6º fosse tratada como verdadeira sentença, sujeita ao recurso cabível e, uma vez transitada em julgado, permitida sua execução definitiva. Ademais, tal deveria ser possível não só na hipótese de pedido incontroverso, ainda que parcial, mas em todas as hipóteses em que, havendo mais de um pedido, para cuja solução, ainda que parcial, de um ou mais deles, não carecesse de dilação probatória.

Por exemplo, havendo dois pedidos formulados, ambos contestados, mas apenas um deles dependendo de prova pericial, ao juiz deveria ser permitido proferir julgamento antecipado em relação a um deles e, quanto ao outro, sanear o feito, com isso procedendo a uma espécie de cisão do processo, como ocorre no processo criminal, em que um dos réus está preso e o outro foragido, caso em que aquele deve ser julgado de imediato, havendo assim dois julgamentos – primeiro o do réu preso; mais tarde, o do réu foragido, se apresentar-se espontaneamente ou for também capturado”. ( BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.  Apelação. Matéria Cível. Apelação Cível n. nº70006762470. Investigação de Paternidade cumulada com pedido de alimentos. Relator: Des. Rui Portanova. Porto Alegre, RS, 13 de dezembro de 2007).

 

             Em processos de direito de família, também existem ações, por exemplo, em que se tutelam pedidos de separação consensual cumulada com pedido de guarda dos filhos e alimentos, oportunidade em que o juiz pode reconhecer alguns pedidos, de imediato, deixando para julgamento ao final do processo dos demais. Situação essa, que também se enquadra no novo conceito de sentença.

            A exemplo disso, o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM PEDIDO DE ALIMENTOS. FIXAÇÃO DE PENSIONAMENTO DESPROVIDA DE CERTEZA E SEGURANÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. DESCONSTITUIÇÃO PARCIAL DA SENTENÇA. Pelo novo conceito de sentença contido no art 162, § 1º, do CPC, é viável a ocorrência de sentença parcial de mérito. E, por conseqüência lógica, também se mostra viável desconstituir em parte uma sentença, uma vez que a outra parte não afetada pela desconstituição subsiste como sentença parcial de mérito. Precedentes doutrinários. Caso em que a fase probatória se centrou quase que exclusivamente na investigação acerca da paternidade, sem que se tenha possibilitado a oitiva das testemunhas arroladas pelo alimentante. Circunstância que torna o quantum fixado desprovido de maior certeza e segurança e caracteriza cerceamento de defesa. Necessidade de desconstituição da parte da sentença que era relativa a fixação de alimentos, mantendo-se no restante, especificamente em relação ao reconhecimento da paternidade, para o fim de possibilitar investigação sobre possibilidades e necessidades. Atenção aos princípios da efetividade, da instrumentalidade e da economia processuais. JULGARAM PREJUDICADO O PRIMEIRO APELO, E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO SEGUNDO PARA DESCONSTITUIR EM PARTE A SENTENÇA. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.  Apelação. Matéria Cível. Apelação Cível n. 70022037295. Investigação de Paternidade cumulada com pedido de alimentos. Relator: Des. Rui Portanova. Porto Alegre, RS, 13 de dezembro de 2007).

 

            Ocorre que há corrente doutrinária e jurisprudencial que não aceita a possibilidade de haver aplicação do referido conceito. Esses autores entendem que mesmo, nesses casos, estamos diante de decisões interlocutórias e não de sentenças parciais de mérito.

            Nesse sentido, (MARINONI E ARENAHRT,2007, p.403-404, v.2)

“O ato judicial que implica alguma das situações do art. 269 somente pode ser definido como sentença quando extingue o processo ou quando encerra a fase de conhecimento. Embora isso não esteja expresso nos novos arts. 162, § 1°, e 269, lê-se no § 2° do art. 162 que ‘decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente’. Ora, sempre houve acordo no sentido de que o ato judicial que concede tutela antecipatória, por exemplo, julga o mérito, sem deixar de ser uma decisão interlocutória. O ato judicial que pronuncia a decadência ou a prescrição de um dos pedidos cumulados, embora também trate do mérito, igualmente  sempre foi compreendido como decisão interlocutória.”  

 

 (NERY,2006)

 

                           “(...) “comete equívoco ao definir sentença como “ pronuncimanento  do juiz que  contém alguma  das circunstâncias  descritas no CPC, 267 ou 269 e que, ao mesmo tempo, extingue o processo ou procedimento  no primeiro grau de jurisdição , resolvendo ou não o mérito” (...) “ se o pronunciamento for proferido no curso do processo, isto é, sem  que lhe coloque termo, deverá ser definido como decisão interlocutória”(...)

 

 

            Ademais, cabe transcrever trecho de julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que inadmite a possibilidade de reconhecimento de sentença parcial de mérito:

RESPONSABILIDADE CIVIL. EXONERAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO. DANO MORAL E DANO MATERIAL. Agravo retido interposto em face da decisão que indeferiu pedido de requisição de fitas de vídeo à direção do Foro Central, para averiguação de atitude do autor quando da audiência de instrução, desprovido. Encontrando óbices intransponíveis no art. 463, I e II, do CPC, com a redação em vigor na época da prolação da primeira sentença, merecem ser desconstituídas as duas em complementação, sob pena de violação ao devido processo legal. Apelo provido. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70017516881, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leo Lima, Julgado em 16/05/2007). (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.  Apelação. Apelação e Reexame Necessário Nº 70017516881, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leo Lima, Julgado em 16 de maio de 2007.)

 

Vê-se, portanto, que embora haja divergência na doutrina e jurisprudência quanto à possibilidade de aplicação da sentença parcial de mérito, essa é uma realidade no ordenamento jurídico brasileiro, pois já vem sendo aplicada a alhures.

 Por oportuno, salienta-se que tem sido objeto de polêmica, especialmente no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o reconhecimento do já mencionado, uma vez que, como podemos perceber, não há ainda uniformização da jurisprudência acerca do assunto.

Por fim, resta referir que, pelo acima exposto, tal conceito deveria ser objeto de maior reflexão e valoração por nossos juristas, para que houvesse uma maior uniformidade na sua aplicação, o que não vem ocorrendo.

2.3. Natureza da decisão.

            Como já referido, antes da lei 11.232/2005, a doutrina admitia a possibilidade de aplicação das chamadas “sentenças parciais de mérito”, mas reputava tal possibilidade em função do que determinava o art.273,§6º, do CPC que já dispunha: “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”.

            Mesmo estando a regra no capítulo que trata da antecipação de tutela, a doutrina já considerava não se tratar de decisão provisória ou liminar, mas sim de decisão verdadeiramente definitiva. Isso pelo próprio conceito de sentença que estava baseado na noção de ato judicial que extinguia o processo.

Com o novo conceito de sentença, tal concepção efetivamente foi modificada, pois não foi mais vista como uma decisão indivisível, mas fracionável, conforme observam alguns autores como Fredie Didier Jr e Daniel Mitidiero, que merecem serem citados.

            Assim, (DIDIER JR , 2007, p.711-734), prevê que:

“A mais importante razão que se deve fazer sobre o novo §6º do art.273 diz respeito à sua natureza jurídica: não se trata de tutela antecipada, e sim resolução parcial da lide (mérito). A topologia do instituto está equivocada.

Não é antecipação dos efeitos da tutela, mas emissão da própria solução judicial definitiva, fundada em cognição exauriente e apta, inclusive, a ficar imune com a coisa julgada material. E, por ser definitiva, desgarra-se da demanda que resta a ser julgada, tornando-se decisão absolutamente autônoma: o magistrado não precisa confirmá-la em decisão futura, que somente poderá examinar o que ainda não tiver sido apreciado.

Essa decisão futura (possivelmente uma sentença) nem sequer precisa ser de mérito. Pode o magistrado, por exemplo, não examinar a parte restante do mérito, e nem por isso a resolução parcial restaria prejudicada, necessariamente. É que, se não tiver havido recurso da decisão que fracionou o julgamento, haverá coisa julgada, que somente poderá ser desconsiderada via ação rescisória. Frise-se, mais uma vez: são duas ( ou mais) decisões  de igual porte ( a que  fracionou e  a final),  sem qualquer distinção ontológica  nem vínculo de subordinação, distinguindo-se  tão-só na qualificação  jurídica como ato do juiz ( sentença ou decisão interlocutória), cuja  finalidade é eminentemente  prática:revelar o recurso cabível.

(...)

Como não se trata de provimento antecipatório, a ele não se aplicam os requisitos da tutela antecipada: prova inequívoca, verossimilhança das alegações, fundado receio de dano ou abuso de direito de defesa e manifesto propósito protelatório e, principalmente, o princípio da irreversibilidade, necessidade de requerimento da parte. Não se trata de tutela de urgência, muito menos provisória. Os únicos requisitos para sua aplicação são: a) a incontrovérsia de pedido formulado, ou de parcela dele; b) a desnecessidade de prova em audiência para determinado pedido, ou de parcela dele. Isso é importantíssimo.

(...)

Trata-se, na verdade, de mais de uma modalidade de “julgamento conforme o estado do processo” ( arts. 329 a 331 do CPC). “Eis sua topografia ideal”. (fl.716).

 

Ainda, (MITIDIERO,2004, p.22-33) colaciona o seguinte:

 

 

“No que agora estritamente nos interessa, importa observar que não se trata, propriamente, de técnica antecipatória dos efeitos da tutela jurisdicional, afeiçoando-se antes a expediente que se destina a resolver definitivamente um ou mais dos pedidos cumulados ( ou tão somente parcela destes mesmos pedidos), com base em  cognição exauriente, cuja decisão se mostra suscetível  de lograr autoridade de coisa julgada. Em realidade, trata-se  de verdadeira  resolução parcial do mérito, configurando uma nova modalidade de julgamento conforme o estado do processo (...) “.

 

Portanto, percebe-se que nos casos em que o juiz profere decisão julgando apenas parte da demanda, remetendo para outro momento o julgamento de parcela controversa, como por exemplo, no caso do disposto no art. 273, § 6º, do CPC, tem-se uma nova modalidade de julgamento conforme o estado do processo, pois há solução judicial definitiva, de cognição exauriente e não provisória, que por óbvio necessitaria de confirmação futura, como a antecipação de tutela, o que não acontece, no caso em comento.

Conclusão:

            Com o presente artigo, conclui-se que houve mudança substancial no conceito de sentença, fazendo surgir o que se denominou de sentença parcial de mérito.

            Assim, em que pese haja alguns doutrinadores e julgados que não aplicam o conceito de sentença parcial de mérito, verificou-se que esse conceito já está inserido no âmbito do ordenamento jurídico desde 2002, o que faz com que haja possibilidade do juiz proferir uma decisão de matéria incontroversa e deixar para outro momento o julgamento da parte controversa.

            Tal conceito, pois, traz maior celeridade para o processo e garante os direitos das partes de forma mais efetiva, pois essas já podem gozar de suas garantias  sem esperar tortuosamente o trânsito em julgado da sentença.

Referências:

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.  Apelação. Matéria Cível. Apelação Cível n. nº70006762470. Investigação de Paternidade cumulada com pedido de alimentos. Relator: Des. Rui Portanova. Porto Alegre, RS, 13 de dezembro de 2007.

______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.  Apelação. Matéria Cível. Apelação Cível n. 70022037295. Investigação de Paternidade cumulada com pedido de alimentos. Relator: Des. Rui Portanova. Porto Alegre, RS, 13 de dezembro de 2007.

_____. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.  Apelação. Apelação e Reexame Necessário Nº 70017516881, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leo Lima, Julgado em 16 de maio de 2007.

DIDIER JR. Fredie. Inovações na Antecipação dos Efeitos da Tutela e a Resolução Parcial do Mérito. In Genesis: Revista de Direito Processual Civil, 2007.

FILHO. Ricardo de Oliveira Silva. A Sentença Parcial de Mérito e o Processo Civil Moderno. Revista da Ajuris. Porto Alegre, v.34, n.108, 2007.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 4 Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

______. Curso de Processo Civil. 6ª. Ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

MITIDIERO. Daniel Francisco. Sentenças parciais de mérito e resolução definitiva fracionada da causa. In: Genesis- Revista de Direito Processual Civil, n.31, 2004.

NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, nota 4 e 8 ao art.162.

SILVA, Jaqueline Mielke; XAVIER, José Tadeu Neves. Reforma do processo civil. Comentários ás Leis: 11.187, de 19.10.2005; 11.232, de 22.12.2005; 11.276 e 11.277, de 7.2.2006; e 11.280, de 16.2.2006. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006.

THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 38. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. 10. Ed. Editora Revista dos Tribunais. 2008.

 

 

Elaborado em agosto/2014

 

Como citar o texto:

MOREIRA, Carine Brum da Costa; MOREIRA, Henrique Giusti; NOBRE, Ana Luiza de Lemos; ROLIM, Taiane da Cruz..A Sentença Parcial de Mérito e suas repercussões no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1200. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/3238/a-sentenca-parcial-merito-repercussoes-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em 6 out. 2014.

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