RESUMO: Pretendemos com o presente artigo, expor um panorama a respeito da imunidade alcançada pelo gás liquefeito de petróleo derivado de petróleo (GLP-P). Apesar do referido art. 155, § 2º X,’b’ imunizar as operações interestaduais com as referidas mercadorias, não estendeu essa prerrogativa ao gás liquefeito de petróleo derivado de gás natural (GLP-GN) pelo fato de não ser derivado de petróleo. Seria interessante que o gás liquefeito de petróleo derivado de gás natural pudesse usufruir do mesmo regime jurídico tributário que o derivado de petróleo, visto que é economicamente mais viável, mais benéfico ao meio ambiente e visa a sustentabilidade. Além disso o art. 2º, XVIII do Decreto 7.382/2010 diz que o gás natural é extraído de reservatórios petrolíferos e mesmo assim a interpretação que o Fisco faz a respeito da legislação aplicável ao assunto não corresponde com a realidade. Isso é demonstrado a cada parágrafo desse breve artigo. A substituição tributária para frente abre a possibilidade de a operação subseqüente ser tributada. Entretanto quando a operação é imune, não realiza hipótese de incidência tributária, portanto não há que se falar em tributação na operação subseqüente. Nesse caso não tem como ensejar a substituição tributária para frente vista que a operação interestadual com petróleo, lubrificantes líquidos e gasosos e derivados dele é imune.

 

PALAVRAS-CHAVE:  GLP-P, GLP-GN, petróleo, gás, ICMS, substituição tributária, imunidade

INTRODUÇÃO

À atividade petrolífera é essencial a existência de um regime fiscal equilibrado e harmonioso que leve em consideração a realidade do setor, para tanto é preciso conjugar a dinâmica peculiar e complexa desta atividade ao Direito Positivo, especialmente observando os princípios e normas gerais do direito tributário.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 começou-se a tributar com ICMS a circulação interestadual com combustíveis e lubrificantes, ocorre que naquele momento o texto de lei não fez qualquer menção que distinguisse os regimes jurídicos entre GLP-P (gás liquefeito de petróleo derivado de petróleo) e GLP-GN (gás liquefeito de petróleo derivado de gás natural). Posteriormente se fez necessário diferençar o regime jurídico dos referidos produtos conforme dispõe o art. 155, §2º X, ‘b’ da Constituição Federal. [1]

Apesar do referido art. 155, § 2º X,’b’ imunizar as operações interestaduais com as referidas mercadorias, não estendeu essa prerrogativa ao GLP-GN pelo fato de não ser derivado de petróleo. Seria interessante que o gás liquefeito de petróleo derivado de gás natural pudesse usufruir do mesmo regime jurídico tributário que o derivado de petróleo, visto que é mais benéfico ao meio ambiente e à sustentabilidade.

 Ainda nesse sentido interessante observar o art. 2º, XVIII do Decreto 7.382/2010 “Gás natural ou gás, todo hidrocarboneto que permaneça em estado gasoso nas condições atmosféricas normais extraído diretamente a partir de reservatórios petrolíferos ou gaseíferos cuja composição poderá conter gases, úmidos, secos, residuais”.

 O Fisco interpretou que mesmo que o gás natural seja extraído diretamente de reservatórios petrolíferos não deverá gozar da referida norma imunizante[2]. É com esse entendimento que o fisco onera demasiadamente a operação envolvendo o GLP-GN não restando muitas opções para diversos grupos econômicos no sentido de aumentar a sua comercialização frente ao GLP-P.

Em 2001 foi editada a Emenda Constitucional nº 33, que alterou o § 2º, inciso XII, do art. 155 da Constituição Federal acrescentando a alínea ‘h’ e assim restou disposto que “cabe à Lei Complementar definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto ICMS incidirá uma única vez, independente de sua finalidade, hipótese em que não se aplicaria o disposto no inciso X ‘b’ do mesmo preceito legal.”

Como se não bastasse a mesma Emenda Constitucional 33/2001 adicionou os§4º e § 5º ao art.155 da Constituição Federal que levou a doutrina ao entendimento que à Lei Complementar foi dada a competência para restringir o alcance da norma imunizante do art. 155 § 2º, X, ‘b’, da Constituição Federal, pois dispôs que bastaria que a referida Lei Complementar apontasse os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidiria uma única vez.

Curiosamente o art. 155, X ‘b’ da Carta Magna ao imunizar as operações de circulação de mercadoria interestaduais com petróleo, lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, não menciona para qual tipo de destinatário a mercadoria será encaminhada. O art. 3º, III da Lei Complementar 87/96 restringe o tipo de destinatário para determinar o alcance da imunidade e dessa maneira delimita que somente não incidiria o imposto quando destinados à industrialização ou à comercialização, significa dizer então quando destinados ao consumidor final, não aproveitaria a imunidade.

Como a discussão levou às divergências doutrinárias, o Supremo Tribunal Federal pacificou o tema a favor da imunidade somente na saída do Estado produtor, já que a entrada no Estado destinatário seria tributada. Corroboramos também com o entendimento que se a Constituição Federal não distingue a Lei Complementar não poderá fazê-la sob pena de extrapolar seu campo de irradiação semântica.

Os convênios que obrigam o industrial ou comerciante remetente, situado em outro Estado a possuir a condição de substituto tributário, isto é, reter o ICMS que seria devido no caso de operação regular com combustível realizada no âmbito interno do Estado, deverão observar a norma imunizante, pois o regime de substituição tributária para frente, não anula a imunidade discutida ao longo desse artigo.

 A substituição tributária para frente abre a possibilidade de a operação subseqüente ser tributada. Entretanto quando a operação é imune, não realiza hipótese de incidência tributária, portanto não há que se falar em tributação na operação subseqüente. Nesse caso não tem como ensejar a substituição tributária para frente vista que a operação interestadual com petróleo, lubrificantes líquidos e gasosos e derivados dele é imune.

Ainda nesse sentido o art.155 § 2º, XII em sua alínea ‘h’ acrescentada pela Emenda Constitucional 33/2001 autorizou os Estados de destino cobrar o imposto ICMS sobre a operação em questão, com tanto que passe a adotar o regime de substituição tributária ou o regime monofásico de tributação.

1.      BREVE ESCORÇO SOBRE O ASSUNTO

A Lei do Gás estabeleceu em seu art. 3º, I e II que a atividade de transporte de gás natural será exercida por sociedade ou consórcio, desde que tenham sede e administração no País e será feita mediante concessão desde que precedida de licitação ou autorização. O regime de autorização, disposto no § 1º do mesmo preceito legal, dispõe que será aplicado aos gasodutos de transporte que envolva acordos internacionais, já o regime de concessão será mais amplo e aplicar-se-á a todos os gasodutos de transporte considerados de interesse geral.

A União Federal, por meio de processo licitatório outorga a concessão às empresas privadas e públicas para desempenharem a atividade de transporte de gás natural, conforme previsto na Lei do Gás nº 11.909/2009 e no Decreto 7.382/2010 e subsidiariamente na Lei 8.666/93- estatuto geral das licitações e contratos administrativos.

MARCO AURÉLIO GRECO[3] entende que o ICMS não deve incidir sobre aquisição originária da propriedade, uma vez que os poderes exercidos pela União sobre esses bens, estão embasados em disciplina, jurisdição e controle, diferentemente disso estaria o uso o gozo e a disposição.

AUTA ALVES CARDOSO[4], nesse sentido comenta que “União possui todos os recursos minerais e outras riquezas existentes no subsolo, para efeito de poder outorgar concessões, por exemplo, mas o produto da lavra já surge no mundo jurídico como propriedade do concessionário, não havendo transição de direitos entre a União e os concessionários”.

Apesar das constantes divergências doutrinárias a respeito da natureza jurídica das concessões de transporte de gás natural, entendemos que a concessão de exploração de petróleo e gás natural é considerada concessão de uso público e não de atividade, visto que o concessionário terá o direito privativo desse bem público e o fará por conta e risco, observando condições pré-estabelecidas. Diferentemente na concessão de atividade que o objeto seria a própria atividade.

Quando começou-se a tributar com ICMS a circulação interestadual com combustíveis e lubrificantes, o texto de lei não fez qualquer menção que distinguisse os regimes jurídicos entre GLP-P (gás liquefeito de petróleo derivado de petróleo) e GLP-GN (gás liquefeito de petróleo derivado de gás natural). Houve, posteriormente a necessidade de diferençar o regime jurídico dos referidos produtos conforme dispõe o art. 155, §2º X, ‘b’ da Constituição Federal. [5]

2.      RAZÃO SUBJACENTE PARA A IMUNIDADE DO GLP-P 

Parte da dogmática entende que a norma de imunidade é uma limitação constitucional ao poder de tributar, data máxima vênia, temos que discordar com tal afirmação visto que a imunidade não exclui, tampouco suprime competência tributária, pois analisando a semântica dos termos “suprimir” bem como “excluir”, temos por “suprimir” o ato de anular, cancelar e por “excluir” pressupõe algo que antigamente era incluído e agora foi expulso, e, portanto excluído.

A norma imunizadora está demarcando a competência tributária dos entes que detém aptidão legiferante, no momento da tomada de decisão, o legislador levará em consideração uma série de valores, circunstâncias para que decida deixar, determinadas matérias, de fora do campo tributável.

PAULO DE BARROS CARVALHO (2011, p.173) afirma que com relação às imunidades tributárias, podemos colocá-las como:

“classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas”.

As imunidades em termos lógicos, são representadas pelos modais deônticos (V,O), proibido obrigar, de modo que os entes da federação estão diante de uma incompetência tributária, não possuem aptidão de tributar aquela matéria amparada pela norma de competência

Na situação em tela, não incidência se traduz em imunidade e corroboramos com o entendimento de SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO quando expõe o motivo que levou a imunizar tal operação envolvendo GLP-P:

 “A regra é compreensível, à luz do interesse nacional em favor do mercado comum brasileiro e do barateamento do custo, desses insumos, vitais, não só à produção de mercadorias, como à vida do povo em geral” [6].

 

Apesar do referido art. 155, § 2º X,’b’ imunizar as operações interestaduais com as referidas mercadorias, não estendeu essa prerrogativa ao GLP-GN pelo fato de não ser derivado de petróleo. Seria interessante que o gás liquefeito de petróleo derivado de gás natural pudesse usufruir do mesmo regime jurídico tributário que o derivado de petróleo, visto que é mais benéfico ao meio ambiente e à sustentabilidade sem contar que é também etirado de reservatórios petrolíferos.

Os legisladores interpretaram que mesmo que o gás natural seja extraído diretamente de reservatórios petrolíferos não deve gozar da referida norma imunizante. O Fisco onera demasiadamente a operação envolvendo o GLP-GN não restando muitas opções para diversos grupos econômicos no sentido de aumentar a sua comercialização frente ao GLP-P.

Estudos da petrobrás, concluiram que o  GLP-GN é fonte de energia mais limpa que o derivado de petróleo e com menor custo de manutenção para os equipamentos que fizerem uso desse combustível. Nesses termos, nos parece que a seara política interferiu na valoração apresentada pelos legisladores já que  sobrepós a razão utilitarista fazendo transparecer num primeiro momento, o cunho subjetivista da decisão que levou a imunizar operação de circulação interestadual de gás liquefeito de petróleo derivado de petróleo (GLP-P).

A própria lei do petróleo 9.478/97 destaca em seu artigo1º o seguinte:

“As políticas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia visarão os seguintes objetivos: (...) IV- proteger o meio ambiente e promover a conservação de energia; (...), VI- incrementar, em bases econômicas, a utilização do gás natural; (...); VIII- utilizar fontes alternativas de energia, mediante o aproveitamento econômico dos insumos disponíveis e das tecnologias aplicáveis; (...); X- atrair investimento na produção de energia; (...) XI- ampliar a competitividade do País no mercado internacional” (grifos nossos).

Convenhamos que os nossos legisladores ao imunizarem as operações de circulação de mercadoria na saída do GLP-P não observaram o que dispunha a Lei do Petróleo. O GLP-GN é uma fonte de energia alternativa, com menos efeitos prejudiciais ao meio ambiente, promove a conservação de energia e ainda ampliar a competitividade no mercado internacional fazendo com que o País seja um potencial exportador de GLP-GN vista a escassez desse produto em vários países.

Vale lembrar a questão da sustentabilidade que já é objeto de discussão de todas as convenções, fóruns internacionais. Apesar de tudo, o cientista do direito continua produzindo o ato de valorar inadequadamente à realidade.

A legislação direcionada ao presente caso não atende às necessidades que a sociedade demanda e tampouco o que preconiza os valores pautados em princípios. Concordamos ser um enorme desafio ainda mais com a máquina fiscal onerando uma matéria prima que deveria ser valorizada e explorada voltada para uma razão utilitarista.

O art. 2º, XVIII do Decreto 7.382/2010 explica que:

 “Gás natural ou gás, todo hidrocarboneto que permaneça em estado gasoso nas condições atmosféricas normais extraído diretamente a partir de reservatórios petrolíferos ou gaseíferos cuja composição poderá conter gases, úmidos, secos, residuais”. (grifos nossos)

 

Como foi possível perceber pela simples leitura da lei, o gás liquefeito de petróleo derivado de gás natural (GLP-GN) é extraído de reservatórios petrolíferos, no entanto, entende o Fisco que  somente o gás liquefeito de petróleo derivado de petróleo (GLP-P) é que deve se beneficiar da imunidade relativa à cobrança de ICMS..

Algumas divergências doutrinárias foram observadas na questão da natureza jurídica dessa não-incidência. Corroboramos com a doutrina majoritária no sentido que essa não-incidência demonstrada no artigo acima transcorrido é, na verdade, uma imunidade tributária, inclusive esse tema já foi pacificado pelo Supremo Tribunal Federal.

3.      A EMENDA CONSTITUCIONAL 33/2001

Nosso ordenamento jurídico é um conjunto hierarquizado de normas jurídicas estruturadas na forma de uma pirâmide, ordenadas sintaticamente.A norma mais importante é a Constituição Federal, e é a partir dela que  outras normas hierarquicamente inferiores retiram seus fundamentos de validade.

Conforme o direito positivo, uma norma jurídica para pertencer ao Ordenamento Jurídico precisa ser válida, significa buscar então seu fundamento de validade em outra norma hierarquicamente superior.

 Conforme entendimento de ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA:

“Conhecida a estrutura hierárquica do ordenamento jurídico, torna-se relativamente fácil ao intérprete ou ao aplicador do Direito dirimir qualquer conflito interno de normas. Tratando-se de normas de hierarquia diversa, prevalecerá à superior, isto é a de mais alta hierarquia, porque à outra, exatamente por contraditá-la, faltará”[7]

Mister ressaltar que as normas não dependem do conteúdo abordado na Constituição Federal, contudo aquelas para serem consideradas válidas não poderão versar contrariamente ao conteúdo desta que inclusive deverá permanecer válida para que outras normas no ordenamento jurídico também sejam.

Corroboramos com PAULO DE BARROS CARVALHO no sentido que:

 “Têm entendido os constitucionalistas que tais leis são aquelas necessárias ao complemento de dispositivos da Lei Básica que não sejam autoaplicáveis, qualificando-as ontologicamente pela matéria inserida no seu conteúdo” [8]

A partir disso podemos tomar o direito positivo como conjunto de normas jurídicas válidas em um ordenamento. Inclusive, as normas estruturadas na forma hipotético-condicionais, são prescritivas de condutas e posicionam-se hierarquicamente escalonadas em forma piramidal, cujo topo dessa estrutura seria composto por nada menos que a Constituição Federal, norma suprema.

À norma constitucional, instância mais elevada do sistema jurídico, compete estabelecer quais os procedimentos a serem seguidos para ingressar a norma no sistema. A Constituição possibilita que o processo comunicacional seja contínuo, isto é, que todos os subsistemas possam se comunicar entre si.

Entretanto, a Emenda Constitucional 33/2001 determinou que não se aplicasse a imunidade do ICMS nas operações interestaduais com gás natural e seus derivados e conforme mencionamos a Constituição prevê, apenas, tal imunidade para os derivados de petróleo.

A  ADI 3800 proposta pelo Estado da Paraíba em 19/09/2006, pediu a declaração de inconstitucionalidade da alínea ‘h’ do inciso XII do §2º e dos incisos II e III do §4º do art. 155 da Constituição Federal[9] inseridos pela própria Emenda Constitucional no. 33/2001. O processo encontra-se concluso ao Relator inespecífico desde 14/08/2009 e permanece pendente de julgamento até a presente data.

Não há que se falar em alteração desse preceito Constitucional por meio de Emendas à Constituição. A despeito dessas Emendas algumas vezes agravarem a situação do contribuinte não podem dar novo fundamento de validade inclusive às normas que surgem em desacordo à ordem constitucional.

Às Emendas Constitucionais é dada a prerrogativa de complementar algum preceito constitucional, tomando-o como base. Acontece que a Emenda Constitucional 33/2001 acrescentou os §4º e §5º ao art.155 da Constituição Federal.[10]

Esse §4º menciona a hipótese do inciso XII, ‘h’ do referido art. 155 da Constituição Federal, determina que caberá à Lei Complementar definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez qualquer que seja sua finalidade, hipótese esta que não se aplicará o disposto no §2º inciso X ‘b ’ (que dispõe que não incidirá o imposto ICMS sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica).

Dessa maneira, deu a entender que à Lei Complementar foi dada a competência de restringir o alcance da norma imunizante do art. 155 § 2º, X, ‘b’, da Constituição Federal, pois dispôs que bastaria que a mesma apontasse os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidiria uma única vez.

Porém nosso entendimento está em descompasso com a Emenda Constitucional 33/2001 que deu esses poderes à lei complementar e, portanto corroboramos com o entendimento de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:

 “(...) Emenda Constitucional – diferentemente de uma nova Constituição - não é ruptura com o ordenamento jurídico anterior, mas, pelo contrário, funda-se nele, nele se integra e representa sua continuidade, donde seria inadmissível entender que tem o efeito de “constitucionalizar”, ainda que daí para o futuro, leis originariamente inconstitucionais. Deveras, tal intelecção, propiciaria fraude ao próprio ordenamento, pois ensejaria e confortaria sua burla, efetuável mediante produção de leis inconstitucionais em antecipação a emendas futuras (...). ”[11]

Após bastante discussão acerca do assunto, o Supremo Tribunal Federal por meio da ADI 3103-1 e através dos votos dos Ministros Cezar Peluso e Marco Aurélio considerou constitucional as normas que estabelecem critérios de identificação e quantificação do GLP-GN e do GLP-P, para fins de incidência e Estado de destino do tributo, conforme estipula o Protocolo ICMS no. 33/2003.

4.      A SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PARA FRENTE

            Com a EC 3/1993 tornou-se possível antecipar a cobrança do tributo, desde que seja garantido ao contribuinte originário (o substituído) a devolução do indébito tributário na hipótese, de que no final possa ser que não ocorra o fato imponível.

            A CF veda a tributação de fato que ainda não ocorreu, então a nosso ver, somente podemos substituir uma pessoa identificada, no caso da substituição para frente. No caso em discussão, se a operação de circulação de mercadoria é imune, não configurou uma obrigação, tampouco uma relação intersubjetiva, isto é, não há sujeito passivo da obrigação e portanto impossível a substituição para frente. Não se saberia quem é o substituto

       Além disso, a lei não dispõe de poderes para o recolhimento antecipado do tributo sob pena de infringir os direitos fundamentais do contribuinte. Ademais o art. 1° da EC 3/1993 é inconstitucional, já que fere o princípio da segurança jurídica uma vez que esse princípio aplicado ao direito tributário exige que o tributo só nasça após a ocorrência real e efetiva do fato imponível

       Como sabemos a lei complementar 87/1996 foi criada a fim de disciplinar o instituto da substituição tributária (art. 155, 2° XII ‘b’ da CF) em seus arts 5°,6°, 7° e 8°, e o fez de maneira inconstitucional. Dizemos ser inconstitucional pelo motivo que  os aludidos artigos, uma vez que delegaram à lei ordinária dos Estados, e do Distrito Federal, competências para esmiuçar a substituição tributária do ICMS.

       Em suma, a substituição tributária para frente, se baseia num fato futuro, isto é, de ocorrência ainda pendente. Se o fato não se realizar, o substituído teria, direito a um ressarcimento do valor do imposto pago, conforme prescreve o art. 10 da referida LC 87.

       A nosso ver é visível a inconstitucionalidade dos Convênios que obrigam tanto o comerciante ou o industrial remetente, que estejam situados em outro Estado e tenham a condição de substitutos tributários a reterem o ICMS nos mesmos termos em que a operação com combustível fosse realizada internamente nesse mesmo Estado.

 O regime de substituição tributária para frente não tem permissão para anular a imunidade. Quando há imunidade não poderá tributar a operação subseqüente dado o fato de esta estar amparada por norma imunizadora, portanto, não perfaz a hipótese de incidência tributária.

Parte da doutrina entende ser plausível a antecipação dessa cobrança de ICMS, contudo a nosso ver seria impossível vista que a circulação envolvendo petróleo, lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados é imune à tributação com ICMS e portando, não caberia a substituição para frente.  Não há configuração de hipótese de incidência tributária e dessa maneira não tem aplicabilidade o art. 5º a 10º da Lei Complementar 87/1996, que dispõem sobre substituição tributária para frente no ICMS.

Mesmo com a impossibilidade da ocorrência da substituição tributária para frente o art.155 § 2º, XII em sua alínea ‘h’, acrescentada pela Emenda Constitucional 33/2001, autorizou os Estados de destino a cobrarem o imposto ICMS sobre a operação em questão, com tanto que passe a adotar o regime de substituição tributária ou o regime monofásico de tributação.

Além disso, à Lei Complementar também caberá regular a forma como os incentivos e benefícios fiscais e isenções seriam concedidos ou revogados, preceito estabelecido na alínea ‘g’ do referido artigo.

Essa lei complementar não é norma geral de direito tributário e por tal motivo invade a competência dos Estados. Os contribuintes estão absolutamente sem saber como recolher os tributos devidos. Até a Petrobrás em algum momento já propôs ação de consignação em pagamento por ter dúvidas a respeito da destinação do pagamento do imposto.

Com essa complicação, pela falta de Convênios, os contribuintes têm aplicado a analogia, porém continuam recebendo autuações. O Fisco de maneira equivocada tributa levando em consideração normas hierarquicamente inferiores e como se não bastasse à falta de coerência, alguns Estados criaram o Protocolo ICMS 33/2003. Com total inobservância aos princípios constitucionais, o Estado de Sergipe entendeu que se tratava de um Convênio que pudesse ser retroativo às operações realizadas em outros exercícios, claro, totalmente inconstitucional.

5.      GLP-P  versus   GLP-GN

 Além do apelo jurídico filosófico, também observamos o aspecto econômico do presente tema. Curioso o fato de que a própria lei do petróleo 9.478/97 destaca em seu artigo1º o seguinte:

“As políticas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia visarão os seguintes objetivos: (....) IV- proteger o meio ambiente e promover a conservação de energia; (....), VI- incrementar, em bases econômicas, a utilização do gás natural; (....); VIII- utilizar fontes alternativas de energia, mediante o aproveitamento econômico dos insumos disponíveis e das tecnologias aplicáveis; (....); X- atrair investimento na produção de energia; (...) XI- ampliar a competitividade do País no mercado internacional”. (grifos nossos)

A prática não atende às necessidades sociais e tampouco o que preconiza a lei.  Proteger o meio ambiente, conservar energia, buscar sustentabilidade? Concordamos ser um enorme desafio ainda mais com a máquina fiscal onerando essa atividade que vem desempenhando. Não é plausível que tudo isso fique restrito a uma folha de papel, a sociedade precisa que a legislação seja adequada à sua realidade e feito isso também possa exteriorizar seus efeitos não permanecendo como mera marca de tinta no papel.

Diversos estudos realizados comprovaram que o GLP-GN é mais benéfico ao meio ambiente do que o GLP-P, porém mesmo com esse forte argumento de sustentabilidade e havendo uma descoberta de potencial 419 bilhões de metros cúbicos de gás natural na Bacia de Santos, que poderá impulsionar o setor energético brasileiro, os legisladores somente vivem sob as suas realidades ou sob uma realidade antiquada anterior à descoberta de gás natural e de todos os seus pontos a favor. A própria empresa Comgás se ocupou em detalhar todos os possíveis benefícios do GLP-GN derivado de gás natural frente ao GLP-P derivado de petróleo conforme quadros abaixo. [12]

Quadro Comparativo 1

GLP-GN

GLP-P

Investimento inicial

Menor

Maior

Custo para utilização

Menor

Maior

Custo de manutenção

Menor

Maior

Estoque no local de uso

Dispensa

Necessário

Condição de pagamento

Após o uso

Antecipado

 Uso de área

Menor

Maior

Pátio de recebimento

Dispensa

Necessário

Condicionamento para uso

Nenhum

Vaporização

Controle das emissões

Simples

Simples

Controle da combustão

Simples

Simples

Limpeza do local de uso

Fácil

Remoção do condensado

Escapamento

Fácil dispersão

Remoção difícil

Agressividade das emissões

Muito baixa

Muito baixa

Emissões atmosféricas

Não exige

Não exige

Efluentes líquidos

Não exige

Não exige

Quadro 2 - Benefícios do uso do gás natural na indústria

·         Não exige gasto de energia com o pré-aquecimento para queima.

·         Elimina o custo financeiro de estocagem.

·         Reduz o seguro por não estocar combustível inflamável.

·         Diminui os custos de operação e manutenção.

·         Retarda os investimentos em troca de equipamentos.

·         Fatura pós- consumo.

·         Evita impurezas e depósito de compostos contaminantes.

·         Não altera a coloração do produto.

·         Alcança curvas de temperatura ideais.

·         Garante elevados padrões de qualidade, proporcionando competitividade nos mercados mais nobres.

·         Reduz significativamente as restrições dos órgãos ambientais e contribui para a melhoria da qualidade do ar.

·         Não depende de desmatamento/reflorestamento.

·         Por ser mais leve que o ar, facilita a dispersão em caso de vazamento

 Como podemos observar, o GLP-GN tem considerável vantagem frente ao GLP-P, porém ainda assim nossos legisladores não se atentaram para esse fato. O monopólio para a comercialização de gás sempre existiu ficando a cargo de empresas estaduais distribuidoras como também ao próprio Governo Estadual. Esses são os responsáveis pela política local de uso desse gás, logicamente não podendo infringir qualquer dispositivo sobre o assunto que esteja ressaltado em lei de hierarquia superior. Ocorre que os Governos são inúmeros e podem criar seus próprios sistemas de regulamentação do preço através de Convênios.

            Não é aceitável que passem a existir diversos Convênios editados por diferentes Estados da Federação para reger o mesmo assunto. Obviamente que sempre haverá uma discrepância e o contribuinte por sua vez não estará adequadamente amparado pela legislação, fadado a insegurança jurídica já demonstrada.

CONCLUSÃO

            Como dissemos adrede exposto, após averiguar a respeito da Em relação à imunidade prevista no art. 155, §2 º, X, ‘b’ da Constituição Federal chegamos às seguintes conclusões:

1.      A respeito da imunidade prevista no art. 155, II, 2º X, ‘b’ da Constituição Federal, entendemos que a utilização do termo “operações que se destinem”, significa dizer que somente a saída estará coberta por tal norma imunizadora e dessa forma ocorrerá à tributação na entrada da mercadoria no outro Estado e não fará jus ao uso dessa imunidade.

 

2.      Entendemos que a referida  imunidade deve ser estendida ao GLP-GN e, portanto não ensejar a cobrança de ICMS. Não poderá portanto o imposto acrescer no valor final do produto.

 

3.      O direito positivo é formado por um conjunto de normas jurídicas válidas dentro do Ordenamento Jurídico e estruturadas na forma hipotético-condicionais. São prescritivas de condutas e posicionam-se hierarquicamente escalonadas em forma piramidal. É a Constituição Federal a norma máxima que está localizada no topo da pirâmide e que deve dar fundamento as demais normas hierarquicamente inferiores.Interpretamos que à Lei Complementar e à Emenda Constitucional não compete restringir o instituto da imunidade.

4.       Notamos a impossibilidade de ocorrer à substituição tributária para frente nas operações que destinem petróleo, lubrificantes líquidos e gasosos ou derivados dele, a outro Estado, uma vez que com o instituto da imunidade do art. 155 §2º X ‘b’ da CF, não há que falar em realização da hipótese de incidência tributária.

5.      O GLP-GN é comprovadamente por pesquisas, uma fonte renovável, sustentável e economicamente mais viável que o GLP-P, contudo não lhe foi concedido o benefício da imunidade do ICMS nas operações de circulação de mercadoria interestadual.

BIBLIOGRAFIA

CARDOSO, Auta Alvez. Gás como Fonte de Energia Sustentável. A Importância de sua Desoneração Fiscal. in Heleno Taveira Torres (coord), Tributação no Setor de Petróleo., São Paulo,:Quartier Latin, 2005.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 27ed, São Paulo: Malheiros,2010.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ed, São Paulo: Saraiva, 2011.

CÔELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro.11ed., Rio de Janeiro: Forense,2010.

GRECO, Marco Aurélio. ICMS – Exigência em relação à Extração de Petróleo, Dialética n° 100/2004

MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Leis originalmente inconstitucionais compatíveis com emenda constitucional superviniente” in Heleno Taveira Torres (coord), Teoria Geral da obrigação Tributária (Estudos em homenagem ao Professor José Souto Maior Borges), São Paulo, Malheiros, 2005

www.comgas.com.br

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[1] Art. 155, § 2º X, CF:“não incidirá: (...) b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados e energia elétrica”.

[2] Art. 155, § 2º X, CF:“não incidirá: (...) b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados e energia elétrica”.

[3] Greco, Marco Aurélio.ICMS – Exigência em relação à Extração de Petróleo, Dialética 100/2004, p.134.

[4] CARDOSO, Auta Alvez. Gás como Fonte de Energia Sustentável. A Importância de sua Desoneração Fiscal. in Heleno Taveira Torres (coord), Tributação no Setor de Petróleo., São Paulo,:Quartier Latin, 2005, p.170

[5] Art. 155, § 2º X, CF:“não incidirá: (...) b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados e energia elétrica”.

[6]  Coêlho, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro.11ed., Rio de Janeiro: Forense,2010, p. 314.

[7] Roque, Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributário, 27ed, São Paulo: Malheiros,2010.

[8] Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ed, São Paulo: Saraiva, 2011.

[9] "Art. 155 - (...)  § 2º - XII - cabe à lei complementar:  h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja  a  sua  finalidade,hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X, b; § 4º - Na hipótese do inciso XII, h, observar-se-á o seguinte: (...) II - nas operações interestaduais, entre contribuintes, com gás natural e seus derivados, e lubrificantes e combustíveis não incluídos no inciso I deste parágrafo,  o  imposto  será  repartido entre  os  Estados de origem e de destino, mantendo-se a mesma proporcionalidade que ocorre nas operações com as demais mercadorias; III - nas operações interestaduais com gás natural e seus derivados, e lubrificantes e combustíveis não incluídos no inciso I deste parágrafo, destinadas a não contribuinte, o imposto caberá ao Estado de origem." 

[10]  Art.155 §4º -Na hipótese do inciso XII, ‘h’observar-se-á o seguinte:

I - nas operações com os lubrificantes e combustíveis derivados de petróleo, o imposto caberá ao Estado onde ocorrer o consumo; II - nas operações interestaduais, entre contribuintes, com gás natural e seus derivados, e lubrificantes e combustíveis não incluídos no inciso I deste parágrafo, o imposto será repartido entre os Estados de origem e de destino, mantendo-se a mesma proporcionalidade que ocorre nas operações com as demais mercadorias;III - nas operações interestaduais com gás natural e seus derivados, e lubrificantes e combustíveis não incluídos no inciso I deste parágrafo, destinadas a não contribuinte, o imposto caberá ao Estado de origem

[11]Leis originalmente inconstitucionais compatíveis com emenda constitucional superviniente” in Heleno Taveira Torres (coord), Teoria Geral da obrigação Tributária (Estudos em homenagem ao Professor José Souto Maior Borges), São Paulo, Malheiros, 2005, p.60

[12] Fonte: http://www.comgas.com.br/quero_industria/gasnatural/beneficios.asp

 

 

Elaborado em setembro/2014

 

Como citar o texto:

CHICARELLI, Milena Abdalla..IMUNIDADE NA COBRANÇA DE ICMS RELATIVO AO GÁS LIQUEFEITO DE PETRÓLEO DERIVADO DE PETRÓLEO (GLP-P) VERSUS GÁS LIQUEIFEITO DE PETRÓLEO DERIVADO DE GÁS NATURAL (GLP-GN). Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1200. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-tributario/3242/imunidade-cobranca-icms-relativo-ao-gas-liquefeito-petroleo-derivado-petroleo-glp-p-versus-gas-liqueifeito-petroleo-derivado-gas-natural-glp-gn-. Acesso em 6 out. 2014.

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