RESUMO

No processo penal não existe uma “ação cautelar”, como no processo civil, as medidas cautelares são aplicadas incidentalmente, através de requerimentos ou ofício. O artigo 319 do CPP, com alteração trazida pela Lei 12.403/2011 traz um rol de ­­­09 medidas cautelares, alternativas a prisão. Nesse artigo visamos abordar as medidas cautelares em espécie.

PALAVRAS-CHAVE: Código de Processo Penal – Lei 12.403/2011 – Medida cautelar

O novo art. 319 traz um rol de medidas cautelares, alternativas a prisão, buscando evitar a total restrição da liberdade do sujeito, que, por sua vez, se torna a ultima ratio. Demonstra, também, um grande avanço no Direito, agregado a uma mudança na mentalidade de seus operadores e resultando em um novo quadro prisional brasileiro.

No processo civil existe uma ação cautelar, já no processo penal também existe a tutela cautelar, entretanto esta não se dá em ação própria, não existe um “processo penal cautelar”, as medidas são aplicadas incidentalmente, através de requerimentos ou de ofício.

 As medidas cautelares diversas da prisão tem caráter autônomo e podem ser aplicadas em qualquer fase da persecução penal, inclusive em sentença condenatória, como medidas substitutivas das prisões cautelares ou para crimes que não tenham previsão legal de prisão preventiva ou temporária (cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 anos). Não podem ser aplicadas às contravenções penais, nem a crimes culposos.

Para Lopes Júnior (2011, p.125),

A medida alternativa somente deverá ser utilizada quando cabível a prisão preventiva, mas, em razão da proporcionalidade, houver uma outra restrição menos onerosa que sirva para tutelar aquela situação.

Mas também terão cabimento nos crimes cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 anos (situações em que o art. 313, I, veda a prisão preventiva), desde que exista fumus commissi delicti e periculum libertatis. [grifo do autor].

 

Com as mudanças do CPP, a regra, agora, é a imposição preferencial das medidas cautelares alternativas a prisão. A prisão preventiva deve ser aplicada como último instrumento, somente quando as outras medidas se mostrarem inadequadas ao caso concreto, ou quando forem descumpridas pelo acusado.

O princípio da excepcionalidade, proporcionalidade, provisoriedade, provisionalidade, contraditório, jurisdicionalidade e motivação, regem, também, as medidas cautelares diversas da prisão. Assim como todos os critérios de necessidade e adequação, por meio de decisão judicial fundamentada, uma vez que elas implicam em restrições dos direitos individuais do sujeito.

Com relação ao prazo de duração, também se aplicam as regras das prisões, devendo perdurar por prazo razoável, não podendo ser indefinido, pois também estão sujeitas a ilegalidade por excesso de prazo.

Toda medida cautelar deve observar a disponibilidade do imputado, atentando-se para a jornada de trabalho, de modo a não prejudica-la. A regra é optar pela maneira que traga menos danos ao sujeito, inclusive com relação a sua estigmatização social.

O descumprimento de qualquer medida cautelar substitutiva pode acarretar na decretação de prisão preventiva, conforme disposto no art. 282, §4.º e art. 312, § único do CPP.

ESPÉCIES DE MEDIDAS CAUTELARES

I – Comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividade.

Permite o controle da vida cotidiana do imputado, bem como certificar-se do seu paradeiro. Não tem relação com a instrução processual, não confunde-se com o dever de comparecer aos atos do processo, imposto na liberdade provisória (art. 310, § único)

Não há determinação legal da periodicidade, podendo ser mensal, semanal ou, até mesmo, diária, nos casos mais extremos. Cabe ao julgador avaliar o caso concreto e determinar a frequência, devendo agir com prudência e razoabilidade, observando a atividade profissional, as condições financeiras, os meios de transporte etc.

O dever de comparecimento periódico a juízo já está previsto no art. 78 do CP (sursis especial) e no art. 89, da Lei 9.099/95 (suspensão do processo).

Tem como finalidade vincular o acusado ao processo e serve para que ele comprove que está exercendo atividade lícita, criando a presunção de que não voltou à criminalidade.

II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares, quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações.

A proibição de frequentar certos locais já está prevista no art. 89, da Lei 9.099/95 (suspensão do processo) e tem por finalidade evitar o cometimento de novos crimes (garantia da ordem pública), por essa razão, diz-se que tem, visivelmente, objetivo preventivo.

O local que deve ser obstada a frequência deve ter relação com o fato praticado, obrigatoriamente. Exemplos dessa medida são proibições de frequentar estádio de futebol e clubes noturnos ou locais onde se vendam bebidas alcoólicas.

De acordo com Bonfim (2011, p.45),

Em tese, a medida cautelar é extremamente benéfica, salutar. Todavia, na prática, não vislumbramos chance de sucesso, salvo se drasticamente forem modificados os sistemas de controle dos acusados submetidos às referidas medidas.

Isso porque, na maioria das vezes, não há qualquer tipo de fiscalização por parte do Poder Público, que só vem a descobrir a proibição imposta quando, frequentemente, a polícia é chamada ao local onde o acusado acaba de realizar novo crime. Assim, não se verifica a eficácia da própria medida, que busca justamente evitar a reiteração delituosa.

 

 

III – Proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante.

O legislador se preocupou em proteger a vítima ou testemunha, ou, até mesmo, um coautor, de contatos que possam ser prejudiciais e que poderiam levar a prática de novos crimes ou a ameaça de provas. É cabível também em casos de violência doméstica.

Ressalta-se que o “permanecer distante” do inciso, refere-se ao sentido mais amplo da expressão, abrangendo todos os tipos de contatos, não apenas o físico. Inclui-se, também, o contato telefônico, eletrônico etc. Afinal, não adiantaria ser proibido o contato físico e o indiciado ou acusado continuar a perturbar a vítimas através de telefonemas ou mensagens, por exemplo.

Nesse caso, a efetividade será mais concreta, uma vez que a própria vítima, como primeiro interessado, denunciará o descumprimento da medida.

IV – Proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução.

Serve para tutela da prova e, como consequência, para eficácia da própria lei no processo penal, no momento que evita o risco de fuga sujeito, quando houver fundado receio. Trata-se de regra de caráter negativo, “não-fazer”.

Fica proibida, também, a saída do país, devendo ser recolhido o passaporte e proibida a expedição de novo. Da mesma maneira, deve ser comunicado as polícias das fronteiras, conforme art. 320, do CPP.

A proibição de ausentar-se da Comarca é condição de sursis, livramento condicional e regime aberto, conforme art. 78, do CP, art. 89, da Lei 9.099/1995 e arts. 132 e 115 da LEP.

V – Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos.

O sujeito deve recolher-se a sua residência todos os dias, durante a noite, e durante todo o dia nos finais de semana e dias de folga. Tem a finalidade de garantir a aplicação da lei penal (risco de fuga).

Assemelha-se ao regime aberto, mas pode se mostrar mais eficaz, uma vez que descumprida poderá acarretar na prisão preventiva. Funda-se no senso de responsabilidade do indivíduo, todavia, pode vir cumulada com o monitoramento eletrônico.

Nicolitt (2011, p.87) chama atenção para o caso de trabalhador noturno:

Curioso indagar se a medida poderia ser aplicada a quem tenha residência fixa, porém trabalha no período noturno. Já há vozes na doutrina no sentido de que em tal caso a medida é inaplicável, vez que, por ser medida excepcional, deve ser interpretada restritivamente.

Pensamos de forma diversa. A finalidade da medida é assegurar a permanência na residência durante o período de inatividade. As medidas cautelares como restrições a direitos fundamentais não podem ser interpretadas extensivamente para restringir ainda mais os direitos, mas não quando se dirijam em benefício do acusado. Desta forma, não seria razoável submeter o indivíduo à medida mais gravosa pelo simples fato de ter trabalho noturno, o que seria uma violação ao princípio constitucional da valorização do trabalho e da isonomia do trabalhador, que teria tratamento mais severo em razão de horário de sua jornada.

 

 

Bonfim (2011, p.49) discorda:

Uma questão, no entanto, exsurge de logo: e se o acusado possuir residência e trabalho fixos, labutando como segurança predial durante o turno da noite? Poderá ser beneficiado com a medida?

A resposta é, definitivamente, não. Isso porque a lei faz exigência do período em que se dará o recolhimento, e sendo a medida cautelar excepcional, qualquer interpretação advinda dela deve se dar restritivamente. Portanto, não se vislumbra admissível, por analogia, a aplicação do recolhimento domiciliar em período matutino ou vespertino para o acurso que labute à noite.

 

 

Não confunde-se com a prisão domiciliar (art. 317 e 318, do CPP), que é decorrente de motivos pessoais do agente, sendo uma espécie de prisão preventiva mais branda. No recolhimento domiciliar o indiciado encontra-se em regime de liberdade parcial, sendo menos gravosa que a primeira.

Essa medida, como todas as outras, pressupõe intensa fiscalização do Poder Público.

VI – Suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais.

É medida de extrema gravidade. Tem como finalidade a garantia da ordem pública ou da ordem econômica, evitando a continuidade delitiva.

Aplica-se para os crimes contra a administração pública (peculato, concussão, corrupção etc.), bem como para os delitos econômicos e financeiros, evitando a preventiva fundamentada na garantia da ordem econômica.

Silvio Maciel (apud GOMES e MARQUES, 2011, p.181) ressalta que

Embora o termo função pública deva ser tomado em seu sentido amplo, é bom ressaltar que em algumas hipóteses, por conta do que dispõe a lei ou a Constituição, o juiz criminal não poderá decretar a suspensão do exercício da função pública. Por exemplo, dispõe o art. 15, III, da CF que a suspensão dos direitos políticos – o que inclui o exercício do mandato vigente – somente pode ser decretada na hipótese de condenação criminal transitada em julgado. Da mesma forma, o magistrado acusado de crime só poderá ser afastado de suas funções por decisão do respectivo Tribunal ou de seu órgão especial (art. 27, §3.º da Lei Complementar 35/79) e não pelo membro do Tribunal que, por exemplo, esteja presidindo a investigação contra um magistrado.

Salienta-se ao fato de que, em se tratando de função pública, o afastamento não pode acarretar prejuízo à remuneração do agente, sob pena de violação à presunção de inocência. De outra banda, o afastamento cautelar penal não impede a apuração de providências de cunho administrativo, com a instauração de processos e sindicâncias internas que poderão, ainda, determinar a demissão do servidor ou a perda dos vencimentos ou subsídios (BONFIM, 2011, p.50).

VII – Internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração.

É uma espécie de “medida de segurança cautelar”. Tem caráter cautelar e provisório e não vincula ao juiz na apreciação do fato. Justifica-se pelo periculum libertatis, configurado no risco da prática de novos crimes. O local para internação deve ser Hospital de Custódia e Tratamento, jamais em estabelecimento prisional comum.

Seus requisitos são cumulativos e não alternativos.

Lopes Júnior (2011, p.137) alerta que devido a urgência das medidas cautelares nem sempre haverá condições de se fazer um exame de insanidade como necessário, tornando possível a criação de um laudo de constatação provisória de inimputabilidade.

VIII – Fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial.

A fiança está disciplinada nos arts. 322 a 350 do CPP, e sofreu substancial reforma com a Lei 12.403/2011.

Trata-se de medida cautelar de cunho patrimonial, que deve ser aplicada visando assegurar o comparecimento do acusado aos atos do processo e evitar a obstrução do seu andamento, ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial. É cabível, também, durante a fase de investigação, pela autoridade policial, desde a efetivação do flagrante.

De acordo com o art. 336, do CPP “o dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, se o réu for condenado”. O parágrafo único estabelece que o dispositivo terá aplicação ainda no caso da prescrição depois da sentença condenatória (art. 110 do Código Penal).

Segundo Lopes Júnior (2011, p.159) “a fiança é uma contracautela, uma garantia patrimonial, caução real, prestada pelo imputado [...] um elemento inibidor, desestimulante, da fuga do imputado, garantindo, assim, a eficácia da aplicação da lei penal em caso de condenação”.

O valor da fiança é fixado em salários mínimos vigentes e pode variar: de 1 a 100 vezes o valor do salário, para infrações cuja pena máxima privativa de liberdade não for superior a quatro (04) anos; de 10 a 200 vezes o valor do salário, quando a pena máxima privativa de liberdade cominada for superior a quatro (04) anos; reduzida até o máximo de 2/3 ou aumentada até 1.000 vezes, observada a situação econômica do preso.

IX – Monitoração eletrônica.

Já havia a previsão de monitoramento eletrônico para a fase de execução penal, prevista na Lei n.º 12.258/2010, tendo sido expandida para a fase de inquérito e instrução com a Lei 12.403/2011.

A medida constitui-se em utilização, por parte do acusado/indiciado de equipamento eletrônicos de vigilância indireta, que, através de sinais, consegue verificar a sua real localização. Na definição de Lima (2011, p.368),

Consiste no uso da telemática e de meios tecnológicos, geralmente por meio da afixação ao corpo do indivíduo de dispositivo não ostensivo de monitoração eletrônica, permitindo que, à distância, e com respeito à dignidade da pessoa a ele sujeito, seja possível observar sua presença ou ausência em determinado local e período em que ali deva ou não possa estar, cuja utilização deve ser feita mediante condições fixadas por determinação judicial.

 

 

Para Lopes Júnior (2011, p.141),

O monitoramento eletrônico é a medida cautelar alternativa, subordinada também ao fumus commissi delicti e, principalmente, à necessidade de controle que vem representada pelo periculum libertatis. Seu uso, por ser dos mais gravosos, deve ser reservado para situações em que efetivamente se faça necessário tal nível de controle e, em geral, vem associado ao emprego de outra medida cautelar diversa (como a proibição de ausentar-se da comarca, art. 319, IV).

 

 

Como a lei processual não diz os parâmetros para a aplicação dessa medida, eles devem ser definidos pelo magistrado, definindo suas condições e limites, sem perder-se do principio da dignidade da pessoa humana.

O monitoramento eletrônico é um dos instrumentos cautelares de maior utilidade e eficácia de controle da localização do sujeito, permitindo que o Estado fiscalize o efetivo cumprimento de suas decisões judicias. Ademais, evita o encarceramento desnecessário. Porém, deve ser usado apenas nos casos mais graves, sob pena de ferir o, já citado, principio da dignidade da pessoa humana e a liberdade individual.

Tal medida vem ganhando terreno na esfera penal, pois se consolidou como uma eficiente medida substitutiva ao sistema prisional tradicional. Recentemente a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado aprovou proposta para alterar a LEP, incluindo novas situações em que o juiz poderá determinar a fiscalização de presos por meio do monitoramento eletrônico.

A LEP prevê o monitoramento eletrônico para autorizar a saída temporária de preso em regime semiaberto e para determinar a prisão domiciliar, o texto aprovado acrescenta que a medida poderá ser usada quando: autorizar o gozo de livramento condicional; estiver o condenado cumprindo a pena no regime aberto; houver condenação de restrição de direito, com proibição a lugares específicos; houver opção do condenado pelo uso do dispositivo em substituição à prisão preventiva, ouvido o Ministério Público; houver autorização para o condenado sair temporariamente do estabelecimento penal, sem vigilância direta.

REFERÊNCIAS

BONFIM, Edilson Mougenot. Reforma do código de processo penal. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

GOMES, Luiz Flávio; MARQUES, Ivan Luís (coords). Prisão e medidas cautelares, comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. 1.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

LIMA, Renato Brasileiro de. Nova prisão cautelar. 1.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.

LOPES JÚNIOR, Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas. 2.ed. Rio de Janeiro, 2011.

NICOLITT, Andre. O novo processo penal cautelar. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

 

 

Elaborado em setembro/2014

 

Como citar o texto:

NOBRE, Ana Luiza de Lemos; MOREIRA, Carine Brum da Costa; MOREIRA, Henrique Giusti; ROLIM, Taiane da cruz..LEI 12.403/2011 – Uma Abordagem Das Medidas Cautelares Diversas Da Prisão. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1202. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-penal/3245/lei-12-4032011-abordagem-medidas-cautelares-diversas-prisao. Acesso em 13 out. 2014.

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