1.INTRODUÇÃO.

A morte sempre foi um tema curioso e altamente especulado pela sociedade humana. Nas mais diversas religiões, a morte é aborda de forma distinta e além disto, a vida após a morte também tornou-se uma tema bastante debatido. Entretanto, o que trazemos à baila é exatamente se existem filhos, que podem nascer após a morte ? Para isto, precisamos primeiramente compreender o que significa morte.

O médico Genival Veloso França, em artigo publicado no site portalmédico.com, argumenta que “é difícil precisar o exato momento da morte porque ela não é um fato instantâneo, e sim uma seqüência de fe­nômenos gradativamente processados nos vários órgãos e siste­mas de manutenção da vida. Hoje, com os novos meios semiológicos e instrumentais disponíveis, pode-se determiná-la mais precocemente”.

Do ponto de vista religioso, enfatizamos a mensagem cristã. O Brasil foi colonizado por portugueses, de formação católica. Alguns outros povos, de origem protestante, isto, ingleses, holandeses, franceses, também contribuíram na colonização, muito embora a dominação portuguesa fosse a dominante. Para estes, o texto bíblico apresenta dois tipos de morte, a saber: a morte física e a morte espiritual.

A morte física do cristão, ocorre quando o ser humano, para de viver, para de respirar, não consegue mais manipular seus hormônios, seu sangue. Tudo acaba. Nada sobra. O apóstolo Paulo, em suas epístolas escrevia “pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram” (Epístola aos Romanos, Cap. 5, vs.12) .

Já a morte espiritual, ocorre quando o ser humano não consegue mais, manter um relacionamento com o seu Criador. A distância, afasta o interesse, e o primeiro amor desaparece.

Mas uma indagação fica aqui lançada, após a morte física, não seria possível, o nascimento de filhos ? O falecido não poderia gerar filhos, mesmo após a sua morte  ?

2.HÁ FILHOS APÓS A MORTE ? QUAL A VISÃO JURÍDICA ?

As pessoas geralmente perguntam o que há e se é que há alguma coisa além do túmulo. Será a morte o fim da existência, uma entrada para a eternidade ou um estágio intermediário entre as vidas terrestres ?

Pois bem, embora os aspectos teológicos, sejam importantes, fincamos nossos argumentos sobre a vocação hereditária, prevista no Código Civil brasileiro de 2002. Posteriormente, em outro artigo falaremos sobre a vida espiritual.

A vocação hereditária está prevista a partir do artigo 1798 do Código Civil brasileiro. Ali se unifica as regras referentes à sucessão legítima e à sucessão testamentária, legitimando a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão, isto é, momento em que, ocorre a transmissão da herança aos denominados herdeiros legítimos e testamentários.

No que se refere às pessoas nascidas, aliás, aquelas já separadas do ventre materno, no momento da abertura da sucessão, restam induvidosas a legitimação para suceder. Segundo a Lei de introdução ao Código Civil, a personalidade civil da ser humano tem início com o nascimento com vida, entendendo-se a personalidade, como elemento importante, para ser sujeito de direitos e obrigações. Assim, podemos concluir inicialmente, que a regra legal e também bastante lógica é que para suceder, o herdeiro precisa estar vivo, ou seja, ser um sobrevivente além do de cujus (falecido).

Mas, por outro lado, o legislador brasileiro também amparou o chamado nascituro. Atento à hipótese de que a tecnologia médica avançaria permitindo a guarda de sêmen ou de óvulos, de pessoas falecidas, para terem seus filhos após a morte, a lei brasileira põe a salvo dos direitos dos chamados nascituro, ou seja, aqueles que irão nascer. Assim, respondendo à pergunta do título, podemos dizer que sim, há filhos após a morte.

Porém, ressalta-se que o direito de herança é atribuído, condicionalmente ao nascituro, mas para que a transmissão da herança se concretize, deve a criança nascer com vida. Parece estranho escrever isto, nascer com vida, mas é assim que a lei brasileira ampara. Como ensina o ilustre jurista do Largo do São Francisco, o professor Costa Machado (2009), se a criança não nascer com vida, os bens serão devolvidos aos herdeiros legítimos ou ao substituto testamentário, se tiver sido nomeado pelo testador.

Mas o assunto não se encerra aqui. Nos artigos posteriores, o Código Civil, relata que é necessária disposição testamentária, pois nascendo com vida a criança herdeira, ser-lhe-á deferida a sucessão, ou seja, o direito aos bens deixados pelo pai ou pela mãe, a partir da morte do testador. Assim, surge a expressão testamento, um documento que regula a sucessão dos herdeiros. Sem testamento, a sucessão dos filhos nascidos após a morte torna-se difícil. A tecnologia médica permite a guarda do sêmen, mas não altera a legislação escrita.

Além disto, como se não bastasse a necessidade de testamento deixado pelo falecido, há ainda, um prazo definido no próprio Código Civil, que fixa um limite temporal para o surgimento da criança herdeira. Esse prazo é de apenas dois anos, para a sua concepção e não o seu nascimento, conforme defendido pelo jurista Costa Machado vinculado à  Faculdade de Direito da USP.

3.CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Pelo visto, a legislação brasileira não traz uma solução adequada. É  até mesmo contrária a Carta Constitucional, ao criar distinções entre filhos herdeiros, conforme o artigo 227 §6º. Contudo é visível que, com o advento das técnicas de reprodução medicamente assistidas e com a possibilidade de criopreservação de sêmen e embriões humanos, a geração de filhos após a morte tornou-se viável.

Porém, ao solucionar o desejo de mulheres de gerarem filhos de seus falecidos maridos ou o inverso, essas técnicas trouxeram grandes problemas para o Direito Sucessório, pois o filho concebido post mortem poderá herdar caso seja contemplado em testamento.

Enfim, ter filhos após a morte é possível, posto que a tecnologia atual nos ajuda a realizar tal sonho, destruído pela esterilidade, pelo câncer ou outra enfermidade mortal, porém, no que tange aos direitos sucessórios,  se faz necessário cumprir as disposições do Código Civil.

4.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.      Novo      Código   Civil Brasileiro. Legislação Federal. sítio eletrônico internet - planalto.gov.br

BÍBLIA SAGRADA.  Epístola aos Romanos, capítulo 5, verso 12. Sociedade Bíblica do Brasil. Edição Revista e Atualizada no Brasil. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida.1993.

COSTA MACHADO. Código Civil interpretado artigo por artigo. Editora Manole. 2009.

FRANÇA, Genival Veloso. Um conceito ético de morte.      Trecho      do   livro Direito Médico, 7ª edição, São Paulo:    Fundo    Editorial   Byk,    2001             Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/Regional/crmpb/artigos/conc_etic_morte.htm > Acesso em : 26 dez.2014.

 

 

 

Elaborado em dezembro/2014

 

Como citar o texto:

FREITAS, Aurélio Marcos Silveira de. .Há filhos após a morte ?. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1237. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/cronicas/3407/ha-filhos-apos-morte-. Acesso em 2 mar. 2015.

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