I

Noções Preliminares

A maioria dos operadores do direito relaciona o fato de que, normalmente, os criminosos são pessoas pobres e, portanto, não teriam condições de arcar com eventual responsabilidade civil.

No entanto, não se deve perder de vista crimes culposos como acidentes de trânsito e de trabalho, bem como erros médicos e crimes contra o consumidor, freqüentemente ocorridos e geradores de indenização na área cível, incluindo, ainda, danos morais decorrentes de crimes de calúnia, difamação e injúria, inclusive com dolo eventual.

A bem da verdade, no que tange à ação civil ex delicto, o crime precisa existir em tese para autorizar a propositura da ação de reparação, ou seja, havendo mero indício de culpa, sem a exigência, sequer, de instauração de inquérito policial, independendo da prescrição criminal, inclusive, de absolvição em processo crime.

Interessante observar que, apesar do direito penal e civil tutelarem, basicamente, os mesmos direitos, como o direito à vida, à saúde, ao patrimônio, à moral etc, a abrangência de proteção civil é maior que a penal, visto que toda proteção penal corresponde a uma civil, porém, nem toda proteção civil corresponde a uma penal.

O crime sujeita seu agente a duas condições: sofrer a sanção penal pelo delito que cometeu e reparar o dano ou o mal que por ele causou.

José de Aguiar Dias sustenta que:

...o prejuízo imposto ao particular afeta o equilíbrio social. É, a nosso ver, precisamente nesta preocupação, neste imperativo, que se deve situar o fundamento da responsabilidade civil. Não encontramos razão suficiente para concordar em que à sociedade o ato só atinge no seu aspecto de violação da norma penal, enquanto que a repercussão no patrimônio do indivíduo só a este diz respeito (...) Para efeito da punição ou da reparação, isto é, para aplicar uma ou outra forma de restauração da ordem social, é que se distingue: a sociedade toma à sua conta aquilo que a atinge diretamente deixando ao particular a ação para restabelecer-se, à custa do ofensor, no status quo anterior à ofensa. Deixa, não porque se não impressione com ele, mas porque o Estado ainda mantém um regime político que explica a sua não intervenção. Restabelecida a vítima na situação anterior, está desfeito o desequilíbrio experimentado(1).

A responsabilidade civil ex delicto trata dos casos em que a indenização decorre de um ato que afetou diretamente a ordem social, ensejando, paralelamente à punição, o ressarcimento dos prejuízos sofridos pela vítima.

Conforme estabelece o art. 91, I do Código Penal, um dos efeitos da condenação é tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. No mesmo sentido, o art. 65, III, b, prevê como circunstância atenuante da pena a busca do agente, de forma espontânea, logo após o crime, de evitar ou minorar suas conseqüências, antes do julgamento, reparando o dano causado. Ainda o Código Penal estabelece, no art. 78, §2º, que se o condenado houver reparado o dano, a não ser que não possa fazê-lo, tendo as circunstâncias do art. 59 favoráveis a ele, sua pena pode ser substituída por restrição de direitos, por exemplo, e, no art. 83, IV, que poderá ser concedido livramento condicional de o condenado tiver reparado o dano causado pela infração, se tiver condição de fazê-lo.

A ação civil ex delicto é determinada pelo art. 64 do Código de Processo Penal.

O art. 63 do Código de Processo Penal possibilita a promoção da execução, no juízo cível, transitada em julgado a sentença penal condenatória, para efeitos de reparação do dano, sendo legitimados para propô-la o próprio ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.

Observa-se que o Projeto de Lei 4.207/01 acrescenta um parágrafo único ao art. 63 do Código de Processo Penal que firma que transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do art. 387, VII, sem prejuízo da liquidação para apuração do dano efetivamente sofrido. O art. 387, VII do Projeto de alteração para o Código de Processo Penal determina que o juiz ao proferir a sentença condenatória fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.

O Projeto visa tornar líquida e certa a reparação dos danos, sem obstar o ajuizamento da ação civil ex delicto pelo ofendido, seus sucessores ou, ainda, da liquidação pela diferença a ser pleiteada.

No entanto, a aplicação prática dos novos dispositivos parece complicar o procedimento do processo, visto que deverá ser feita a prova do dano e, em alguns casos, por exemplo, no de homicídio, terceiros à relação processual deverão ser chamados ao processo, como os parentes da vítima. Além disso, é discutível quem teria legitimidade para recorrer contra a referida decisão condenatória, uma vez que o capítulo dos recursos não estendeu a terceiros a legitimidade para recorrer da decisão condenatória, que fixa o valor mínimo de indenização à vítima do crime. É necessária a intervenção de terceiros, estranhos à relação penal, uma vez que o valor determinado pelo juiz criminal será usado como referencial mínimo no juízo civil.

Sobre esse enfoque, também não parece correto que o juízo penal "vincule" a decisão do juízo civil, desrespeitando o sistema da separação adotado pelo nosso ordenamento jurídico, que estabelece a autonomia das decisões penais e civis, bem como as regras de competência, do livre convencimento e do devido processo legal.

Ainda assim, questiona-se como seria resolvida questão da vítima, ou quem de direito, já houver interposto a ação civil reparatória antes da fixação do valor mínimo de reparação no âmbito penal, o que somente deverá ocorrer com o trânsito em julgado da sentença.

O Projeto parece ter sido inspirado pelo art. 34º, §2º do Código de Processo Penal português, onde se declara que o juiz deve determinar o quantitativo da indenização segundo seu prudente arbítrio, atendendo à gravidade da infração, ao dano material e moral por ela causado, à situação econômica e à condição social do ofendido e do infrator(2) .

O art. 68 do Código de Processo Penal determina que se o titular do direito à reparação for pobre, a execução da sentença condenatória ou a ação civil será promovida pelo Ministério Público, desde que seja requerida pelo ofendido.

Cumpre salientar que, tendo em vista a inadimplência de muitos responsáveis pela indenização, surgiram sistemas de indenização estatal e fundos de indenização em diversos países como Portugal, Espanha, Nova Zelândia, Inglaterra, Holanda, Alemanha e outros, pois, é dever do Estado, dentre outros relacionados, a manutenção do bem-estar social, que engloba a paz, a segurança, a preservação de sua vida, sua honra, seus bens etc.

Assim, observa-se que o Estado exerce verdadeira tutela administrativa dos interesses privados atingidos pelo crime, uma vez que a ele interessa fazer desaparecer todos os efeitos do crime, com o castigo decorrente da pena e a satisfação do dano.

II

Responsabilidade

Somente a partir do século XVIII o vocábulo "responsabilidade" passou a ser compreendido como dever jurídico de reparação ao dano. Até então, em razão da forte influência da Igreja, durante a Idade Média, preponderava uma concepção religiosa segundo a qual todos deveriam responder diante de Deus, vinculando, erroneamente, a culpa à responsabilidade(3) .

Conforme definição de San Thiago Dantas:

A obrigação é um dever jurídico originário, que tem uma pessoa para com a outra; a responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, quer dizer, um resultado da violação de um dever jurídico originário(4) .

No âmbito criminal, a responsabilidade pode ser visualizada sob o fato de uma pessoa estar sujeita a sofrer uma pena em razão do cometimento de um ilícito penal, ou seja, um fato tipificado pela lei penal, antijurídico e culpável. Daí o princípio nulla poena sine lege.

Cumpre observar, no entanto, que, para que alguém seja responsável criminalmente por fato ilícito do qual seja autor, não se pode perder de vista o fator da capacidade penal, ou seja, a imputabilidade, o que abrange caracteres psíquicos e de idade.

Na seara civil, a responsabilidade pode ser observada sobre outros aspectos. Pode haver a responsabilidade derivada do inadimplemento de uma obrigação ou negócio jurídico, bem como pode se referir a uma responsabilidade por dano patrimonial e moral, não vinculada a qualquer obrigação civil.

A responsabilidade penal sempre será pessoal, atingindo o autor do delito, incluindo quem dele participou de alguma forma. A responsabilidade civil, por sua vez, poderá atingir os representantes legais daquele que praticou o ato ilícito, podendo a ação de reparação ser proposta, inclusive, em face de seus herdeiros.

Assim, para que alguém seja responsabilizado pela reparação de danos, ou seja, por uma indenização, é necessário observar que a ação ou omissão do agente constitua nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido pela vítima e que o agente tenha agido com culpa ou dolo.

Nota-se que o art. 186 do Código Civil(5) prevê a reparação do dano moral e patrimonial, não havendo que se discutir se a responsabilidade atinge tão somente aos danos matrimoniais.

Referido artigo da legislação civil deixa implícito o elemento da imputabilidade, ou seja, o agente deve manifestar livre e conscientemente sua vontade, tendo capacidade de discernimento para entender que incorreu em culpa ou dolo, que praticou um ato ilícito e que deve reparar o dano. Aquele indivíduo não dotado de discernimento considerado normal, que não pode entender ou querer, não pode incorrer em culpa, isentando-se da responsabilidade e não praticando ato ilícito. Considera-se que se o agente é inimputável, não é responsável civilmente e, causando dano a outrem, o ato equipar-se à força maior ou ao caso fortuito, se a responsabilidade não puder ser atribuída ao responsável pela sua guarda. Nestes casos, permanecerá a vítima irressarcida.

As exceções à imputabilidade podem ser resumidas como: a) menoridade; b) demência; c) anuência da vítima; d) exercício normal de um direito; e) legítima defesa; e f) estado de necessidade.

Assim, a única diferença que se pode observar entre o delito civil e o penal é a existência de uma pena. O ilícito civil pressupõe a violação de norma que tutela o interesse privado. Assim, o direito privado busca restabelecer o equilíbrio jurídico, violado pelo ato ilícito, com a reparação do dano e o direito penal, restabelece tal equilíbrio, via de regra, executando uma pena.

No entanto, a responsabilidade civil difere do ato ilícito, sendo que a primeira é a conseqüência; o ato é a conduta do sujeito de direito.

2.1 Generalidades:

2.1.1. Histórico:

Difícil precisar um histórico da teoria da responsabilidade civil. No entanto, o tema sempre foi objeto de cogitações, como se pode notar através do Código de Hamurabi que visava punir o dano causado a alguém através da aplicação de um sofrimento igual a quem o causou.

O sistema de reparação de danos, nos primórdios das civilizações, era o da vingança coletiva, caracterizada pela reação conjunta de um grupo contra o agressor a um de seus componentes(6) .

A vingança coletiva evoluiu para a vingança individual, baseada na chamada Lei de Talião, aplicando-se regras como "olho por olho, dente por dente", punindo o mal com o mal. Nos primórdios do Direito Romano, a "justiça pelas próprias mãos" foi marcada pela intervenção do Estado, conforme se observa na Lei das XII Tábuas, especificamente na Tábua VIII, lei II, que trata dos delitos: si membrum rupsit, ni cume o pacit, talio esto (contra aquele que destruiu o membro de outrem e não transigiu com o mutilado, seja aplicada a pena de talião).

A vingança privada deu origem à composição voluntária, caso em que a vítima poderia fazer um acordo com o agente, recebendo deste uma importância em dinheiro ou bens, ao invés de lhe impor um dano equivalente ao que houvera sofrido. A Lei das XII Tábuas determinava a quantia monetária e o modo a ser paga, dentro dos casos por ela previstos.

Posteriormente, com a Lex Aquilia, promulgada nos tempos da República, houve grande revolução sob o aspecto da responsabilidade civil, designando-se a responsabilidade extracontratual em oposição à contratual, surgindo o elemento da culpa como fundamento para apurar a existência e reparação do dano(7) .

A evolução da teoria da responsabilidade civil, iniciada no Direito Romano, despontou os moldes atuais baseada no Código de Napoleão, de 1804, fundamentando-a na teoria da culpa e mantendo o interesse do Estado pelas lesões sofridas por seus particulares. Através da teoria da culpa, quem causa um dano a alguém, viola um dever geral de se conduzir diligentemente para evitá-lo, responsabilizando-se pelo prejuízo causado(8) .

Da Antiguidade aos tempos modernos pode-se observar a gradativa eliminação das penas impostas aos danos na esfera civil, tomando seu lugar a reparação do dano, baseada na teoria da culpa e na responsabilidade contratual e extracontratual para fixar a indenização.

As bases do sistema de reparação previstas no ordenamento francês, adotadas por sistemas legais de diversos países, tratando-se de responsabilidade extracontratual, eram: obrigação geral de responder pelo dano causado a outrem; a imputabilidade do dano ao autor do fato fundamentada na culpa; indiferença entre a culpa intencional ou simples negligência ou imprudência; em sendo a culpa violação do dever genérico de não causar dano a outrem, ela converte em ilícito o ato executado em tais condições; sem o dano não há responsabilidade civil; e a obrigação de responder é uma sanção de ressarcimento, e não repressiva, consistindo em reparar o dano causado. No que tange à responsabilidade contratual: o devedor deve responder pelos danos e prejuízos que causar ao credor pelo não cumprimento da obrigação; o não cumprimento da obrigação o importa na presunção de culpa do devedor; a culpa se julga em abstrato; e não existe graduação ao maior ou menor proveito que o contratado impõe ao devedor(9) .

No entanto, com o desenvolvimento industrial e tecnológico, houve um aumento de danos, não havendo como limitar a responsabilidade civil ao critério da culpa, ocasionando o surgimento de novas teorias que buscam a total reparação da vítima (restitutio in integrum).

Assim, vêm ganhando espaço a teoria do risco, que trata da responsabilidade de danos causados por atos lícitos, e do dano objetivo que, concomitantemente com a teoria da culpa, busca reparar todo tipo de dano causado.

Sempre se buscou a reparação pelo dano material, pois a reparação pecuniária do dano moral era considerada repugnante. Hoje, a responsabilidade é vista sob o aspecto objetivo e, havendo dano patrimonial, moral, ou ambos, surge para seu autor a obrigação de repará-lo.

"A teoria da responsabilidade relaciona-se à liberdade e à racionalidade humanas, que impõem à pessoa o dever de assumir os ônus correspondentes aos fatos a ela referentes. Nesse sentido, a responsabilidade é corolário da faculdade de escolha e de iniciativa que a pessoa possui no mundo fático, submetendo-a, ou o respectivo patrimônio, aos resultados de suas ações, que, quando contrários à ordem jurídica, geram-lhe, no campo civil, a obrigação de ressarcir o dano, ao atingir componentes pessoais, morais ou patrimoniais da esfera jurídica de outrem"(10) .

2.1.2 Conceito e pressupostos:

Vários os conceitos apontados pela doutrina em relação à responsabilidade civil, os quais abrangem diversos aspectos.

A palavra "responsabilidade" origina do latim respondere, significando o fato de alguém ter se constituído garantidor de algo.

"Alguns incidem no defeito condenado pela lógica, de definir usando o mesmo vocábulo a ser definido, e dizem que a "responsabilidade" consiste em "responder", no que são criticados, com razão por Aguiar Dias"(11) .

Conforme definição de Jorge Bustamante Alsina:

Responder significa dar cada um conta de seus atos. A conduta dos indivíduos se traduz em atos unilaterais ou bilaterais que por sua vez produzem uma modificação do mundo exterior(12) .

O conceito de responsabilidade civil é, com sabedoria, na definição de Maria Helena Diniz:

"A aplicação de medidas que obriguem alguém reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva). Definição esta que guarda, em sua estrutura, a idéia de culpa quando se cogita a existência de um ilícito e a do risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa"(13) .

Complementa José Naufel:

obrigação jurídica de responder alguém pelos seus próprios atos ou pelos atos de outrem, em virtude de determinação da Lei ou de obrigação à qual se vinculou voluntariamente, quando esses atos implicam em dano a terceiro ou em violação da ordem jurídica(14) .

Atilio Anibal Alterini raciocina sobre controverso conceito:

Todos são passíveis de sofrer um dano. Mas nem sempre esse dano é ressarcível. A ressarcibilidade do dano principia por pressupor que seja juridicamente atribuível a outro sujeito; e tem um limite objetivo que o circunscreve em quanto reparável (...) A reparação civil consiste em uma prestação que se impõe ao responsável por um dano injusto(15) .

Importante, ainda, distinguir o termo "obrigação" de "responsabilidade", embora tais conceitos divirjam na doutrina.

Ensina Sergio Cavalieri Filho:

"Obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, conseqüente à violação do primeiro. Se alguém se compromete a prestar serviços profissionais a outrem, assume uma obrigação, um dever jurídico originário. Se não cumprir a obrigação (deixar de prestar os serviços), violará o dever jurídico originário, surgindo daí a responsabilidade, o dever de compor o prejuízo causado pelo não cumprimento da obrigação"(16) .

Conclui-se, portanto:

"A responsabilidade civil constitui uma relação obrigacional que tem por objeto a prestação de ressarcimento(17)" .

No entanto, para caracterizar a existência de responsabilidade civil, é necessária a presença de alguns pressupostos resumidos, salvo divergência doutrinária, em ação, dano e nexo de causalidade.

Desta forma, são pressupostos para a responsabilidade civil, a prática de uma ação voluntária (omissiva ou comissiva, lícita ou ilícita - fundamentadas pela teoria da culpa e do risco), que cause um dano (moral ou patrimonial) a alguém e que exista um nexo de causalidade entre o ato e o dano.

Observa-se que a responsabilidade decorrente de ato ilícito se baseia na idéia de culpa, ou seja, o agente, ante o caso concreto, poderia ou deveria ter agido de modo diferente.

Em sentido amplo, a culpa compreende tanto o dolo, como a culpa em sentido estrito (negligência, imprudência ou imperícia).

Conforme definição baseada em René Savatier, Maria Helena Diniz define culpa:

"(...) como a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar. Pressupõe, portanto, um dever violado (elemento objetivo) e a imputabilidade do agente (elemento subjetivo). A imputabilidade abrange a possibilidade, para o agente, de conhecer e de observar o dever, pois para que alguém pratique ato ilícito e responda pela reparação do dano que causou, será necessário que tenha capacidade de discernimento, de modo que aquele que não puder ter vontade própria ou for desprovido de entendimento, não incorrerá em culpa, por ter inidoneidade para praticar ato ilícito. Para que haja dever de ressarcir prejuízo, será preciso que o fato gerador possa ser imputável ao seu autor, isto é, que seja oriundo de sua atividade consciente. Logo, para haver responsabilidade, será imprescindível a prática ou ocorrência de um ato dominável ou controlável pela vontade do imputado"(18) .

A culpa será contratual se o dever estiver fundado em um contrato, e será extracontratual (aquiliana), se fundada em violação de preceito geral de direito. Aquele que pleitear indenização por culpa contratual não precisará prová-la, o que não ocorre nos casos de culpa aquiliana, hipótese em que o ônus da prova incumbirá à vítima, por não existir presunção de culpa, como ocorre na relação contratual.

Havendo a prática de ato positivo, ter-se-á a culpa in commitendo ou in faciendo, ao contrário do que ocorre com uma abstenção, caso em que se tem a culpa in omittendo. Observa-se que a omissão somente poderá ser considerada causa jurídica do dano se houver existência do dever de praticar o ato não cumprido e certeza ou grande probabilidade do fato omitido ter impedido a produção do evento danoso.

Existem hipóteses, no entanto, em que a lei estabelece presunções iuris tantum de culpa, admitindo prova em contrário, transferindo o ônus da prova ao lesante e, não mais ao lesado.

Aos casos em que a teoria da culpa não oferece solução satisfatória, aplica-se a teoria do risco, baseada na culpa objetiva, em que o agente deverá ressarcir o prejuízo causado, mesmo que isento de culpa, porque sua responsabilidade é imposta por lei, independendo de culpa e sem necessidade de presunção.

"A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de equidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentum, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda). Essa responsabilidade tem como fundamento a atividade exercida pelo agente, pelo perigo que pode causar dano à vida, à saúde ou a outros bens, criando risco de dano para terceiros"(19) .

"(...) o ilícito tem duplo fundamento: a infração de um dever preexistente e a imputação do resultado à consciência do agente. Portanto, para sua caracterização, é necessário que haja uma ação ou omissão voluntária, que viole norma jurídica protetora de interesses alheios ou um direito subjetivo individual, e que o infrator tenha conhecimento da ilicitude de seu ato, agindo com dolo, se intencionalmente procura lesar outrem, ou culpa, se consciente dos prejuízos que advêm de seu ato, assume o risco de provocar evento danoso. Assim, a ação contrária ao direito, praticada sem que o agente saiba que é ilícita, não é ato ilícito, embora seja antijurídica"(20) .

Extremamente relevante ressaltar que o perigo deve resultar do exercício da atividade e não do comportamento do agente, pois, a responsabilidade objetiva, fundada no risco, consiste na obrigação de indenizar o dano produzido por atividade exercida no interesse do agente e sob seu controle, sem que haja qualquer indagação sobre o comportamento do lesante, fixando-se no elemento objetivo, isto é, na relação de causalidade entre o dano e a conduta de seu causador.

O segundo pressuposto para dar ensejo à responsabilidade civil é o dano, também de conceituação diversa entre os doutrinadores.

Para Carlos Alberto Bittar, o dano é prejuízo ressarcível experimentado pelo lesado, traduzindo-se, se patrimonial, pela diminuição patrimonial sofrida por alguém em razão de ação deflagrada pelo agente, mas pode atingir elementos de cunho pecuniário e moral(21) .

Sem demérito à definição do nobre jurista, parece que indevido definir dano como um prejuízo ressarcível, tendo em vista sua abrangência aos danos morais, a princípio, irressarcíveis.

O dano pode ser definido como uma lesão (diminuição ou destruição) na vantagem que possuía determinada pessoa, numa situação que ela se beneficiava, abrangendo qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral, que ocorreu contra a sua vontade(22) .

Para que o dano se torne indenizável, necessário que seja certo, atual e subsistente, ou seja, não há que se falar em indenização de dano eventual ou futuro, devendo o prejuízo estar fundado num fato preciso, e não em mera hipótese, bem como deve persistir no momento de sua reclamação, visto que se o dano já foi reparado pelo responsável, não mais subiste.

O terceiro pressuposto da responsabilidade civil é o vínculo existente entre a ação e o dano, ou seja, o nexo de causalidade entre o ato e o prejuízo, que demonstrará que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido.

Não haverá nexo de causalidade se houver interferência de terceiros, da vítima, de força maior, ou caso fortuito. No entanto, tratando-se de hipótese de culpa concorrente da vítima, cada um responderá pelo dano proporcionalmente em que concorreu para o evento, o que não afasta o nexo de causalidade.

2.1.3. Funções e efeitos:

Questão importante é definir qual a função da responsabilidade civil, se é uma função punitiva (sanção ao ilícito civil) ou reparadora.

Difícil fundamentar que a responsabilidade civil possui aspecto meramente punitivo, tendo em vista que pressupõe a ocorrência de um prejuízo e consiste, por definição, na obrigação de indenizar prejuízos. Para caracterizar a responsabilidade civil como uma sanção ao ilícito civil, ela nasceria imediatamente à prática do ato, havendo ou não prejuízos, incluindo hipóteses de tentativa de lesão ou lesão frustrada, excluindo, ainda, a transmissão mortis causa do dever de indenizar . Ademais, em sendo uma sanção, há que se pensar que esta deve estar expressamente prevista em lei, sob risco de afetar os princípios elementares da segurança jurídica consagrados pela Constituição Federal.

Maria Helena Diniz posiciona-se no sentido de que a responsabilidade aparece como uma sanção:

"A responsabilidade civil constitui uma sanção civil, por decorrer de infração de norma de direito privado, cujo objetivo é o interesse particular, e, em sua natureza, é compensatória, por abranger indenização ou reparação de dano causado por ato ilícito, contratual ou extracontratual e por ato lícito(24)" .

Desta forma, parece-nos que a responsabilidade civil tem função meramente reparadora, com o fim de restituir o lesado, via de regra, ao status quo ante, embora possa, em plano secundário, apresentar função preventiva e punitiva.

"La reparación del daño parece haber superado en nuestro tiempo el rígido esquema de la "sanción resarcitoria" que, según algunos, representaria. La sanción resarcitoria, tal como ha sido presentada por la doctrina dominante, queda ligada indisolublemente a la noción de antijuridicidad. Salvo que se siga uma línea de pensamiento netamente kelseniana, solo puede hablarse tecnicamente de uma "sanción" (resarcitoria o de outro tipo) cuando media um acto contrario al derecho objetivo considerando em su totalidad"(25) .

Portanto, a responsabilidade civil tem como fonte geradora o dano e busca a restauração de um equilíbrio moral e patrimonial desfeito e à redistribuição da riqueza, de conformidade com os ditames da justiça, tutelando a pertinência de um bem, com todas as suas utilidades, presentes e futuras, a um sujeito determinado(26) .

"o princípio que domina a responsabilidade civil na era contemporânea é o da restitutio in integrum, ou seja, da reposição completa da vítima à situação anterior à lesão, por meio de uma reconstituição natural, de recurso a uma situação material correspondente ou de indenização que represente do modo mais exato possível o valor do prejuízo no momento de seu ressarcimento"(27) .

Interpreta-se do art. 20 do Código Penal espanhol que tutela a responsabilidade civil:

"(...) impone responsabilidad civil a las personas em cuyo favor se haya precavido el mal, em proporción del beneficio que hubieren reportado (...) estamos em presencia de una responsabilidad especial, no basada en la culpa y ni siquiera em la causación del daño por el responsable, sino en el principio del interés (...) pues cada beneficiado debe responder en proporción al beneficio obtenido"(28) .

Observa-se, ainda, o art. 2043 do Código Civil italiano que dispõe:

"qualunque fatto doloso o colposo che cagiona ad altri un danno ingiusto, obbliga colui che ha commesso il fatto a risarcire il danno(29)" .

Apesar do artigo ser questionado pela doutrina italiana em razão da falta de especificidade, cumpre salientar que a responsabilidade civil não busca apenas o ressarcimento:

"Più concretamente (e in una prospettiva moderna) la sanzione predisposta dallordinamento non ha soltanto intenti risarcitori, ma assolve altresì una funzione preventiva del danno, in quanto è diretta a scoraggiare i singoli dal commettere atti lesivi degli interessi dei terzi"(30) .

2.2 Responsabilidade objetiva e subjetiva:

Diz-se que a responsabilidade é subjetiva quando se pressupõe a culpa no comportamento do agente causador do fato.

A responsabilidade objetiva é a que se funda na teoria do risco e dispensa a culpa para a sua caracterização, podendo ser direta, se a responsabilidade de indenizar for do autor do fato culposo causador do evento e indireta, quando o responsável civilmente também o for de atos praticados por terceiro.

Nos casos de responsabilidade objetiva direta, o sujeito responde pelos próprios atos, enquanto que, na indireta, por atos de outrem.

Observa-se que os adeptos da teoria objetiva argumentam que tal modalidade, em que alguém responde por atos alheios, configura a responsabilidade objetiva, mas, os adeptos da doutrina oposta sustentam que se trata apenas de exceção e justificada, porque nestes casos há sempre alguma parcela de culpa por aquele que empalma a responsabilidade.

Para a teoria subjetiva, a responsabilidade pressupõe culpa em sentido amplo, isto é, dolo ou culpa em sentido estrito. Como regra geral e a concluir pelo conceito de ato ilícito, o Código Civil consagrou a teoria da responsabilidade subjetiva.

A fixação da culpa como elemento da responsabilidade se deve ao plebiscito que resultou a lex Aquilia de damno, em 286 a.C. Antes disso, a responsabilidade era apenas objetiva, embora com sentido diverso do atual, uma vez que era fundada na justiça retributiva e na vingança, enquanto a responsabilidade sem culpa é embasada, atualmente, na justiça distributiva e na compensação pelo prejuízo sofrido(31) .

Às vezes, a lei presume a existência de culpa na ação, caso em que o ônus de sua prova em sede judicial não é do requerente, mas sim, do requerido que deverá ilidi-la por todos os meios possíveis de prova.

A teoria objetiva, também denominada do risco, contrariamente, dispensa o elemento culpa na caracterização da prática ilícita, sendo-lhes suficientes: a ação ou omissão; dano a terceiro; nexo de causalidade entre a conduta e o dano material ou moral.

Existem algumas matérias, como nos casos das relações de consumo em que o legislador optou pela teoria objetiva.

RESPONSABILIDADE CIVIL - Ato ilícito - Passeio com cão perigoso ("Doberman") em local inadequado - Responsabilidade pelo risco assumido - O cão "Domerman", usado na guarda de residências, é reconhecidamente perigoso. Se alguém assume o risco de possuir animal com essa característica, assume todos. Levando-o a passear em lugar inadequado, seu proprietário só pode ser considerado imprudente, respondendo pelos danos provocados" (RT589/109).

2.3 Dano moral e material:

A Constituição Federal assegura, no art. 5º, X, o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação e, conforme Súmula 37 do STJ, "são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato".

Álvaro Mayrink da Costa ensina que:

"Dano é a perda (privação, subtração ou sacrifício) ou a diminuição (limitação, restrição) de um bem ou interesse (...) é tudo aquilo que acarreta dor à pessoa humana e deveria ser definido com a alteração in pejus de um interesse".

Damnum et damnatio ab ademptione et quase diminutione patrimonii dicta sunt.

De acordo com a definição de Wilson Melo da Silva:

"Danos morais são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico".(33)

Danos morais são aqueles que atingem a moralidade e a efetividade da pessoa, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas.

Danos materiais, por sua vez, são os prejuízos suportados no âmbito patrimonial do lesado.

Para tratar de dano patrimonial, condição sine qua non definir o que é patrimônio de um indivíduo.

"O patrimônio é uma universalidade jurídica constituída pelo conjunto de bens de uma pessoa, sendo, portanto, um dos atributos da personalidade e como tal intangível"(34) .

A partir de tal conceito, existe a possibilidade de incluir o dano moral como uma ofensa ao patrimônio de um indivíduo, o que lhe confere, portanto, a capacidade de ser ressarcível.

Conforme a classificação elaborada por Carlos Alberto Bittar, os danos reparáveis têm como espécies os pessoais (relativos ao próprio ente em si - lesões ao corpo, ou parte dele - ou ao psiquismo, abrangendo componentes intrínsecos da personalidade); danos morais (referentes às virtudes da pessoa, aos elementos que a individualizam como ser); e patrimoniais (ligados aos bens ou direitos do complexo pecuniário do indivíduo)(35) .

O dano patrimonial é aferido monetariamente pela diferença entre o valor atual do patrimônio da vítima e aquele que teria, no mesmo momento, se não houvesse a lesão, englobando tanto o dano emergente (diminuição do patrimônio do titular do bem atingido pela deterioração ou destruição, procurando devolver à vítima o valor de seu patrimônio antes da ocorrência do dano), bem como o lucro cessante (compensação daquilo que o titular do bem deixou de ganhar com a ocorrência do dano)(36) .

O dano pode ser considerado direto quando causa prejuízo imediato ao patrimônio do indivíduo, ou indireto, quando atinge interesses jurídicos extrapatrimoniais do lesado como, os direitos da personalidade, por exemplo.

O dano moral e o patrimonial podem conviver em determinadas situações, sempre que os atos agressivos alcançarem a esfera geral da vítima, como, dentre outros, nos casos de morte de parentes próximos, em acidente, ataque à honra alheia pela imprensa, violação à imagem em publicidade, reprodução indevida de obra intelectual alheia em atividade de fim econômico, e assim por diante.

Assim, os danos materiais atingem as esferas íntimas e valorativa do lesado, enquanto os materiais constituem reflexos negativos no patrimônio alheio. Mas ambos são suscetíveis de gerar reparação na órbita civil, dentro da responsabilidade civil.

O ordenamento jurídico brasileiro garante o ressarcimento tanto do dano patrimonial, quanto do moral, embora pareça insusceptível de ser economicamente apreciado, conforme explana Karl Larenz:

dano moral é o dano direto que alguém sofre em um bem da vida (como a saúde, o bem-estar corporal, a liberdade, a honra), que não pode ser apreciado em bens materiais(37) .

Alguns autores como Augusto Zenun e Cunha Gonçalves(38) apresentam oposições à reparação aos danos morais, divididas em quatro grupos: a) aqueles que negam qualquer tipo de reparação do dano moral; b) aqueles que só admitem a reparação de danos morais que afetam a parte social do patrimônio moral (a honra, a reputação, a virgindade da mulher), rejeitando a reparação quando esta disser respeito a parte efetiva do patrimônio (a dor, o luto por morte de parentes); c) aqueles que consideram justa a reparação do dano moral quando anexa de responsabilidade criminal; e d) aqueles que só admitem a reparação moral, se esta for conjunta de dano material.

Aqueles que se opõem, de alguma forma, à reparação do dano moral, fundamentam tal posição baseados em oito objeções: 1. falta de efeito penoso durável; 2. a incerteza, nessa espécie de dano, de um verdadeiro direito violado; 3. a indeterminação do número de pessoas lesadas; 4. a dificuldade de descobrir a existência do dano; 5. a impossibilidade de uma vigorosa avaliação em dinheiro; 6. a imoralidade de compensar uma dor com dinheiro; 7. o ilimitado poder que se tem de conferir ao juiz; e 8. a impossibilidade jurídica de se admitir tal reparação(39) .

Interessante observar que a quantificação do dano moral é questionada em diversos países, conforme podemos observar em análise à jurisprudência uruguaia:

"(...) los jueces deben decidir de qué manera traducen em unidades monetárias el perjuicio moral. No existe más el problema de la resarcibilidad del dano moral, sino el problema de cómo se repara. El obstáculo principal radica em la heterogeneidad que existe entre el dinero (que es la medida de los bienes patrimoniales) y los bienes caracterizados por la patrimonialidad; la consecuencia es que ninguna regla permitiría establecer una equivalencia entre dano causado y daño a resarcir. Se dice que el dolor no tiene precio y es indiscutible la ausencia de índices de carácter objetivo (como el valor de mercado) que permiten monetizar exactamente el daño patrimonial. Los jueces uruguayos decidieron el punto: Abandonando un improcedente prurito de equivalencia, se aceptó la relatividad de lãs pautas aplicadas y el carácter meramente aproximativo fr la estimación (TAC 4º, 17 marzo 1971)(40)" .

Embora não haja como quantificar o dano moral, a princípio irressarcível, o que se busca é amenizar o dano causado, embora em quantia monetária.

Portanto, reconheçamos que todas as ofensas contra a vida e integridade pessoal, contra o bom nome e reputação, contra a liberdade no exercício das faculdades físicas e intelectuais, podem causar um forte dano moral à pessoa ofendida e aos parentes, por isso mesmo estes têm o direito de exigir uma indenização pecuniária que terá função satisfatória(41) .

Sem dúvida, o dano moral apresenta grandes discussões a respeito de sua quantificação, bem como no que se refere a pessoa que deve determiná-lo, ou seja, se a vítima deve apresentar o valor ou se o magistrado, através da análise do caso concreto estabelece a quantia destinada à indenização, o que não ocorre ao tratar-se de dano patrimonial.

Apesar dos diversos posicionamentos, há que se ter em mente que a reparação dos danos morais é inerente ao próprio direito como, de resto, toda reparação. Os bens morais constituem bens jurídicos constitucionalmente protegidos, não havendo de tergiversar sobre se o dano moral é ou não indenizável e se este pode coexistir com o dano material.

"DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. FIXAÇÃO PELO MAGISTRADO. 1) O dano moral não pode ser aferido mediante cálculo matemático-econômico das repercussões na honra íntima do ofendido, mas deve ser arbitrado pelo juiz, atendendo-se às circunstâncias do caso, tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. 2) A reparação do dano moral não deve ser tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que torne inexpressiva, ao ponto de incentivar o ofensor a repetir o ato que denegriu a imagem da vítima. 3) Se a dor moral não tem preço, a sua atenuação tem. REMESSA NECESSÁRIA E 2º APELO IMPROVIDOS, 1º APELO PROVIDO PARCIALMENTE, ALTERAÇÃO DA VERBA INDENIZATÓRIA" (TJGO Primeira Câmara Cível, ac. 06/02/96, Rel. Des. Arivaldo da Silva Chaves, Apelação Cível nº 38118-3/188, DJ nº 12257, fl. 14, de 28/02/96).

2.4 Sistemas legais de reparação:

A prática de um crime faz surgir para o agente, ou para terceiros, em determinados casos, o dever de reparar o dano e, para o ofendido, o direito de reparação, pois, embora o ilícito seja de natureza penal, geralmente, implica num ilícito civil.

A reparação do dano pode ocorrer de várias formas, considerando-se que esta é o gênero do qual são espécies a restituição, o ressarcimento, a reparação em sentido estrito e a indenização.

O art. 101 do Código Penal Espanhol proclama que a responsabilidade civil compreende três possibilidades: a restituição, a reparação do dano causado e a indenização de prejuízos.

"A restituição, o ressarcimento e a reparação em sentido estrito pressupõe, a violação de um direito subjetivo, enquanto a indenização decorre da prática de atos legítimos que, não obstante, ferem interesses de terceiros"(42).

O dano pode ser reparado através da restituição da própria coisa, quando a lesão constitua a privação de um objeto (furto, por exemplo), regulamentada no art. 952 do Código Civil e, no caso de bens apreendidos, regulamentada pelos arts. 118 a 124 do Código de Processo Penal.

Na hipótese do bem estar na posse de terceiro de boa-fé, a doutrina e jurisprudência majoritária têm entendido que a vítima somente poderá reaver a coisa se esta tiver sido objeto de furto ou roubo, não, porém, de apropriação indébita ou estelionato, argumentado que, nestes casos, é a própria vítima quem entrega a coisa ao delinqüente.

Outra corrente posiciona-se conferindo à palavra "furtado" um sentido mais amplo que engloba todas as coisas "tiradas" de seu proprietário.

Por muitas vezes, a mera restituição da coisa ao prejudicado não é suficiente para cobrir toda a lesão causada, surgindo o ressarcimento como forma de pagamento de todo dano patrimonial, abrangendo lucros cessantes, prejuízos emergentes e os frutos que surgiriam com o tempo e emprego do bem.

Se o dano causado não for de caráter patrimonial, será reparado (reparação em sentido estrito), correspondendo a uma compensação relacionada, geralmente, a um dano moral.

A indenização, por sua vez, será empregada quando o dano decorrer de um ato ilícito, escapando as hipóteses de restituição, ressarcimento ou reparação em sentido estrito.

"A indenização é forma de compensação que, geralmente, tem lugar em atos lesivos, porém lícitos, praticados pelo Estado, em prejuízo do particular. Contudo, o mesmo ocorrerá na esfera privada quando, por exemplo, afastada a ilicitude penal por conta do reconhecimento do estado de necessidade, subsistir ao particular a obrigação de reparar o dano causado, quando o prejudicado não for culpado pelo perigo, que ensejou tal dano".(43)

2.5 Sistema de apuração de responsabilidade:

O agente que pratica um crime pode sofrer duas conseqüências: a imposição de uma sanção e a obrigação de reparar o dano causado.

Para que isso ocorra, de um lado, deve ser apurada a responsabilidade penal, com a conseqüente aplicação de sanção e, de outro, deve ser apurada a responsabilidade civil, a fim de fixar uma indenização para reparar o dano.

Observa-se que existem hipóteses em que não haverá dano a ser ressarcido, como nos casos em que a infração penal origina, tão somente, a pretensão punitiva, como pode ocorrer nos casos de tentativa branca, crime impossível, crimes contra a paz pública, uso de entorpecentes etc.

A partir desse raciocínio, existem diversos sistemas para a apuração da responsabilidade civil e criminal.

O denominado sistema da confusão reúne, dentro de um mesmo processo e da mesma ação, a apuração da responsabilidade do agente que praticou um ilícito penal e um civil.

Através do sistema da solidariedade a responsabilidade é apurada em duas ações distintas, porém, integrantes de um único processo. Tal sistema também é conhecido como sistema da união e da interdependência. Desta forma, perante uma única autoridade judicial, prevalecendo a criminal, tramitam duas ações: uma buscando a responsabilização civil e outra a penal.

Encontra-se em alguns países, ainda, o sistema da livre escolha, através do qual, conforme indica o próprio nome, a parte pode optar entre a cumulação das ações, o que ocorrerá no processo penal, ou fazê-las tramitar em sedes diferentes, ou seja, civil e penal.

Por fim, observa-se o sistema da separação ou independência das ações para apuração das responsabilidades civil e criminal, no qual ambas ações tramitam separadamente, perante as autoridades judiciais respectivas.

Conclui-se, sucintamente, que o sistema de apuração da responsabilidade pode se dividir em dois grupos que abrangem os demais: o sistema da cumulação e o da separação.

Através do sistema da cumulação, utilizados pela Alemanha, Argentina, Bélgica, Chile, Colômbia, Costa Rica, Espanha, França, Itália, México, Peru, Polônia, Portugal, Romênia e Venezuela, o titular do direito à reparação do dano habilita-se como parte civil na ação penal, o que resulta numa única ação, na qual serão decididas questões em relação ao crime e à indenização.

Já o mesmo não ocorre no sistema da separação (Áustria, Brasil, Canadá, Escócia, Estados Unidos da América, Holanda, Inglaterra, Paraguai e Suíça), onde existe autonomia das ações penal e civil, resultando em duas ações distintas, cada uma encerrada por uma sentença, embora, não haja como negar a influência da decisão criminal sobre a civil, tendo força de coisa julgada.

No Brasil, adota-se o sistema da interdependência ou separação das ações, conforme se observa no art. 935 do Código Civil que estabelece que a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. E, nos arts. 63 e 64 do Código de Processo Penal que determinam que a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil.

Ressalta-se que, em se tratando de infração penal de menor potencial ofensivo, regulamentada pela Lei nº 9.099/95, havendo composição dos danos cíveis, a decisão homologatória do juiz criminal produz eficácia na área civil, excepcionando a regra de critério de separação de ações.

Na hipótese de realização de transação penal, haverá possibilidade de se fazer uma composição ou reparação de danos causados à vítima com desdobramento na área civil, o que pode ser objeto de homologação na audiência preliminar. Se assim ocorrer, será feita coisa julgada no cível. Não sendo objeto de acordo entre as partes, aberta estará a via de acesso para a parte intentar ação no âmbito civil.

Conforme análise do Projeto de reforma do Código de Processo Penal que acrescenta o já mencionado parágrafo único ao art. 63, existe, portanto, um sistema da independência mitigado(44) , uma vez que a sentença condenatória proferida no juízo penal torna inquestionável o an debeatur, discutindo-se, tão somente, o quantum debeatur, permitindo a fixação de um valor mínimo, que se tornará inquestionável após o trânsito em julgado da decisão condenatória.

O sistema da separação entre a responsabilidade penal e civil, adotado no Brasil, não fere o princípio da economia processual, vez que se sobrestá o andamento do processo cível tendo-se ciência de um processo criminal. Havendo sentença penal condenatória, o processo civil não retomará seu curso porque esta valerá como título executivo hábil para promover ação de execução.

Sobre o tema, ensina Fernando da Costa Tourinho Filho que:

no nosso jus positum não foi, a rigor, adotado o sistema da absoluta separação das ações penal e civil. A manifesta influência da ação penal sobre a civil, nos termos do art. 63 do CPP demonstra e revela um sistema de dependência(45).

 

 

 

 

III

Sujeitos processuais na ação civil ex delicto

3.1 Intervenção do Ministério Público:

A natureza da intervenção do Ministério Público em relação à ação civil ex delicto gera dúvidas sob o aspecto de sua atuação como substituto processual da vítima do crime e como custus legis.

Ada Pellegrini Grinover sustenta que a razão de ser da intervenção do Ministério Público é a seguinte:

"após um período de declínio e de esquecimento do papel da vítima na sociedade em geral, e no processo em particular, sua proteção vem assumindo nova dimensão (pós Constituição Federal de 1988), que transcende à satisfação pessoal, para inserir-se no quadro dos interesses que afetam a comunidade como um todo e o próprio Estado (...) Nesse enfoque, o art. 68 CPP está em harmonia com o art. 129, IX CF, que, além das funções institucionais do Ministério Público especificadas nos incisos I a VIII, ainda admitiu outras que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade: qual seja, a defesa dos interesses sociais (art. 197, caput). O Ministério Público....como legitimado ad causam pelo estatuto processual, interpretado à luz da nova Constituição, é movido portanto pelo interesse social que permeia a proteção às vítimas do crime, a qual interessa diretamente à sociedade e ao Estado".(46)

Desta forma, nota-se que a razão de ser da intervenção do Ministério Público na ação civil ex delicto é a busca da completa reparação do crime, tendo em vista o interesse social.

Estabelece o art. 68 do Código de Processo Penal que quando o titular do direito à reparação do dano for pobre, nos termos do art. 32 do mesmo Codex, a execução da sentença condenatória ou a ação civil será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público, que atuará como substituto processual.

Para que o Ministério Público exerça o direito de ação na qualidade de substituto processual, conforme o art. 68 do Código de Processo Penal e 81 do Código de Processo Civil, basta que tenha ocorrido um crime em tese, prescindindo a lei da circunstância de que tenha havido um crime in concreto.

A razão do Parquet atuar somente em benefício dos pobres encontra explicação no amplo acesso à Justiça, permitindo que todas as pessoas tenham condições de ter uma defesa processual com reais condições de êxito.

Três hipóteses têm causado polêmica em relação à intervenção do Ministério Público: a) em algumas situações o magistrado encaminha ao Ministério Público ações civis ex delicto em que a vítima tem advogado constituído, para que o Promotor de Justiça se manifeste como custus legis; em outros, há necessidade da intervenção de outro membro do Ministério Público, quando o primeiro é autor, substituto processual da vítima pobre, e no pólo passivo encontra-se pessoa incapaz ou qualquer outra hipótese de intervenção ministerial; e na necessidade de outro Promotor de Justiça, atuando como custus legis na condição de curador do patrimônio público, quando a ação civil ex delicto proposta pelo Ministério Público é dirigida contra a Fazenda Pública.

Na primeira hipótese, não deve haver intervenção ministerial, pois, existe uma vítima que não é pobre na acepção jurídica do termo. No entanto, na hipótese do processo não ser encaminhado ao Ministério Público ou, na recusa do Promotor em se manifestar, quando a vítima estiver representada por advogado dativo, sob os benefícios da justiça gratuita, a intervenção do Ministério Público é obrigatória e necessária.

No segundo caso, levando em consideração a contrariedade de interesses das pessoas protegidas, gerando incompatibilidade para um só dos Promotores, há necessidade da participação do custus legis, como curador do interesse indisponível existente na parte adversa.

Em relação à última e mais polêmica das hipóteses, surgem duas correntes opostas. Nélson Nery Júnior e Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, baseado nos ensinamentos de Chiovenda, sustentam que o Promotor de Justiça, na qualidade de substituto processual, não pode pedir a improcedência da ação, diante da natureza do instituto processual, onde só se postula, em nome próprio, direito alheio, que só a este cabe desistir ou renunciar.

"cabe (ao substituto processual) toda a gama de direitos processuais. Contudo, não poderá praticar atos que impliquem em disposição do direito substancial levado a juízo, tais como a renúncia ao direito, confissão, transação, reconhecimento jurídico do pedido etc., sem a manifestação da vontade do substituto".(47)

De forma contrária, manifesta-se Vilanir de Alencar, citando Hugo Nigro Mazzilli, sustentando que o Código de Processo Civil adota a teoria abstrata, à luz da qual o substituto processual pode, sem nenhum óbice, desistir da ação porque tal atitude não importaria em desistência do direito material, visto que a sentença que extingue o processo, em razão da desistência da ação, não é acobertada pela coisa julgada, embora seja aconselhável a anuência do substituído, porquanto não obrigatória (48) .

Hugo Mazzilli ensina, sobre o duplo papel do Ministério Público nas ações civis públicas, atuando como parte e fiscal da lei, simultaneamente, que:

"o princípio da indisponibilidade não obrigará o órgão ministerial a pedir sempre a procedência do pedido, ainda que tenha ele próprio proposto a ação. Afinal, mesmo no processo penal, se ao fim da instrução se convencer dele de que não há justa causa para propugnar pela procedência, não há como exigir-lhe total vinculação ao pedido, posição esta só mesmo admissível nas hipóteses específicas em que, por exemplo, aja o órgão ministerial como representante da parte ou como substituto processual de um réu revel, hipóteses nas quais certamente estará vinculado à defesa que lhe foi cometida do interesse ligado a uma pessoa".(49)

Conclui-se, portanto, que atuando o Ministério Público como substituto processual na ação civil ex delicto, ficará totalmente vinculado ao pedido constante na exordial, pois, se pudesse se posicionar contra os interesse do defendido, o colocaria em situação pior do que se não tivesse defesa.

"AÇÃO DE REPARAÇÃO EX DELICTO. APELAÇÃO CÍVEL. ILEGITIMIDADE DEPARTE ATIVA. INOCORRÊNCIA. 01 - O Ministério Público tem legitimação extraordinária para propor ação de reparação de dano ex delicto na qualidade de substituto processual agindo em casos tais, em nome próprio, por interesse alheio, à pretensão dos beneficiários pobres, da vítima do ato ilícito, sendo tal condição resultante da expressa previsão de ordem legal na matéria, inteligência do art. 68 c/c o art. 64 do CPC. Apelo conhecido e provido" (TJGO, 1ª Câm. Civ.; Ap. Civ. Nº 46675-2/188 (9800425853, j. em 05/11/98, por unanimidade, Rel. Des. Matias W. de Oliveira Negry). No mesmo sentido, foi transcrito no voto do relator outro acórdão do TJGO, Rel. Des. Fenelon Teodoro Reis, DG 12.409, de 8/10/96, pág. 11).

3.2 Legitimidade ativa:

Conforme se depreende do art. 63 do Código de Processo Penal, tem legitimidade para propor a actio civilis ex delicto o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.

3.2.1 Vítima e Prejudicado:

A palavra vítima origina-se do latim e engloba diversos significados.

Uma explicação a respeito do vocábulo é sua derivação do verbo vincire, correspondendo à ligação entre os animais sacrificados aos deuses e uma vitória na guerra.

Outra explicação é que a palavra vítima deriva de vincere, que significa vencer, sendo a vítima, portanto, o vencido.

Ainda pode-se citar que, em sentido bíblico:

"(...) a palavra é designada para indicar o "ser vivo que se imola em um sacrifício", vinculando-se à concepção de holocausto (do grego holókauston- sacrifício imposto à vítima) e oblação (do latim oblatione - oferenda) (Zarzuella. José Lopes in Victima. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, Vol. 77, p. 478)"(50).

A palavra vítima tem um conceito muito amplo, caracterizando toda e qualquer pessoa que sofra algum tipo de violência ou desrespeito a algum de seus direitos, mesmo que esta violação não constitua um crime.

Restringindo seus significados para a seara penal, que poderá implicar em prejuízos de ordem civil, a palavra vítima se refere a pessoa cujo bem jurídico é tutelado pela norma penal. Observa-se, embora haja entendimentos diversos, que a vítima pode ser tanto a pessoa física, quanto à pessoa jurídica, como pode ser observado nos casos de crimes contra a honra, por exemplo.

Assim, exclui-se o sujeito passivo mediato, ou seja, o Estado, referindo-se ao imediato, que poderá englobar sujeitos diversos daquele contra o qual se efetuou uma ação criminosa, como seus filhos, cônjuge etc.

"Portanto, o conceito adotado abrange o denominado sujeito prejudicado, que não se confunde com o sujeito passivo imediato, muito embora às vezes com ele se confunda, mas, que, com certo rigor técnico, outra coisa não o é, senão o titular do direito à indenização, ou seja, do direito de pleitear a reparação dos danos causados pelo crime. (...) no processo penal brasileiro o conceito é mais restrito ainda (...) a vítima corresponde ao sujeito passivo, principal ou secundário, abrangendo o prejudicado que, sendo ao mesmo tempo sujeito passivo, tenha direito à reparação. (...) a par de inexistir rigor terminológico no Código de Processo Penal brasileiro, este empregou o termo lesado para designar a pessoa que sofreu prejuízo em decorrência do crime, em diversos artigos atinentes às formas de reparação de danos"(51).

Usualmente, no processo e direito penal, a palavra vítima é empregada para designar o sujeito passivo constante ou eventual de um crime. No entanto, tratando-se de interesse patrimonial, a denominação adequada, conforme a doutrina, seria ofendido, lesado ou prejudicado. Assim Heitor Piedade Júnior emprega a palavra vítima para designar o sujeito passivo de um crime contra a pessoa; ofendido, nos casos em que se tratar de crime contra a honra e contra os costumes; lesado, quando se tratar de crime patrimonial; e prejudicado para indicar o titular de um direito à indenização(52) .

Para tal diferenciação, toma-se como exemplo crime de homicídio, em que a vítima é o morto e os prejudicados são aqueles que dele dependiam financeiramente, existindo casos, ainda, em que embora não esteja a vítima definida, como pode ocorrer em crimes contra o consumidor, existem prejudicados.

 

3.3 Legitimidade passiva:

A ação civil ex delicto poderá ser interposta em face do réu da sentença penal (condenatória), de seus herdeiros ou de seu responsável civil.

No processo penal, a ação somente é proposta em face do autor da infração, englobando co-autoria e participação. Portanto, o responsável civil, em razão do princípio da instranscendência do processo ou da individualização da pena, não pode ser acionado, pois tais princípios impedem que a responsabilização pelo fato praticado ultrapasse a pessoa do réu na ação penal.

No entanto, na esfera civil, há possibilidade de ser promovida uma ação que não abrange apenas o autor do evento, mas também, seus herdeiros, seu espólio, seu responsável civil ou, ainda, em face de garante, no caso de denunciação à lide na intervenção de terceiros.

Assim, os responsáveis legais poderão ser acionados, quando o acusado não tiver bens suficientes para a satisfação do valor devido, se comprovada na ação civil ex delicto, por exemplo, a culpa in vigilando, do curador em relação ao doente mental, ou in eligendo, no caso de preposto em relação ao empregado, considerados responsáveis legais, para efeitos de indenização civil.

Interessante observar a divergência de posicionamentos entre Hélio Tornaghi e Ada Pellegrini Ginover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio Carlos de Araújo e Cintra a respeito da legitimidade passiva na ação civil ex delicto(53) .

O primeiro autor posiciona-se no sentido de que é parte legítima para integrar o pólo passivo na ação reparatória civil o condenado no juízo criminal, mas, sobre seus bens recai a obrigação e, seus bens podem estar na posse e administração de seu responsável civil ou de seus herdeiros e sucessores. Por esse entendimento, sustenta que, caso tenha o condenado na ação penal falecido, não existe óbice para que seja ajuizada ou, seja dado prosseguimento a uma ação civil indenizatória já intentada, uma vez que é em relação aos bens deixados pelo de cujus, outrora condenado na ação penal, que a ação deve recair e, de forma indireta, os responsáveis pela administração e posse de seus bens, assumem a titularidade passiva na ação civil ex delicto.

Os demais doutrinadores citados discordam desse entendimento, sustentando que a sentença penal transitada em julgado não vincula o responsável civil, uma vez que estranho à ação penal. Para tais autores, somente poderá ser intentada a ação contra o sentenciado e condenado, pois este fez parte do processo penal, caso contrário, haverá desrespeito ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal, conforme exige o art. 5º, LIV da Constituição Federal.

TJSP: "Havendo culpa in vigilando, o pai é solidário pela reparação do dano decorrente de ato ilícito de filho menor." (RT 492/68). 1º TACIVSP: "O fato de o ato ilícito ter sido praticado por menor relativamente incapaz, com bem adquirido com ganhos lucrativos em atividade lucrativa por ele desenvolvida, não exonera o pai da responsabilidade solidária, decorrente do dever de vigilância." (RT 673/89).

IV

Efeitos civis da sentença penal

4.1 Sentença penal absolutória:

Havendo uma decisão absolutória na ação penal, baseada no art. 386, do Código de Processo Penal, o ingresso de ação civil ex delicto não estará obstado, permitindo a discussão a respeito da culpa civil.

No entanto, caso a absolvição esteja fundamentada em causa excludente de ilicitude como a legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito, ou restando comprovada a inexistência do fato, via de regra, ficará vedado o exercício da ação civil ex delicto, conforme estabelecem os arts. 65 e 66 do Código de Processo Penal.

Na hipótese de estrito cumprimento de dever legal, a exclusão da indenização se refere ao agente da infração, no entanto, a ação de reparação em âmbito civil poderá ser intentada contra o Estado, conforme art. 37, §6º da Constituição Federal.

Nos casos de estado de necessidade e legítima defesa com erro na execução (aberratio ictus), estabelecem os arts. 929 e 930 do Código Civil que nos casos em que a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou lesão a pessoa se der para remover perigo eminente (art. 188, II, CC), se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, não forem culpados do perigo, será possível a reparação do dano que sofreram. Se o perigo ou agressão injusta ocorreu por culpa de terceiro, o autor do dano terá direito de propor ação regressiva contra este para reaver a importância que tiver ressarcido o lesado.

Parece que o mais coerente seria que o prejudicado intentasse, desde logo, a ação civil de indenização contra o autor do perigo.

Nos casos de reconhecimento de quaisquer das causas excludentes de culpabilidade (art. 386, V, 2ª parte, CPP), ou seja, erro sobre a ilicitude do fato, coação moral irresistível, obediência hierárquica, inimputabilidade ou embriaguez fortuita completa, a sentença penal absolutória também não impede o ingresso da ação civil, uma vez que a culpabilidade é pressuposto para a imposição de uma pena e, nestes casos, a sentença absolutória penal apenas reconhece a causa de isenção de pena, não excluindo a ilicitude do fato praticado pelo réu.

Assim, o crime existiu, sujeitando seu autor à responsabilização criminal e civil, no entanto, não haverá imposição de sanção penal.

Portanto, somente quando reconhecida causa excludente de ilicitude, quando restar provada a inexistência material do fato (art. 66, CPP) ou quando não houver provas.

 

Como citar o texto:

PANTALEÃO, Juliana F..Ação civil ex delicto. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 1, nº 100. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/387/acao-civil-ex-delicto. Acesso em 2 nov. 2004.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.