Resumo: O presente artigo tem por objetivo apresentar a atualidade da obra “Capitães da Areia”, de Jorge Amado. A obra, que foi publicada em 1937, retrata a vida e as dificuldades enfrentadas por um grupo de menores abandonados – os “Capitães da Areia” – na década de 30, em Salvador. O enfoque desta pesquisa volta-se para a análise de Pedro Bala e as violações à sua dignidade humana no sistema penitenciário. Esta realidade continua se repetindo em diversas penitenciárias, contrariando a Constituição Federal de 1988, as normas penais, processuais penais e de execução penal.

Palavras-chave: Capitães da Areia, Jorge Amado, prisão, violação dos direitos e garantias fundamentais.

Abstract: This article aims to present the relevance of the work "Capitães da Areia" by Jorge Amado. The work, which was published in 1937, portrays the life and the difficulties faced by a group of abandoned children – “Capitães da Areia" - in the 30s, in Salvador. The focus of this research turns to Peter Bala analysis and violations of their human dignity in the prison system. This reality keeps repeating in various prisons, contrary to the Federal Constitution of 1988, criminal, criminal procedure and criminal enforcement standards.

Keywords: Capitães da Areia, Jorge Amado, prision, violation of fundamental rights and guarantees.

1. Introdução; 2. Interface entre a Literatura e o Direito na obra “Capitães da Areia”, de Jorge Amado; 3. As condições precárias do sistema penitenciário e a prisão de Pedro Bala; 4. Conclusão; 5. Referências

1. Introdução

O objetivo da presente pesquisa é a apresentação do caráter atual da obra “Capitães da Areia”, de Jorge Amado, no que tange à violação de direitos e garantias fundamentais e da dignidade da pessoa humana no ambiente penitenciário. A complexidade e a riqueza de “Capitães da Areia” não serão esgotadas neste texto. Serão apresentadas considerações pontuais da intersecção entre a Literatura e o Direito à luz do sofrimento humano no sistema penitenciário. A obra, publicada em 1937, antecede o Código Penal vigente (o Decreto-Lei nº. 2848, de 07 de dezembro de 1940), o Código de Processo Penal vigente (Decreto-Lei nº. 3689, de 03 de outubro de 1941), a Lei de Execução Penal (Lei nº. 7210, de 11 de julho de 1984) e a Constituição Federal de 1988, a Constituição-cidadã. Este romance foi muito polêmico em seu lançamento. Em novembro de 1937, foram queimados, pelas autoridades, diversos exemplares da obra em praça pública, em Salvador, com a justificativa de ser uma obra subversiva. A tentativa de evitar a leitura do romance fracassou e a obra tornou-se um clássico da literatura brasileira. O texto documenta a vida de diversos menores abandonados, que vivem em Salvador, em ambientes insalubres, enfrentando inúmeras dificuldades como o abandono, a falta de cuidados médicos, a fome e o frio. Diversos são os personagens da obra literária. Dentre os personagens: Pedro Bala (o líder dos Capitães. Assume a função de pai de seus colegas. Descobre que seu pai, já falecido, era um líder sindical); Dora (sente muita falta da família, que morreu em decorrência de uma epidemia de malária, e sofre muito por estar sozinha. Apesar da pouca idade, assume a função de mãe dos garotos do grupo. É apaixonada por Pedro Bala e, pouco antes de falecer, consuma o romance com ele), e Sem-Pernas (coxo, teve a sua memória marcada quando foi levado a uma delegacia e obrigado a correr sem parar por duas autoridades policiais que estavam embriagadas. A sua dificuldade de andar foi motivo de deboche e ele era agredido quando não conseguia correr. As marcar no corpo, com o tempo, sumiram, mas o estrago emocional, não).

O enredo prende a atenção dos leitores, fazendo-os mergulhar no universo dos dramas, alegrias e das ações praticadas pelos personagens da obra. Dentre todas as conexões entre o Direito e a Literatura, dirijamos o enfoque para a prisão de Pedro Bala e o sofrimento dele na solitária e, posteriormente, no regime fechado, em convívio com os outros presos.

2. Interface entre a Literatura e o Direito na obra “Capitães da Areia”, de Jorge Amado

A relação entre as duas áreas – Direito e Literatura – é presente nas obras literárias. Isto porque, ao analisar e narrar os atos praticados pelos sujeitos, à época do enredo, o autor abre para o leitor as possibilidades de interpretação e compreensão da fase histórica, da comunicação e das regras para o bom convívio em sociedade. Tanto a Literatura quanto o Direito são manifestações culturais e retratam a realidade social. O estudo do Direito não pode estar restrito apenas à interpretação das normas, É necessária a construção de um diálogo entre as duas ciências, para a compreensão da realidade. O conhecimento e a visão global sobre os temas são dois grandes desafios que exigem raciocínio abrangente. A Literatura é fundamental para o entendimento da realidade social.

A obra “Capitães da Areia” mostra as dificuldades dos menores, as dores do abandono, distribuição de renda desigual, a privação ao acesso à educação, à saúde, ao lazer e ao convívio familiar. Os menores abandonados da narrativa “Capitães da Areia” têm as vidas marcadas por tragédias familiares. Eles moram em um armazém abandonado e cometem uma série de infrações penais, como estupro e furtos. Durante uma ação do grupo, Pedro Bala e Dora são presos. Enquanto Dora é encaminhada para um orfanato, Pedro Bala é enviado à prisão.

3. As condições precárias do sistema penitenciário e a prisão de Pedro Bala

A narrativa da estadia de Pedro Bala na prisão retrata as torturas que ele sofreu, pois as autoridades queriam saber informações sobre a localização dos “Capitães da Areia”. Pedro Bala se nega a responder estas perguntas, é muito machucado e torturado, e é enviado para uma solitária, onde é privado da luz, e recebe escassa quantidade de água e de alimentação por dia. Fraco e com intensas dores, afirma que o que lhe dá força é lembrar-se de Dora. No ordenamento jurídico brasileiro, existe previsão legal para o Redime Disciplinar Diferenciado (o RDD), destinado aos presos de maior periculosidade. A característica mais marcante deste regime é o isolamento do réu na cela, sendo-lhe permitido banho de sol de duas horas por dia. Diversos doutrinadores questionam a constitucionalidade deste regime, tendo em vista que o isolamento excessivo (a lei permite que o preso cumpra até 360 dias de pena neste regime, e este prazo pode ser postergado em caso de nova falta disciplinar grave).

A obra de Jorge Amado também descreve as condições precárias das acomodações dos presos, quando Pedro Bala é liberado da solitária (depois de oito dias lá) e transferido para as acomodações do regime prisional fechado. Os castigos são recorrentes, bem como a insalubridade do ambiente, a falta de materiais e de perspectivas. Cabe, neste ponto, um paralelo com a situação atual do sistema penitenciário brasileiro, a aplicação e a execução da pena e a ressocialização do apenado. Existem diversas histórias de vida similares à história de Pedro Bala. Para que a pena tenha caráter educativo e ressocializador, é necessário que o Poder Público garanta a integridade física e mental dos apenados. A restrição da liberdade não deve atingir os outros direitos da pessoa. Percebe-se que as dificuldades enfrentadas pelos réus que cumprem pena privativa de liberdade é muito antiga e, atualmente, um dos grandes desafios da sociedade. É fundamental a continuidade dos debates sobre a temática, para que seja garantida a dignidade humana de todos, estejam eles em liberdade ou cumprindo pena privativa de liberdade. 

4. Conclusão

A obra “Capitães da Areia”, escrita por Jorge Amado em 1937, tem caráter muito atual. Dentre todas as dificuldades vivenciadas pelos menores abandonados, o destaque para a presente pesquisa volta-se para o sofrimento imposto à Pedro Bala (o líder dos Capitães da Areia) na cadeia. Ao recusar-se a delatar seu grupo, Pedro Bala é torturado e castigado, sendo encaminhado para uma solitária. Lá, é privado do contato com o Sol, com água e alimentação muito escassas. Ao sair da solitária, percebe que a precariedade permanece, no local em que os apenados cumprem pena privativa de liberdade, convivendo uns com os outros. O sofrimento de Pedro Bala é o sofrimento de muitos encarcerados. A pena não pode ser justificada pela vingança. Pelo contrário, ela deve ter caráter educativo e ressocializador. Para tanto, é necessário o fomento dos debates a respeito do sistema carcerário brasileiro e os mecanismos para a garantia da dignidade humana universal.

5. Referências

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Elaborado em março/2015

 

Como citar o texto:

MACEDO, Maria Fernanda Soares. .Interface entre a Literatura e o Direito: Capitães da Areia, a prisão de Pedro Bala e as violações aos direitos dos presos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1243. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/3554/interface-entre-literatura-direito-capitaes-areia-prisao-pedro-bala-as-violacoes-aos-direitos-presos. Acesso em 26 mar. 2015.

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