O presente trabalho adotará como pressuposto fundamental a perspectiva democrática expressa no projeto do Código de Processo Civil, votado e aprovado pelo Senado Federal que aguarda sanção presidencial, estruturado com base no modelo constitucional do processo.

Conforme assinala Dierle Nunes et al (2015, pp. 70/71) essa matriz de pensamento se realiza “mediante as balizas do contraditório como garantia de influência (art. 10[1]) e na fundamentação estruturada (art. 486[2]) que fomentarão o melhor debate de formação decisória”.

Essa perspectiva permite sustentar a possibilidade de execução específica do acordo de quotistas no âmbito das Sociedades Limitadas independentemente da existência de previsão legal específica para o caso na Lei n.º 10.406/02 (Código Civil Brasileiro).

Com efeito, é notório, hoje em dia, o problema da sucessão hereditária de um segmento típico da economia mundial: a Empresa Familiar. Os fundadores das sociedades empresárias encontram muita dificuldade para planejar a transição da administração e do controle societário entre as gerações da família.

No âmbito jurídico, os instrumentos do direito sucessório não servem satisfatoriamente para a finalidade de distribuição qualitativa dos ativos hereditários, limitando-se tão somente a preordenar a distribuição de determinados bens aos futuros herdeiros.

Nesse contexto é que nasce a necessidade de combinação do Direito Societário com o Direito das Sucessões como meio para a elaboração de um planejamento sucessório eficiente (MAMEDE, 2011).

O princípio da preservação da empresa assume cada vez mais papel de destaque no ordenamento jurídico na medida em que revela o aspecto social desempenhado por essa organização no mercado.

Assim, a sucessão por meio do acordo de quotistas auxilia a eficácia da transferência do patrimônio da família que, no caso das empresas familiares consiste em quotas de participação na sociedade, além de facilitar a obtenção de benefícios fiscais.

As sociedades limitadas, que representam o número mais expressivo de todas as espécies de sociedades em atividade no país[3], encontram-se no centro dessa temática. Por essa razão, a utilização do acordo de quotistas como forma de garantir a transferência das quotas pertencentes ao autor da herança para os herdeiros se torna cada vez mais necessária.

A regulamentação legal desse tipo de acordo era inexistente antes do advento da Lei n.º 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas). Com a promulgação desta lei, o acordo de acionistas (denominado acordo de quotistas no caso das sociedades limitadas) foi expressamente regulamentado[4].

Em virtude da ausência de disposição na legislação de regência da Sociedade Limitada, Lei n.º 10.406/02 (Código Civil Brasileiro), existe uma controvérsia na dogmática e jurisprudência jurídicas acerca da validade e da eficácia do acordo de quotistas para esse tipo societário.

Uma vez que não existe norma específica tratando do acordo de quotistas no âmbito das Sociedades Limitadas e, tendo em vista a expressa previsão na Lei das Sociedades Anônimas, a aplicação supletiva deste diploma legal garante a validade e a eficácia daquele instrumento jurídico.

O problema se agrava quando verificamos a utilização do acordo de quotistas em Sociedades Limitadas nas quais não existe previsão de regência supletiva da Lei das Sociedades Anônimas no contrato social, o que acarreta a aplicação supletiva das normas relativas à Sociedade Simples por força do disposto no artigo 1.053 da Lei n.º 10.406/02 (Código Civil Brasileiro[5]).

Embora não seja expressiva a controvérsia sobre a validade do acordo de quotistas nessa situação[6], pode-se dizer que a aplicação da norma disposta no enunciado da Lei das Sociedades Anônimas[7] (art.118, §3°) – que garante a eficácia perante terceiros e a própria sociedade, bem como a possibilidade de execução específica do acordo de quotistas - ao caso das Sociedades Limitadas com regência supletiva das normas relativas à Sociedade Simples, comporta maiores dúvidas.

Essa situação impõe ao intérprete do Direito a necessidade de utilização de outros recursos para solucionar o dilema decorrente da validade, da eficácia erga omnes e da possibilidade de execução específica do acordo de quotistas no momento de aplicação do Direito.

A constatação de que a norma disposta no enunciado da Lei das Sociedades Anônimas (art.118) pode ser aplicada no caso das Sociedades Limitadas com regência supletiva da Sociedade Simples representa um exemplo claro de utilização da analogia (2014, p. 225), classificada por Robert Alexy como uma das três ias de operação básica na aplicação do Direito.

A regulamentação expressa desse tipo de acordo está presente na Lei n.º 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas).

Em virtude da ausência de disposição na legislação de regência da Sociedade Limitada - artigos 997 a 1.038 por força do disposto no artigo 1.053 da Lei n.º 10.406/02 (Código Civil Brasileiro) - é possível demonstrar como a analogia pode auxiliar o operador do Direito mediante a estipulação de critérios para aplicação de enunciados normativos incidentes sobre situações diversas em casos semelhantes.

De acordo com Robert Alexy (2014, p. 226), a analogia pode ser utilizada por meio de duas regras diametralmente opostas e sutilmente diferenciadas pela forma de representação, senão vejamos:

A1: Em todo caso Ci, pode ser aduzido qualquer caso Cj, sob o argumento de que Ci compartilha com Cj as características Fj1, ..., Fjn, e que Ci, por essa razão, e porque é válida a regra Fj1 , ..., Fjn ? Q, deve ser tratado, do mesmo modo que Cj, como tendo o efeito Q.

 

A2: em todo caso em que é apresentado um argumento na forma A1, pode-se alegar que Ci pode ser distinguido de Cj pelas características Fi1, ..., Fin, e que Ci, por essa razão, e porque é válida a regra Fi1, ..., Fin ? ¬Q, não deve ser tratado, diferentemente de Cj, como tendo o efeito Q.

No caso, convém transcrever o disposto na Lei n.º 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas):

Art. 118: Os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede.

§ 1º As obrigações ou ônus decorrentes desses acordos somente serão oponíveis a terceiros, depois de averbados nos livros de registro e nos certificados das ações, se emitidos.

[...]

§ 3º Nas condições previstas no acordo, os acionistas podem promover a execução específica das obrigações assumidas.

Considerando a estrutura da analogia exposta com base em A1 (transcrito acima) e as peculiaridades da hipótese ora apresentada teríamos o seguinte:

 

A1: O acordo de quotista, regulamentando a preferência para aquisição de quotas pelos herdeiros do sócio, celebrado no âmbito de Sociedade Limitada sem regência supletiva da Lei da Sociedade Anônima (Ci), pode ter os mesmos efeitos do acordo de acionista, regulamentando preferência para aquisição de ações pelos herdeiros do acionista, celebrado com base no disposto no art. 118 da Lei da Sociedade Anônima (Cj), sob o argumento de que Ci compartilha com Cj as características: têm como objeto a regulamentação da preferência para aquisição de títulos societários (Fj1); vinculam a sociedade empresária com o arquivamento em sua sede (Fj2); são oponíveis a terceiros com o registro público (Fj3); e que Ci, por essa razão, e porque é válida a regra segundo a qual podem ser objeto de execução específica os acordos de acionistas celebrados nas condições legais (Q), deve ser tratado, do mesmo modo que Cj, como tendo o efeito Q.

Contra esse argumento poderia ser objetado A2 (transcrito acima) com base nas alegações de que a legislação que regulamenta a Sociedade Limitada não prevê: (Fj1) a realização de acordo de quotistas pare regular o direito de preferência na aquisição de quotas por herdeiros do sócio; a vinculação da sociedade empresária com o arquivamento em sua sede (Fj2); a oponibilidade a terceiros com o registro público (Fj3).

(Fj1) No caso concreto analisado neste trabalho, inexistindo qualquer defeito (grave ou leve) na constituição do acordo de quotistas - como, por exemplo, não contrariar o contrato social da Sociedade Limitada em consonância com a previsão legal constante no Código Civil Brasileiro[8] (sem deixar de mencionar a necessidade de manifestação clara dos pressupostos de validade de todo negócio jurídico previstos pelo citado diploma legal[9]: capacidade das partes, licitude do objeto e obediência à forma legal) - não há que se falar em nulidade do referido instrumento.

Assim, o entendimento exposto no próprio Código Civil Brasileiro (art. 997) de que o acordo de quotistas, não contrário ao contrato social, é eficaz em relação a terceiros pressupõe que seja válido.

(Fj2) Como a lei não atribui às Sociedade Limitadas a função de registro público (BULGARELI, 1995, pp. 44/49), a vinculação deste tipo societário ao conteúdo do acordo de quotistas se dará mediante notificação extrajudicial encaminhada para o endereço no qual está estabelecida a sede da sociedade. É possível ainda a vinculação quando a própria sociedade figurar como anuente do acordo de quotistas.

(Fj3) O acordo de quotistas pode ser arquivado perante o Registro de Comércio em face do disposto na Lei n.° 8.934/94[10] (que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis). E será oponível perante terceiros desde que seja registrado no registro público, conforme prevê o Código Civil Brasileiro[11].

Assim, a execução do acordo de quotistas que regulamenta o direito de preferência dos herdeiros na aquisição e transferência de quotas do sócio será realizada pelo procedimento previsto para execução das obrigações de fazer e de não fazer, conforme previsto no Código de Processo Civil (2015)[12].

Portanto, conforme exposto, é possível destacar boas razões para fundamentar a validade do acordo de quotistas no âmbito das Sociedades Limitadas independentemente da regência supletiva, pela aplicação analógica da norma disposta na Lei das Sociedades Anônimas que garante a eficácia perante terceiros e a própria sociedade, bem como a possibilidade de execução específica do acordo de quotistas.

REFERÊNCIAS

 

ALEXY, Robert. TRIVISONNO, Alexandre T. G. (Org.). Teoria Discursiva do Direito. 1a.. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014. v. 1. 405p.

ALMEIDA, Renata Barbosa de; RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. Direito civil: famílias. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012. 588 p.

ASCARELLI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. Campinas: Servanda, 2009. 639 p.

ASSIS, Araken de. Manual da execução. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pp. 1440.

BARBI FILHO, Celso. Acordo de Acionistas. Belo Horizonte: Del Rey, 1993;

BERTOLDI, Marcelo M. Acordo de acionistas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006;

BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 12. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. xviii, 572 p.

BULGARELLI, Waldírio. Anotações sobre o acordo de quotistas. Revista de Direito Mercantil. São Paulo, v. 98, pp. 44/49, abr./jun. 1995.

BRASIL. Constituição (1988). Brasília: Senado Federal. Disponível no site: , acesso em 20/02/2015.

______. Código Civil Brasileiro. Brasília: Senado Federal. Disponível no site: , acessado em 20/02/2015.

______. Lei n.º 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Brasília: Senado Federal. Disponível no site: , acessado em 20/02/2015.

______. Substitutivo da Câmara dos Deputados (SCD) ao Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 166, de 2010, que estabelece o Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal. Disponível no site: , acessado em 20/02/2015.

CARVALHOSA, Modesto. Acordo de acionistas. São Paulo: Saraiva, p. 198;

GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Evolução e perspectivas da sociedade por quotas de responsabilidade limitada. São Paulo: Associação dos Advogados de São Paulo.

THEODORO JR, Humberto. NUNES, Dierle José Coelho. BAHIA, Alexandre G. M. F. PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e Sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015, pp. 367.

  

[1] Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

[2] Art. 486. São elementos essenciais da sentença: I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. § 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.

§ 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.

[3] Conforme nos informa Jean Carlos Fernandes com base em dados estatísticos do Departamento Nacional de Registro do Comércio fica clara a “importância e a preferência do empresariado pela sociedade limitada, chegando a superar, em alguns anos, as firmas individuais.” (2007, p. 39/40)

[4] Art. 118: Os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede. (Lei das S.A.)

[5] Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.

[6] Contra: José Alexandre Tavares Guerreiro. A favor: Modesto Carvalhosa, Celso Barbi Filho e Waldírio Bulgareli.

[7] Art. 118: Os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede. [...] §3º Nas condições previstas no acordo, os acionistas podem promover a execução específica das obrigações assumidas.  (Lei das S.A.)

[8] Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:

[...]

Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no instrumento do contrato. (destaque do autor)

[9] Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.

[10] Art. 2º Os atos das firmas mercantis individuais e das sociedades mercantis serão arquivados no Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, independentemente de seu objeto, salvo as exceções previstas em lei. [...] Art. 32. O registro compreende: [...] II - O arquivamento: a) dos documentos relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de firmas mercantis individuais, sociedades mercantis e cooperativas;

[11] Art. 221. O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor; mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros, antes de registrado no registro público.

[12] Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:

[...]

II – a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor;

Art. 814. Na execução de obrigação de fazer ou de não fazer fundada em título extrajudicial, ao despachar a inicial, o juiz fixará multa por período de atraso no cumprimento da obrigação e a data a partir da qual será devida.

Art. 816. Se o executado não satisfizer a obrigação no prazo designado, é lícito ao exequente, nos próprios autos do processo, requerer a satisfação da obrigação à custa do executado ou perdas e danos, hipótese em que se converterá em indenização.

 

 

Elaborado em fevereiro/2015

 

Como citar o texto:

MOREIRA, Pedro Alexandre..Acordo De Quotistas Em Sociedades Limitadas E Execução Específica: Uma Abordagem A Partir Da Concepção Democrática Do Novo CPC. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1244. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/cronicas/3561/acordo-quotistas-sociedades-limitadas-execucao-especifica-abordagem-partir-concepcao-democratica-novo-cpc. Acesso em 30 mar. 2015.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.