Inicialmente, deve-se compreender a função da propriedade conforme apresenta-se constitucionalmente resguardada nos arts. 5º  incisos  XXII  e  XXIII,  trazendo  o  direito fundamental da propriedade ligado a sua função social, especificamente  no art. 182,  que adverte para o  cumprimento da função da propriedade no meio urbano bem como no art. 186, que demonstra de que forma deve-se cumprir a função da propriedade no meio rural, evidencia-se a preocupação do legislador em limitar o direito real de propriedade de modo que não possa   ser   usada   de   forma   absoluta   e   para   atender   tão   somente   interesses particulares.

Ademais, o art. 170, quando menciona a Ordem Econômica e o art. 225, quando refere o cumprimento da função da propriedade, em consonância com os aspectos ambientais evidenciam essa preocupação. A função social da propriedade somente se revela conforme constitucionalmente prevista, quando cumpre os fundamentos e princípios ali estipulados, observando-se a ampla proteção que lhe é atribuída.

Consequentemente, as leis infraconstitucionais   refletem os princípios constitucionalmente estabelecidos, como pode-se observar na Lei n• 6.938/81, que dispõe no inciso 1 do art. 4º que a Política Nacional do Meio Ambiente visará à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico". O meio ambiente é tão importante que foi transformado pelo inciso VI do art. 170 da Constituição Federal em um princípio da ordem econômica, passando a se sujeitar a ele os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência.

Em relação ao resguardo da propriedade em sua mais ampla função, destaque-se o parág. 1º do art. 1.228 do Código Civil certificando três aspectos fundamentais:  a finalidade econômica, social e de preservação ambiental.

Art.  1.228  §  1º.  O direito de propriedade deve  ser exercido  em  consonância  com suas  finalidades  econômicas e sociais e de  modo  que  sejam  preservados,  de conformidade  com  o  estabelecido  em  lei  especial,  a flora,  a  fauna,  as  belezas naturais,  o  equilíbrio  ecológico  e  o  patrimônio  histórico  e  artístico,  bem  como evitada a poluição do ar e das águas.

Diante dessas inúmeras previsões legislativas, sejam elas na nossa Magna Carta, leis ordinárias, tratados internacionais, desponta uma indagação: É possível compatibilizar o desenvolvimento sustentável e a proteção aos bens ambientais com a ideia de função social da propriedade? Veremos a seguir!

Atualmente defende-se a função SOCIOAMBIENTAL da propriedade, uma vez que tanto a propriedade urbana quanto a propriedade rural devem necessariamente considerar a preservação ambiental como forma de alcançar sua função social. Parafraseando Frederico Amado, a “função social (ou socioambiental) não se configura como simples limitação ao exercício do direito de propriedade, e sim operacionaliza-se em caráter endógeno, apresentando-se como quinto atributo ao lado do uso, gozo, disposição e reinvindicação. Temos hoje uma verdadeira ecologização da propriedade.”

Importante destacar a função socioambiental das cidades, sempre negligenciada tendo em vista a preocupação com o consumismo desenfreado e com o lucro incessante do sistema capitalista predatório,  podendo apenas ser considerada atendida  essa  função  quando  houver  redução  das  desigualdades  sociais,  promoção  da  justiça social e melhoria da qualidade de vida dos  moradores, instrumentalizando,  em  primeiro  lugar,  condições  que  habilitem  a  realização  da  dignidade  humana  de  toda coletividade, obedecendo ao determinado no Estatuto das Cidades, documento que é aceito com descrença por uns e com otimismo por outros.

Art.  182, parág.  2º da Constituição  Federal,  “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de  ordenação  da  cidade  expressas  no  plano  diretor”.

O Código Florestal, Lei 12.651, de  2012,  foi atualizado, e menciona que o cumprimento da função da propriedade se dá “quando são observadas  as  normas  gerais  sobre  a  proteção/exploração  de  áreas  de  Preservação Permanente e Reserva Legal, com vistas a um desenvolvimento sustentável”. 

O próprio STJ já manifestou-se no sentido de inexistir direito ilimitado ou absoluto de utilização dos potenciais econômicos do imóvel, pois até antes da promulgação da Magna Carta, marco regulatório em matéria ambiental, o legislador já tinha a preocupação de impor algumas restrições ao uso da propriedade, com o intento de preservar o meio ambiente. Instaurou-se atualmente uma verdadeira função ecológica do uso das propriedades.

Com a evolução da   propriedade   da    sua   função, passando   pelo   real cumprimento   da   função socioambiental e avaliamos que  a  função  é  cumprida  quando  compreende esses três aspectos: função social, econômica e de preservação ambiental. 

Ao nosso ver, parece perfeitamente possível compatibilizar o desenvolvimento sustentável e a proteção dos bens ambientais com a ideia de função socioambiental da propriedade, e mais, não vemos sequer nenhuma incompatibilidade entre eles, ao passo que se complementam – um dos requisitos para que a propriedade alcance sua função socioambiental é o respeito a legislação ambiental, o Brasil possui uma das legislações mais avançadas do mundo em matéria ambiental, logo, respeitando a função socioambiental da propriedade, estaria, desde já, respeitando-se o desenvolvimento sustentável e a proteção dos bens ambientais.

BIBLIOGRAFIA

AMADO, Frederico Augusto Di Trindade; Direito Ambiental Esquematizado São Paulo: Metodo, 2013.

BRASIL. Código Civil. Lei n° 10406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm

BRASIL. Decreto Legislativo nº 2, de 3 de fevereiro de 1994. Aprova o texto da Convenção sobre Diversidade Biológica. Diário do Congresso Nacional (Seção II) de 08/02/1994, pp. 500-510.

BRASIL. Decreto nº 1.354, de 29 de dezembro de 1994. Institui, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente eda Amazônia Legal, o Programa Nacional da Diversidade Biológica, e dá outras providências.

BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação , e dá outras providências.

Data da conclusão/última revisão: 03/06/2017

 

Como citar o texto:

ARAÚJO, Sarah Camelo Brandão de Barros.Desenvolvimento sustentável e proteção aos bens ambientais: a ideia de função social da propriedade.. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 27, nº 1443. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-ambiental/3655/desenvolvimento-sustentavel-protecao-aos-bens-ambientais-ideia-funcao-social-propriedade-. Acesso em 5 jun. 2017.

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