Introdução

            Nos últimos tempos, a figura do Supremo Tribunal Federal não passa despercebida e nem é vista com indiferença ou distanciamento pela sociedade brasileira.

            A Constituição de 1988, sem dúvidas, trouxe uma revitalização da cidadania e uma conscientização da população no que se refere à proteção de seus interesses, muito bem traduzida na sua concepção de “Constituição Cidadã”, com destaque para o rol de direitos fundamentais individuais e sociais consagrado.

            De todo modo, o país, vindo de um regime no qual os direitos individuais e sociais eram restritos e, em alguns casos, ignorados, assistiu a um movimento no qual a sociedade vislumbra, com anseio de uma Constituição defensora e contempladora dos valores democráticos, na figura do Poder Judiciário (com ênfase ao Supremo Tribunal Federal, tendo em vista o objeto estudado) a proteção dos direitos face à incapacidade política para tanto.

            Em outras palavras, a sociedade tem procurado no Tribunal Supremo representação social, de modo a efetivar os anseios da população expressos na Carta Magna, assumindo este, assim, um papel que, para alguns juristas, não o pertence.

            Note-se, assumindo tal papel, consequentemente, nosso Tribunal Maior ganha holofotes, imprimindo uma mudança de perfil, tornando-se destaque na mídia nacional, a qual expõe seus Ministros, tornando-os propensos a condutas vaidosas e populistas, levando-nos a questionar o que esperar destes.

1. O Supremo e a influência social

            Tem-se percebido uma influência político-social muito grande sobre as decisões proferidas em nossa Corte Constitucional, principalmente, sobre aquelas resultantes de omissão dos Poderes Legislativo e Executivo.

            Importa lembrar que, o texto constitucional contempla o Supremo Tribunal Federal, no caput do art. 102, como “guardião da Constituição”, cabendo ao mesmo a função de zelar por sua correta interpretação e aplicação, ou seja, julgar se determinado tema é constitucional ou inconstitucional.

            José Afonso Da Silva, corroborando o entendimento contido no dispositivo mencionado, assim aludiu:

[...] É certo que o artigo 102 diz que a ele compete, precipuamente, a guarda da constituição. Mas não será fácil conciliar uma função típica de guarda dos valores constitucionais com sua função de julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando ocorrer uma das questões constitucionais enumeradas nas alíneas do inciso III do artigo 102, que mantém como tribunal de julgamento do caso concreto que sempre conduz a preferência pela decisão da lide, e não pelos valores da Constituição, como nossa história comprova [...] (SILVA, 2017, p 565).

            O autor, com a alegação, revela que a função prevista no dispositivo mencionado contraria a ideia de o Supremo ocupar-se somente do controle de constitucionalidade, permitindo ao Tribunal que adquirisse novas atribuições.

            Sobre o assunto, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2017) afirmaram que a discussão sobre os limites de sua competência se deve às abrangências introduzidas pela Constituição de 88, tão diversas das Constituições passadas, e, quem sabe do mundo, instituindo, no Brasil, um Estado Social de Direito prevendo obrigações para o Estado, que possibilita a formação de uma sociedade mais exigente quanto à sua efetivação por parte do Executivo e do Legislativo.    Interessa, assim, fazer uma breve análise das competências do Supremo Tribunal Federal na Constituição Federal de 1988 afim de delimitar a postura a esperar deste, face aos problemas contemporâneos e ao protagonismo constitucional.

2. As competências do Supremo Tribunal Federal na Constituição Federal de 1988

            No que se refere às análises das competências do Supremo Tribunal Federal, pode-se afirmar existirem três grupos.

            O primeiro grupo encontra-se no inciso I do art. 102 da Constituição Federal, o qual atribuiu ao órgão a competência originária, abarcando processar e julgar:

            a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;

            b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

            c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;

           

            d) o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;

            e) o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território;

            f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;

            g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;

            h) o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância;

            i) a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados;

            j) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

            k) a execução de sentença nas causas de sua competência originária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais;

            l) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;

            m) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal;

            n) o pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade;

            o) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;

            p) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público;

            O segundo diz respeito às competências descritas no inciso II, relativas ao julgamento de recurso ordinário:

            a) o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão;

            b) o crime político;

            O terceiro, se refere às previsões expressas no inciso III, atreladas ao julgamento do recurso extraordinário:

            a) contrariar dispositivo desta Constituição;

            b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

            c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

            d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

            Compete ao Supremo Tribunal Federal, também, o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade por omissão para tornar efetiva norma constitucional, donde será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias, de acordo com o § 2º do art. 103 da Carta da República.

            Cabe-lhe, ainda, o julgamento, nos termos do § 1º do art. 102 da Constituição brasileira, da arguição de descumprimento de preceito fundamental, a qual encontra regulamento na Lei nº 9.882/99.

            Não se pode esquecer da Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva ou Representação de Constitucionalidade, prevista no inciso III do art. 36 da Constituição Federal

[1].

3. O constitucionalismo contemporâneo

            O constitucionalismo contemporâneo, também chamado neoconstitucionalismo ou constitucionalismo pós-moderno, encontra protagonismo normativo nunca visto na história jurídica.

            Como lembra Luís Roberto Barroso, o cenário apresenta:

[...] um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser mencionadas a formação do Estado constitucional de direito cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX (marco histórico); o pós positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre o Direito e a ética (marco filosófico); e o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional (BARROSO, 2007, p. 60).

            Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco afirmam que hoje “[...] é possível falar em um momento de constitucionalismo que se caracteriza pela superação da supremacia do Parlamento” (MENDES; BRANCO, 2017, p 65). Além disso, que:

O instante atual é marcado pela superioridade da Constituição, a que se subordinam todos os poderes por ela constituídos, garantida por mecanismos jurisdicionais de controle de constitucionalidade. A Constituição, além disso, se caracteriza pela absorção de valores morais e políticos (fenômeno por vezes designado como materialização da Constituição), sobretudo em um sistema de direitos fundamentais autoaplicáveis. Tudo isso sem prejuízo de se continuar a afirmar a ideia de que o poder deriva do povo, que se manifesta ordinariamente por seus representantes [...] (MENDES; BRANCO, 2017, p 65).

            Em outras palavras, a “Constituição, assim, adquire, de vez, o caráter de norma jurídica, dotada de imperatividade, superioridade (dentro do sistema) e centralidade, vale dizer, tudo deve ser interpretado a partir da Constituição” (LENZA, 2016, p. 65).

            O horizonte revela, acima de tudo, nas palavras de Flávia Piovesan, que o valor da dignidade humana, como fundamento constitucional, “[...] impõe-se como um núcleo básico e informador do ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valorização a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional” (PIOVESAN, 2002, p. 75).    

            Ocupando a pessoa humana a posição impositiva acima mencionada há que se ter, sem dúvidas, a garantia de um mínimo existencial, o que nos leva a um paradoxo devido ao ambiente caótico em que nos encontramos no Brasil.

            Pode-se afirmar, “a expansão de conflitos específicos e gerais entre as opções normativas e filosóficas existentes dentro do próprio sistema constitucional” (LENZA, 2016, p. 65), ao mesmo tempo que fornece esperança por dias melhores, oferece incertezas, por proporcionar mudanças humanistas, as quais, podem incomodar ou incomodam, a muitos.

            Como lembram Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2017) o momento constitucionalista que vivemos escancara uma tensão entre o constitucionalismo e a ideia democrática anterior.

            Essas palavras se justificam porque:

É intuitivo que o giro de materialização da Constituição limita o âmbito de deliberação política aberto às maiorias democráticas. Como cabe à jurisdição constitucional a última palavra na interpretação da Constituição, que se apresenta agora repleta de valores impositivos para todos os órgãos estatais, não surpreende que o juiz constitucional assuma parcela de mais considerável poder sobre as deliberações políticas de órgãos de cunho representativo. Com a materialização da Constituição, postulados ético?-morais ganham vinculatividade jurídica e passam a ser objeto de definição pelos juízes constitucionais, que nem sempre dispõem, para essa tarefa, de critérios de fundamentação objetivos, preestabelecidos no próprio sistema jurídico (MENDES; BRANCO, 2017, p 65).

Considerações finais

            No tocante ao tema apresentado para o estudo, apresentaremos algumas reflexões a título de considerações finais.

            Sem dúvidas, o constitucionalismo contemporâneo ocupa protagonismo jurídico, estando atrasado não somente aquele no mundo jurídico a negar isso, bem como aquele, fora dele, que nega os direitos dos demais, pois a autonomia privada encontra obstáculo na garantia da plena efetividade do preceito da dignidade da pessoa humana.

            Como encontrando-nos num Estado Constitucional de Direito, como vimos, nos parece óbvio, face ao acesso à informação, o que leva, ainda que de forma deturpada, por vezes, a um conhecimento sobre os direitos, que o cidadão buscará, no Poder Judiciário, aquilo não efetivado pelos Poderes Legislativo e Executivo.

            É certo, a sociedade tem visto no Poder Judiciário, especificamente, no Supremo Tribunal Federal, um “refúgio” para o atendimento de “clamores sociais”. Por outro lado, é preciso lembrar, seus Ministros se encontram expostos aos mais diversos grupos de poder, o que pode levar a decisões parciais e populistas.   

            Nesse ponto e para fechar, o que oportunizaria um julgamento condizente com os preceitos constitucionais de maneira a livrar, ou, ao menos, diminuir as críticas sobre o Supremo Tribunal Federal? Esse grandioso rol de competências analisadas, que engloba funções de corte constitucional, tribunal penal, entre outros, ou, que nosso ordenamento passasse por uma reforma no sentido de que o Pretório Excelso encarnasse, unicamente, a função de guardião da Constituição, que, como descrito no caput do seu art. 102, atualmente, se apresenta em caráter predominante?  

Referências

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. In: A Constitucionalização do Direito: Fundamentos teóricos e aplicações específicas. NETO, Cláudio Pereira de Souza; SARMENTO, Daniel (Coords.). Rio de Janeiro: Lumen júris, 2007.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 21 de junho de 2017.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 40. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. 

  

[1] Sobre as competências do Supremo Tribunal Federal, consultar em: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Data da conclusão/última revisão: 02/11/2017

 

Como citar o texto:

DUARTE, Hugo Garcez; DIMAS, Anderson Luis de Souza; MOURA, Viviane Pereira de..O Supremo Tribunal Federal e o clamor popular. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 28, nº 1489. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/3781/o-supremo-tribunal-federal-clamor-popular. Acesso em 4 dez. 2017.

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