RESUMO:

Com a globalização e a expansão da tecnologia, principalmente dos meios de comunicação, dentre eles, a ampla utilização da internet, a privacidade é um tema polêmico. Portanto, este trabalho tem o objetivo de discutir a aplicação do direito ao esquecimento, no âmbito do Direito Civil, assim como a importância do direito à privacidade, dentre os direitos da personalidade, como forma de proporcionar dignidade humana, no contexto atual, pois a violação do direito ao esquecimento pode causar transtornos à integridade psíquica e moral do ser humano. A metodologia utilizada fundou-se na revisão da literatura e no estudo das legislações concernentes à temática.

Palavras-chaves: direito ao esquecimento; direito à privacidade; dignidade humana, direitos da personalidade.

 

            Em pleno século XXI, onde há a popularização e disseminação dos meios de comunicação, por meio do avanço da tecnologia, como os mecanismos de informática e a internet, principalmente, onde acontecimentos do mundo são atualizados no mesmo instante em que ocorrem, é notório a relevância dos direitos da personalidade, assim como a proteção à dignidade humana, pois o fato do avanço tecnológico alterou o comportamento dos indivíduos que usam esse meio de forma inadequada, provocando grandes danos à imagem e à honra das pessoas envolvidas, as quais se tornam vítimas de uma “terra sem lei”.

            Dissertar sobre o direito ao esquecimento não é tarefa fácil, tendo em vista a não existência de legislação específica, o que nos causa uma precariedade de conceitos envolvendo esse tema, embora amplamente debatido pela doutrina interessada. O desrespeito ao direito ao esquecimento, como já mencionado, pode gerar violação a muitos outros direitos, no entanto não pode ser confundido com a defesa da censura, a qual colide com a garantia da liberdade de expressão.

            É necessário, portanto, que o direito acompanhe a evolução da sociedade, seja social ou tecnológico e, foi nesse contexto, que o direito ao esquecimento foi debatido na VI Jornada de Direito Civil, em seu Enunciado 531, realizada a pelo Conselho de Justiça Federal.

            O referido Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil preceitua que, a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento (BRASIL, 2013). Portanto, não há como se falar em direito ao esquecimento sem falar em dignidade da pessoa humana, pois este é um princípio que engloba todos os direitos que garantem uma vida com qualidade às pessoas e o devido respeito a esses direitos.

            O principal ponto de análise acerca do direito ao esquecimento é o limite temporal que as informações possuem e a linha tênue existente entre o limite da liberdade de expressão e a proteção aos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana.

            Ao contrário do que muitos defendem, a discussão e busca da tutela sobre o direito ao esquecimento não tem relação nenhuma com a defesa da censura. Busca-se pela limitação da veiculação de informações inapropriadas, sem distinção das fontes ou veículos comunicadores, com o propósito de proteger os direitos violados por essa publicação desenfreada de informações referente às pessoas, as quais afetam-lhes a vida privada.

            Assim, pode-se definir o direito ao esquecimento como um direito que tende a coibir a perpetuação de informações sobre as pessoas, não importando o fato de serem verdadeiras ou não, pois cada indivíduo deve escolher se pretende expor informações de cunho pessoal, assim como deve escolher o meio para tal finalidade, desde que não haja interesse público relacionado ao fato.

            Todavia, o direito ao esquecimento pode se tornar uma concretização do controle sobre fatos já ocorridos ligados à vida privada. Dessa forma, as pessoas não podem ter seu passado constantemente divulgado ou relembrado, seja por meio da mídia ou por atos de violação à privacidade, como invasão de dados ou publicação de fotos ou vídeos, fazendo com que essas pessoas que sofreram algum tipo de dano possam reconstruírem suas vidas, ou esquecer de fatos que já não querem mais relembrar.

[...] a proteção ao indivíduo afetado se dá, sobretudo, se, em virtude do decurso de considerável intervalo de tempo, tal informação, veiculada como se adequada ao contexto atual estivesse, se mostre inadequada, posto que estava ligada a um contexto pretérito e pode, portanto, trazer à tona fatos que não são mais do domínio público, nem de interesse público, fazendo com que o indivíduo reviva dores desnecessárias e passe por situações indesejáveis, que fariam com que pudesse ser, inclusive, segregado do seio social, a depender do tipo de acontecimento divulgado (PEREIRA, 2014, p. 71-101).

 

            Portanto, vê-se que há uma discussão acerca dos limites de divulgação de informações que atingem a vida pessoal do indivíduo.

            Deve-se ressaltar que o direito ao esquecimento, embora seja uma matéria recente no âmbito do direito civil, teve sua origem na esfera penal, desde 1990, quando a doutrina penalista defendeu a ideia da necessidade de uma prerrogativa que proibisse que as consequências de determinado fato praticado por alguém, no passado, não durassem por toda a vida, estigmatizando essas pessoas. Assim, esse direito seria configurado através da prescrição penal.

            Ou seja, ninguém pode discutir fatos delituosos que foram fulminados pela prescrição. Outro fator importante é a reinserção de ex-presidiários, a qual se concretiza pelo instituto da reabilitação criminal (artigos 93, 94 e 95 do Código Penal), onde é assegurado ao condenado o sigilo do seu respectivo processo, assim como a constatação de antecedentes criminais limitados pelo tempo.

            Já o Código de Processo Penal trata sobre o assunto em seu artigo 748, o qual assevera que, a condenação ou as condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado, nem em certidão extraída dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por juiz criminal. Portanto, o referido código processual também dá respaldo ao direito ao esquecimento no âmbito penal, assim como a Lei de Execuções Penais (artigo 202).

Podemos citar uma espécie de direito ao esquecimento também nas relações consumeristas, ou seja, na seara do Direito do Consumidor. Para tanto, devemos analisar o artigo 43, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, o qual diz que os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos (grifo nosso). Desse modo, podemos concluir que a preocupação em limitar o tempo de armazenamento de dados ou registros se dá pelo fato de causarem constrangimentos aos consumidores quando esses dados estão ligados a questões financeiras, limitando o indivíduo a contrair um empréstimo, por exemplo, mesmo tendo se passado vários anos.

            No âmbito do Direito Civil, entretanto, o assunto já era debatido desde meados da década de 1990, quando houveram algumas publicações de trabalhos envolvendo questões constitucionais acerca dos direitos da personalidade, assim como do direito à imagem, baseados no conceito de direito ao esquecimento já existente na doutrina estrangeira.

            Foi nesse contexto, num estudo constitucional acerca dos direitos civis, destacando-se os direitos da personalidade que, Maria Celina Bodin de Moraes e Carlos Nelson Konder analisaram o direito ao esquecimento na área cível. Eles tentaram compreender o problema existente acerca da limitação da autonomia da imprensa para divulgarem informações do passado sobre algum fato ou sobre alguém, mesmo que verdadeiras, mas que pudessem causar constrangimento ou uma relembrança de uma situação hostil ocorrida no passado (MORAES; KONDER, 2012, p. 3).

            Assim, na tentativa de sedimentar o assunto em tela, a VI Jornada de Direito Civil, discorreu sobre o tema em seu Enunciado 531, o qual possui estreita correlação com o artigo 11 do Código Civil de 2002, o qual diz que: “com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.  Portanto, a questão do direito ao esquecimento está totalmente relacionada com a proteção aos direitos da personalidade.

            No entanto, o direito ao esquecimento não tem o intuito de modificar a ocorrência de fatos verdadeiros, até porque isso não seria possível. O seu objetivo é que esses fatos não sejam trazidos à tona, novamente, caso estejam fora do contexto original, não possuindo mais interesse público ou caso não tenham motivos relevantes para sua rememoração, pois sabe-se que a sociedade da informação atual, embora esteja ligada ao avanço tecnológico, é causadora de violações aos direitos fundamentais da pessoa humana, transgredindo, assim, a dignidade humana.

            O Enunciado 531, todavia, dispõe que:

Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados (BRASIL, 2013).

 

             Verifica-se, assim, que o direito ao esquecimento está relacionado a muitos outros direitos e com a forma como o indivíduo convive em sociedade e, dessa forma, deve haver uma ponderação desses direitos em cada caso concreto, como o direito à honra, à imagem e à privacidade, sempre com o objetivo de promover a dignidade da pessoa humana.

            Deve ser analisado cada caso concreto, pois em contrapartida aos direitos da personalidade constitucionalmente previstos, há o direito à informação e o direito à liberdade de expressão, os quais também são tutelados pela nossa Constituição de 1988. Como não há regra de hierarquia entre os direitos mencionados, é necessário uma boa interpretação jurídica, conforme cada caso, para que haja a ponderação desses direitos, causando o menor prejuízo para todos os envolvidos.

            Nesse diapasão, podemos citar o maior exemplo de um caso que levou a discussão acerca do direito ao esquecimento aos nossos Tribunais, demonstrando assim, que a preocupação sobre o tema já existia há muito tempo, mesmo sob a carência de legislação pertinente. É o famoso “Caso da Chacina da Candelária”, no qual houve uma repercussão desastrosa anos após a absolvição de um indiciado pelo Conselho de Sentença.

            Referido caso trata-se de homicídios em série, os quais ocorreram em volta da Igreja da Candelária, na cidade do Rio de Janeiro/RJ, em meados de julho de 1993. No entanto, um dos indiciados fora absolvido pelo Conselho de Sentença, por negativa de autoria. Treze anos após o acontecido, em 2006, a TV Globo, mesmo após a não concessão de entrevista do réu absolvido, exibiu uma reportagem sobre os acontecimentos daquela época, citando seu nome e mostrando sua imagem, sem autorização prévia.

            Assim, o réu que fora absolvido, ingressou com uma ação de reparação de danos causados em face da TV Globo, na Comarca do Rio de Janeiro/RJ, a qual, entretanto, foi julgada improcedente. A sentença, contudo, foi reformada em grau de apelação, condenando a TV Globo a pagar o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) ao autor da ação, por ter causado profunda hostilização pela sociedade e gerado grande desconforto ao requerente, violando o direito ao esquecimento, tendo em vista que trouxeram à tona os fatos ocorridos treze anos após seu julgamento.

            Houve, portanto, uma ponderação de direitos, resguardando-se o direito ao esquecimento, por meio de contenção da liberdade de expressão em face da inviolabilidade da vida privada, pois foi constatado que a narrativa sobre os fatos poderia ser contada sem que se mencionassem o nome do requerente, evitando-se uma nova ofensa à sua privacidade, pois a liberdade de imprensa não pode violar direitos da personalidade.

            Além disso, há uma distinção interessante feita pelo Relator do caso, o Ministro Luis Felipe Salomão. Ele alega que há dois tipos de interesse sobre a informação: o interesse público e o interesse do público, no qual há o interesse de receberem informações acerca da pena imposta ou da resposta estatal para tal crime, no entanto, não se pode permitir que o interesse do público prevaleça, pois há um forte sentimento de vingança.

            Além da “Chacina da Candelária”, temos ainda o “Caso Aida Curi”, a qual foi vítima de homicídio, no ano de 1958. Após 50 anos do fato ocorrido, a história do crime foi contada também em um programa da TV Globo. Os irmãos da vítima, no entanto, ingressaram com ação de indenização por danos morais e materiais. Novamente tal pedido foi julgado improcedente, decisão mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

            Já em fase de Recurso Especial, analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, entendeu pela não ocorrência do direito ao esquecimento, pois o acontecimento teria entrado para o domínio público. Dessa forma, seria impossível para a imprensa relatar o caso sem mencionar a vítima (STJ, 2013).

            Outro caso de grande notoriedade entre a sociedade, foi a divulgação de um filme realizado pela apresentadora/atriz Xuxa há muitos anos atrás, intitulado como “Amor, Estranho Amor”, no qual a atriz faz uma personagem que tem cenas sexuais, sendo julgada pela sociedade por ter participado de cenas de abuso sexual infantil.

            Segue ementa do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

A 11ª Câmara Cível do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) manteve a proibição da divulgação ou comercialização do filme Amor Estranho Amor”, dirigido por Walter Hugo Khoury e estrelado pela apresentadora Xuxa Meneghel, em 1982. Por unanimidade de votos, os desembargadores negaram recurso da Cinearte Produções Cinematográficas e em caso de descumprimento da ordem judicial, a produtora terá que pagar R$ 200 mil de multa (TJRJ, 2010).

 

            A Cinearte Produções Cinematográficas interpôs recurso contra a decisão que deferiu a liminar, na 2ª Vara Cível da Barra da Tijuca, Rio de Janeiro/RJ, que proibiu a comercialização e divulgação do filme. Segundo o relator do caso, a divulgação do filme causará prejuízos irreparáveis à imagem da apresentadora, não podendo mais sua imagem voltar ao seu estado anterior (“status quo ante”), violando sua honra.

            O caso ganhou notoriedade depois de ter vazado cenas do filme na internet, o que alcançou milhares de pessoas, as quais realizaram comentários inapropriados referentes à apresentadora. A empresa requerida deseja um relançamento do filme, mas a apresentadora conseguiu uma determinação da justiça para que a divulgação da obra fosse proibida, sob pena de multa.

Outro caso que envolve a apresentadora, refere-se a uma liminar concedida proibindo a TV Record de exibir imagens da mesma nua, em um programa de domingo e em horário de pico de audiência. Nesse sentido:

A apresentadora Maria da Graça Meneguel conseguiu a manutenção da liminar proibindo a Rede Record de exibir sua foto nua na TV, mídia impressa ou via internet. A emissora terá que pagar multa no valor de R$ 1 milhão caso haja descumprimento. A decisão é do desembargador Eduardo Gusmão Alves de Brito, da 16ª Câmara Cível do TJRJ.

A ação de danos morais interposta pela apresentadora, em maio, foi devido à veiculação de uma foto sua sem roupas, em uma matéria intitulada “Incríveis transformações de famosas”, durante o “Programa do Gugu” na emissora ré. De acordo com a apresentadora, a foto foi feita há mais de 20 anos para uma publicação masculina, porém foram exibidas sem sua autorização.

No recurso interposto, a emissora ré alega que as imagens divulgadas não são inéditas e foram feitas com consentimento da apresentadora, aparecendo somente por dois minutos. Afirmam que, ao se deixar fotografar, ela renunciou aos valores da sua privacidade e intimidade. Além de declararem ser exagerado o valor estipulado para a multa.

Para o desembargador Eduardo Gusmão, a quantia arbitrada para multa, em caso de descumprimento da liminar, não deve ser reduzida em 100 vezes como pretende a Rede Record pois, por se tratar da segunda maior emissora do país, é um incentivo ao descumprimento da ordem judicial.

“Não tem razão a agravante quando diz que a autora, ao tornar pública sua nudez, optou por renunciar a seus valores de privacidade e intimidade. Veja-se, nesse contexto, que quando a agravada aceitou fazer o ensaio nu, ela o fez a um determinado grupo de pessoas que, embora indetermináveis quanto ao número de destinatários, eram perfeitamente identificáveis quanto ao gênero: homens. Agora, quando a agravante expõe essas mesmas imagens na rede aberta de televisão, num domingo e em horário de pico de audiência, ela, a toda evidência, amplia significativa e inoportunamente esse rol de destinatários, que passa a incluir mulheres, crianças e adolescentes”, concluiu (TJRJ, 2012).

 

            No caso mencionado, percebe-se que a decisão do Tribunal do Rio de Janeiro foi pautada na ponderação de direitos, ressalvando o direito ao esquecimento pleiteado pela apresentadora.

            Como mencionado pelo desembargador Eduardo Gusmão, o fato da apresentadora ter realizado o referido trabalho não significa, de forma alguma, uma renúncia aos direitos de intimidade e privacidade, pois são situações totalmente diferentes (TJRJ, 2012).

            Ora, a apresentadora realizou um trabalho para um determinado grupo de pessoas, ou seja, destinatários específicos, não permitindo que esse trabalho fosse divulgado em um programa de televisão em horário de pico de audiência, onde o público alvo é totalmente o oposto, pois trata-se de um programa que passa aos domingos, sendo liberado para todas as idades e gêneros.

            Portanto, o fato de ter realizado tal trabalho, não autoriza que o referido veículo de comunicação o divulgue novamente, 20 anos após a realização do mesmo. Tal ato configura, claramente, uma violação do direito ao esquecimento.

A violação ao direito ao esquecimento e as indenizações devidas

 

Sabe-se que o dano pode ser de duas espécies: patrimonial ou moral. Nesse sentido, o que mais nos interessa é o dano moral, tendo em vista sua correlação com o direito ao esquecimento. Todavia, em alguns casos, o pedido de indenização por danos morais pode ser cumulado com danos materiais, conforme súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Ocorre que, dependendo do caso concreto, especialmente nos casos de violação do direito ao esquecimento, o dano moral causado à pessoa pode influenciar em sua vida financeira, quando, por exemplo, um fato de seu passado que seja voltado à tona, ao conhecimento da sociedade, influencie em suas oportunidades de trabalho, causando-lhe constrangimento e até desemprego.

Assim, a vítima pode ajuizar uma ação de indenização por danos materiais, desde que comprove que a veiculação de informações sobre o seu passado causou-lhe um prejuízo (dano emergente) ou fez com que ela deixasse de ganhar algo (lucros cessantes), conforme artigo 402 do Código Civil. É importante ressaltar que o dano hipotético não é objeto de indenização, portanto, o dano é reparável por sua comprovação de sua extensão e não diante do que seria razoável, sendo esta uma maneira de controlar o enriquecimento ilícito das pessoas que o pleiteiam em juízo.

Do dano moral

Conforme o exposto, além dos danos materiais, os quais compreendem a espécie de dano patrimonial, existem danos que atingem direitos personalíssimos, quais sejam, os danos morais. Assim:

Trata-se, em outras palavras, do prejuízo ou lesão de direitos, cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro, como é o caso dos direitos da personalidade, a saber, o direito à vida, à integridade física (direito ao corpo, vivo ou morto, e a à voz), à integridade psíquica (liberdade, pensamento, criações intelectuais, privacidade e segredo) e à integridade moral (honra, imagem e identidade) (PAMPLONA FILHO, 2002, p. 40).

           

Nesse mesmo sentido, assevera Carlos Alberto Bittar (1993, p. 41 apud GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2013):

[...] qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se, portanto, como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social).

 

Vê-se que o que o Código Civil de 2002 fez, ao trazer a proteção aos danos morais, em seu artigo 186, nada mais foi do que regulamentar, expressamente, o que já estava tutelado em nossa Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, caput e inciso V. No entanto, esse reforço legislativo foi necessário para consagrar um direito que há muito vinha sendo resistido, pois a história sobre a reparabilidade de um dano sofrido, nos primórdios, era muito diferente da concepção atual.

Desde o Código de Hamurabi, o qual foi o primeiro a trazer noções sobre direito e economia; passando pelas Leis de Manu (criadas por Manu Vaivasvata, o qual organizou as leis sociais e religiosas do Hinduísmo), pelo Alcorão e pela Bíblia Sagrada, nada era parecido com o sistema existente nos dias de hoje. Na Grécia Antiga, já havia a fixação de reparação de danos, configurando-se sempre em um caráter pecuniário, afastando as ideias mais antigas de vingança e violência física, como ocorria na Lei de Talião.

Segundo a mitologia grega, na época da Odisseia, Homero fazia referência a uma assembleia de deuses que decidiam sobre reparações de danos morais, decorrentes de adultério. Já no Direito Romano, a prestação pecuniária como forma de reparação de danos era comum e a preocupação com a honra e moral era presente, seguiam à risca o lema de que a fama honesta é outro patrimônio (“honesta fama est alterium patrimonium”).

Com relação à evolução histórica da legislação brasileira em relação à reparação de danos morais, sabe-se que na época do Brasil Colonial não existia qualquer legislação sobre o tema. As primeiras teses sobre o assunto surgiram juntamente com o primeiro Código Civil brasileiro, o qual entrou em vigor em 1917, projetado por Clóvis Beviláqua. No entanto, como a legislação mencionada não se referia expressamente sobre reparação a direitos extrapatrimoniais ou não materiais, a doutrina e a jurisprudência negaram a tese de reparabilidade de dano moral.

Assim, somente com a Constituição de 1988 o dano moral ganhou a proteção devida, pois a Constituição enquadrou os direitos da personalidade, os quais são objetos da reparabilidade moral, entre os direitos e garantias fundamentais.

            É pacificado o entendimento jurisprudencial de que um dano moral sofrido necessita de reparação, quando este dano é comprovado pela vítima. Entretanto, Zulmira Pires de Lima (1940 apud GAGLIANO E PAMPLONA, 2013, p. 118) enumerou oito abjeções quanto à reparação de danos extrapatrimoniais. Todavia, somente três desses tópicos merecem atenção especial, os quais são: a falta de um efeito penoso durável, impossibilidade de uma rigorosa avaliação em dinheiro e a imoralidade de compensar uma dor com dinheiro.

            Em relação ao primeiro tópico, alguns doutrinadores defendem a ideia de que o dano moral possui efeito apenas temporário, ou seja, não poderia ser classificado como uma espécie de dano e sim como uma simples ofensa. Lado outro, segundo o entendimento de Zulmira Pires de Lima (1940 apud GAGLIANO E PAMPLONA, 2013, p. 118), “a ideia de dano depende da duração da sensação penosa, para sabermos se uma ofensa à honra, à liberdade etc. era ou não juridicamente um dano moral [...]”.

            No entanto, é irrelevante considerar o tempo de duração de um dano moral. O que ocorre é a reparação ser fixada de acordo com a extensão de seus efeitos, porque não há como qualificar/quantificar uma dor de outro indivíduo, pois há danos morais que atingem o psicológico de uma pessoa por uma vida inteira, causando graves consequências, levando, em alguns casos, até ao suicídio.

            Quanto à impossibilidade de uma rigorosa avaliação em dinheiro e a imoralidade de compensação, deve-se destacar que esse é o ápice das discussões doutrinárias com relação à reparação de danos morais, pois há quem defenda a compensação pecuniária como uma forma de reparação satisfatória. Outros, todavia, consideram essa uma forma inapropriada, pois um dano não material não é reparado por uma quantia em dinheiro.

            Contudo, esta foi a forma de reparação que o nosso ordenamento jurídico encontrou, baseado nas origens de noções jurídicas da antiguidade. Assim, a reparação em dinheiro não é uma tentativa de quantificar a dor, mas de compensá-la através de coisas que o dinheiro pode proporcionar num sistema capitalista, embora o dinheiro não leve o indivíduo ao seu status quo, nem evite a dor causada.

            Portanto, receber uma compensação pecuniária não é vender um direito personalíssimo ou um bem moral, mas tentar amenizar uma dor que não tem como ser evitada, tanto que a natureza jurídica de uma reparação por dano moral é sancionadora, ou seja, tem como objetivo aplicar uma sanção a um ato ilícito cometido. Conforme entendimento da doutrina majoritária, a reparação não tem caráter de ressarcimento (indenização), mas de sanção civil.

ABSTRACT

With globalization and the expansion of technology, especially the media, among them, the widespread use of the Internet, privacy is a controversial topic. Therefore, this work has the objective of discussing the application of the right to oblivion, within the scope of Civil Law, as well as the importance of the right to privacy, among the rights of the personality, as a way to provide human dignity, in the current context, since Violation of the right to oblivion can cause disturbances to the mental and moral integrity of the human being. The methodology used was based on the review of the literature and the study of the legislation concerning the subject.

KEY-WORDS: Right to oblivion; Right to privacy; Human dignity, personality rights.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MORAES, Maria Celina Bodin de? KONDER, Carlos Nelson. Dilemas de direito civil ­ constitucional. Casos e decisões. 1. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. v. 1000. 435p.

PAMPLONA FILHO, Rodolfo. O Dano Moral na Relação de Emprego. 3 ed. São Paulo: LTr, 2002, p.40. Para uma visão genérica sobre os direitos da personalidade, configura-se o capítulo próprio de Pablo Stolze Gagliano; Rodolfo Pamplona Filho. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, vol. 1. Apud. Ibid, p. 95.

PEREIRA, Naiara Toscano de Brito. Direito ao Esquecimento: o exercício de (re)pensar o direito na sociedade da informação contemporânea e as peculiaridades do debate entre o Direito Civil e a Constituição. p. 71-101. Disponível em: . Acesso em: 04 de outubro de 2015.

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  Data da conclusão/última revisão: 30/07/2017

 

Como citar o texto:

PORTO, Patricia Gomes; TOMAZ, Loyana Christian de Lima..A aplicação do Direito ao Esquecimento na seara cível. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 28, nº 1491. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/3793/a-aplicacao-direito-ao-esquecimento-seara-civel. Acesso em 11 dez. 2017.

Importante:

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