A disposição arquitetônica da sala de audiências gera um potencial direto de influência na imparcialidade do julgador, seja o juiz togado, sejam os jurados. Tratará brevemente o presente artigo de forma específica dos jurados no âmbito do Tribunal do Júri.
Conforme previsão em legislação específica, o membro do Ministério Público senta-se à direita do juiz.
Vejamos o que dispõe a Lei nº 8.625/93:
Art. 41. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica:
XI - tomar assento à direita dos Juízes de primeira instância ou do Presidente do Tribunal, Câmara ou Turma.
Já a Lei nº 75/1993, que dispõe sobre o Ministério Público da União, dispõe o seguinte:
Art. 18. São prerrogativas dos membros do Ministério Público da União:
a) sentar-se no mesmo plano e imediatamente à direita dos juízes singulares ou presidentes dos órgãos judiciários perante os quais oficiem;
No tocante ao Tribunal do Júri, tal situação gera enormes prejuízos à defesa, pela nítida influência no consciente e inconsciente dos jurados. A figura do acusador sentado ao lado do juiz cria uma confusão inadequada no imaginário do jurado leigo completamente incompatível com a separação entre Estado-Acusação e Estado-Juiz tão pregada pelo sistema acusatório.
O sistema acusatório não se coaduna com a aproximação entre acusação e julgador. Muito pelo contrário. Prega pela total separação entre as figuras.
Importante se faz frisar que a imparcialidade possui dois âmbitos: interno e externo. Ambos são importantíssimos para a existência de um julgamento justo e imparcial. Em outras palavras, não basta que o julgador seja imparcial; é essencial que ele pareça e transpareça ser imparcial.
Nas salas de audiência de nosso país, vê-se o membro do Ministério Público sentado ao lado do juiz, enquanto a defesa se localiza a metros de distância, num verdadeiro apartheid físico e social, nas palavras do Professor Rubens Casara, ferindo de morte a igualdade que deveria reger o tratamento com a defesa e a acusação. Eis as palavras do Professor Casara[1]:
Nos crimes submetidos ao rito especial próprio do Tribunal de Júri, a distorção mostra-se ainda mais evidente, pois, diante de jurados leigos, tem-se uma das partes fincada ao lado do juiz togado ("contaminando-se, aos olhos da população, da imparcialidade judicial"), com a retórica, pouco sofisticada, de que não é o órgão de acusação, enquanto que a defesa-técnica e o réu permanecem em verdadeiro apartheid físico e social diante do corpo de jurados, da sociedade e, em especial, das famílias da vítima e do acusado que assistem a uma imagem (fortalecida pelo imaginário inquisitorial da sociedade brasileira) de verdadeiro complô para a expiração dos pecados do réu.
Além disso, não é apenas o aspecto físico que macula a imparcialidade dos jurados. Em vários casos, ocorrem conversas ao pé do ouvido entre o membro do Ministério Público e o Juiz, gerando ainda mais prejuízos à defesa no tocante à imparcialidade dos jurados, reforçando a chamada promiscuidade funcional no imaginário popular[2].
A situação se agrava ainda mais quando a defesa é realizada por um Defensor Público. A Lei Complementar n º 80/94 Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências. Tal Lei possui previsão específica quanto à localização física do defensor público na sala de audiências:
Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
§ 7º Aos membros da Defensoria Pública é garantido sentar-se no mesmo plano do Ministério Público. (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).
Nas palavras da Defensora Pública de Santa Catarina, Dra. Fernanda Mambrini[3]:
Assim, ao sentar-se o Promotor de Justiça imediatamente à direito do juiz, restando o Defensor Público em situação distinta – em outra bancada, em outro nível, ou mesmo a uma distância maior que o Promotor de Justiça em relação ao Magistrado, verifica-se o desrespeito às prerrogativas defensoriais previstas nas Leis Complementares que regulamentam o exercício da função. Isto, porque os Defensores Públicos têm a prerrogativa de sentar no mesmo plano do órgão do parquet, sob pena não só de indevida violação à paridade de armas, mas à própria instituição que realiza a defesa –e , como conseqüência, aos direitos dos usuários dos serviços institucionais.
Conclui-se, portanto, que para uma verdadeira concepção e materialização de sistema acusatório, paridade de armas e imparcialidade do julgador, há de se respeitar uma eqüidistância física na disposição arquitetônica das salas de audiência e sessões de julgamento, consubstanciando-se num tratamento igualitário para acusação e defesa técnica..
[1] https://www.conjur.com.br/2011-jul-29/ministerio-publico-constituicao-busca-espaco-publico-republicano
[2] Idem.
[3] RUDOLFO, Fernanda Mambrini. Precisamos falar sobre a defensoria pública. Florianópolis: EModara, 2018. P. 31.
Data da conclusão/última revisão: 8/12/2017
Gregorio Giacomo Errico
Advogado formado na UFRJ. Pós-Graduado em Ciências Criminas pela Universidade Cândido Mendes-RJ.
Código da publicação: 3828
Como citar o texto:
ERRICO, Gregorio Giacomo..Disposição arquitetônica da sala de audiência vs Imparcialidade dos jurados no Tribunal do Júri. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 28, nº 1493. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-penal/3828/disposicao-arquitetonica-sala-audiencia-vs-imparcialidade-jurados-tribunal-juri. Acesso em 22 dez. 2017.
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