RESUMO

O estudo aborda a previsão do instituto da Separação Judicial no novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Por meio de uma pesquisa bibliográfica envolvendo posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, além da interpretação da própria lei, objetiva esclarecer a inconstitucionalidade da Separação Judicial após o advento da Emenda Constitucional n° 66/2010, no ordenamento jurídico brasileiro. Também analisa os conceitos e diferenças entre a Separação e o Divórcio.

Palavras-Chave: Separação Judicial. Novo Código de Processo Civil. Emenda Constitucional n° 66/2010.

ABSTRACT

The study deals with the prediction of the Institute of Judicial Separation in the new Civil Procedure Code, Law 13.105, of March 16, 2015. Through a bibliographical research involving doctrinal and jurisprudential positions, besides the interpretation of the law itself, aims to clarify the (In) constitutionality of the Judicial Separation after the advent of Constitutional Amendment No. 66/2010, in the Brazilian legal system. It also looks at the concepts and differences between Separation and Divorce.

Keywords: Judicial Separation. New Code of Civil Procedure. Constitutional Amendment n ° 66/2010.

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa apresenta os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre a Separação Judicial e o Divórcio após o advento da Emenda Constitucional n° 66/2010. O estudo ressalta as previsões da separação no novo Código de Processo Civil e analisa a compatibilidade deste instituto em face da Constituição Federal.  O objetivo geral desta obra é verificar a constitucionalidade da Separação Judicial, tendo em vista que a Emenda Constitucional n° 66/2010 alterou a redação do art. 226, §6º, da CF/1988, e retirou do texto a disposição da separação como mecanismo de dissolução do casamento civil.

Para isto, foi desenvolvida uma pesquisa exploratória, adotando como procedimento técnico a pesquisa bibliográfica, baseada em livros, artigos de periódicos científicos, jurisprudências, bem como sites especializados e com conteúdos relacionados. A avaliação desta problemática revela-se importante, visto que o novo Código de Processo Civil trouxe em diversos artigos a expressão “separação”, e, consequentemente, vem à baila o ressurgimento do tema, que estava consagrado como extinto pela doutrina e jurisprudência majoritária.

           

2 BREVE HISTÓRICO DA DISSOLUÇÃO DO VÍNCULO CONJUGAL.

O marco inicial do estudo é a primeira Constituição da República, de 1891, que consolidou o Estado Republicano e extinguiu a religião oficial (católica), promovendo o Brasil a um país laico. Até então, o casamento civil era obrigatoriamente vinculado às cerimonias religiosas.  Com a Constituição de 1891, vieram as disciplinas da separação de corpos, sendo indicadas as causas aceitáveis: adultério, sevícia ou injúria grave, abandono do domicílio conjugal por dois anos contínuos e mútuo consentimento dos cônjuges, se fossem casados há mais de 2 anos.

Em 1901, o jurista Clóvis Beviláqua apresentou seu projeto de Código Civil, que só foi aprovado em 1916 (BEVILAQUA, 1901). Neste dispositivo, o término da sociedade conjugal somente era possível através do desquite, que autorizava a separação dos cônjuges, pondo termo ao regime de bens. Entretanto, permanecia o vínculo matrimonial.  A segunda Constituição, de 1934, tornou a indissolubilidade do casamento como preceito constitucional, sendo este reiterado nas seguintes Constituições de 1937, 1946 e 1967.

Na Carta Magna outorgada pelos militares, em 1969, ficou consignado que qualquer projeto de divórcio somente seria possível com a emenda constitucional por dois terços de senadores e de deputados, que veio a ser instituída em 1977 e regulamentada pela Lei nº 6.515, de 26 de dezembro do mesmo ano.  No ano de 1988, a nova Constituição Federal trouxe em sua redação original o art. 226, §6º: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de 2 anos” (BRASIL, 1988).

A Lei n° 11.441, de 4 de janeiro de 2007, instituiu que o divórcio e a separação consensuais podem ser requeridos por via administrativa diretamente nos cartórios de notas, dispensando a necessidade de intervenção judicial e do Ministério Público, assistidos por advogado, desde que o casal não tenha filhos menores ou incapazes. Finalmente, em 2010, foi promulgada a Emenda Constitucional n° 66, que conferiu nova redação para ao §6º do art. 226 da Constituição Federal. A partir de então, o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio (direto), sendo suprimido do texto o requisito da prévia separação judicial por mais de um ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 anos.

 

3 CONCEITOS E DIFERENÇAS ENTRE A SEPARAÇÃO E O DIVÓRCIO

O artigo 1.571 do Código Civil de 2002 assim dispõe:

Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:

I - pela morte de um dos cônjuges;

II - pela nulidade ou anulação do casamento;

III - pela separação judicial;

IV - pelo divórcio.

§ 1o O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.

§ 2o Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial. (BRASIL, 2002)

Pelo texto de Lei, percebe-se clara distinção entre o instituto da separação judicial e do divórcio. O primeiro pode ser definido como: “a extinção da sociedade conjugal não pressupondo desfecho do vínculo matrimonial; ela põe termo às relações do casamento, mas mantém intacto o vínculo, o que impede os cônjuges de contrair novas núpcias”, conforme ensinamento do professor Caio Mário da Silva Pereira (2007, p. 249). Por outro lado, o divórcio é conceituado pela jurista Maria Helena Diniz (2008, p. 330) como: “O divórcio é a dissolução de um casamento válido, ou seja, extinção do vínculo matrimonial, que se opera mediante sentença judicial, habilitando as pessoas a convolar novas núpcias”.  

A diferença essencial é que com a separação judicial não se pode casar novamente, já o divórcio garante a possibilidade de novas núpcias. Há ainda outras pequenas diferenças: se o cônjuge separado judicialmente falece, o estado civil do sobrevivente é viúvo, ao passo que o divorciado continua sendo divorciado; se os divorciados pretendem reatar o casamento, é necessário novo processo de habilitação para o casamento, enquanto os separados judicialmente podem voltar ao estado civil anterior por meio de uma simples petição ao juiz.

A verdade é que ambos os regimes, tanto a separação judicial quanto o divórcio, têm a mesma finalidade: acabar com o casamento. Por essa razão a doutrina majoritária defende veementemente a inutilidade da separação, conforme posicionamento de Maria Berenice Dias:

É um instituto que traz em suas entranhas a marca de conservadorismo atualmente injustificável. É quase um limbo: a pessoa não está mais casada, mas não pode casar de novo. Se, em um primeiro momento, para facilitar a aprovação da Lei do Divórcio, foi útil e, quiçá, necessária, hoje inexiste razão para mantê-la (...). Portanto, de todo o inútil, desgastante e oneroso, tanto para o casal, como para o próprio Poder Judiciário, impor uma duplicidade de procedimentos para manter, durante o breve período de um ano, uma união que não mais existe, uma sociedade conjugal “finda”, mas não “extinta”. (DIAS, 2009, p. 274)

            Neste prisma, foi extinta a necessidade da separação prévia no texto da Carta Magna, com a entrada em vigor da Emenda Constitucional n° 66/2010.

 

4. SEPARAÇÃO JUDICIAL APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL N° 66/2010

A redação original do art. 226, §6°, da Constituição Federal previa:

Art. 226 [...]

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. (BRASIL, 1988)

Com o advento da Emenda Constitucional nº 66/2010, o texto passou a vigorar nos seguintes termos: “§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. (BRASIL, 2010). Considerando a autoexecutoriedade da norma constitucional, a inovação tem aplicação imediata, sem necessidade de qualquer aporte infraconstitucional para sua eficácia. Nota-se que houve apenas alteração no Texto Maior, sem modificação ou revogação de dispositivos do Código Civil de 2002 ou de leis específicas, cabendo a doutrina e jurisprudência definir quais construções jurídicas ainda persistem.

Ao analisar o conteúdo da nova redação é nítida a supressão da separação como requisito para o divórcio, bem como a eliminação de prazo para sua propositura, judicial ou administrativo. No entanto, há quem ainda defenda o instituto da separação judicial, por questões de ordem moral e religiosa. Como já dito, o casamento era obrigatoriamente vinculado às cerimonias religiosas. Reconhecendo a manutenção da separação judicial, há julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, podendo ser transcrito o seguinte:

Separação Judicial. Viabilidade do pedido. Não obrigatoriedade do divórcio para extinguir a sociedade conjugal. 1. A Emenda Constitucional n.º 66 limitou-se a admitir a possibilidade de concessão de divórcio direto para dissolver o casamento, afastando a exigência, no plano constitucional, da prévia separação judicial e do requisito temporal de separação fática. 2. Essa disposição constitucional evidentemente não retirou do ordenamento jurídico a legislação infraconstitucional que continua regulando tanto a dissolução do casamento como da sociedade conjugal e estabelecendo limites e condições, permanecendo em vigor todas as disposições legais que regulamentam a separação judicial, como sendo a única modalidade legal de extinção da sociedade conjugal, que não afeta o vínculo matrimonial. 3. Somente com a modificação da legislação infraconstitucional é que a exigência relativa aos prazos legais será afastada. Recurso provido. (TJRS, Agravo de Instrumento 70039285457, 7.ª Câmara Cível, Comarca de Sapiranga, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 01/011/2010)

Em sentido contrário, sustentado por maioria, compreende-se que a chamada “Emenda do Divórcio” extinguiu o instituto da separação judicial. Esse é o pensamento de Zeno Veloso:

(...) numa interpretação histórica, sociológica, finalística, teleológica do texto constitucional, diante da nova redação do art. 226, §6.°, da Carta Magna, sou levado a concluir que a separação judicial ou por escritura pública foi figura abolida em nosso direito, restando o divórcio que, ao mesmo tempo, rompe a sociedade conjugal e extingue o vínculo matrimonial. Alguns artigos do Código Civil que regulavam a matéria foram revogados pela superveniência da norma constitucional – que é de estrutura máxima – e perderam a vigência por terem entrado em rota da colisão com o dispositivo constitucional superveniente. (VELOSO, 2010, s. p.)

Na mesma senda, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2011, p. 547):

Em síntese, com a nova disciplina normativa do divórcio, encetada pela Emenda Constitucional, perdem a força jurídica as regras legais sobre separação judicial, instituto que passe a ser extinto no ordenamento jurídico, seja pela revogação tática (entendimento consolidado pelo STF), seja pela inconstitucionalidade superveniente pela perda da norma validante (entendimento que abraçamos do ponto de vista teórico, embora os efeitos práticos sejam os mesmos). (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2011, p. 547).

A propósito, merece relevo o trecho com manifestação acidental do voto prolatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão no Superior Tribunal de Justiça: “Assim, para a existência jurídica da união estável, extrai-se o requisito da exclusividade de relacionamento sólido da exegese do §1.° do art. 1.723 do Código Civil de 2002, fine, dispositivo esse que deve ser relido em conformidade com a recente EC n.°66 de 2010, a qual, em boa hora, aboliu a figura da separação judicial” (BRASIL, 2011). Esse entendimento é o que prevalece no Superior Tribunal de Justiça e Tribunais de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE DIVÓRCIO CONSENSUAL DIRETO. AUDIÊNCIA PARA TENTATIVA DE RECONCILIAÇÃO OU RATIFICAÇÃO. INEXISTÊNCIA. DIVÓRCIO HOMOLOGADO DE PLANO. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. Em razão da modificação do art. 226, § 6º, da CF, com a nova redação dada pela EC 66/10, descabe falar em requisitos para a concessão de divórcio. 2. Inexistindo requisitos a serem comprovados, cabe, caso o magistrado entenda ser a hipótese de concessão de plano do divórcio, a sua homologação. 3. A audiência de conciliação ou ratificação passou a ter apenas cunho eminentemente formal, sem nada produzir, e não havendo nenhuma questão relevante de direito a se decidir, nada justifica na sua ausência, a anulação do processo. 4. Ainda que a CF/88, na redação original do art. 226, tenha mantido em seu texto as figuras anteriores do divórcio e da separação e o CPC tenha regulamentado tal estrutura, com a nova redação do art. 226 da CF/88, modificada pela EC 66/2010, deverá também haver nova interpretação dos arts. 1.122 do CPC e 40 da Lei do Divórcio, que não mais poderá ficar à margem da substancial alteração. Há que se observar e relembrar que a nova ordem constitucional prevista no art. 226 da Carta Maior alterou os requisitos necessários à concessão do Divórcio Consensual Direto. 5.Não cabe,in casu, falar em inobservância do Princípio da Reserva de Plenário, previsto no art. 97 da Constituição Federal, notadamente porque não se procedeu qualquer declaração de inconstitucionalidade, mas sim apenas e somente interpretação sistemática dos dispositivos legais versados acerca da matéria. 6. Recurso especial a que se nega provimento. (STJ - REsp: 1483841 RS 2014/0058351-0, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 17/03/2015, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/03/2015)

APELAÇÃO CÍVEL. DIVÓRCIO APÓS EC N.º 66/10. MUDANÇA DE PARADIGMA. ART. 226, § 6º, CR/88. NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA PLENA E APLICABILIDADE DIRETA, IMEDIATA E INTEGRAL (AUTOAPLICÁVEL OU "SELF-EXECUTING"). FIM DO INSTITUTO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA DO ESTADO NA VIDA PRIVADA. AUTONOMIA DA VONTADE DO CASAL. FIM DO AFETO. EXTINÇÃO DO VÍNCULO CONJUGAL. INEXISTÊNCIA DE REQUISITO TEMPORAL PARA O DIVÓRCIO. DIREITO POTESTATIVO. SENTENÇA MANTIDA. I - Diante da alteração do art. 226, § 6º, CR/88, não mais subsistem o instituto da separação judicial e as normas infraconstitucionais incompatíveis com o novel texto constitucional, devendo o divórcio ser reconhecido como direito potestativo dos cônjuges. II - É desnecessária a comprovação de transcurso de lapso temporal concernente à separação ou de qualquer justificativa quanto aos motivos determinantes da ruptura do vínculo conjugal, sequer da imputação de culpa, bastando o fim do afeto e o desejo do casal de se divorciar. Trata-se de deliberação personalíssima. Ademais, diante da laicidade e da imperiosa observância do princípio da dignidade da pessoa humana e da ruptura do afeto, a intervenção do Estado há de ser mínima na autonomia privada do casal. (TJ-MG - AC: 10028100033597001 MG, Relator: Peixoto Henriques, Data de Julgamento: 05/03/2013, Câmaras Cíveis Isoladas / 7ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 08/03/2013)

APELAÇAO CÍVEL Nº 005100004604 RELATOR: DES. SUBS. WILLIAN SILVA RECORRENTE : ADRIANO DE PAULA SILVAADVOGADO: ZIRALDO TATAGIBA RODRIGUES RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUALRECORRIDO: BRUNA GOMES RIBEIROMAGISTRADO: ADELINO AUGUSTO PINHEIRO PIRES ACÓRDAO EMENTA. FAMÍLIA E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇAO CÍVEL. DIVÓRCIO. EC 66/2010. ARTIGO 2266º DA CF. APLICAÇAO IMEDIATA. SEPARAÇAO. INSUBSISTÊNCIA. REQUISITOS DO ARTIGO 1580 DO CC. COMPROVAÇAO. INEXIGÊNCIA. RECURSOS PROVIDOS. 1. A nova redação do 6º do artigo 226 da CF não repetiu a exigência de prazo mínimo de separação do casal para a dissolução do vínculo matrimonial. A partir da EC 66/2010, a exigência deste prazo não subsiste como requisito para a decretação do divórcio. 2. O artigo 226, 6º, da CF, com a redação dada pela EC 66/2010, tem aplicação imediata e deve prevalecer diante das disposições infraconstitucionais em contrário, que se consideram tacitamente revogadas. 3. A partir da EC 66/2010, o pedido de divórcio deve ser apreciado sem que se perquira o lapso temporal da separação de fato do casal ou quaisquer outras causas do fim da sociedade conjugal, porquanto estes elementos não subsistem como condição ou requisito para o deferimento do pedido. 4. Recursos providos para anular a sentença. Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas. Acorda a colenda QUARTA CÂMARA CÍVEL, em conformidade com a ata e notas taquigráficas que integram o presente julgado, à unanimidade de votos, DAR PROVIMENTO aos recursos. Vitória (ES), 05 de setembro de 2011. Desembargador Presidente Desembargador Subs. WILLIAN SILVA (TJES, Classe: Apelação Civel, 5100004604, Relator: SAMUEL MEIRA BRASIL JUNIOR - Relator Substituto Designado: WILLIAN SILVA, Órgão julgador: QUARTA CÂMARA CÍVEL , Data de Julgamento: 05/09/2011, Data da Publicação no Diário: 26/09/2011) (TJ-ES - AC: 5100004604 ES 5100004604, Relator: SAMUEL MEIRA BRASIL JUNIOR, Data de Julgamento: 05/09/2011, QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/09/2011)

            Diante das manifestações doutrinárias predominantes e jurisprudências consolidadas nos tribunais, a matéria estava aparentemente pacificada. No entanto, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe novamente a figura da separação, o que fez renascer a matéria no ordenamento jurídico brasileiro.

 

5. DA SEPARAÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O novo Código de Processo Civil, Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015, em síntese, trouxe a expressão “separação” nos artigos 53, I, 189, II, §2º, 693, 731, 732 e 733:

Art. 53.  É competente o foro:

I - para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável:

 

Art. 189.  Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos:

I - em que o exija o interesse público ou social;

II - que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes;

(...)

§ 2o O terceiro que demonstrar interesse jurídico pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e de partilha resultantes de divórcio ou separação.

 

Art. 693.  As normas deste Capítulo aplicam-se aos processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação.

 

Art. 731.  A homologação do divórcio ou da separação consensuais, observados os requisitos legais, poderá ser requerida em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão:

 

Art. 732.  As disposições relativas ao processo de homologação judicial de divórcio ou de separação consensuais aplicam-se, no que couber, ao processo de homologação da extinção consensual de união estável.

 

Art. 733.  O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731. (BRASIL, 2015)

O ressurgimento deste termo levanta novamente as discussões acerca da manutenção do instituto da separação judicial, mesmo após a Emenda Constitucional n.º 66/2010. A doutrina, representada por Lênio Luiz Streck, já antes da aprovação do texto final do novo CPC, sustentou a inconstitucionalidade do que chamou de repristinação da separação judicial:

(...) não pode haver dúvida que, com a alteração do texto constitucional, desapareceu a separação judicial no sistema normativo brasileiro – e antes que me acusem de descuidado, não ignoro doutrina e jurisprudência que seguem rota oposta ao que defendo no texto, mas com elas discordo veementemente. Assim, perde o sentido distinguir-se término e dissolução de casamento. Isso é simples. Agora, sociedade conjugal e vínculo conjugal são dissolvidos mutuamente com o divórcio, afastada a necessidade de prévia separação judicial ou de fato do casal. Nada mais adequado a um Estado laico (e secularizado), que imputa inviolável a liberdade de consciência e de crença (CF/1988, art. , VI). Há, aliás, muitos civilistas renomados que defendem essa posição, entre eles Paulo Lôbo, Luís Edson Fachin e Rodrigo da Cunha. Pois bem. Toda essa introdução me servirá de base para reforçar meu posicionamento e elaborar crítica para um problema que verifiquei recentemente. E já adianto a questão central: fazendo uma leitura do Projeto do novo CPC, deparei-me com uma espécie de repristinação da separação judicial. Um dispositivo tipo-Lázaro. Um curioso retorno ao mundo dos vivos. (STRECK, 2014, s. p.)

Apesar da resistência de renomados juristas, o texto do novo código foi aprovado com a figura da separação, na direção oposta à crescente era da Constitucionalização do Direito. Nas palavras de Rodrigo da Cunha Pereira:

(...) se o novo texto do §6º do art. 226 retirou de seu corpo a expressão “separação judicial”, como mantê-la na legislação infraconstitucional, ou até mesmo reproduzi-la no CPC/2015? É necessário que se compreenda, de uma vez por todas, que a hermenêutica constitucional tem de ser colocada em prática, e isso compreende suas contextualizações política e histórica. Aliás, conforme orientação emanada do próprio Supremo Tribunal Federal, a inconstitucionalidade, seja ela material, seja formal, deve ser averiguada frente à Constituição que estava em vigor no momento da elaboração e edição dessa norma jurídica. Logo, sob o prisma da Constituição de 1988, o CPC/2015 traz consigo uma inconstitucionalidade, por ressuscitar o anacrônico e antiquado instituto da separação judicial. (PEREIRA, 2016, p. 64-65)

De igual pensamento, Flávio Tartuce se manifesta:

Em reforço, constata-se que como a finalidade da separação de direito sempre foi a de pôr fim ao casamento, não se justifica a manutenção da categoria se a Norma Superior traz como conteúdo apenas o divórcio, sem maiores burocracias. Não se sustenta mais a exigência de uma primeira etapa de dissolução, se o Texto Maior trata apenas de uma outrora segunda etapa. A tese da manutenção da separação de direito remete a um Direito Civil burocrático, distante da Constituição Federal, muito formal e pouco material; muito teorético e pouco efetivo. (TARTUCE, 2017, p. 1321)

Em complemento, cita-se a preleção da Corte Constitucional no julgamento do Agravo de Instrumento n° 851.849/RS, de Relatoria do Ministro Luiz Fux:

(...) A lei é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando fiel à Constituição; inconstitucional, na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador pode infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores que com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que cinquentenária. (...) (BRASIL, 2013)

            O que se verifica é que o pensamento quase unânime da doutrina e jurisprudência considera extinta a Separação Judicial após a Emenda Constitucional n.º 66/2010, razão pela qual estão revogados tacitamente os dispositivos infraconstitucionais tratados no Código Civil nos artigos 1.571, 1572, 1573, 1574, 1575, 1576, 1578, 1580; e, restam acometidos do vício da inconstitucionalidade todas as previsões do tema no Novo Código de Processo Civil.

            O especialista Rodrigo da Cunha Pereira (2016, p. 66) aponta uma possível solução para o impasse: “(...) o CPC2015 usou a expressão “separação”, nos arts. 53, I, 189, II, §2º, 693, 731, 732 e 733, devendo ser entendida como separação de fato ou de corpos”.      Seguindo o mesmo raciocínio, Paulo Lôbo, em elucidativo artigo assevera:

(...) o CPC de 2015 não recriou ou restaurou a separação judicial, nem prévia nem autônoma. As alusões que faz a “separação” e “separação convencional” devem ser entendidas como referentes à separação de fato. Em uma de suas peças mais hilariantes, cujo título é Muito barulho por nada, Shakespeare desenvolve uma trama em torno do casal de apaixonados, vítimas de armação de um malvado que beija outra mulher para confundir o namorado, induzindo-a a acreditar que era sua namorada. No final, tudo se esclarece e os namorados se casam. Lembramo-nos dessa peça quando assistimos a votação final e lemos o texto do novo CPC, aprovado pelo Senado Federal. Muito barulho por nada. (LOBO, 2016. p. 25)

            Esta intepretação ajuda a admitir a expressão “separação” no recente Código de Processo Civil sem que haja conflito com o texto constitucional. É uma perspectiva válida para tornar as regras processuais relacionadas ao tema aplicáveis ao Direito Brasileiro.  De qualquer forma, a matéria é contemporânea e será ventilada nos tribunais, a quem, juntamente com a doutrina, caberá definir o modo como interpretar o termo “separação” no CPC/2015 e sua aplicação prática no ordenamento jurídico.

 

6. CONCLUSÃO

Ao longo do presente trabalho foi estudado o instituto da Separação Judicial abordando um breve histórico do seu surgimento, até a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil de 2015. Neste interim, foi examinada a Emenda Constitucional n.º 66/2010, que excluiu a separação judicial do texto da Carta Magna.  Através da análise de dispositivos legais e posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, se observou a controvérsia da separação após o advento da Emenda Constitucional n.º 66/2010.

A pesquisa revelou que a doutrina e jurisprudência majoritárias consideravam pacificada a extinção da separação após a Emenda do Divórcio. No entanto, a matéria veio novamente à tona com as previsões deste instituto no recente Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015. Pelo estudo, verificou-se que o entendimento majoritário manteve a extinção da separação por mandamento da Carta Maior, concluindo pela inconstitucionalidade dos dispositivos relacionados ao tema no CPC/2015. Por fim, foi apontada uma possível solução para o impasse, já tratada por alguns juristas, que é interpretar a expressão “separação” no novo código, não como o instituto da Separação Judicial em sentido técnico, mas sim como a “separação de fato”.

 

7. REFERÊNCIAS

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_______.  Emenda Constitucional nº 66, de 13 de julho de 2010. Dá nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 24 mai. 2017.

_______. Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e dá outras providências. Brasília, 26 de dezembro de 1977. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6515.htm. Acesso em: 13 dez. 2017.

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Data da conclusão/última revisão: 18/1/2018

 

Como citar o texto:

DA CUNHA LAU, Victor André; RANGEL, Tauã Lima Verdan..A inconstitucionalidade da separação judicial no novo Código de Processo Civil. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 28, nº 1502. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-familia-e-sucessoes/3878/a-inconstitucionalidade-separacao-judicial-novo-codigo-processo-civil. Acesso em 24 jan. 2018.

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