Resumo: O objetivo do presente é analisar o processo de construção histórica do reconhecimento ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Para tanto, há que se reconhecer que o meio ambiente, até meados do século XX, apresentava uma perspectiva essencialmente utilitarista, ou seja, sua percepção estava alicerçada na utilização pelo ser humano e o atendimento das necessidades básicas. Contudo, em decorrência do modelo adotado, os recursos naturais, na condição de elementos do meio ambiente, passaram a ser comprometidos. Pautando-se ainda na perspectiva utilitarista do meio ambiente, a Conferência de Estocolmo de 1972 é considerada o primeiro marco de reflexão acerca da utilização do meio ambiente e suas implicações para o gênero humano. A partir de tal cenário, a preocupação com a temática ganhou volume e passou a influenciar os diversos ordenamentos jurídicos, a exemplo do Texto Constitucional de 1988. O método empregado na condução do presente foi o indutivo, auxiliado da revisão de literatura e pesquisa bibliográfica como técnicas de pesquisa.

Palavras-chave: Meio Ambiente. Direito de Terceira Dimensão. Solidariedade.

Abstract: The purpose of this paper is to analyze the historical construction process of recognition of the ecologically balanced right to the environment. For that, it must be recognized that the environment, until the middle of the twentieth century, presented an essentially utilitarian perspective, that is, its perception was based on the use by the human being and the attendance of the basic necessities. However, as a result of the adopted model, the natural resources, as elements of the environment, began to be compromised. Still based on the utilitarian perspective of the environment, the Stockholm Conference of 1972 is considered the first framework for reflection on the use of the environment and its implications for mankind. From such a scenario, the concern with the subject matter gained in volume and began to influence the various legal systems, such as the 1988 Constitutional Text. The method used to conduct the present was the inductive one, aided by literature review and bibliographical research as research techniques.

Keywords: Environment. Third Dimension Law. Solidarity.

 

INTRODUÇÃO

Uma das qualidades mais preciosas do ser humano é a capacidade rever seus atos, analisar o seu entorno e assim traçar estratégias e buscar novos resultados; em suma, aprender com seus erros. Esse padrão se percebeu ao longo da história, sendo um ótimo exemplo as estratégias aplicadas nas batalhas. Contudo, o exercício de análise sistemática de determinada realidade não se aplica somente aos contextos de guerra. À essa altura, o melhor exemplo é o desenvolvimento da tutela do meio ambiente ao longo do último século.

Historicamente, o homem utilizava o meio ambiente como caminho para alcançar seus interesses, que em um primeiro momento era a própria subsistência, posteriormente como pequena fonte de renda através do escambo, desenvolvimento do artesanato e da manufatura objetivando o comércio, mesmo que bem rudimentar, até que se atingiu o período das revoluções industriais e uma degradação excessiva e desenfreada do meio ambiente.

Ao longo do século XX percebeu-se que a mentalidade da degradação impensada com vistas ao desenvolvimento econômico somente traria resultados irreversíveis, como a extinção de algumas espécies animais, começando-se a refletir sobre a possibilidade da extinção da própria vida humana se a possibilidade de sua manutenção se tornasse impraticável. De tal sorte que na segunda metade do século passado cunhou-se internacionalmente o conceito de meio ambiente ecologicamente equilibrado, que logo fio absorvido por alguns regramentos jurídicos.

Tratando-se de tema muito vasto, não existe a pretensão de esgotar a discussão a respeito da temática em tela, porém apresentar ao leitor noções gerais sobre o assunto e, principalmente verificar de que forma o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foi incorporado no arcabouço jurídico brasileiro.

 

1 O "MEIO AMBIENTE" EM UMA DELIMITAÇÃO CONCEITUAL

Como ponto de partida, inicia-se a analisar expressão “meio ambiente” de forma a separar suas palavras integrantes. Ora, “meio” de acordo com o Dicionário Aurélio significa “conjunto das circunstâncias culturais, econômicas e sociais em que vive um indivíduo” ou “lugar onde se vive” (DICIONÁRIO AURÉLIO, s.d., s.p.). Já “ambiente”, de acordo com a mesma fonte, vem significar “conjunto das condições biológicas, físicas e químicas nas quais os seres vivos se desenvolvem” ou ainda “conjunto das circunstâncias culturais, econômicas, morais e sociais em que vive um indivíduo” (DICIONÁRIO AURÉLIO, s.d., s.p.).

            É instigante pensar no porque há o emprego da expressão “meio ambiente” se bastaria o uso de “ambiente” para que se comunicasse a mesma mensagem, haja vista que são vocábulos com significação muito similar. A maioria da doutrina ambientalista aponta para a mesma questão. No entanto, é nas palavras de Rodrigues que é encontrado um alento e justificativa para essa problemática:

[...] não vemos aí uma redundância como sói dizer a maior parte da doutrina, senão porque cuida de uma entidade nova e autônoma, diferente dos simples conceitos de meio e de ambiente. O alcance da expressão é mais largo e mais extenso do que o de simples ambiente (RODRIGUES, 2016, p. 69).

            Meio ambiente, então, consagra-se como um novo conceito, diferente de ambiente, pois se trata de uma entidade realmente nova, como aponta Rodrigues (2016), traz em seu bojo significação mais ampla. Coutinho e Melo (2015, p. 27) trazem o conceito de que “meio ambiente é o lugar onde se manifesta a vida, o que inclui tanto os seres vivos quanto os elementos não vivos que contribuem para que a vida ocorra”.

O conceito supramencionado não se distancia muito do que versa a primeira legislação brasileira que trata sobre meio ambiente como um todo, que é a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente. Há de se indicar, contudo, que a referida lei, que recebe o número 6.938/81, não é o primeiro esforço legislativo que busca questões ambientais, havendo leis anteriores como o Código Florestal de 1965, o Código de Caça de 1967, e outros, que tratavam de questões integrantes desse grande ramo denominado Direito Ambiental. Pilati e Dantas (2011) traz importante contribuição a respeito do tema ao afirmar que:

Atualmente, não se pode definir o meio ambiente sem considerar a interação existente entre homem e natureza. Não mais prevalece o antropocentrismo clássico, a partir do qual o meio ambiente era tido como objeto de satisfação das necessidades do homem. O meio ambiente deve ser pensado como valor autônomo, como um dos polos da relação de interdependência homem-natureza, já que o homem faz parte da natureza e sem ela não teria condições materiais de sobrevivência (PILATI; DANTAS, 2011, p. 31).

Não há como dissociar do conceito de meio ambiente a relação existente entre homem e natureza. O homem está inserido na natureza. Não é apenas um agente externo que a modifica, como quem pratica experimentos em um sistema fechado, mas infringe a toda coletividade as consequências de suas ações. Talvez, então, como fruto da reflexão acerca do papel extremamente destrutivo que a humanidade vinha desenvolvendo não últimos séculos, e seguindo movimentos mundiais de proteção e preservação do meio ambiente, nasce no ordenamento jurídico a Lei nº 6.938/81, que em seu artigo terceiro, inciso I, nos comunica que meio ambiente é “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL, 1981).

            À luz desse conceito, passa-se a compreender meio ambiente não só como um espaço, mas um conjunto de fatores não estáticos que, ao mesmo tempo em que integram o meio ambiente, também o moldam e o regem, através de interações com todos os seus componentes. A Constituição da República não se ocupa em trazer o conceito de meio ambiente, determinado, porém, sua proteção e preservação. Neste contexto, “a procura pela determinação desse conceito deve obedecer aos ditames constitucionais, que consagram a defesa desse bem como valor fundamental” (FARIAS; COUTINHO; MELO, 2015, p. 28).

Apesar de não figurar no rol das Garantias Fundamentais, a Carta Magna conferiu ao meio ambiente um valor fundamental ao indicar, no art. 225, que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida” (BRASIL, 1988). À luz desse dispositivo legal, o conceito jurídico de meio ambiente deve garantir a efetivação desse direito, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. De acordo com Farias, Coutinho e Melo (2015, p.30) o conceito de meio ambiente pode ser dividido em quatro seguimentos, tratando de: meio ambiente natural, meio ambiente artificial, meio ambiente cultural e meio ambiente do trabalho.

O meio ambiente natural, como elucida Farias, Coutinho e Melo (2015, p.30) é constituído por recursos naturais, que são invariavelmente encontrados na natureza. Os mesmos autores ainda indicam que o conceito de meio ambiente é corriqueiramente confundido com o de recursos naturais, principalmente por causa da acepção natural de meio ambiente, porém, como já indicado o conceito de meio ambiente é mais amplo. Encontra proteção legal no art. 225 da Constituição da República.

O meio ambiente artificial, em contraponto ao que representa o meio ambiente natural, é tudo aquilo forjado pelo homem, sendo constituído por espaços públicos fechados e abertos. Segundo Farias, Coutinho e Melo (2015, p.31), o meio ambiente artificial também abrange a zona rural e guarda relação com suas partes habitáveis, tendo, contudo, seu enfoque voltado para as partes urbanas. Encontra proteção legal no art. 182 e seguintes e 225 da Constituição da República.

De acordo com Sirvinskas (2006, p. 29), o meio ambiente cultural integra os bens de natureza material e imaterial, os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. O meio ambiente cultural tem características híbridas, ao passo que os prédios históricos podem ser classificados também como meio ambiente artificial e, por outro lado, uma paisagem natural pode ser tombada como patrimônio, sendo, ao mesmo tempo meio ambiente natural. Encontra proteção legal no art. 215 e 216 da Constituição da República.

O meio ambiente do trabalho, considerado por Farias, Coutinho e Melo (2015, p. 32) como uma extensão do conceito de meio ambiente artificial, é definido como conjunto de fatores inerentes às condições do ambiente laboral. Tendo por base a observância das normas de segurança, encontra suporte legal nos artigos 200, incisos VII e VIII e 7º, incisos XXII e XXIII, todos da Constituição Federal.

 

2 A PAUTA INTERNACIONAL DE RECONHECIMENTO DO MEIO AMBIENTE: DA DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO À RIO-92

Passar-se-á a tratar dos esforços internacionais para desenvolver uma política ambiental internacional, visando, acima de tudo a cooperação dos Estados Nacionais em busca de preservar o meio ambiente para a geração atual e as próximas.  A fim de inaugurar a discussão sobre o tema, nos valemos da lição de Pilati e Dantas (2011, p. 104) quando aponta que “o direito ambiental é uma disciplina vocacionada a internacionalidade, justamente pelo caráter difuso do bem jurídico que protege — o meio ambiente — pertencente a toda a humanidade, indistintamente”.

Por mais que se possa analisar um sistema de forma separada e buscar tutelar todas as relações que o possam estar degradando, não há como o isolarmos, realmente, do todo que é o grande ecossistema terrestre. Por isso, os danos infringidos a um sistema natural, em maior ou menor escala, são perpetrados à toda coletividade, e aqui nos referimos não só ao homem, mas à toda forma de vida no planeta. Ainda nesse viés, Amado traz importante lição ao afirmar:

                                                                               

É certo que o meio ambiente não conhece fronteiras políticas, mas apenas o homem. Logo, em sentido amplo, o planeta Terra é um grande ecossistema natural (Biosfera) que demanda uma tutela global, pois os danos ambientais oriundos de ações humanas poluidoras têm a potencialidade de atingir todas as partes do planeta (AMADO, 2014, p. 821).

 

            Por essa razão, nos últimos cinquenta ou quarenta anos esse esforço internacional em afirmar que deve haver solidariedade entre as nações, principalmente nos idos de 1970, buscou-se apontar o desenvolvimento sustentável como o caminho a ser percorrido. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em 1972 na Suécia, também conhecida como Conferência de Estocolmo é considerada marco no que concerne à preservação ambiental, e, como indica Amado (2014, p. 824), foi a partir dela que a ideia de desenvolvimento sustentável começou a ser difundida, trazendo uma discussão de que o desenvolvimento econômico deveria estar atrelado à preservação ambiental.

            Na Conferência de Estocolmo foi elaborada a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, documento composto de uma parte introdutória e vinte e seis princípios que passariam a ditar a nova forma de se relacionar com o meio ambiente. Apesar de não ter força de tratado internacional, diversos diplomas legais por todo mundo, dos quais é possível citar a Constituição portuguesa de 1976, e a própria Lei Maior Brasileira, que incorporaram seus ditames (AMADO, 2014, p. 824). O primeiro item do preâmbulo da Declaração traz a seguinte redação:

O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. (ONU, 1972).

            É inevitável correlacionar a importância dada ao homem enquanto ser integrante e diretamente influenciador no meio ambiente, conceito expresso já nas primeiras linhas da Declaração de Estocolmo, e o pensamento conservacionista que já vinha sendo desenvolvido desde o final do século XIX e que guarda grande relação com o modelo de desenvolvimento econômico sustentável (AMADO, 2014, p. 34).

            Além da Conferência e Declaração de Estocolmo houve outros movimentos internacionais que buscaram tratar de assuntos relacionados ao meio ambiente, como exemplos podemos citar a Convenção sobre o comércio internacional das espécies de fauna e flora selvagens em perigo de extinção, em março de 1973, em Washington, EUA; a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, em dezembro de 1982, em Montego Bay, Jamaica; a Convenção de Viena para a proteção da camada de ozônio, em março de 1985; Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, em maio de 1992, em Nova Iorque, EUA; e a Convenção sobre Biodiversidade Biológica em Junho de 1992, no Rio de Janeiro (PILATI; DANTAS, 2011, p. 108-109).

            Em 1984, a ONU criou a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, e foi nos resultados apresentados por essa Comissão que se encontrou a força motriz para esse pensar o meio ambiente de forma sustentável. Nas palavras de Beltrão (2009, p. 339), a Comissão tinha por objetivo, avaliar os avanços dos processos de degradação ambiental e a eficácia das políticas ambientais para combatê-los.

            Após alguns anos de estudo, em abril de 1987, a comissão publicou suas conclusões em um documento que tinha por título “Nosso futuro comum”, que passou a ser conhecido posteriormente como relatório Brundtland. O conteúdo do relatório trouxe a expressão “equidade transgeracional”, que guarda estreita relação com o conceito de desenvolvimento sustentável. Segundo o exposto no relatório Brundtland, desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades do tempo presente sem pôr em risco a capacidade das gerações vindouras de terem suas próprias necessidades atendidas (BELTRÃO, 2009, p. 340).

            Em outras palavras, equidade transgeracional é o exercício de pensar no interesse, no desenvolvimento e no bem estar da sociedade presente, mas isso não deve ser feito em detrimento do bem estar das próximas gerações, não com uma visão antropocentrista, utilitarista e imediatista, como a própria história da humanidade atesta.

            Sendo a sustentabilidade entendida de forma cada vez mais relevante, compartilhando do mesmo entender de Beltrão (2009, p. 340), o desenvolvimento sustentável não seria somente um princípio do Direito Ambiental, mas, sim, seu objetivo, “sua razão de ser”.  As recomendações do relatório de Brundtland originaram a Conferência das Nações Unidas em Meio Ambiente e Desenvolvimento do Rio de Janeiro, também conhecida como Eco 92 ou Rio 92. Nessa oportunidade foram celebradas convenções: a Convenção sobre Diversidade Biológica e a Convenção sobre Mudanças Climáticas. Esses dois documentos buscaram traçar políticas essenciais para o desenvolvimento sustentável (PILATI; DANTAS, 2011, p. 106).

            No entanto, as duas convenções acima não foram os únicos documentos resultantes da Rio 92. Há de se mencionar a Declaração do Rio, documento que em si não tinha valor de tratado, pois não nele não foram apostas as assinaturas dos Estados-partes, mas que trazia em seu bojo uma riqueza de princípios que passariam a nortear a atuação dos Estados em relação a meio ambiente e desenvolvimento (PILATI; DANTAS, 2011, p. 106). Destacam-se três princípios que são deveras valiosos para esse novo cenário ambiental: o princípio da precaução, princípio do poluidor pagador e o princípio da responsabilização civil. 

            O princípio da precaução está presente no art. 15 da Declaração do Rio. Em linhas gerais, por meio dele busca-se evitar qualquer risco de dano ao meio ambiente, sobretudo nos casos de incerteza científica acerca da potencialidade lesiva de alguma atividade (RODRIGUES, 2016, p. 362). De igual modo, Rodrigues (2016, p. 362) traz o conceito de poluidor-pagador e considera que, dado o caráter difuso e esgotável dos bens ambientais, todos que sejam responsáveis pela utilização desses bens em seu proveito, e em detrimento da sociedade, devem arcar com este déficit da coletividade.  Não menos importante, o princípio da responsabilização civil, situado no art. 13 da Declaração do Rio tem a seguinte redação:

Os Estados deverão elaborar legislação nacional relativa a responsabilidade civil e a compensação das vítimas da poluição e de outros prejuízos ambientais. Os Estados deverão também cooperar de um modo expedito e mais determinado na elaboração de legislação internacional adicional relativa a responsabilidade civil e compensação por efeitos adversos causados por danos ambientais em áreas fora de sua jurisdição, e causados por atividades levadas a efeito dentro da área de sua jurisdição de controle. (ONU, 1992, s.p.).

            Verifica-se, então, ao final do século XX, movimento crescente de ideias que apontam para uma forma de pensar meio ambiente, sem dúvida, diferente da que se tinha no início do século. O que passou a ser debatido e defendido foi a ideia de meio ambiente equilibrado, não só visando o crescimento, desenvolvimento e bem estar dessa sociedade, mas também da vindoura.

 

3 OS REFLEXOS INTERNOS DE RECONHECIMENTO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO: UMA ANÁLISE DO CAPUT DO ARTIGO 225 DA CONTITUIÇÃO FEDERAL/88

            Como aponta Amado, observa-se uma tendência mundial no que se refere à positivação de normas que busquem proteger o meio ambiente, eventos que tiveram início após a realização da Conferência de Estocolmo em 1972 (AMADO, 2014, p. 49). Ao tratar sobre os frutos da Conferência de Estocolmo, Farias, Coutinho e Melo (2015, p. 51) afirmam que “naquela ocasião, consagrou-se o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado”. A informação se torna deveras valiosa ao considerar que esse entendimento de meio ambiente equilibrado como direito fundamental foi difundido nos ordenamentos jurídicos de Estados Nacionais, inclusive no nosso país.

            A fim de ilustrar de maneira mais clara a influência que a Declaração sobre Meio Ambiente Humano teve no ordenamento jurídico brasileiro, passa-se a apresentar uma parte do primeiro princípio da Declaração de 1972:

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. (ONU, 1972).

            O Artigo 225 da Constituição Federal tem por redação o que segue:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988).

            O artigo da Carta Magna utilizou os temas centrais do Princípio da Declaração, inaugurando no ordenamento jurídico brasileiro o entendimento de meio ambiente como direito fundamental, embora não consagrado no rol dos Direito e Garantias Fundamentais do art. 5º. Fato é que existem normas de temática ambiental em diversos pontos da Constituição. A exemplo disso, tem-se normas quanto à competência legislativa nos artigos 22, incisos IV, XII e XXVI, artigo 24, incisos VI, VII, VIII e artigo 30, incisos I e II; normas quanto à competência administrativa no artigo 23, incisos III, IV, VI, VII e XI; normas relacionadas à Ordem Econômica Ambiental no artigo 170, inciso VI; ainda, normas acerca do meio ambiente artificial, artigo 182, meio ambiente cultural, nos artigo 215 e 216, e sobre meio ambiente natural, no próprio artigo 225 (AMADO, 2014, p. 49-50).

            Sem dúvida, o entendimento do direito ao meio ambiente como direito fundamental pode causar certo estranhamento aos mais céticos, visto que em nenhum momento se percebe menção expressa dele no rol de direito fundamentais. Entretanto, através da análise do caput do artigo 225 pretende-se verificar como isso se procede.

            Ao expressar “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, o legislador constituinte pretendeu comunicar que esse é um direito de todos, brasileiros natos, naturalizados, enfim, direito de uma coletividade indefinida (LEITE, s.d., s.p.). Ainda sobre a mesma temática, Almeida afirma, em seu magistério, que “o equilíbrio do ambiente é o objeto imaterial a ser preservado pelo Direito Ambiental, representado pelos recursos ambientais bióticos e abióticos. Trata-se de um bem comum (res communi)” (ALMEIDA, s.d., s.p.).

            A Lei Maior também caracterizou o meio ambiente como sendo um bem de uso comum do povo. À esse ponto torna-se necessário observar a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2003, p. 545) a qual define os bens de uso comum do povo como “aqueles que, por determinação legal ou por sua própria natureza, podem ser utilizados por todos em igualdade de condições”. À luz dessa lição pode-se extrair o caráter difuso do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, é direito de uma coletividade, não há como precisar quantos são os seus titulares, porém, é certo afirmar a sua relevância em nosso ordenamento jurídico.

            Como complemento à característica de bem de uso comum, o legislador se preocupa em eleger uma outra, revelando que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é essencial à sadia qualidade de vida. Para Tojal, essa característica “refere às adequadas condições de vida, e um meio ambiente de qualidade, não só levando-se em consideração a não ter doenças, mas sim levar em conta os elementos da natureza (águas, solo, ar, flora, etc...), se estão em um bom estado para os seres humanos” (s.d., p. 6). Há de se levar em consideração o caráter multifacetado do conceito de meio ambiente, as acepções de meio ambiente, o natural, o artificial, o cultural e do trabalho; todavia, como o caput do artigo 225 cita “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, o conceito trazido por Tojal não é minimalista em considerar como essenciais os elementos da natureza. A fim de firmar entendimento no mesmo sentido, considera-se oportuna a contribuição de Thomas de Carvalho Silva:

O meio ambiente oferece aos seres vivos as condições essenciais para a sua sobrevivência e evolução. Essas condições, por sua vez, influem sobre a saúde humana podendo causar graves consequências para a qualidade de vida e para o desenvolvimento dos indivíduos. [...] Daí a importância de termos um meio ambiente ecologicamente equilibrado. (SILVA, s.d., s.p.).

            Percebe-se que também está presente no caput do artigo 225 um importante pilar do desenvolvimento sustentável: a solidariedade. Ela se traduz, nesse contexto, no perseguir o desenvolvimento de forma que isso não seja danoso nem à presente geração, nem às futuras. Seria desfrutar daquilo que o meio ambiente possa oferecer mas sem impossibilitar que outros façam o mesmo. Por vezes, a solidariedade tem significação agregada ao próprio conceito de desenvolvimento sustentável, que para Guerra e Guerra é “a forma de desenvolvimento que satisfaz as necessidades das gerações presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de alcançar a satisfação de seus próprios interesses” (GUERRA; GUERRA, s.d., p. 10).

            Outro reflexo ao reconhecimento ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foi a adoção do conceito de solidariedade, doravante internacionalmente compreendido. Em um primeiro momento tratava-se de solidariedade internacional ao pretender a cooperação entre os países com vistas à preservação e tutela do meio ambiente. Nesse período que se percebeu a rota destrutiva que a humanidade estava seguindo ao buscar no meio ambiente somente uma ferramenta para o desenvolvimento.

            Hupffer e Naime, citando Brown Weiss, desenvolvedor da Teoria da Equidade Intergeracional, afirmam que “cada geração é ao mesmo tempo guardiã ou depositária da terra e sua usufrutuária, ou seja, beneficiária de seus frutos, sem colocar em risco as gerações futuras” (HUPFFER; NAIME, 2012, p. 222). Através da teoria de Weiss que se desenvolveu a ideia de solidariedade que pode ser entendida de duas perspectivas distintas: solidariedade intrageracional e solidariedade intergeracional.

Solidariedade intrageracional vem dizer da preservação e utilização do meio ambiente de forma a pensar na presente geração. Ora, um sistema natural não está totalmente isolado em nosso planeta; fatores que alteração um ecossistema interferem direta ou indiretamente em outros, podendo causa extinção e degradação em massa. A preservação deve ocorrer para que todos sejam capazes de desfrutar do que o meio ambiente pode oferecer; ficando afirmado aqui, mais uma vez, o caráter difuso do direito ao meio ambiente, que não conhece fronteiras de países.

Solidariedade intergeracional, por consequência é o pensar nas próximas gerações. Aqui há um ponto de encontro com o texto Constitucional. A parte final do caput do artigo 225 expressa que é dever da coletividade e do poder público a preservação do meio ambiente para a presente e as futuras gerações; comunicando de maneira clara a importância que a temática da solidariedade intergeracional tem na ordem constitucional. Resgatando a discussão do caráter fundamental do direito ao meio ambiente, Tojal aponta:

 

O meio ambiente não consta no rol exemplificativo do artigo 5º da Constituição Federal, porém é considerado um direito materialmente fundamental, pois existem diversos direitos fundamentais espalhados na constituição e há tratados internacionais regulador recepcionado pelo ordenamento jurídico. (TOJAL, s.d., p. 8).

            Dado o valor que a Constituição confere ao meio ambiente, pode-se entende-lo como um direito fundamental visto que guarda relação com outras garantias fundamentais das quais podemos citar a dignidade da pessoa humana. Esse entender se encontra embaso em princípios como direito ao meio ambiente equilibrado, à sadia qualidade de vida e o princípio da sustentabilidade (TOJAL, s.d., p. 13).

 

CONCLUSÃO

É fato que o processo de reconhecimento do acesso ao meio ambiente como um direito reflete a tensão entre a migração da perspectiva essencialmente utilitarista-predatória para uma percepção de dependência do gênero humano do meio ambiente. Neste aspecto, trata-se de reconhece que a locução “ecologicamente equilibrado” configura conditio sine qua non para o desenvolvimento humano, compondo, inclusive, o ideário jus-filosófico de mínimo existencial socioambiental. Isto é, componente de um conjunto de direitos e garantias indissociáveis da própria conotação de dignidade da pessoa humana, na condição de pilar maior de orientação.

Ademais, devido à sua densidade jurídica, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, tal como encartado no artigo 225 da Constituição Federal de 1988, constitui típico direito de índole difusa, não tendo destinatário determináveis, mas, em decorrência de compreender todo o gênero humano, é indeterminado. Em complemento, decorrente de tal aspecto, ganha relevo a conotação de solidariedade como moldura para o direito em comento, assegurando que presentes (solidariedade intrageracional) e futuras gerações (solidariedade intergeracional) deverão deter condições mínimas para seu desenvolvimento e o acesso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

 

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Data da conclusão/última revisão: 9/2/2018

 

Como citar o texto:

DA CRUZ NETTO, Moysés; RANGEL, Tauã Lima Verdan..A construção histórica do reconhecimento do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 28, nº 1507. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-ambiental/3919/a-construcao-historica-reconhecimento-direito-ao-meio-ambiente-ecologicamente-equilibrado. Acesso em 16 fev. 2018.

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