Funcionando o Direito como uma coluna que ergue e mantém a sociedade, a paz, o bem comum e a manutenção das relações harmônicas, essencial se faz a existência de ditames com maior rigor quanto a determinados crimes cometidos no meio social.  

Do contexto, surgem os mandados constitucionais de criminalização que vem exatamente a ser a determinação do poder constituinte originário de tratar de forma mais severa os tipos penais mais devastadores cometidos na sociedade.  Por volta de 1920, dada a influencia da doutrina alemã, passou-se a inserir em diversos ordenamentos jurídicos como Alemanha, Espanha, Itália, França, os mandados de criminalização.  

Tais mandados estão muitos mais relacionados à Justiça Social, do que a proteção absoluta de direitos e garantias individuais.  

Frisamos que a ordem jurídica vigente brasileira expressamente prevê os mandados constitucionais de criminalização, os possuindo na forma de mandados implícitos e explícitos, por ordem do Poder Constituinte originário. 

 Dentre os mandados constitucionais explícito colacionamos o tráfico, a tortura, o terrorismo, os crimes considerados hediondos, a ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado democrático. Por outro lado, há os mandados implícitos, ordem veladas onde nestes casos, a CRFB/88 não determinou expressamente o que deveria ser feito, mas revelou a importância de algumas matérias. 

 Na classificação de José Afonso da Silva quanto à eficácia das normas constitucionais, estas podem ser: plena, contida e limitada.  

Salienta-se, assim, que os mandados constitucionais de criminalização são normas de eficácia limitada.  Isto porque não define a conduta incriminada, nem muito menos estabelece sanção, vindo apenas a definir, de forma nem sempre a especificar, a conduta por incriminar.   

Em consequência, os mandados constitucionais de criminalização ou de penalização, mesmo expressamente previstos pelo constituinte originário, precisam de ulterior deliberação pelo constituinte derivado, alguns já foram tratados (explícitos), outros precisam de atuação legislativa (implícitos) para produzir todos os efeitos almejados.  

Todavia, mesmo com a ordem constitucional conferida ao constituinte derivado para a proteção penal eficiente dos bens jurídicos fundamentais, resta evidente que é impossível taxar todas as condutas e ainda que o fosse, a eficácia da ordem jurídica e social não está adstrita a textos escritos.  

No contexto, enfatizamos que a atuação legiferante sempre estará limitada pelo princípio da proporcionalidade e a ordem estatal representada pelo Poder Judiciário.  

Concluímos que é imprescindível a existência dos mandados constitucionais de criminalização no ordenamento jurídico vigente no Brasil, uma vez que estes asseguram a ordem pública e a paz social.  Neste diapasão, ressaltamos que o papel do Ministério Público, órgão atuante na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos individuais indisponíveis, titular da ação penal, merece, por seu destaque, a análise no presente trabalho, quanto sua relação com os mandados constitucionais de criminalização. 

 Por derradeiro, afirmamos que quando firma a existência de mandados constitucionais de criminalização, o Estado passa a ser um Estado guardião dos direitos fundamentais, e, na condição de guardião, deve se abster de realizar proteção deficiente aos direitos que decidiu tutelar (princípio da proibição da proteção deficiente do Estado). 

 Feitas estas considerações, concluímos que esta pesquisa pretende mostrar a importância dos mandados constitucionais de criminalização no ordenamento normativo vigente no Brasil. 

 Alexandre Rocha Almeida de Moraes, leciona acerca do histórico dos mandados constitucionais de criminalização, ensinando que:    

Os mandados implícitos de criminalização foram reconhecidos pela primeira vez em 1975 pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão. Conforme já aventado, com a reforma do Código Penal alemão, o aborto foi permitido, desde que fosse realizado nos três primeiros meses de gestação. Essa matéria foi levada ao Tribunal Constitucional Federal, que declarou a inconstitucionalidade dessa disposição, porque havia um mandado de criminalização implícito na Constituição alemã. (MORAES, 2005, p. 14).    

Ao elaborar a lei dos crimes hediondos e taxar os tipos penais incriminadores nela previstos, o legislador adotou o sistema legal que é aquele que estabelece um rol exaustivo anunciando quais delitos são considerados hediondos.  

Parte desta consideração uma ponderação axiológica, pois o legislador poderia prevê e fazer inserir qualquer tipo penal que a sociedade à época considerasse como hediondo.  Se referida legislação (lei dos crimes hediondos) tivesse adotado o sistema judicial, seria o juiz, auferindo o caso em concreto, quem deliberaria se dado crime, da forma como praticado, seria ou não considerado hediondo.  De igual forma, se o legislador tivesse adotado o sistema misto, o legislador iria simplesmente adotar um rol exemplificativo de crimes, permitindo ao juiz, na análise do caso, encontrar outras hipóteses de crimes hediondos, utilizando no caso a interpretação analógica.  

Todavia, consoante dito, adotou o legislador brasileiro, ao elaborar a lei dos crimes hediondos, o critério do sistema legal, que como dito comporta um rol taxativo, que não comporta a inclusão de nenhum crime a não ser os exaustivamente previstos.  

São considerados pela Lei 8072/90 como crimes hediondos os seguintes: homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, incisos I, II, III, IV, V, VI e VII).    lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;  latrocínio (art. 157, § 3º, in fine);  extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º) e extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lº, 2º e 3º);  estupro (art. 213, caput e §§ 1º e 2º) e estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º);  epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º);  falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B);  favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º);  genocídio (Lei 2.889/56).    

O termo “hediondo” adveio do próprio mandado constitucional de criminalização, assim descrito no art. 5º, XLIII, da CF: “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”. (grifamos).   

 A doutrina de Pedro Lenza apregoa e nos lembra acerca da hediondez e de suas consequências e efeitos penais e extrapenais que:    

“A hediondez acarreta diversas consequências gravosas ao crime, dentre as quais a inafiançabilidade, proibição de anistia, graça ou indulto e aplicação de regime inicialmente fechado para cumprimento da pena (independentemente da quantidade de prisão aplicada); a progressão de regimes e o livramento condicional ficam sujeitos a um período de tempo superior à regra geral”.                                        

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Data da conclusão/última revisão: 7/4/2018

 

Como citar o texto:

LIMA, Antonia Katiuscia Nogueira..Lei dos Crimes Hediondos: mandado constitucional de criminalização explícito. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 29, nº 1521. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/3993/lei-crimes-hediondos-mandado-constitucional-criminalizacao-explicito. Acesso em 12 abr. 2018.

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