Muito se debate, no Brasil, sobre em que medida aqueles à frente do Poder Judiciário têm agido discricionariamente, violando, assim, a ordem jurídico-normativa. 

O Supremo Tribunal Federal (STF) é, então, repetidamente, extremanente criticado, principalmente, por conta da prolação de decisões questionadamente políticas. 

Alguns desses motivos se justificam, talvez, no fato de sua atuação tratar de questões que afetam, diretamente, a aplicação da Constituição, o que, vez ou outra, não ocorre facilmente, face aos aparente conflitos de interesses constitucionais coletivos e individuais. 

A propósito, recentemente, o STF julgou, a título de repercussão geral, o Recurso Extraordinário nº 603616 – Rondônia1, donde discutiu-se a possiblidade ou não de se efetuar busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente, em face do direito à inviolabilidade de domicílio (XI do art. 5º da Constituição da República), e se se deve considerar, correlatamente, a ilicitude das provas colhidas dessa maneira (LVI do art. 5º da Constituição Federal)2

Por maioria, a Corte entendeu que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, indicando que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados. 

Tratando-se a terminologia fundadas razões de um conceito indeterminado, interessa verificar se tal situação ocorreu no âmbito da denegação, por parte do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Habeas Corpus nº 423.838 – SP (2017/0288916-6), pois o paciente foi preso em flagrante, no dia 14/8/2017, pela suposta prática do delito previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, por manter em depósito 667 porções de crack (286,14 g), 1.605 invólucros de maconha (6.731,81 g), 1.244 invólucros de cocaína (1.533,23 g) e 35 frascos de lança-perfume. A prisão foi convertida em preventiva no dia 15/8/2017. Pelo que consta do acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) impugnado, fora narrado pelos policiais, por unanimidade, que abordaram o paciente na rua e, como ele estava sem documentos, dirigiram-se à sua residência, localizada nas proximidades, tendo um deles declarado que tiveram a entrada franqueada. Foram unânimes em afirmar, ainda que, ao adentrarem a residência, sentiram forte odor de maconha, e tal circunstância, somada ao nervosismo apresentado pelo paciente, foi a razão pela qual realizaram busca no imóvel, onde apreenderam a quantidade de droga supracitada. Logo, existiriam fundadas razões a justificar sua atitude3

Ao que tudo indica, temos a hipótese consubstanciada (fundadas razões). De todo modo, em casos como esse, deve-se ter a aplicação harmônica dos direitos e interesses envolvidos, com vistas a proteger o domicílio contra ilicitudes, bem como impedir que o morador faça uso do direito à inviolabilidade de domicílio  (abuso de direito) para cometer infrações penais, garantindo-se a ação do agente público, buscando-se coibir, contudo, e ao mesmo tempo, eventuais condutas arbitrárias por parte deste. 

 

Referências

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: abr. 2018.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 423.838 – SP (2017/0288916-6). Rel. Min. Sebastião Reis Júnior. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/532787517/habeas-corpus-hc-423838-sp-2017-0288916-6. Acesso em: abr. 2018. 

DUARTE, Hugo Garcez; LOPES, Laísa Barbosa. Inviolabilidade de domicílio e crime permanente: uma análise do julgamento do Recurso Extraordinário nº 603616/RO - Rondônia. JURIS PLENUM OURO, v. 59, p. s.n.-s.n., 2018.

 

Notas

1 Consultar em: DUARTE, Hugo Garcez; LOPES, Laísa Barbosa. Inviolabilidade de domicílio e crime permanente: uma análise do julgamento do Recurso Extraordinário nº 603616/RO - Rondônia. JURIS PLENUM OURO, v. 59, p. s.n.-s.n., 2018. 

2 Sobre essas preivsões constitucionais, ver: BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: abr. 2018.

3 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 423.838 – SP (2017/0288916-6). Rel. Min. Sebastião Reis Júnior. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/532787517/habeas-corpus-hc-423838-sp-2017-0288916-6.

Data da conclusão/última revisão: 23/4/2018

 

Como citar o texto:

DUARTE, Hugo Garcez; GARCIA, Lucas de Oliveira..As fundadas razões no crime permanente. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 29, nº 1526. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/4020/as-fundadas-razoes-crime-permanente. Acesso em 2 mai. 2018.

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