RESUMO

O objetivo do texto é abordar a disparidade social, destacando os extremos, a pobreza e a classe mais abastada em contraponto com a elaboração das políticas públicas. Uma abordagem que ajuda a compreender as representações e ações do Estado ao realizar políticas públicas é a análise cognitiva, setorial ou referencial de como a literatura clássica e as mais recentes tratam o tema. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica e material disponibilizado na disciplina de Políticas Públicas: discussões teóricas e metodológicas.

Palavras-chave: Pobreza. Disparidade social. Ações do Estado. Políticas Públicas.

 

INTRODUÇÃO

“Políticas públicas” são diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamentos) que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de recursos públicos. Nem sempre porém, há compatibilidade entre as intervenções e declarações de vontade e as ações desenvolvidas. Devem ser consideradas também as “não-ações”, as omissões, como formas de manifestação de políticas, pois representam opções e orientações dos que ocupam cargos.

As políticas públicas traduzem, no seu processo de elaboração e implantação e, sobretudo, em seus resultados, formas de exercício do poder político, envolvendo a distribuição e redistribuição de poder, o papel do conflito social nos processos de decisão, a repartição de custos e benefícios sociais. Como o poder é uma relação social que envolve vários atores com projetos e interesses diferenciados e até contraditórios, há necessidade de mediações sociais e institucionais, para que se possa obter um mínimo de consenso e, assim, as políticas públicas possam ser legitimadas e obter eficácia.

Elaborar uma política pública significa definir quem decide o quê, quando,com que consequências e para quem. São definições relacionadas com a natureza do regime político em que se vive, com o grau de organização da sociedade civil e com a cultura política vigente. Nesse sentido, cabe distinguir “Políticas Públicas” de “Políticas Governamentais”. Nem sempre “políticas governamentais” são públicas, embora sejam estatais. Para serem “públicas”, é preciso considerar a quem se destinam os resulta- dos ou benefícios, e se o seu processo de elaboração é submetido ao debate público.

A presença cada vez mais ativa da sociedade civil nas questões de interesse geral, torna a publicização fundamental. As políticas públicas tratam de recursos públicos diretamente ou através de renúncia fiscal (isenções), ou de regular relações que envolvem interesses públicos. Elas se realizam num campo extremamente contraditório onde se entre cruzam interesses e visões de mundo conflitantes e onde os limites entre público e privado são de difícil demarcação. Daí a necessidade do debate público, da transparência, da sua elaboração em espaços públicos e não nos gabinetes governamentais.

O Brasil, no período mais recente, apresenta uma melhoria significativa de determinados indicadores sociais — como saúde e educação, por exemplo — porém, a questão social do país ainda demonstra a necessidade de se reorganizar, tanto em termos conceituais quanto em termos de conformação de um conjunto de políticas sociais, perpassa por uma rede de proteção social que enfrente os imoderados níveis de pobreza e de desigualdades existentes. 

De um lado tem-se uma classe social alheia às mínimas condições de sobrevivência, em pobreza extrema, diante da fome e incerteza de um novo amanhã. Tal situação representada no documentário brasileiro de 2009, “Garapa” dirigido por José Padilha. Documentário que tem como tema a fome no mundo.

A fome descrita no documentário é a chamada fome aguda, também denominada de total, global ou quantitativa, seria, então, aquela menos comum e mais fácil de ser observada. Refere-se à verdadeira inanição que em língua inglesa chama-se de starvation, fenômeno, em geral, limitado a áreas de extrema miséria e a contingências excepcionais. (CASTRO, 1992)

De outro, uma classe abastada, em que as dificuldades apresentam-se no sentido de quanto se gastará, independentemente, da utilidade, num dia qualquer. Representado pelo reality show “Mulheres ricas”, que acompanhou a vida extravagante de cinco poderosas socialites e suas famílias, incluindo maratonas de compras, festas, planejamentos de viagens exóticas, e outros elementos da vida no luxo. 

A existência dessa díade social contraditória tem profundas implicações sobre os processos de exclusão e desigualdades sociais: ocorrendo uma ampliação das desigualdades socioeconômicas ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, se verifica uma melhoria dos indicadores sociais e prevalece o discurso de impossibilidade de se promover uma distribuição mais justa de renda. E, ainda, marcado por um avanço acelerado da “nova” exclusão social em decorrência da ausência de um crescimento econômico sustentado ao mesmo tempo em que se retoma o regime democrático e se fortalece a organização dos distintos setores da sociedade.

A discussão sobre políticas públicas no Brasil tem contribuição de autores como Pierre Muller, Bruno Jobert, Yves Surel, Paul Sabatier e James Mahoney. Ajudam a entender políticas públicas a partir de um olhar sociológico, em que o conhecimento, as ideias, as representações e as crenças sociais, além do contexto histórico, político e social, fazem parte da análise. (NASCIMENTO, 2009, p. 197)

Com o objetivo de identificar como a literatura clássica e as mais recentes tratam as políticas públicas, Celina Souza (2006) traz a debate os principais conceitos, modelos analíticos e tipologias especificas da área. De acordo com a autora, são três os fatores que contribuíram para maior visibilidade das políticas públicas: a restrição de gastos; a substituição da visão de governo das políticas keynesianas; e a falta de coalizões políticas para desenhar políticas públicas capazes de impulsionar o desenvolvimento econômico e de promover a inclusão social de grande parte de sua população.

Define-se, no texto, Política Pública como campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo colocar o governo em ação e ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real.

No sentido de entender como e porque o governo faz ou deixa de fazer alguma ação, Souza (2006) apresenta, dentre tantos, oito modelos de formulação e análise de políticas públicas. Primeiro modelo apresentado é denominado de “o tipo de política pública”. Desenvolvido por Theodor Lowi (1964-1972) e pautado na máxima: “a política pública faz a política”. 

O segundo modelo é o denominado de incrementalismo. Desenvolvido por C. E. Lindblom (1979); N. Caiden e A. Wildavsky (1980) e A. Wildavisky (1992). Pautado em argumentos empíricos, o argumento mostrava que os recursos governamentais (programa, órgão ou uma dada política pública) não partem do zero e sim, de decisões marginais e incrementais que desconsideram mudanças políticas ou mudanças substantivas nos programas públicos. 

O terceiro modelo trata a política pública como um ciclo deliberativo constituído por estágios. Delimita-se os estágios como sendo: a definição de agenda, identificação de alternativas; avaliação das opções, seleção das opções; e, por fim, implementação e avaliação. 

O quarto modelo identificou-se como “garbage can” ou “lata de lixo” o qual foi desenvolvido por M. Cohen, J. March e J. Olsen (1972). Para os autores existem vários problemas e poucas soluções. As soluções não seriam detidamente analisadas e dependeriam do leque de soluções que os decisores (policy makers) têm no momento. 

O quinto denominado de coalizão de defesa foi desenvolvido por P. Sabatier e H. Jenkins-Smith (1993). Nesse modelo, política pública deveria ser concebida como um conjunto de subsistemas relativamente estáveis que se articulam com os acontecimentos externos, os quais dão os parâmetros para os constrangimentos e os recursos de cada política pública. 

Arenas sociais é a denominação dada ao sexto modelo de análise das políticas públicas. Ao explorar esse modelo de análise, remete-se ao texto de Marques (2000) e explicita que a política pública é entendida como uma iniciativa dos chamados empreendedores políticos ou de políticas públicas. 

O modelo do “equilíbrio interrompido” foi elaborado por F. Baumgartner e B. Jones (1993) baseado em noções de biologia e equilíbrio. Da biologia veio a noção de longos períodos de estabilidade, interrompidos por períodos de instabilidade que geram mudanças nas políticas anteriores. Da informática veio a ideia da capacidade limitada de processar informação. As questões se processam paralelamente e as mudanças se realizam a partir da experiência de implementação e de avaliação. 

Celina Souza (2006) apresenta como último modelo os influenciados pelo “novo gerencialismo público” e pelo ajuste fiscal. O desenho das políticas públicas passou a ter como base os princípios de eficiência (alcançada pela desregulamentação, privatização e reforma no sistema social), de credibilidade (prevalência de regras claras em contraposição à discricionariedade dos decisores públicos e burocratas) e à delegação das políticas públicas para instituições com “independência” política ou independência nacional.

Por fim, Souza (2006) apresenta um novo campo teórico que tem influenciado o debate sobre políticas públicas, o chamado neo-institucionalismo o qual enfatiza a importância crucial das instituições (entendidas como regras formais e informais) para a decisão, formulação e implementação de políticas públicas. Influenciado pela teoria da escolha racional, a tendência neo-institucionalista propõem-se romper tanto com o mito de que os interesses individuais agregados gerariam ação coletiva (M. Olson, 1965), como com o mito de que a ação coletiva produz necessariamente bens coletivos (K. Arrow, 1951). 

O neo-institucionalismo tem sua estrutura decorrente de vários ramos como o institucionalismo histórico e o estruturalista. Esses ramos acentuam que as instituições moldam os decisores, mas a ação racional daqueles que decidem não se restringe apenas ao atendimento dos seus auto-interesses. Para os neoinstitucionalistas os interesses são mobilizados não só pelo auto-interesse, mas também por processos institucionais de socialização, por novas ideias e por processos gerados pela história de cada país. Os decisores agem e se organizam de acordo com regras e práticas socialmente construídas, conhecidas antecipadamente e aceitas (SOUZA, 2006, p. 38). 

Por outro lado, a teoria da escolha pública nas palavras de Souza (2006, p. 38), “adota um viés normativamente cético à capacidade dos governos de formularem políticas públicas devido a situações como autointeresse, informação incompleta, racionalidade limitada e captura de agências governamentais por interesses particularistas”. 

Na corrente neo-institucionalista as instituições, com suas variáveis, influenciam os resultados das políticas públicas. Pois, não só os indivíduos ou grupos que têm força relevante influenciam as políticas públicas, mas também as regras formais e informais que regem as instituições. Souza (2006) alerta, ao finalizar a temática, que a luta pelo poder e por recursos entre grupos sociais é o cerne da formulação de políticas públicas. 

Com esse estudo foi possível perceber que não é tarefa fácil integrar os quatro elementos como propôs Souza (2006): a própria política pública, a política (politics), a sociedade política (polity) e as instituições em que as políticas públicas são decididas, desenhadas e implementadas. O caminho possível é a “identificação do tipo de problema que a política pública visa corrigir na chegada desse problema ao sistema político (politics) e à sociedade política (polity), e nas instituições/regras que irão modelar a decisão e a implementação da política pública” (SOUZA, 2006, p. 40). 

A importância do exterior sobressai ao interior. No filme “Beleza Americana”, filme norte-americano de 1999 que trata da beleza americana — uma rosa linda e vermelha, mas que não tem perfume, e relaciona a mesma com a vida da classe média americana, na qual o homem tem um bom emprego, a mulher é recatada e totalmente positivista, e uma adolescente vivendo as crises da idade, define um padrão de vida para as famílias americanas. Mascara-se a sociedade. Demonstra-se a vida de aparência. Não diferente na elaboração das políticas públicas, em que se monstra apenas o que se quer, de acordo com os interesses políticos, interesses daquele grupo (específico) de interesse.

Ao mesmo tempo em que o Estado assume a posição de fomentador de uma sociedade democrática e socialmente igualitária, a história não deixa de revelar os fracassos que foram ocorrendo na administração política brasileira. O próprio fomentador do desenvolvimento foi também, em um outro momento com a crise financeira, o financiador do seu fracasso como agente regulamentador da economia e da sociedade.

Para corroborar com a explanação sobre a díade social contraditória e a política pública, o livro “O Capital no século XXI” de Thomas Piketty torna-se um importante referencial. O ponto nodal do livro é que o Capitalismo tem uma natural tendência para a desigualdade, tendo em vista que ativos como imóveis e ações, que são, como regra, de propriedade dos mais ricos, crescem desproporcionalmente mais rápido do que a economia em geral. Essa tendência foi temporariamente revertida durante as duas grandes guerras mundiais na Europa e a Grande Depressão nos Estados Unidos, no entanto, atualmente a desigualdade está retornando aos níveis pré-guerras. Tal processo, segundo o autor, deve ser contido por meio de medidas políticas radicais, como o imposto global sobre o capital. 

Em seu livro, Piketty explica que o estudo da concentração de renda foi sempre elaborado sem a utilização de dados concretos, mesmo porque esses dados não estavam disponíveis. No entanto, questões relativas à concentração de renda já surgiam entre os pensadores do século XVIII e início do século XIX. 

Muitos pensadores clássicos entendiam de modo apocalíptico a evolução da distribuição de renda e da estrutura de classes da sociedade. Para eles, um pequeno grupo social, inevitavelmente, aumentaria sua parcela sobre o produto e a renda. Já os pensadores do século XX, embalados com o período pós Guerras Mundiais, acreditavam que o capitalismo estabilizaria a concentração de renda em níveis aceitáveis, igualitários. 

Os estudiosos do século XX passaram a contar com séries históricas de dados, necessárias para se avaliar a distribuição de renda dos países. Isso porque, conforme anunciado, a desigualdade de um país ou sua evolução no tempo exige informações mais completas sobre a renda obtida no seu território. Somente com a criação do Imposto sobre a Renda, na maior parte dos países no início do século XX, esses dados passaram a ser coletados de modo confiável. 

Assim, a tributação não é somente uma forma de exigir dos cidadãos que contribuam para o financiamento do gasto público e de distribuir o fardo tributário de modo mais justo, como também serve para classificar a renda, promovendo conhecimento e transparência democrática. 

De acordo com Piketty, duas fontes possibilitaram o estudo da dinâmica histórica da distribuição de riqueza: fontes que trabalham com a desigualdade e com a distribuição de renda e fontes que trabalham com a distribuição de riqueza e a relação de riqueza e receita. Esse estudo da dinâmica levou às duas conclusões primordiais do livro. 

A primeira conclusão é que a história da distribuição de riqueza sempre foi profundamente política e não pode ser reduzida em termos puramente econômicos. A desigualdade, no decorrer da história, é moldada por atores econômicos, sociais e políticos e suas percepções do que é justo ou não. O poder relativo desses atores é que dá o viés para as escolhas coletivas. 

A segunda importante conclusão do livro é que a dinâmica da distribuição de riqueza revela um mecanismo poderoso, empurrando alternadamente para convergência e divergência. Em alguns momentos da história, há forças maiores de convergência, que reduzem a desigualdade, ou de divergência, que a aumentam. Contudo, não existe uma força natural, um processo espontâneo, para prevenir a desestabilização, que possa obstar a desigualdade. 

Os mecanismos que empurram para a convergência, redução e compressão de desigualdades são principalmente a difusão de conhecimento e o investimento em treinamento e em habilidades. 

O livro do economista descreve duas forças divergentes: a primeira, que atua em sentido contrário à equalização de riquezas, é a possibilidade dos que concentram a renda se separarem do resto da população e, com isso, conseguirem perpetuar, e até acentuar, a concentração de riquezas em suas mãos; a segunda força divergente, uma ainda mais forte, ocorre quando o retorno do capital excede o crescimento da economia e, assim, a riqueza herdada cresce mais rapidamente que a renda e o produto do país (como ocorreu na maior parte da história até o século XIX e volta a se repetir no século XXI). 

Ao longo dos últimos anos, diversas abordagens têm sido propostas para analisar o processo de formação da agenda. As origens desses estudos remontam, principalmente, aos trabalhos sobre opinião pública formulados por McCombs e Shaw (1972) e pesquisas que analisam o funcionamento das instituições políticas a partir de uma perspectiva inspirada no paradigma pluralista do Estado. Segundo este paradigma, a agenda seria basicamente função das disputas entre grupos organizados na sociedade. No entanto, ao longo da década de 1960, surgiram diversas críticas a essa perspectiva, dentre elas a formulada por Schattschneider (1960), que afirmava o poder fundamental do Estado como sendo derivado da sua capacidade de definir problemas, alternativas e conduzir as decisões. Seguindo a linha de pesquisa iniciada por Schattschneider, vários outros especialistas passaram a se dedicar ao estudo da dinâmica da ação governamental. O consenso entre estes analistas era que a compreensão da dinâmica das políticas públicas requer, necessariamente, o entendimento sobre as origens e a evolução dessas políticas na agenda pública.

Tomando o estudo de Schattschneider (1960) como ponto de partida para os trabalhos sobre formação da agenda, pode-se afirmar que, ao longo de quase meio século de existência, poucos temas de pesquisa suscitaram tanto interesse por parte dos especialistas na área de políticas públicas e opinião pública. Há que se considerar que o estudo do tema ampliou seu escopo e passou a envolver uma comunidade mais ampla de especialistas de diversas outras áreas, especialmente da sociologia, administração pública, psicologia social e antropologia, dentre outras. Mais recentemente, Takeshita (2005) propõe que houve uma certa diminuição no número de publicações sobre o tema, ao mesmo tempo em que, ao avaliar o estado da arte, preconiza a existência de um amplo espaço para novas pesquisas e uma séria de questões importantes que ainda desafiam os analistas.

Kosicki (1993) propõe existirem três abordagens distintas, mas complementares, sobre formação de agenda: (i) os trabalhos que priorizam a análise da formação da opinião pública e que estão associados à contribuição seminal de McCombs e Shaw (1972); (ii) os trabalhos que examinam a formação da agenda de políticas públicas e que têm sido desenvolvidos especialmente por especialistas nas áreas de ciência política e administração pública (KINGDON, 1995; BAUMGARTNER E JONES, 1991); (iii) os trabalhos sobre os fatores que influenciam a formação da agenda dos meios de comunicação em massa.

Conforme observa Rogers (1993) os estudos sobre a formação da agenda da opinião pública elegem como variável dependente a importância que determinados temas assumem para o público em geral e buscam encontrar explicações que justifiquem as variações nesse grau de importância. Essa abordagem possui algumas variantes, sendo que, em um primeiro momento, o foco foi na influência da mídia na seleção dos temas que afetam a opinião pública e, posteriormente, passa a ser os chamados efeitos de segundo nível, ou seja, a influência da mídia não só na seleção, mas também na interpretação dos temas que preocupam a opinião pública (TAKESHITA, 2005).

Já os estudos que examinam a agenda de políticas públicas, focalizam a variação na importância de determinados temas na agenda dos tomadores de decisão, especialmente os membros do Executivo e do Legislativo. Por outro lado, os estudos sobre os meios de comunicação em massa, examinam os fatores que influenciam as decisões da mídia sobre os temas que pautarão a cobertura realizada no dia a dia.

Cobb, Ross e Ross definem a formação da agenda governamental como o “processo pelo qual as demandas de vários grupos na população são transformadas em itens para os quais os agentes públicos prestam atenção seriamente” (1976, p. 126). Já Villanueva (2000) opta por uma definição ligeiramente distinta, afirmando que agenda governamental é aquilo que se constitui em objeto da ação estatal.

Deve-se considerar que a agenda governamental se relaciona, ou mesmo deriva da formação da agenda mais ampla de uma sociedade, que é definida por Birkland (2001) como o processo pelo qual problemas e alternativas de solução ganham ou perdem atenção do público e das elites. Esse mesmo autor explica que os grupos competem para formar a agenda porque nenhuma sociedade ou sistema político é capaz de processar e solucionar todos os problemas de uma sociedade ao mesmo tempo. Birkland (2001) conclui essa caracterização afirmando que a agenda pode ser algo bastante concreto, como a lista de projetos de lei a ser votado pelo Congresso, mas também pode ser uma série de crenças sobre a existência de um problema e as possíveis formas de resolvê-lo.

Stone (1989) propõe a existência de diferentes conjuntos de teorias sobre a formação da agenda. Um primeiro conjunto de abordagens, que segue a tradição de Schattschneider (1960) e Lowi (1972), enfatiza a importância da natureza dos problemas, especialmente se podem ser considerados urgentes ou rotineiros, novos ou recorrentes, com impactos de curto ou longo prazo e se têm impacto na economia ou na sociedade como um todo. Já autores como Cobb e Elder (1983) seguem parte dessa orientação e examinam como os assuntos são definidos e como os conflitos na formação da agenda se expandem e são, eventualmente, administrados. Segundo eles, a formação da agenda ocorreria na medida em que um tema passasse a despertar a atenção de uma audiência mais ampla ou mais atenta. Os autores denominam o público atento como aquele que é informado e capaz de influenciar as decisões sobre temas relevantes de políticas públicas. Para um determinado problema ser incorporado na agenda das políticas públicas ele dependeria de cinco características que afetariam diretamente a sua capacidade de despertar a atenção de um público mais amplo. São elas:

(i)         Grau de generalização – quanto mais geral for a definição de um problema, maior é a probabilidade de despertar a atenção de uma audiência mais ampla, pois todos sentem que são atingidos;

(ii)        Escopo da importância - quanto mais importante o tema é para a sociedade, maior é a probabilidade de atingir o público;

(iii)       Relevância temporal – quanto mais duradouro for o possível impacto do problema, maior será a audiência;

(iv)       Grau de complexidade – problemas mais simples e fáceis de serem compreendidos atingem uma audiência mais ampla;

(v)        Precedência categórica – problemas com precedentes similares atingirão mais rapidamente uma audiência mais ampla.

Para Cobb e Elder (1983) problemas que tivessem precedentes e um impacto de longo prazo, fossem definidos de forma simples, porém geral e tivessem grande significação social, teriam maior impacto na agenda governamental.

Os trabalhos iniciais de Baumgartner e Jones (1993) vão exatamente nessa direção ao realizar estudos sobre a evolução dos temas que compõem a agenda governamental durante longos períodos de tempo. Ao contrário da posição incrementalista tradicional, Baumgartner e Jones preconizam a existência de períodos de equilíbrio interrompidos por rupturas, ou equilíbrio pontilhado, nas agendas governamentais, que estariam associados ao processo de formação e definição da imagem das políticas públicas e à natureza das instituições governamentais. Assim, haveria uma tendência geral de equilíbrio das políticas públicas, com alterações incrementais na sua forma, porém em determinados momentos ocorreriam alterações mais significativas em um período relativamente curto.

A teoria proposta por Kingdon (2003) considera a política pública como um ciclo. No entanto, diferentemente das abordagens anteriores, dada as contingências políticas, o ciclo da política pública não é linear, pelo contrário, é complexo, o que implica sinuosidade. Assim, a teoria da formação de agenda preocupa-se em saber como o governo toma decisão sobre determinada política pública em um ambiente político plural e sob a influência e a pressão de grupos diversos. A questão geral que a teoria da agenda setting busca responder é a seguinte: como determinado tema torna-se relevante para o governo?

Kingdon (2003) diferencia três tipos de agenda, constituindo uma tipologiapara análise de casos concretos. São elas: a não-governamental (ou sistêmica), a governamental e a de decisão. A agenda não-governamental contém os temas, assuntos e questões que são reconhecidos pelo público e atores, sem, no entanto, receber atenção do Poder Público. A governamental é o espaço onde os temas públicos considerados relevantes são tratados e recebem, em certa medida, atenção dos formuladores de políticas públicas. Porém, como muitos temas emergem simultaneamente e são complexos, somente alguns problemas se destacam em algum momento. Estes problemas constituem a agenda de decisão, isto é, onde os problemas elencados receberão atenção, recurso, tempo e ação dos gestores públicos5. É na agenda de decisão que se efetiva a formulação e implementação de políticas públicas. Nas palavras de Kingdon: “a agenda de decisão, como eu a concebo, é a lista de temas ou problemas que são alvo em dado momento de séria atenção tanto da parte das autoridades governamentais como de pessoas fora do governo, mas estritamente associadas às autoridades” (KINDGON: 2006 p.222).

O processo de estabelecimento da agenda governamental filtra um conjunto de temas que poderiam de alguma forma disputar a atenção governamental. As grandes perguntas que Kingdon realiza são: por que alguns assuntos são priorizados nas agendas enquanto outros são negligenciados? Por que algumas alternativas recebem mais atenção do que outras? Segundo o autor, algumas respostas para essas perguntas estão no papel desempenhado pelos participantes, que segundo ele são quem influencia o estabelecimento das agendas e as especificações das alternativas.

Kingdon afirma que há uma diferença entre uma situação e um problema. Vivenciamos constantemente diversas situações que nos incomodam e que, no entanto, não ocupam espaços de atenção e não estão nas agendas governamentais. Tais situações passam a serem consideradas como problemas quando as pessoas ou atores sociais acreditam que devem se mobilizar para mudar tal situação. Segundo Kingdon há três motivos que podem levar uma situação a tornar-se um problema: (I) situações que questionam valores importantes são transformadas em problemas; (II) situações tornam-se problemas comparados com outros países ou com outras unidades relevantes; e (III) classificação de uma situação em certa categoria ao invés de outra.

A transformação de situação em problema é o primeiro passo para o reconhecimento das autoridades de que o mesmo existe. Nessa lógica as chances de uma determinada proposta ou tema ganhar destaque em uma agenda são bem maiores se elas estiverem associadas a um problema importante (Kingdon, 2006). Após o problema ser reconhecido e definido como importante/urgente algumas alternativas/soluções ganham força enquanto outras desaparecem. Os empreendedores políticos (policy entrepreneurs) são pessoas que investem seu tempo, recursos para convencer as autoridades públicas sobre a existência de problemas, além de apresentarem um conjunto de soluções para os mesmos.

O fluxo das soluções surge de forma desordenada, sem manter uma linearidade, ou seja, as ideias surgem de formas desarticuladas e desorganizadas, muitas vezes chocando-se umas com as outras, gerando novas ideias e formando combinações e recombinações. Kingdon (2003) afirma que é muito difícil afirmar a origem exata da ideia de determinada política pública, pois a dinâmica é formada por diversos meandros, recombinando diversas influências e ideias em diferentes arenas. Contudo, no meio do caos inicia um processo para impor uma racionalidade na dinâmica. Isto ocorre por meio da imposição de critérios, tais como “viabilidade técnica, congruência com os valores dos membros da comunidade de especialistas na área, antecipação de possíveis restrições, incluindo orçamentárias, aceitabilidade do público e receptividade dos políticos” (KINGDON, 2006, p.232). As propostas que não atendem a estes critérios – valores da comunidade de especialistas, custos orçamentários excessivos que despertam a oposição do público geral ou especializado ou que não encontram eco e receptividade nos políticos eleitos – são consideradas inviáveis para serem propostas como política pública. Nesse fluxo a comunidade formada por especialistas constitui um espaço importante. A avaliação das propostas precisa levar em consideração o apoio político ou a oposição, porém, por outro lado, precisa estar fundamentada em critérios lógicos e analíticos.

Há, segundo Kingdon, um longo processo de “amaciamento” das propostas pelo sistema. Os empreendedores políticos promovem diferentes formas de promoção das soluções que julgam as mais adequadas em diversos fóruns. A articulação e reelaboração (junção de elementos já conhecidos entre os especialistas) são mais importantes que o surgimento de novas ideias. Dessa forma, os empreendedores políticos que investem em pessoas e ideias tornam-se mais importantes do que as pessoas que formulam as políticas. Muitas vezes a recombinação de ideias e propostas é mais importante do que propriamente uma ideia nova, por conta disso os empreendedores que são capazes de articular pessoas e ideias são chaves. Esse longo processo de “amaciamento” é um dos fatores determinantes para que uma política se efetive na agenda governamental.

Outra linha para explicar o alto ou baixo grau de importância de um determinado tema na agenda está no fluxo da política. Os eventos políticos têm sua dinâmica própria, independente do reconhecimento de um determinado problema. A eleição pode promover a mudança de governo e, com isso, mudar as configurações partidárias tanto no Executivo quanto no Legislativo. A entrada de um novo grupo no governo abre novas possibilidades de agendas e de acesso de novos grupos de interesse ao novo governo.

Kingdon (2003) cita três elementos que compõem esse fluxo. O primeiro refere-se ao que ele chama de “humor nacional” (national moodino), isto é, um momento em que uma ideia é aceita por todos, possibilitando o desenvolvimento da política pública. O segundo elemento é composto pelas forças políticas organizadas, sobretudo pelos grupos de pressão. Quando há consenso entre todos os grupos de uma temática a respeito de uma política, não há dificuldade em implementá-la. Se houver grande oposição e resistência, ou ela não será implementada ou seu custo será alto politicamente. Já o terceiro elemento são mudanças dentro do próprio governo: pessoas localizadas em posições estratégicas no governo; mudanças de gestão; mudanças na composição do Congresso; e mudanças de órgãos e de empresas públicas (CAPELLA, 2005). A mudança de quadros técnicos introduz novos itens na agenda e bloqueia ou mesmo elimina temas na agenda. Segundo Kingdon, o início de um novo governo é o momento mais propício para mudanças na agenda.

John Kingdon afirma que há dois tipos de participantes no estabelecimento de uma agenda: os “visíveis” e os “invisíveis”. Os participantes “visíveis” são aqueles que recebem atenção do público através da exposição na imprensa, inclui o Presidente e seus assessores do alto escalão, membros do Congresso nacional, mídia, partidos políticos e comitês de campanha. O grupo de participantes “invisíveis” inclui acadêmicos, burocratas de carreira, e funcionários do Congresso. Para Kingdon, os grupos visíveis têm o poder para definir as agendas enquanto que os atores invisíveis conseguem ter maior influência na proposição de alternativas.

Outro tema abordado dentro da agenda é como ocorre a especificação das alternativas. Há duas respostas possíveis: (I) as alternativas de soluções são geradas na dinâmica de debates e discussões de políticas públicas; (II) o envolvimento dos participantes invisíveis, que são especialistas em áreas temáticas de políticas públicas.

Os participantes invisíveis, ou os chamados especialistas, são os que maior peso têm na formulação de alternativas, propostas e soluções. Este grupo é composto por acadêmicos, funcionários de carreira do Executivo ou do Legislativo, pesquisadores, consultores. Segundo Kingdon, a tarefa destes participantes é pensar no desenho das propostas, sua viabilidade técnica e orçamentária junto à burocracia dos governos.

Os eventos políticos ou a dinâmica política seguem uma dinâmica própria: eleições, disputas e acordos entre os partidos políticos. O fluxo das propostas de políticas públicas também é desenvolvido por dinâmicas próprias, com critérios de seleção e formulação independente do cenário político existente ou da força do problema. E, por sua vez, o fluxo dos problemas existe em função do reconhecimento de uma situação social como algo que deva merecer atenção das autoridades. Quando ocorre a junção dos três fluxos – políticas públicas, problemas e política – ocorre a conexão para abertura da “janela de oportunidades”.

As agendas governamentais são listas de temas que são alvo de séria atenção por parte de funcionários do governo (KINGDON, 2006) e podem ser estabelecidas por atores “visíveis”, tais como os políticos, funcionários do alto escalão do governo. Portanto, a probabilidade de um tema entrar na agenda governamental aumenta significativamente se os três elementos – problemas, propostas de políticas públicas e política – estiverem conectados.

Em certo momento os três fluxos convergem e é neste exato momento que ocorrem as mudanças na agenda de decisão, quando novos temas entram transformando-se em política pública. Assim, a formação da agenda decisional é resultado da convergência entre os três fluxos: problemas (problems); soluções (policies); e política (politics).

As janelas abertas constituem oportunidades para que os defensores de determinado assunto ofereçam soluções, como por exemplo, os atingidos por uma situação a apresente como problema a ser inserido na agenda governamental. As janelas são abertas por eventos que acontecem em dois fluxos: problemas e política. Há, portanto, janelas de problemas e janelas na política. Quando um novo problema surge abre-se a oportunidade de se propor uma determinada solução para ele. Quando ocorre mudança no fluxo da política, tais como a eleição de novos políticos, a mudança no clima político-nacional, a formação de poderosos lobbies, entre outros fatores.

Os empreendedores políticos (policy entrepreneurs) são figuras chaves no ingresso de um tema na agenda. Segundo Kingdon, são pessoas dispostas a investir recursos financeiros e tempo para promover políticas públicas que solucionem os problemas. Segundo o autor, é possível encontrá-los em três conjunturas: (I) quando se esforçam em colocar suas preocupações de certos problemas na agenda governamental; (II) quando promovem suas principais propostas; e (III) quando fazem articulação entre diferentes atores para que uma determinada solução para um problema seja colocada na agenda.

Em certas ocasiões estes três fluxos – problemas, soluções e dinâmica política – são reunidos gerando a janela de oportunidade. Nestas ocasiões, um problema é reconhecido como tal, uma solução está disponível e as condições políticas são favoráveis.

Em contraste com outras abordagens, a ênfase, aqui, afasta-se do universo descontextualizado em que se expressa a opinião pública ou as representações sociais de grupos e recai sobre um contexto de conflito, em que determinados setores da sociedade veiculam compreensões distintas de um determinado assunto público. É no âmbito destas interações contextualizadas, conduzidas em arenas específicas (HILGARTNER; BOSK, 1988), que ocorrem os processos de gestação, sedimentação e circulação das versões direcionadas para a disputa em torno da definição de um determinado assunto público.

 

Referências Bibliográficas

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Data da conclusão/última revisão: 28/4/2018

 

Como citar o texto:

SILVA, Romulo Pinheiro Bezerra da, SOUZA, Marcelo Batista de..Díade social contraditória e a política pública. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 29, nº 1527. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direitos-humanos/4027/diade-social-contraditoria-politica-publica. Acesso em 4 mai. 2018.

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