A reforma do Poder Judiciário há muito discutida tem tomado corpo desde a publicação de leis que otimizaram o procedimento civil em 1990 (Lei n.º 8.038, de 25-5-1990), na criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbitos das Justiças Estaduais (1995) e Federal (2002), bem como nas inovações da sistemática recursal (2001), entre outras (2002/2004).

Não se diga, entretanto, que a alegada "crise do Poder Judiciário" é recente. Com enfoque na parte recursal, por exemplo, dos 72 artigos existentes no Título X do Código de Processo Civil, apenas 29 - se minhas contas estiverem corretas - conservam o teor original e alguns artigos foram atingidos, mais de uma vez, por sucessivas reformas existentes desde 1990.

Vem agora, após diversas discussões desde 2000 (Proposta de Emenda à CF n° 29/2000 - PEC 29), a Emenda Constitucional n° 45/2004 - EC 45/2004, que trouxe em seu texto mais inovações na parte recursal e instituiu no texto constitucional o § 3º do artigo 102, que assim registra: "No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros."

 

O então Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Paulo Costa Leite, à época do início das discussões travadas em torno da PEC 29, afirmava que o principal problema a ser ultrapassado pelo Poder Judiciário é o número elevado de recursos existentes no processo e na própria PEC 29 constava a inclusão da "repercussão geral" como requisito de admissibilidade até mesmo do recurso especial(1) .

Tal idéia restou mantida ao longo de todo o processo legislativo que culminou na EC 45/2004 e, como se nota, a maioria das propostas visa à contenção dos inúmeros recursos que o jurisdicionado utiliza para fazer valer sua pretensão em juízo. Impende frisar, neste ponto, que, no âmbito da Justiça Federal, a grande quantidade de questões que chegam a julgamento em grau de recurso são levadas pelos próprios entes federados, não podendo os advogados ser tachados, nesse sentido, de proteladores ou algo que o valha.

Como se vê, a alegada "crise do Poder Judiciário" é reconhecida como uma crise do sistema recursal e, agora, com a publicação da EC 45/2004, surge a "repercussão geral" como mecanismo de contenção recursal e requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, nos termos da lei.

Fácil antever que a figura da "repercussão geral" constituirá instrumento obstaculizador do contraste da questão constitucional debatida, na tentativa de fazer com que o Supremo Tribunal Federal, muito embora não o seja de fato, se assemelhe ainda mais à Suprema Corte americana.

Importante ainda cuidar para que esta "repercussão geral" não venha a se tornar mero eufemismo para a malfadada argüição de relevância utilizada no Supremo Tribunal Federal no período compreendido entre os anos de 1977 e 1988. É inconveniente tremendo instituir requisito de admissibilidade de seja qual recurso for com a utilização da técnica legislativa dos conceitos juridicamente indeterminados.

É curioso ainda observar que o novo texto constitucional (art. 102, § 3º, CF) registra que o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, o que dá a entender que esta norma é de eficácia limitada, o que também gera insegurança jurídica aos jurisdicionados, uma vez que sequer estarão cientes de quais de fato serão os requisitos de admissibilidade de seus recursos para se debater eventual questão constitucional que lhes é importante.

Diante disso, torna-se um contra-senso a existência de tal requisito constitucional para o recurso extraordinário no Estado Democrático de Direito, muito embora não se negue a necessidade do surgimento de novas propostas para se garantir a eficiência e a eficácia das decisões emanadas da cúpula do Poder Judiciário, como o aumento do número de seus Ministros, por exemplo.

Notas:

(1) Assim era registrado na PEC 29, como proposta de alteração do artigo 105, III, da CF: No recurso especial, o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões federais discutidas no caso, a fim de que o Tribunal, pelas Turmas, examine a admissão do recurso, que somente poderá ser recusada pelo voto de dois terços dos membros da Turma.

.

 

Como citar o texto:

ABREU, Frederico do Valle.Repercussão geral. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 109. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/445/repercussao-geral. Acesso em 12 jan. 2005.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.