INTRODUÇÃO

            O presente resumo tem por finalidade analisar a possível lacuna no termo “mulher” empregado na Lei nº 11.340/2006, trazendo conceitos de mulher nos dias atuais no direito brasileiro. Analisar-se-á também, o marco inicial do reconhecimento, no mundo do direito, das uniões das famílias homoafetivas masculinas, fazendo que a partir desse momento, fossem reconhecidos direitos inerentes às famílias destes, a proteção dessas pessoas e a necessidade do reconhecimento desses direitos para que haja efetivamente a garantia constitucional da dignidade da pessoa humana.

            Ainda, tratar-se-á da importância e relevância do tema para o direito, trazendo questões inerentes ao direito de homossexuais serem assistidos e protegidos pela Lei Maria da Penha pelo fato que, em seu artigo segundo, dispor que “toda mulher, independente de classe, raça, etnia, orientação sexual...” (BRASIL, 2006) gozará das atribuições asseguradas na Lei Maria da Penha para preservar sua saúde mental e tendo o direito de viver sem violência. Levando ainda, em consideração princípios criados para a proteção desses cidadãos que ainda são hipossuficientes e vulneráveis no bojo da sociedade, tanto pelo do pré-conceito relacionado aos seus direitos quanto pelo atraso da sociedade e do direito em reconhecer que todas as pessoas, independente de orientação sexual, são sujeitos de direitos e merecem toda a proteção do Estado, pois assim como um dos objetivos fundamentais da Carta Magna é a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, deve o Estado, como Estado Democrático de Direito, promover a igualdade de direitos entre essas pessoas que, infelizmente, somente há poucos anos vieram a começar a ter direitos regulados, inerentes a sua sexualidade.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Como material e métodos empregados para a construção do presente resumo expandido, consistirá em revisão literária em doutrinas sobre a temática apresentada, bem como, declarações que tratem sobre a temática apresentada e que dissertem sobre o assunto principal do tema em questão.

 

DESENVOLVIMENTO

            A grande importância do tema deve ter considerações pelo fato de que a violência doméstica, nos dias de hoje, não deve ser encarada somente nas relações heterossexuais, pois interferem diretamente na vida dos cidadãos que devem ser abarcados por tal lei, interferindo nos seus comportamentos sociais, pode-se fazer a seguinte pergunta: “Qual o conceito e quem será considerado e, desse modo, será respaldado pela Lei Maria da Penha?”

            Logo em seu primeiro artigo, a Lei Maria da Penha traz o texto “Esta lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher...” (BRASIL, 2006). Todavia, é sabido que, a Lei nº 11.340/2006 não traz em seu bojo a definição exata do conceito de mulher que será abarcada pela violência doméstica, e não deve-se afirmar que se trata da mulher dita, biológica, pois seria de grande retrocesso para a sociedade e também para as pessoas consideradas mulheres sociológicas, que nascem com o sexo oposto, contudo, não se enxergam de modo algum, como homens biológicos. Nesse diapasão, Bianchini explica que:

A vedação constitucional de qualquer discriminação e mesmo a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República, insculpido no art. 1º, III, da Carta Política, obrigam que se reconheça a união homoafetiva como fenômeno social, merecedor não só́ de respeito como de proteção efetiva com os instrumentos contidos na legislação. (BIANCHINI, 2016, p. 61)

            Maluf pontifica que o direito das comunidades que escudam os direitos dos homossexuais ainda é exposto por grande preconceito, atraso e recusa da sociedade, que não aceita as escolhas e opções sexuais daqueles indivíduos, nesse ponto, instrui Maluf que:

A vulnerabilidade dos direitos humanos das comunidades GLBTT é explicável pelo preconceito, pela desinformação e pela negação de visibilidade social dessas pessoas, que vem respaldar as práticas homofóbicas em razão da opção sexual e identidade de gênero do indivíduo. (MALUF, 2010, p. 85)

            No Direito Brasileiro, a entidade familiar ainda era somente reconhecida como sendo o homem e a mulher, todavia, com a Resolução 175 de 14 de maio de 2013 do Conselho Nacional de Justiça foi possível que se celebrasse o casamento civil ou reconhecimento de união estável de pessoas do mesmo sexo, fazendo assim, valer o direito sobre a dignidade da pessoa humana, elencado no inciso terceiro, artigo primeiro da Carta Magna, para essas pessoas. Ainda, nesse sentido, a Constituição Federal define, em seu artigo 226, caput, o conceito de família sendo a “base da sociedade, gozando de proteção do Estado” (BRASIL, 1988) e, ainda, a Declaração Universal de Direitos do Homem, dispõe, no artigo dezesseis, inciso terceiro que “a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).

            É de grande valia recordar que fora a partir da Resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça o marco inicial do direito não somente do casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas também, de direitos que lhe eram contestados, como, por exemplo, direitos relacionados à previdência social, que, antes disso, no mundo do direito, não eram nem sequer conhecidos. Atualmente, a família deixou de ser considerada somente com a base sendo concatenada pela figura do homem e da mulher, existindo, hoje em dia, diversos conceitos e tipos de famílias diferentes. E exatamente como pontua Carvalho:

O conceito moderno de família é a comunidade formada pelo afeto de seus membros, parentes ou não, que reciprocamente se enxergam e se consideram como entes familiares, independentemente da opção sexual. (CARVALHO, 2017, p. 47)

            Lamentavelmente, como leciona Sá (2013, p. 2.340), o transexual ainda toca na noção de transexualismo, “o que identifica essa realidade de gênero como patologia” que é enquadrada ainda pelo Código Internacional de Doenças pelo CID 10, F64, que descreve em seu conceito que a transexualismo é um transtorno de identidade sexual, ou seja, o transexualismo ainda é visto como uma patologia. Nesse entendimento, Sá explica que:

A patologização do transexualismo, assim, acabou se revelando como um consolo para a sociedade, um meio de abrir espaço à aceitação do diferente, não pela natureza humana ali contida, mas em decorrência da existência da ‘patologia’. (SÁ, 2013, p. 2.344)

Importante mencionar ainda que princípios aplicados internacionalmente, exemplo disso, o Principio de Yogyakarta, que toca diretamente sobre os direitos relacionados à orientação sexual e identidade do gênero traz diversos princípios fundamentais para esses, sendo alguns deles o direito ao reconhecimento perante a lei; o direito a vida; e o direito a construir uma família, o que deveria ser primordial e não teria necessidade de estar disposto para que houvesse eficácia, infelizmente, por motivos de atrasos sociais, há necessidade de estar positivado para que produza efeitos.

            É de conhecimento público que não há, no Brasil, legislação específica para casos, tratando de violência doméstica, em que o homem venha a ser a vítima e por esse motivo, a Lei Maria da Penha já vem sendo usada, em alguns casos, como analogia, tanto quando a vítima sofre violência por membros de sua família ou até mesmo de seus parceiros, tendo como justificativa dos magistrados que utilizam tal legislação que o parágrafo único da Lei Maria da Penha, que dispõe que “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”. Maria Helena Diniz ensina que:

Lésbicas, transexuais, travestis e transgêneros, quem tenham identidade social com o sexo feminino estão ao abrigo da Lei Maria da Penha. A agressão contra elas no âmbito familiar constitui violência doméstica. Ainda que parte da doutrina encontre dificuldade em conceder-lhes o abrigo da Lei, descabe deixar à margem da proteção legal aqueles que se reconhecem como mulher. Felizmente, assim já vem entendendo a jurisprudência (DINIZ, 2010 apud MINUZZI, 2014, s.p).

            Nos dias de hoje, a família deixa de ser lecionada tendo como base o homem e a mulher, sendo esta, ainda, inferior à figura masculina, passando a se estender com um leque de possibilidades e conceitos diversos, e nesse sentido, não há que se continuar afirmando que uma pessoa que não se enquadre em certo padrão imposto pela sociedade, que , infelizmente, ainda é muito machista, tenha direitos vedados ou que tenha menos direitos por suas opções sexuais, pontuando que a sexualidade de cada cidadão só diz respeito a ele, sendo que ninguém, em nenhuma hipóteses tenha o direito de pensar que por ser “mais homem” ou “mais mulher” que certas pessoas, devam ter mais direitos que esses.

            Nesse sentido, é de extrema importância que os magistrados não usem como ponto de partida, no momento em que se deparam com um caso de violência domestica que tenha como vitima um homem, sendo este, homossexual, ou as transexuais, travestis ou seja lá como estes venham a se definir, seus pré-conceitos, e analisem de forma que traga segurança jurídica para aqueles que sofrem com a violência doméstica, e que necessitam ser abarcados e respaldados pela Lei Maria da Penha, pois a própria legislação específica nos induz a interpretar que toda mulher, gozará de proteção da lei,  sem levar em consideração sua opção sexual.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É fato que, de acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil, todos são iguais perante a lei, sem que deva haver distinção entre elas. Todavia, verifica-se que até pouco tempo atrás não havia que se falar em diversos direitos às pessoas que se comportavam de maneira “diferente” da maioria dos casais heterossexuais, mas graças a alguma evolução sobre o direito dos homossexuais de formarem família, levando em consideração o direito à felicidade, fazendo-se presente junto ao principio da dignidade da pessoa humana, ainda, de acordo com os princípios de Yogyakarta que trata sobre os direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero do cidadão e levando em consideração a Declaração de Pequim de 2005 que dispõe seu objetivo sendo como “prevenir e eliminar todas as formas de violência contra mulheres e meninas; e promover e proteger todos os direitos humanos das mulheres e das meninas” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2005).

            Pode-se concluir que quando for comprovada a relação de afeto entre vítima e agressor, deverá ser aplicada a Lei Maria da Penha, tanto pelo advento da Resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça, quanto pelos diversos doutrinadores que trazem a tona essa realidade existente no ordenamento jurídico brasileiro, devendo-se usar analogicamente a Lei Maria da Penha, nos casos em que a vítima sejam homossexuais e transexuais, ou apenas se identifiquem como mulheres sociológicas. Porém, no que diz respeito a utilização da referida lei, há o Supremo Tribunal Federal se posicionar de forma que os magistrados de primeira e segunda instância não venham acabar trazendo, ao invés de segurança para essas vítimas, insegurança por dependerem que, para se efetivar a sua tutela de proteção contra o agressor, dependam da visão em que o juiz ira definir se o caso concreto será possível, ao seu viés, a utilização da Lei nº 11.340 de 2006.

 

REFERÊNCIAS

BIANCHINI, A. Lei Maria da Penha: Lei n. 11.340/2006: aspectos assistenciais, protetivos e criminais da violência de gênero. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em 26 abr. 2018.

___________. Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 26 abr. 2018.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução 175, de 14 de maio de 2013. Dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo.

CARVALHO, D. M. Direito das Famílias. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2017

DINIZ, M. H. Liberdade Sexual e os Direito Humanos. Disponível em . Acesso em 26 abr. 2018.

MALUF, A.C.R.F.D Novas modalidades de família na pós-modernidade. São Paulo: Atlas, 2010

MUNIZZI, M.C. A aplicação da Lei Maria da Penha às vítimas do sexo masculino e às relações homoafetivas. In: Revista Jus Navigandi, Teresina, 2014. Disponível em: . Acesso em: 26 abr. 2018.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração de Pequim, de 15 de setembro de 1995. Disponível em < http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-externa/DecPequimquartconfmulh.html>. Acesso em: 13 mai. 2018.

___________. Princípios de Yogyakarta, de 09 de novembro de 2006. Disponível em: . Acesso em: 13 mai. 2018.

SÁ, I. R. Transexualidade e o Direito Fundamental à Identidade de Gênero. In: RIDB, a. 2, n. 3, 2013, p. 2.337-2368. Disponível em < https://www.cidp.pt/publicacoes/revistas/ridb/2013/03/2013_03_02337_02364.pdf>. Acesso em 13 mai. 2018.

Data da conclusão/última revisão: 20/5/2018

 

Como citar o texto:

COSTA, Brenda Fernandes Vantil; RANGEL, Tauã Lima Verdan..A violência doméstica nas uniões homoafetivas masculinas. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 29, nº 1531. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/4069/a-violencia-domestica-nas-unioes-homoafetivas-masculinas. Acesso em 23 mai. 2018.

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