INTRODUÇÃO

Em seu artigo 39, o Código Penal Brasileiro, dispõe que as penas devem ser fundamentais e capazes à prevenção e reprovação do crime, ou seja, que a pena imposta valha como uma solução justa entre o mal praticado, a ação praticada pelo agente e a prevenção de futuros delitos penais, porém, sem que sejam ofendidos os direitos de personalidade e a dignidade humana do condenado. O presente trabalho analisará as funções das penas existentes no ordenamento jurídico brasileiro, assim como suas teorias. Um estudo doutrinário acerca das teorias da pena, somente de modo jurídico, para ao fim chegar a uma conclusão quanto à verdadeira finalidade das penas, no que tange a teoria aplicada no ordenamento jurídico.

  Com o desenvolvimento da pena, criaram-se teorias que procuraram explicar ou somente compreender a função da pena frente às formas de comportamentos sociais de cada época e da organização do Estado, seus fins e características, e, sobretudo, a pessoa do condenado como sujeito passivo da atuação dela. Num primeiro instante, a pena foi tida como uma forma de compensar ao condenado o mal por ele praticado, em consequência da infração cometida. Logo após, a natureza preventivo da pena foi ressaltada e, em dado momento, nasceram as teorias mistas que procuravam conciliar as teorias absolutas e as relativas.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Como material e métodos utilizados para o desenvolvimento do presente resumo expandido, consistirá em revisão bibliográfica em doutrinas sobre a temática apresentada, bem como, artigos que tratem sobre a temática apresentada e que dissertem sobre o assunto principal do tema em questão.

 

DESENVOLVIMENTO

Considerada uma das mais ágeis reações do Direito, a pena representa a forma mais severa de administração da convivência pacífica dos cidadãos, mas é ao mesmo tempo, o mecanismo que os deixa menos livres.

De acordo com Rogério Greco (2015), o Código Penal, mais precisamente em seu artigo 59, dispõe que as penas devem ser suficientes para a reprovação e prevenção do delito. Sendo assim, em conformidade com nossa legislação penal, observamos que a pena tem o papel de reprovar o mal provocado pela ação do infrator, bem como prevenir que novas violações a lei venham a ser praticadas. Damásio de Jesus é imperioso ao dizer,

Pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos. Apresenta a característica de retribuição, de ameaça de um mal contra o autor de uma infração penal. (JESUS, 2014, p.563).

Em sede complemento, Rogério Greco, aponta,

A pena é a consequência natural imposta pelo Estado quando alguém pratica uma infração penal. Quando o agente comete um fato típico, ilícito e culpável, abre-se a possibilidade para o Estado de fazer valer o seu ius puniendi. (GRECO, 2015, p. 533).

A pena é tida como a mais importante das consequências jurídicas do delito, por consistir na privação ou restrições de bens jurídicos, com lastro na lei, imposta pelos órgãos jurisdicionais competentes ao agente de uma infração penal (PRADO, 2009, p.488 apud LOPES, et all, s.d, p.5). Existem inúmeras teorias que tentam explicar seu fim e fundamento específico, sendo estas separadas em grupos, quais são eles: absolutas ou retributivas e relativas ou preventivas.

As teorias tidas como absolutas advogam a tese da retribuição, ao passo que as teorias relativas apregoam a prevenção. Na reprovação, segundo a teoria absoluta, reside o caráter retributivo da pena. De acordo com Moraes, a teoria absoluta foi desenvolvida na idade média, época esta em que a política e a teologia eram estreitamente ligadas pelo centro do Direito Divino, no qual a soberania se confundia com Estado, já que concedidos por Deus. Neste cenário aquele que praticasse alguma conduta imoral ou algum pecado, que contrariasse a igreja ou o Estado, na figura do soberano, era castigado. (MORAES, 2013, s.p).

Neste sentido, Cézar Roberto Bittencourt explica que, “segundo este esquema retribucionista, é atribuída à pena, exclusivamente, a difícil incumbência de realizar Justiça. A pena tem como fim fazer justiça, nada mais”. (BITTENCOURT, 2000, p.68 apud MORAES, s.d, s.p). Desta forma, podemos observar que a pena seria um mal imposto necessário, frente a seus atos negativos que lesavam a sociedade e a integridade do Estado. Ainda no cenário retributivo, Gilberto Ferreira explica que,

A pena é justa em si e sua aplicação se dá sem qualquer preocupação quanto a sua utilidade. Ocorrendo o crime, ocorrerá a pena, inexoravelmente. O importante é retribuir com o mal, o mal praticado. (FERREIRA, 2000, p.25).

Para as teorias absolutas, também chamadas retributivas, a pena é um meio de revide ao infrator pela ação ilícita praticada. Nesta teoria o que se vislumbra é a punição do infrator, lhe causando um prejuízo, resultado de sua má conduta, uma forma do condenado entender que está sendo penalizado em razão de ter violado as normas jurídicas. Na precisa lição de Roxin,

A teoria da retribuição não encontra o sentido da pena na perspectiva de algum fim socialmente útil, senão em que mediante a imposição de um mal merecidamente se retribui, equilibra e expia a culpabilidade do autor pelo fato cometido. Se fala aqui de uma teoria ‘absoluta’ porque para ela o fim da pena é independentemente, ‘desvinculado’ de seu efeito social. A concepção da pena como retribuição compensatória realmente já é conhecida desde a antiguidade e permanece viva na consciência dos profanos com certa naturalidade: a pena deve ser justa e isso pressupõe que se corresponda em sua duração e intensidade com a gravidade do delito, que o compense. (ROXIN, s.d, p. 81-82 apud GRECO, 2015, p. 537).

Os principais defensores desta ideia foram Immanuel Kant e G.F Hengel, segundo os quais tal teoria trazia consigo em seus pilares uma influencia filosófica de base ética e moral. Existe crítica a respeito da teoria absoluta no sentido de que a pena para esta teoria, é apenas uma punição, servindo como revide a má conduta praticada pelo delinquente em forma de castigo, pagar o mal feito com outro mal (a pena), o que não apresenta nenhuma utilidade à sociedade. Esta teoria, ao invés de fundamentar a pena, presume sua necessidade.

Luiz Regis Prado aponta com maestria, que nos dias atuais, a visão de retribuição trazida pela teoria absoluta, já não encontra amparo, isto porque,

Na atualidade, a ideia de retribuição jurídica significa que a pena deve ser proporcional ao injusto culpável, de acordo com o princípio de justiça distributiva. Logo, essa concepção moderna não corresponde a um sentimento de vingança social, mas antes equivale a um princípio limitativo, segundo o qual o delito perpetrado deve operar como fundamento e limite da pena, que deve ser proporcional à magnitude do injusto e da culpabilidade. (PRADO, 2006, p.526 e 527).

Por sua vez, a teoria relativa ou preventiva possui um caráter diferente da anterior. Esta tem por fim a prevenção de novos delitos, ou seja, busca impedir a realização de novas ações criminosas. Assim, a pena era tida como um apto instrumento à prevenção de possíveis delitos, pois, possuía um claro caráter utilitário de prevenção. A teoria relativa ou preventiva não se refere à pena como meio de retribuir ao infrator o mal por ele causado à sociedade, mas confere à pena um caráter preventivo à prática do delito. A questão preventiva tem como objetivo impedir ao máximo possível à ocorrência de novas ações ilícitas. A punição era vista como meio de defesa da sociedade e segurança.

Tal teoria opera-se de duas formas, a prevenção geral, que tem por natureza a intimidação da sociedade para não praticar um ato ilícito, e prevenção especial, que tem como objeto o próprio infrator. Na lição de Damásio de Jesus, “na prevenção geral o fim intimidativo da pena dirige-se a todos os destinatários da norma penal, visando a impedir que os membros da sociedade pratiquem crimes”. (JESUS, 2014, p.563).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A pena é tratada como uma coação psicológica, pois ameaça o indivíduo que se recusa a observar e obedecer às normas jurídicas, motivando-os assim a não praticar ilícitos penais. Frente a isto, Moraes (2013, s.p) explica que, esta teoria geral é subdividida em positiva, na qual a pena nada mais é do que uma forma de se produzir valores éticos e morais diante da sociedade e do indivíduo que não praticou a má conduta, e negativa, que busca a intimidação daqueles que não praticaram a conduta ilícita, para que não se sintam instigados ou motivados à pratica do crime. Nas palavras de Rogério Greco, na prevenção geral negativa,

A pena aplicada ao autor da infração penal tende a refletir na sociedade, evitando-se, assim, que as demais pessoas, que se encontram com os olhos voltados na condenação de um de seus pares, reflitam antes de praticar qualquer infração penal. (GRECO, 2015, p.537-538).

Sendo assim, nessa vertente doutrinária, a pena é imposta pelo medo, ou seja, ela deve possuir capacidade de amedrontar as pessoas da sociedade, para que aquele ilícito penal não seja reproduzido. Existe, do mesmo modo, outra vertente da prevenção geral tida como positiva. Paulo de Souza Queiroz preleciona que,

A pena presta-se não à prevenção negativa de delitos, demovendo aqueles que já tenham incorrido na prática de delito; seu propósito vai, além disso: infundir, na consciência geral, a necessidade de respeito a determinados valores, exercitando a fidelidade ao direito; promovendo, em última análise, a integração social. (QUEIROZ, s.d, p.40 apud GRECO, 2015, p. 538).

Para esta concepção, a pena deveria possuir uma medida capaz de reestruturar o sistema, formando um consenso geral na sociedade. O aspecto positivo de a prevenção geral dá-se com a provisão da fidelidade jurídica dos cidadãos e opera de diversas formas. Como bem explana Moraes,

A primeira consiste no estabelecimento de diretrizes de conduta para a sociedade, através da demonstração do especial valor de determinados bens jurídicos, que se faz por meio da criação dos tipos penais, da cominação das penas correspondentes e do estabelecimento dos critérios de persecução penal. A segunda forma pela qual opera a prevenção geral positiva decorre da confiança que surge na sociedade a partir da constatação de que o Direito efetivamente se aplica. E, ao final, a prevenção geral positiva opera também através do efeito de pacificação que se produz quando, em virtude da aplicação e execução da sanção penal, a consciência jurídica da sociedade se tranquiliza e considera solucionado o conflito com o autor da infração. (MORAES, 2013, s.p).

Em seu turno, a prevenção especial, também pode ser concebida em seus dois sentidos, negativa e positiva. (GRECO, 2015, p.538). Ainda de acordo com o mesmo autor, na prevenção especial negativa, busca-se uma neutralização daquele que tenha praticado o ilícito penal, neutralização esta que se dá com a segregação no cárcere. O delinquente fica impossibilitado de praticar novas infrações penais, uma vez que é retirado do convívio social momentaneamente. Quando se fala em neutralização do agente, deve ser fixado que isso ocorre somente quando a ele for imposta pena privativa de liberdade. (GRECO, 2015).

Pela prevenção especial positiva, segundo Roxin: “a missão da pena consiste unicamente em fazer com que o autor desista de cometer futuros delitos”. (ROXIN, s.d, p.85 apud GRECO, 2015, p.538). Observa-se aqui o caráter ressocializador da sanção penal, fazendo com que o infrator pense sobre o crime, considerando suas consequências. (GRECO, 2015).

Na visão de Cezar Roberto Bitencourt, a prevenção especial não busca a intimidação do grupo social nem a retribuição do fato praticado, visando apenas àquele individuo que já delinquiu para fazer com que não volte a transgredir as normas jurídico-penais. (BITENCOURT, s.d, p.81 apud GRECO, 2015, p.538). Em virtude da redação contida no caput do artigo 59 do atual Código Penal Brasileiro, podemos observar na lei penal brasileira a adoção de teoria mista ou unificadora, a fim de conciliar as teorias absolutas e relativas. Pelas palavras de Rogério Greco,

Isso porque a parte final do caput do artigo 59 do Código Penal conjuga a necessidade de reprovação com a prevenção do crime, fazendo, assim, com que se unifiquem as teorias absolutas e relativas, que se pautam, respectivamente, pelos critérios da retribuição e da prevenção. (GRECO, 2015, p.539).

Proposta por Claus Roxin, tal teoria buscou claramente conciliar as teorias anteriores, destacando os acertos ocorridos e buscando fugir dos erros apresentados nas outras teorias. A teoria mista considera o sentido da pena não somente na compensação da culpa do infrator, mas também no sentido geral de fazer valer a ordem jurídica, com o fim de prevenir futuros crimes.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, podemos observar que as teorias absolutas, que conceituam a pena como um fim em si mesmo, retornam ao passado e buscam responder a seguinte pergunta: “por que punir?”. Por outra vertente, as teorias relativas, com o pensamento de que a imposição da pena deve ser útil a fim de prevenir a realização de delitos, tem seus pilares voltados para o futuro e buscam responder a seguinte pergunta: “para que punir?”. Enquanto a teoria mista busca unificar os pontos mais importantes e fundamentais das teorias mencionadas acima.

 

REFERÊNCIAS

FERREIRA, Gilberto. Aplicação da Pena. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 17 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.

JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. v. 1. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

LOPES, Cláudio Ribeiro. Breve estudo sobre as teorias dos fins da pena: um olhar histórico contemplativo sobre a realidade contemporânea. Disponível em: <https://www.conteudojuridico.com.br/pdf/cj031289.pdf> Acesso em: 11 mai. 2018.

MARTINS, João. Das teorias da pena no ordenamento jurídico brasileiro. In: Jusbrasil: portal eletrônico de informações, 2014. Disponível em: <https://joaomartinspositivado.jusbrasil.com.br/artigos/147934870/das-teorias-da-pena-no-ordenamento-juridico-brasileiro>. Acesso em: 11 mai. de 2018.

MORAES, Henrique Viana Bandeiras. Das funções da pena. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, a. 16, n. 108, jan. 2013. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12620> Acesso em: 14 de mai. de 2018.

PRADO, Luis Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral, arts. 1. ° a 120. v. 1. 6  ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

Data da conclusão/última revisão: 20/5/2018

 

Como citar o texto:

FERREIRA, Laura Polati Candido; RANGEL, Tauã Lima Verdan..Das funções da pena. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 29, nº 1532. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/4071/das-funcoes-pena. Acesso em 24 mai. 2018.

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