INTRODUÇÃO       

O presente trabalho busca elucidar alguns dos dilemas e desafios jurídicos referentes ao reconhecimento do status de refugiado aos migrantes que deixaram seu país de origem por causas ambientais, em especial o caso do terremoto no Haiti, ocorrido em 2010. De modo a fomentar a reflexão e o debate em nível acadêmico. Após o desenvolvimento abordando os pontos explicativos e históricos do processo de reconhecimento do refugiado de uma maneira geral, temos a discussão de pesquisas em artigos científicos e revisão de doutrinas a respeito do tema, encontra-se também. Importante destacar que o tema é de interesse geral, visto que se trata de um tema novo e de suma importância ainda que pouco debatido, que afeta não somente as pessoas que se encontram nessa situação, mas engloba Estados e governos.

 

METODOLOGIA

Em razão do modelo de trabalho adotado e dada suas peculiaridades, o material utilizado se baseia em análise de bibliografias e artigos científicos diversos, bem como a legislação que trata do tema.

            Dada sua característica, por evidente que esse trabalho não pretende, de forma alguma, esgotar o tema, ao contrário, essa será apenas uma pequena e sutil abordagem acerca da necessidade do reconhecimento do refúgio por causas ambientais diante do cenário internacional atual.

 

DESENVOLVIMENTO

O fenômeno dos deslocamentos humanos para locais diversos do de sua origem, no decorrer da história, se deu por motivos distintos, sendo estas ocorridas de forma voluntária ou obrigatória. Como exemplo, as migrações voluntárias são as movimentações de cunho turístico, ou por melhores condições de vida, ao passo que as obrigatórias são as movimentações em que pessoas, em decorrência da impossibilidade de manutenção da vida no local originário, e se deslocam para um novo território, a fim de se resguardarem da hostilidade ou perigo instalado em seu local de origem, seja em caráter temporário ou permanente.

Diante dos fluxos migratórios, o Direito Internacional e as Nações Unidas se inclinaram para a questão do refúgio e do asilo com um apreço maior após as duas guerras mundiais, ou seja, focaram-se com o deslocamento forçado, dando origem, em 1951, a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, mas em seu dispositivo legal não se tem a causa ambiental em seu rol para caracterização de refugiado (GRUBBA; MAFRICA, 2015).

A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida por Rio-92, representou um marco para a propagação de diversas convenções elaboradas no âmbito da ONU, as quais passaram a lidar com os dilemas ambientais (VIEIRA; DERANI, 2013). Desse modo, tem-se que o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional dos Refugiados apresentam o mesmo objeto – a proteção da pessoa humana na ordem internacional; o mesmo método – regras internacionais a fim de assegurar essa proteção; os mesmos sujeitos – o ser humano enquanto beneficiário e o Estado enquanto destinatário e obrigado principal das regras; os mesmos princípios e finalidades – a dignidade da pessoa humana, a garantia do respeito a esta e, consequentemente, a não-discriminação, diferindo apenas no conteúdo de suas regras, em função de seu âmbito de aplicação (JUBILUT, 2007, p. 60).

A proteção desses migrantes e seus direitos é uma necessidade atual tanto em função do agravamento e da intensificação das alterações do meio ambiente, quanto do número de pessoas afetadas por estas alterações ambientais adversas e que precisam utilizar a migração como estratégia de sobrevivência e de adaptação face aos riscos e impactos ambientais.

 

DISCUSSÃO

A problemática decorre do termo “refugiado ambiental” não estar juridicamente vinculado a nenhum tratado internacional, sendo bastante criticado no ponto de vista jurídico no que tange a abrangência do Estatuto do Refugiado, não reconhecendo a causa ambiental no conceito de refugiado.  A questão dos deslocamentos humanos decorrentes de fatores ambientais se mostra atual e complexo devido à abrangência do tema, à conjuntura mundial e à rapidez com que questões ambientais têm influenciado as migrações humanas (ALGAYER et. all., 2018).

O Brasil tem atraído os refugiados ambientalmente forçados recomecem a vida como um lugar para recomeçarem suas vidas, não somente de países fronteiriços da América do Sul, mas também da América Central e de outros continentes. É tido como destino por sua grande área de fronteira e não possuir leis tão rígidas para com os migrantes quando comparando aos Estados Unidos e outros países da Europa.

Como exemplo prático, temos o terremoto ocorrido no Haiti em janeiro de 2010 que veio a causar um fluxo migratório considerável para o Brasil. Estimou-se que mais de 6 mil haitianos tenham chegado ao Brasil devido a catástrofe (STOCHERO; MARCEL, 2013). Visto que o Brasil não tem, em seu direito interno, um dispositivo que trate especificamente da migração ambiental, os migrantes haitianos entraram com pedidos de refúgio segundo a Lei no 9.474/1997 (Lei de Refúgio) (BRASIL, 1997), a qual também estabelece o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) como órgão competente para avaliar tais pedidos.

Enquanto o CONARE ainda não havia se posicionado a respeito, optou-se por conceder vistos de residência permanente aos haitianos por meio do Ministério da Justiça (BRASIL, 2011). Estabeleceu-se, então, que os haitianos que chegassem à fronteira, solicitando refúgio, não poderiam ser repatriados ou impedidos de entrar, independentemente da legalidade da entrada (CAMBAÚVA, 2011). A atitude do governo brasileiro nesse ponto pode ser encarada como um cumprimento do princípio do non-refoulement[3], mas, tendo em vista que não houve nenhum pronunciamento do Estado para reconhecer tal obrigação, não se pode ter certeza de que as medidas do Brasil não tenham sido um ato ex gratia, o que, por sua vez, não reforçaria sua aplicação em casos análogos.

Em 2012, o CONARE veio a concluir sua avaliação da situação dos deslocados haitianos no Brasil. Ainda que a Lei de Refúgio tenha avançado com a definição de refugiado em que pese à estabelecida na Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, trazendo a qualificação de refugiado, em seu artigo 1º, inciso III, aquele que, “devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade e buscar refúgio em outro país”, o CONARE teve entendimento de que o dispositivo não abarcava a situação de migrantes por causas ambientais (BRASIL, 2012, p. 2).

A recusa da concessão do status de refugiado pelo Comitê baseou-se na carência de fatos probatórios de que houvesse um fundado temor de perseguição dos solicitantes haitianos, apesar de o inciso III não mencionar que, no caso de graves violações de direitos humanos, o elemento da perseguição deva estar presente. Desse modo, em termos práticos, percebe-se que a Lei de Refúgio tem um caráter tão restritivo aos migrantes ambientais quanto à própria Convenção de 1951.

Devido a essa falta de amparo legal e o crescente número de nacionais do Haiti cruzando as fronteiras brasileiras, o CONARE se valeu da sua faculdade de encaminhar ao Conselho Nacional de Imigração (CNIg) os pedidos de refúgio negados (BRASIL, 2007). Ainda em 2012, o CNIg decidiu a questão dos migrantes haitianos por meio da Resolução Normativa 97, concedendo um visto especial aos nacionais haitianos por razões humanitárias, conforme o disposto no Estatuto do Estrangeiro (BRASIL, 2012).

A solução encontrada pela autoridade nacional no caso dos haitianos, por exemplo, foi conceder um visto humanitário, por meio do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), órgão ligado ao Ministério do Trabalho, negando-lhes, portanto, a condição de refugiado. Mas tendo em vista a situação análoga a de refugiados ambientais e a solicitação da própria ONU, negar completamente a acolhida implicaria um embaraço político ao Brasil, pois o país lidera a Missão de Paz da ONU que administra o território haitiano (SILVA, 2013, p.24).

Deve ser levada em consideração a relevância e a conjuntura mundial e à rapidez com que questões ambientais têm influenciado as migrações humanas, pois os deslocamentos de pessoas ligados a desastres ambientais já são maiores do que o provocado por conflitos armados, segundo o relatório da Organização Internacional de Migrações veja-se:

Um relatório publicado em Genebra pela Organização Internacional de Migrações, OIM, juntamente com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e de Relações Internacionais, IDDRI, informa sobre este novo fenômeno que afeta todos os continentes. O relatório, State of Environmental Migration 2010, apresenta um quadro de cifras significativo: em 2008, 4,6 milhões de pessoas tiveram que se deslocar dentro de seus países em razão de um conflito armado enquanto outras 20 milhões tiveram que fazer o mesmo devido a uma catástrofe natural. As cifras não pararam de aumentar: em 2009 houve 15 milhões de refugiados “ambientais” e em 2010 a cifra subiu para 38 milhões. Hoje, o deslocamento climático ou ambiental é a primeira causa das migrações humanas (FEBBRO, 2012, s.p.).

Importante salientar que o referido relatório engloba tanto os que migram para fora do país, como também os deslocados internos, ou seja, os que se deslocam do seu local de origem, mas não atravessam a fronteira de seu país.  O relatório ainda informa que diante das circunstâncias diversas, não se tem um protótipo para o migrante ambiental:

Yet our case studies have demonstrated an immense diversity of environment-migration circumstances and linkages: there is no simple prototype for an “environmental migrant”. (…)Moreover, there is no such thing as a “perfect response.” The complex circumstances and intense pressure took its toll on every country, regardless of national wealth or geographic location. However, policy does matter.

Planning for environmental change, by reducing social vulnerabilities, reducing risks, and preparing for disaster response, can save lives and improve human welfare. On the other hand, ignoring potential hazards, or refusing to consider the adaptive actions taken by local people (up to and including migration) is a recipe for disaster (OIM, 2011, p.111).[4]

Por mais que seja necessário o seu reconhecimento, a migração ambiental demanda um estudo minucioso para uma adequação o mais condizente possível, devido a sua complexibilidade e por derivar de diversas circunstâncias que o abarcam. Sendo essa uma das barreiras a serem superadas na categorização das causas ambientais no reconhecimento do refúgio.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por todo exposto, que não esgota o tema, contudo se evidencia a necessidade do reconhecimento do status de refugiado ambiental, sendo este ainda um constructo que vem a se mostrar com um porte desafiador para o mundo jurídico internacional a sua devida regulamentação. Temos como fato que as gerações futuras sofrerão mais com as mudanças climáticas e catástrofes no planeta, tendo a causa ambiental ultrapassando os refugiados de guerra.

Este fluxo migratório tende a aumentar exponencialmente, o que demanda certa urgência para se solucionar a questão do refúgio ambiental a fim de viabilizar um procedimento de maior eficácia para esse tipo de acolhimento. Com a construção de uma política migratória internacional se a fim de abranger as vulnerabilidades ambientais para o reconhecimento de refugiado, fundada nos princípios da promoção dos direitos humanos dos migrantes, dando-os assim, o devido amparo que lhes urgem.

A dinâmica de organizações internacionais, das instituições e dos estados nacionais na produção de novas definições tem um papel relevante e substancial na compreensão e na promoção dos direitos humanos, do meio ambiente e do direito internacional dos refugiados, em pese o reconhecimento do refúgio por causas ambientais. Desse modo, segue-se em busca de um direcionamento e difundir ações que visem uma vontade política mundial para abarcar novas situações que produzem migrações tendo refugiados como efeito colateral. O que demanda uma redefinição do Direito Internacional, bem como das responsabilidades dos estados em torno da proteção dessas pessoas.

O tema não esgota no que foi exposto alhures, contudo, o passo inicial foi dado, a informação foi apresentada, cabendo aos operadores do direito realizarem cooperação mútua de troca de ideias e apresentação de propostas que possam auxiliar o direito a solucionar as controvérsias apresentadas.

 

REFERÊNCIAS

ALGAYER, Amanda et. all. Refugiados Ambientais. Boa Vista: Editora UFRR, 2018.

BRASIL. Decreto. n 1.904, de 13 de maio de 1996. Programa Nacional de Direitos Humanos. Brasília: Ministério da Justiça, 1996. Disponível em: . Acesso em 10 mai. 2018.

______. Decreto n 4.229, de 13 de maio de 2002. Programa Nacional de Direitos Humanos. Brasília/DF: Ministério da Justiça/Secretaria de Estado dos Direitos Humanos da Presidência da República, 2002. Disponível em: . Acesso em 10 mai. 2018.

______. Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980. Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração. Disponível em: . Acesso em 10 mai. 2018.

______. Lei n° 9474 de 22 de julho de 1997. Define os mecanismos para a implementação do estatuto dos refugiados de 1951 e determina outras providências. Disponível em: . Acesso em 10 mai. 2018.

FREBBO, Eduardo. Já há mais refugiados ambientais que refugiados de guerra. In: Carta Maior: portal eletrônico de informações, 27 jan. 2012. Disponível em: Acesso em 10 mai. 2018.

GRUBBA, Leilane Serratine; MAFRICA, Chiara Antonia Sofia. A Proteção Internacional aos Refugiados Ambientais a Partir do Caso Kiribati. In: Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 12, n. 24, jul.-dez. 2015, p. 207-226. Disponível em: . Acesso em 22 abr. 2018.

JUBILUT, Liliana Lyra. O Direito internacional dos refugiados e sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro. São Paulo: Método, 2007.

OIM - Organização Internacional de Migração: The State of Environmental Migration 2010. Disponível em: Acesso em 11 mai. 2018. 

SILVA, César Augusto S. da. Brasil: Possibilidades do Instituto Jurídico dos Refugiados Ambientais no Contexto dos Direitos Humanos. In: Revista Videre, Dourados, v. 05, n. 10, jul.-dez. 2013, p. 16-29. Disponível em: . Acesso em 18 mai. 2018.

STOCHERO, Tahiane; MARCEL, Yuri. Triplica em 2013 número de haitianos ilegais que entram pelo Acre. In: G1: portal eletrônico de informações, 30 set. 2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2013/09/triplica-em-2013-numero-de-haitianos-ilegais-que-entram-pelo-acre.html>. Acesso em: 10 mai. 2018.

VIEIRA, Ligia Ribeiro; DERANI, Cristiane. Refugiados Ambientais: Direito ao Reconhecimento no Contexto Ambiental Internacional. In: 4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais – ABRI, ANAIS..., Belo Horizonte: 2013. Disponível em: . Acesso em 22 abr. 2018.

 

NOTAS

[3] O princípio de non-refoulement (“não-devolução”) está expressamente previsto no Estatuto do refugiado de 1951, nos arts. 32,1, primeira parte, e 33 (com redação semelhante no arts. 36 e 37, da Lei n. 9474/1997).

[4] No entanto, nossos estudos de caso demonstraram uma imensa diversidade de migração ambiental, circunstâncias e vínculos: não há protótipo para um “migrante ambiental”. Além disso, não há tal coisa como uma "resposta perfeita". O complexo de circunstâncias e pressão intensa cobraram seu preço em todos os países, independentemente da riqueza nacional ou localização geográfica. No entanto, a política é importante. Planejamento para as mudanças ambientais, reduzindo vulnerabilidades sociais, reduzindo riscos e preparando para resposta a desastres, pode salvar vidas e melhorar bem estar humano. Por outro lado, ignorando riscos potenciais ou recusando-se a considerar ações adaptativas tomadas por pessoas locais (até incluindo a migração) é uma receita para o desastre (tradução livre do autor).

Data da conclusão/última revisão: 20/5/2018

 

Como citar o texto:

GOLINELLI, Emerson Izael Raimundo; RANGEL, Tauã Lima Verdan..A necessidade de reconhecimento de status de refugiado ambiental no caso dos migrantes haitianos ocorrido em 2010 e suas implicações. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 29, nº 1532. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-internacional/4074/a-necessidade-reconhecimento-status-refugiado-ambiental-caso-migrantes-haitianos-ocorrido-2010-implicacoes. Acesso em 25 mai. 2018.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.