RESUMO

O objetivo desse artigo compreende caracterizar o novo paradigma processual colaborativo,  instituído pela Lei n. 13.105/2015 (Código de Processo Civil), e demais normas pertinentes, que abrange uma releitura do princípio da inafastabilidade da jurisdição, ampliando o acesso à justiça, por meio da utilização dos métodos alternativos de resolução de conflitos, judiciais e extrajudiciais, os quais serão, posteriormente, identificados, descritos e informada a respectiva previsão legal.  A metodologia empregada para o presente estudo será o método dedutivo com base em pesquisa documental bibliográfica disponível em artigos, livros e normas pertinentes ao tema. Ao final concluiu-se que os meios alternativos de resolução de conflitos é uma forma satisfatória de promover o acesso à justiça de forma mais efetiva. Nesse sentido, os projetos pedagógicos dos Cursos de Direito ao preverem os meios alternativos de resolução de conflitos estarão proporcionando o desenvolvimento de competências e habilidades inerentes ao excelente desempenho do educando quanto à compreender e aplicar o Direito, com fundamento em critérios essenciais de senso de justiça e sólida formação humanística

Palavras-chave: Acesso à Justiça. Diretriz Curricular. Meios Alternativos. Processo. Novo paradigma.

ABSTRACT: The objective of this article is to characterize the new collaborative process paradigm, instituted by Law n. 13.105 / 2015 (Code of Civil Procedure), and other relevant rules, which includes a re-reading of the principle of non-exhaustiveness of jurisdiction, increasing access to justice through the use of alternative methods of dispute resolution, judicial and extrajudicial, which will be subsequently identified, described and informed the respective legal provision. The methodology used for the present study will be the deductive method based on bibliographical documentary research available in articles, books and norms pertinent to the theme. In the end, it was concluded that alternative means of conflict resolution is a satisfactory way of promoting access to justice more effectively. In this sense, the pedagogical projects of the Law Courses in predicting the alternative means of conflict resolution will be providing the development of skills and abilities inherent to the excellent performance of the learner in understanding and applying the Law, based on essential criteria of a sense of justice and solid humanistic training

Keywords: Access to justice. Curricular Guideline. Alternative Means. Process. New paradigm.

SUMÁRIO: 1. Crise da Justiça – Evolução do Processo. 2. Métodos  Alternativos de Resolução de Conflitos Comumente Utilizados no Direito Brasileiro. 2.1. Conciliação e Mediação – diferenças, semelhanças, conceito, descrição e previsão legal. 2.2 Arbitragem. 2.3 Práticas colaborativas e advocacia colaborativa. 2.4 Justiça restaurativa. 2.5 Direito sistêmico. 3. Diretriz Curricular Estabelecida pelo Ministério da Educação para o Curso de Direito Quanto aos Meios Alternativos de Resolução de Conflitos. 4. Conclusão. 5. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O Direito tem como finalidade precípua a pacificação social, por meio da realização da  justiça, estando, portanto, vinculado aos fenômenos sociais, cuja complexidade atingida na sociedade atual, somada ao paradigma da judicialização dos conflitos, tem provocado reflexões e exigido respostas para o devido atendimento ao excessivo e crescente volume de ações judiciais, verificado especificamente no Brasil, Nesse sentido, verifica-se um viés de ampliação de acesso à justiça por meio da ênfase  na aplicação de meios alternativos e adequados à resolução de conflitos, notadamente com a edição da Resolução no. 125/2010 do CNJ – Conselho Nacional de Justiça - que é considerada o marco legal da política pública judiciária, segundo a qual a adoção desses referidos meios alternativos de solução de conflitos foram contemplados na estrutura do próprio judiciário, com a capacitação e organização pertinentes, de forma a alcançar a efetividade do novo paradigma colaborativo em contraponto ao adversarial predominante. A implementação gradual dessa política pública no judiciário foi corroborada com edição da Lei 13.105/2015 – Código de Processo Civil, que traz o princípio informativo da cooperação, incorporando as diretrizes normativas da Resolução n.125 do CNJ, especificamente no artigo 3º, parágrafos 1º a 3º, trazendo uma releitura do princípio da inafastabilidade da apreciação jurisdicional de ameaça ou lesão a direito, que não se limita ao acesso ao Poder Judiciário, mas, também, oportunizando a resolução dos conflitos na esfera privada, como a arbitragem e a mediação, resguardada a garantia de imparcialidade e independência do terceiro que irá conduzir o processo.  Outrossim, o legislador, em sintonia com esses novos dispositivos legais, editou também a Lei 13.140/2015 – A Lei da Mediação - disciplinando a mediação judicial e extrajudicial. 

Relativamente ao Direito Penal, a Resolução n. 118/2014 do CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público - que dispõe sobre a Política Nacional de Incentivo à Autocomposição, no âmbito do Ministério Público, está em consonância com a nova cultura do Direito processual, assim como a Resolução 225/2006 do CNJ, que dispõe sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa, no âmbito do Poder Judiciário, que implementou a estruturação própria, visando promover a autocomposição de conflitos e violência, através de técnicas onde necessariamente estejam envolvidos ofensor, vítima, seus familiares ou pessoas de referência para ambos, a comunidade direta ou indiretamente atingida pela ofensa e representantes da Rede de Garantia de Direitos, com enfoque às necessidades legítimas da vítima e do ofensor, à reparação de danos sofridos e o compartilhamento de responsabilidades e obrigações entre todos os envolvidos.

Extrai-se desse minissistema jurídico que o Poder Judiciário sempre será uma via aberta para o cidadão obter uma resposta do Estado a eventuais conflitos, não se configurando, entretanto, como a primeira opção a ser orientada para tal, com clara priorização e valorização da autocomposição, em qualquer fase do processo, conforme disposições do Código de Processo Civil, artigos: 3º., parágrafo 3º.; 334 caput, parágrafos 4º e 8º; 359; 694, parágrafo único; 695 caput e parágrafo 1º., bem como demais normas retro citadas, ressaltando-se ainda, que o próprio Código de Processo Civil, em seu artigo 175, já prevê a adoção e regulamentação específica de outras formas de conciliação ou mediação extrajudiciais vinculadas tanto a órgãos institucionais, quanto realizadas por profissionais independentes, o que caracteriza um horizonte aberto, um movimento progressista dessa nova concepção de tratamento aos conflitos da sociedade pelo Poder Judiciário para além de seus limites e envolvendo efetivamente a sociedade como um todo.

Trata-se de um movimento de humanização do Direito Processual, por meio do acesso à justiça, e não apenas ao judiciário, mas, sim, à uma ordem justa, onde há espaço protegido para as partes serem ouvidas e participarem ativamente da construção da melhor solução, e traz alento à crise enfrentada pelo Poder judiciário que pelo processo adjudicatório não tem conseguido oferecer solução em prazo razoável de duração, o que fere direito fundamental previsto na CRFB, artigo 5º. , posto que  justiça tardia nada mais é do que injustiça; e também nem sempre a solução do Estado-juiz ser a mais adequada para a efetiva pacificação social.

Faz-se necessário, nesse contexto de mudança conceitual e cultural, as correspondentes adequações no âmbito das faculdades de Direito quanto à formação dos atuais e futuros profissionais, operadores do Direito, que atuarão como advogados, juízes, promotores, mediadores, conciliadores, sob o novo paradigma da atuação colaborativa voltada para a melhor solução dos conflitos, cuja compreensão deverá fazer parte do conjunto de habilidades, técnicas, conceitos e valores a serem desenvolvidos na formação acadêmica do curso de Direito.

Em face dessa nova onda renovatória concernente à mudança do paradigma da judicialização massificada de conflitos, conformado em uma concepção adversarial e adjudicatória da respectiva solução, na qual as partes são substituídas pelo Estado-Juiz,  para uma nova perspectiva de acesso à justiça, contemplada na própria estruturação do Poder Judiciário, e para além de seus limites, segundo diretrizes inovadoras em suas políticas públicas, cuja prioridade é a obtenção da autocomposição, através de meios consensuais alternativos de solução de conflitos e violência, como a conciliação, mediação, arbitragem, a justiça restaurativa, dentre outras utilizadas, como o Direito Sistêmico e a advocacia colaborativa (que serão abordadas no desenvolvimento do presente artigo), exigindo do operador do Direito o desenvolvimento de habilidades específicas, técnicas, conceitos e preparo suficientes para dar efetividade aos comandos normativos e às políticas públicas do Poder Judiciário.

Assim sendo, o objetivo desse artigo científico consistirá em contextualizar  os métodos alternativos de resolução de conflitos no sistema jurídico-normativo brasileiro. Inicialmente, será feita uma breve evolução histórica do processo; a descrição dos métodos (alternativos) mais aplicados no âmbito do Direito brasileiro e sua previsão legal; e por fim, serão  identificadas as diretrizes curriculares estabelecidas pelo Ministério da Educação para os curso de Direito, especialmente no tocante aos meios alternativos de resolução de conflitos, de forma a correlacionar o atendimento às exigências estipuladas nessas diretrizes curriculares à previsão e atualização jurídico-normativa.

O método utilizado para o presente estudo será o dedutivo, que é aquele que analisa os conceitos e termos pertinentes ao tema para a construção de um raciocínio que leve a uma afirmação ou dedução lógica.

Os dados serão coletados em fonte de estudo científico, por meio da pesquisa bibliográfica que abrange a bibliografia já tornada pública referente ao tema, objeto de nosso estudo, como revistas, livros e internet, de forma a conhecer e analisar as principais contribuições teóricas pertinentes, e complementada com a pesquisa documental de instituições públicas e privadas, que são fontes primárias, ou seja, não receberam tratamento/análise.

A abordagem será qualitativa, a qual consiste em: análise de conteúdo; construção de teorias; análise de discurso. A pesquisa visa fornecer elementos que permitam verificar, para aceitar ou contestar, as condições a que chegou, bem como possuir alguma utilidade, seja para ciência, seja para a comunidade.

O estudo apresentado será estruturado em três capítulos, cada um correspondente aos objetivos específicos definidos, e sua conclusão a partir da pesquisa realizada.

 

1. CRISE DA JUSTIÇA – EVOLUÇÃO DO PROCESSO

 

                O conceito de acesso à justiça não é construção simples, evidenciando-se, no entanto, que este não se confunde com o simples acesso ao judiciário, mas, sobretudo, acesso à uma prestação de serviço com qualidade, visando principalmente à efetividade dos direitos e garantias fundamentais essenciais ao estabelecimento de uma sociedade justa, objetivo fundamental do Estado Democrático de Direito, corolários da CRFB/1988.

 

Neste viés, ao que tange o acesso à justiça em sentido lato, a definição tende a apresentar-se mais complexa, vez que conceitos de cidadania e justiça interam-se nesse cenário. Dentre os aspectos que perfazem a construção do termo acesso à justiça figuram-se diversos segmentos, tais como o acesso à informação; orientação por profissionais capacitados – incluindo-se aqui, além de informações técnicas oriundas de serventuários da justiça, a orientação por profissionais de outras esferas, como psicólogos, assistentes sociais, educadores, entre outros -; disponibilização de assistência jurídica (em questões judiciais e extrajudiciais); eficácia e eficiência diante dos trâmites processuais e extraprocessuais; o tratamento isonômico entre as partes; a instituição de uma tutela satisfatória, onde a jurisdição ultrapasse a seara processual, em face de uma justiça social; e, talvez, um dos mais importantes, o tratamento adequado a cada modalidade de conflito (STANGHERLIN, 2017, p. 57, grifo nosso).

 

                Os métodos consensuais ou não adversariais, denominados alternativos, devem ser utilizados de forma complementar à atividade jurisdicional, cuja escolha deverá ser aquela que melhor se adequar à natureza do conflito.

 

Na doutrina americana Frank Sander e Stephen Goldberg estabeleceram critérios para adequar o método à espécie de conflito que se busca resolver. O primeiro critério para entender qual é o meio mais adequado considera os objetivos das partes com a resolução da disputa, sendo os usuais: (i) minimização de custos; (ii) celeridade; (iii) privacidade/ confidencialidade ; (iv) manutenção/aprimoramento do relacionamento; (v) revanche; (vi) obtenção de uma opinião neutra; (vii) criação de precedente; (viii) maximização ou minimização de recuperação.[...] O segundo critério para avaliar qual é o melhor mecanismo, segundo os autores, diz respeito aos impedimentos ao acordo e aos meios de ultrapassá-los; eis os mais comuns: (i) comunicação falha; (ii) necessidade de expressar emoções; (iii) diferentes visões dos fatos; (iv) diferentes visões do direito; (v) questões de princípio; (vi) pressões de constituintes; (vii) ligações com outras disputas; (viii) existência de múltiplas partes; (ix) conflitos de agência e (x) “jackpot syndrome” (síndrome de preferir arriscar para atingir o benefício máximo)10. (TARTUCE, 2016, p. 10).

 

                A autocomposição (conciliação e mediação), que é um acordo realizado pelas partes litigantes, com concessões parciais ou totais de seus interesses, assim como a heterocomposição ou arbitragem, que é a solução decidida por terceiro de mútua confiança, remontam à civilização anterior à criação da figura do Estado, que instituiu o monopólio da jurisdição e do processo pelo Poder Judiciário, e eram realizados por meios informais e rudimentares, geralmente, na heterocomposição, o terceiro era um ancião ou sacerdote. Esses métodos já representavam uma evolução em relação à autotutela, que consiste no uso da força física para o equacionamento de disputas ou conflitos.

Esses métodos permanecem como meios de resolução de conflitos até os nossos dias, mesmo a autotutela, em casos excepcionais previstos em lei, como por exemplo, no caso da legítima defesa ou na retenção de bem imóvel. A conciliação, que é um método autocompositivo, ressurgiu, eis que tal instituto já existia na na Constituição do Império, em 1824.

Atualmente, além da arbitragem, conciliação e mediação, inseridos na legislação, outros meios alternativos tem sido aplicados na resolução de conflitos do judiciário e produzidos resultados significativos, como é o caso do Direito Sistêmico, da Advocacia Colaborativa e da Justiça Restaurativa.

Não obstante, o Poder Judiciário tornou-se incapaz de dar soluções adequadas ao volume crescente de ações judiciais, por vários fatores, dentre eles, o excessivo formalismo que o caracteriza, embora necessário às garantias constitucionais, como o do contraditório e ampla defesa, que pelo longo decurso de tempo despendido até a sua conclusão, somado à outras causas, de ordem estrutural, por exemplo,  provocou o que se denominou de “crise da justiça”.

 

Nessa perspectiva, denota-se que Mauro Cappelletti (1998) consagrou os principais obstáculos a serem transpostos para que se alcançasse o acesso efetivo à Justiça, bem como propôs soluções para quebrar tais empecilhos, transpondo objeções como custas judiciais, a limitação e a possibilidade das partes, e, ainda, o problema concernente à tutela dos interesses difusos e coletivos. Por conseguinte, é perceptível que para se assegurar a concretude de todos os direitos fundamentais e do exercício da cidadania, de forma a não excluir ou delimitar segmentos sociais - pois de fato, o que se almeja não é um mero direito proclamado-, é essencial que o sistema jurídico proteja e propicie a integralidade do direito de acesso à justiça, garantidor de todos os demais (STANGHERLIN, 2017, p. 62).

 

                As três ondas renovatórias do processo que nortearam as mudanças por que passou o processo civil mundial nas últimas décadas, foram propostas por Mauro Capelletti, pesquisador que formulou os principais obstáculos a serem superados para o efetivo acesso à justiça, bem como apresentou soluções para tal desiderato.

Em síntese, a primeira onda renovatória, transpondo objeções como custas judiciais, a limitação e a possibilidade das partes, refere-se à assistência judiciária integral e gratuita aos necessitados; a segunda, relaciona-se ao problema concernente à tutela dos interesses difusos e coletivos (metaindividuais); a terceira, diz respeito ao aperfeiçoamento dos instrumentos processuais e à utilização de novos mecanismos, dentro e fora da jurisdição.

 

Na década de 80, sob a influência do movimento mundial de acesso à justiça, com base nas ondas renovatórias do processo, diversas leis cuidaram de reformar a legislação brasileira, dando ensejo a novidades como a instituição dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, nos quais o procedimento foi especialmente desenhado de forma a privilegiar a conciliação entre as partes (ALMEIDA; PELAJO; JONATHAN, 2017, p. 62, 63).

 

Doravante, nas décadas seguintes houve um incremento na legislação prevendo e/ou priorizando a utilização dos meios alternativos de resolução de conflitos ou Alternative Dispute Resolution – ADRs, em face do novo paradigma de acesso à justiça, como por exemplo, a Lei no. 9.099/95 - Institui os Juizados Civis e Criminais Estaduais; Lei no. 9.307/1996 - Lei da Arbitragem; Lei 13.140/2015 – Lei da Mediação;  Lei 13.105/2015 – novo Código de Processo Civil, que enuncia como norma fundamental do processo civil a busca pela solução consensual dos litígios.

De forma mais abrangente, o desenvolvimento dos meios alternativos de resolução de conflitos está centrado na democracia participativa, princípio fundamental da CRFB/1988, que é a efetiva participação dos cidadãos no controle da administração pública em todas as suas esferas institucionais.

 

Assim, no contexto da democracia participativa, os ADRs – em especial a mediação, a conciliação e a negociação – ressurgiram como instrumentos para a participação dos cidadãos na gestão política e social, ao promover o diálogo e a construção do consenso (ALMEIDA; PELAJO; JONATHAN, 2017, p. 62).

 

O acesso à uma ordem jurídica justa, notadamente pela possibilidade de utilização de meios adequados à natureza do conflito, imprime efetividade aos direitos fundamentais, como a razoável duração do processo; traz eficiência à prestação jurisdicional, pela utilização residual da via judicial; materializa diversos princípios constitucionais como a liberdade, a igualdade, a solidariedade e a dignidade da pessoa humana, além de propiciar a participação democrática; atuar não só na resolução de conflitos, mas, principalmente na sua prevenção com a criação de um espaço protegido para a construção de consenso entre as partes envolvidas de forma a assegurar uma solução que realmente atenda às suas peculiaridades.

 

Desse modo, se o acesso não é simplesmente formal, devendo existir o acesso à ordem jurídica justa, é visível que se impõe uma preocupação não apenas com a qualidade das decisões adjudicadas, mas também com a qualidade dos meios consensuais. Senão, estaria aberto o caminho para a formação de uma justiça de segunda classe, admitindo-se que os meios consensuais pudessem respeitar apenas um acesso formal, despreocupado inclusive com resultados materiais efetivos para além do número de acordos homologados por minuto. Portanto, a valorização dos meios consensuais – com destaque para a mediação e a conciliação – eleita como norma fundamental pelo Novo CPC, parece-nos impor duas premissas: a) o emprego dos meios consensuais deve ser qualificado, no sentido de possuir qualidade, não se contentando em reproduzir um acesso meramente formal aos órgãos judiciários; b) na dúvida, devem-se interpretar os dispositivos do Novo CPC e de todo o minissistema de métodos consensuais – em prol dos meios consensuais. Resumidamente, a norma fundamental consagra a valoração qualitativa dos meios consensuais (TAKAHASHI, 2016, p. 27).

 

A evolução da ciência do Direito, ainda fundada no positivismo dogmático, diante do que se tem denominado de crise do Direito, busca, ainda de forma incipiente, estruturar-se na transdiciplinaridade, de forma a absorver os novos paradigmas da ciência, surgidos no séc. XX, em diversas áreas do conhecimento tais como a física (Teoria Quântica; Teoria Holográfica; Teoria Geral dos Sistemas); a biologia  (Teoria dos Campos Morfogenéticos); a Psicologia (Teoria da Sincronicidade, o inconsciente coletivo e a existência de arquétipos – elementos dinâmicos e transpessoais da psique; Psicologia Transpessoal); e a linguagem.

O novo paradigma da ciência consiste no denominado Pensamento Sistêmico, baseado, principalmente, em um processo que extrapolou da física e mecânica para outras ciências, provocando a desconstrução do paradigma mecanicista clássico, Newtoniano e construindo um novo pensamento, que possui três dimensões: (a) dimensão da complexidade, (b) dimensão da instabilidade; (c) e a dimensão da intersubjetividade.

 

Enfim, o primeiro aspecto do novo paradigma da ciência remete-nos à dimensão da complexidade, compreendendo sistemas complexos, objetos em contexto, contextualização, ampliação do foco, sistemas amplos, foco nas relações, foco nas interligações, padrões interconectados, interconexões ecossistêmicas, redes de redes,  sistema de sistemas, complexidade organizada, distinção, conjunção, não reducionismo, atitude “e-e”, princípio dialógico, relações causais recursivas, recursividade, causalidade circular recursiva, retração da retroação, ordens de recursão, contradição. (VASCONCELOS, 2017, p. 42).

 

Portanto, o segundo aspecto do novo paradigma científico remete-nos à dimensão da instabilidade, compreendendo o mundo em processo de tornar-se, consoante teorias da física do devir, física de processos, caos, irreversibilidade, seta do tempo, segunda lei da termodinâmica, lei da entropia, desordem, leis singulares, sistemas que funcionam longe do equilíbrio, amplificação do desvio, flutuação, perturbação, salto qualitativo do sistema, ponto de bifurcação, crise, ordem a partir da flutuação, indeterminação, imprevisibilidade, incontrolabilidade”. (VASCONCELOS, 2017, p. 43).

 

Enfim, o terceiro aspecto do novo paradigma remete-nos à dimensão da intersubjetividade, compreendendo uma teoria científica do observador, coconstrução da realidade na linguagem, determinismo estrutural, acoplamento estrutural do sistema, fechamento estrutural do sistema, objetividade entre parênteses, espaços consensuais, multiversa, múltiplas verdades, narrativas, construção da realidade, sistema observante, visão de segunda ordem, referência necessária ao observador, autorreferência, reflexibilidade, transdiciplinaridade. (VASCONCELOS, 2017, p. 45).

 

                Assim, não só o Direito, mas também, o conflito, seu elemento central, sob essa nova perspectiva da ciência, é compreendido de maneira sistêmica, ou seja, “o sistema é definido como um complexo de elementos em interação; conjunto de componentes em estado de interação”. (VASCONCELOS, 2017, p. 39).

 

2. MÉTODOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS COMUMENTE UTILIZADOS  NO DIREITO BRASILEIRO

2.1. Conciliação e Mediação – diferenças, semelhanças, conceito, descrição e previsão legal

O CPC - Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015 – instituiu um novo paradigma com a consignação dos métodos autocompositivos, em caráter prioritário, dentre eles, a conciliação e a mediação (artigo 3º., caput, parágrafos 2º e 3º), alterando substancialmente a concepção do Poder Judiciário de  lugar apenas de julgamento para lugar de tratamento adequado aos conflitos, por meio de seus princípios informativos: duração razoável do processo; boa fé e cooperação (artigos 4º, 5º e 6º), que são interdependentes para o alcance do fim almejado quanto à oportunizar e desenvolver o efetivo acesso à justiça, assegurando a participação democrática, o que possibilita a construção de solução (mais) adequada e justa aos conflitos sociais.

Doravante, nesse contexto do novo paradigma, usualmente denominado de sistema multiportas, torna-se obrigatória a realização de audiência de conciliação ou de mediação, antes da contestação (parte ré); será dispensada apenas em duas situações: quando ambas as partes manifestarem-se, expressamente, pelo desinteresse na composição consensual; e quando a controvérsia não admitir autocomposição. Sua relevância é tal que, o não comparecimento injustificado, de qualquer das partes, é considerado ato atentatório à dignidade da justiça, e será sancionado com multa de até 2% sobre o valor da causa ou da vantagem econômica pretendida.

O Código de Processo Civil de 2015, além das mudanças estruturais promovidas no Poder Judiciário, artigo 165, com a previsão de criação dos centros judiciários de solução consensual de conflitos -CEJUSC, introduzidos em 2010, por meio Resolução n.125 do CNJ, altera substancialmente a conduta dos sujeitos do processo, sendo importante o novo papel dos juízes, conforme artigo 139, inciso V, incumbi-lhes-á dirigir o processo observando, dentre outras atribuições, o dever de “promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais” (BRASIL, 2015, p. 22). Tal obrigação é também prevista no artigo 359, no primeiro momento da audiência de instrução e julgamento, onde “o juiz  tentará conciliar as partes, independentemente do emprego anterior de métodos de solução consensual de conflitos, como a mediação é a arbitragem” (BRASIL, 2015, p. 55).

Para a execução das referidas etapas do processo (adoção de métodos de solução consensual de conflitos), o juiz contará com a disponibilização de mediadores e conciliadores judiciais, que constituem-se auxiliares da justiça, posto que, a função por eles desenvolvida é de natureza técnica, requerendo capacitação, treinamento e seleção com critérios específicos (arts. 166 e ss., CPC.), embora muitos juízes estejam sendo capacitados pra exercê-la, nota-se que, pelo volume de processos e de atribuições a eles impostos e, principalmente, pela relevância da efetividade desse subsistema autocompositivo para a consecução dos objetivos do processo, o dispositivo legal preocupou-se sobremaneira de prover minimamente as condições necessárias e essenciais.

A conciliação e mediação são tratadas de forma semelhante no CPC, em face de possuírem características idênticas, embora com especificidades intrínsecas, pelo qual o legislador, muito sabiamente, não impôs a adoção de um método em detrimento de outro em nenhuma situação pontual, cuja regra do artigo 165, parágrafos 2º e 3º, utiliza a expressão preferencialmente, para a adoção do conciliador, nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, e, em sentido contrário, o mediador, quando houver vínculo anterior. Vale destacar que esses métodos não se confundem com o que consta regulado no texto legal, embora delineados pela norma, como, por exemplo, o que dispõe o artigo 166, “a conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada” (BRASIL” 2015, p. 27).

A conciliação pode ser definida como um processo consensual breve, aplicado a conflitos de menor complexidade, onde as partes ou interessados são auxiliados por um terceiro, imparcial, que tem por finalidade o consenso entre as partes; na sua acepção jurídica, constitui uma fase do processo.

 

A mediação pode definida, em síntese, como um processo dinâmico de    negociação assistida, no qual o mediador, terceiro imparcial e sem poder decisório, auxilia as partes a refletirem sobre seus interesses, a resgatarem o diálogo e a criarem, em coautoria, alternativas de benefício mútuo, que contemplem as necessidades e possibilidades de todos os envolvidos, sempre sob uma perspectiva voltada ao futuro da relação. (ALMEIDA; PELAJO; JONATHAN, 2017, p. 88).

 

                  Depreende-se dos conceitos acima que a mediação é mais adequada às relações continuadas no tempo, a exemplo dos conflitos de família, de vizinhança, de trabalho etc.. Diferencia-se da conciliação, essencialmente, na atuação do terceiro, neutro ao conflito, que possui um papel mais ativo nesta, podendo fazer propostas e emitir opiniões, por meio de técnicas persuasivas, mas não impositivas ou coercitivas para se alcançarem soluções; enquanto, na mediação, o terceiro é mero facilitador do diálogo, cujo processo compete às partes, bem como a construção de soluções.

                Outrossim, a Lei n. 13.140, de 26 de junho de 2015, estabelece o marco regulatório da mediação entre particulares e no âmbito da administração pública (juntamente com o CPC de 2015), é considerada de grande relevância social e jurídica, posto que contempla, também, a mediação extrajudicial, ampliando sensivelmente o escopo de participação social nas soluções de conflitos e no acesso à justiça. No entanto, também recebeu algumas críticas por disciplinar a mediação judicial, já prevista no CPC de 2015, podendo gerar debates e entendimentos divergentes, embora contenha algumas inovações a respeito, com destaque à possibilidade de mediação pré-processual nos centros judiciários de solução de conflitos criados pelos tribunais, evitando que diversos conflitos desemboquem  no judiciário.

                Outra importante inovação da Lei 13.140/2015 é a previsão de cláusula compromissória de mediação (contratual), no âmbito da mediação extrajudicial. O artigo 22 estabelece os elementos mínimos que deverão constar na previsão de mediação, são eles: prazo mínimo e máximo para a realização da primeira reunião de mediação, contado a partir da data de recebimento do convite; o local da primeira reunião de mediação; e a previsão acerca dos critérios de escolha do mediador ou equipe de mediação; o artigo 23 fortalece a premissa de que as obrigações nascem para serem cumpridas. Cabendo informar, que na mediação extrajudicial, mediador será escolhido pelas partes. Sobre ele recaem as mesmas hipóteses legais de impedimento ou suspeição que incidem sobre os magistrados, previstas no art. 145, do novo CPC.

                Quanto à matéria dos conflitos que poderão ser objeto de mediação, estabelece o artigo 3º da referida lei de mediação, somente os conflitos que versarem sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação, nesse último caso, o acordo firmado deverá ser homologado em juízo, exigida a oitiva do Ministério Público.

A mediação, enquanto técnica, constitui-se de conhecimentos científicos  metodológicos de caráter interdisciplinar, especialmente da comunicação, da psicologia, da sociologia, da antropologia, do direito e da teoria dos sistemas; consiste em método dialogal autocompositivo de vários modelos ou escolas, tais como a mediação facilitativa (ou tradicional de Harvard), a mediação avaliativa (ou conciliação), a mediação transformativa e a mediação circular-narrativa (ou narrativa), tendo aplicação diferenciada a depender da natureza do conflito, das caraterísticas socioculturais dos mediandos e da habilidade do mediador.

Diante de cada espécie de conflito/litígio, os profissionais e estudiosos da mediação utilizam técnicas distintas e  específicas, são exemplos a mediação familiar, penal, empresarial, escolar, comunitária e internacional.

 

2.2 Arbitragem

 

A arbitragem é um meio privado de resolução de disputas ou conflitos, de adesão facultativa. Está disciplinada pela Lei no. 9.307/1996, com alterações introduzidas pela Lei 13.129/2015, também prevista em leis e convenções internacionais, com destaque para a Convenção de Nova York, de 1958.

Esse instituto de Direito, denominado arbitragem, possui duas naturezas jurídicas que se completam: a contratual e a jurisdicional. Seu pressuposto primeiro é a existência de uma convenção de arbitragem – cláusula contratual denominada compromissória (extrajudicial) ou compromisso arbitral (judicial), antecedente ao surgimento do conflito, a qual, uma vez pactuada, vinculam as partes à arbitragem irrevogavelmete.

Dessa forma, a apreciação de eventuais conflitos ficam excluídos do poder jurisdicional do Estado- juiz, cuja competência será do juiz arbitral, definido pelas partes na convenção arbitral,  ou dos juízes arbitrais, uma vez que é facultada a escolha de um número ímpar de juízes, sendo comum a escolha de um ou três. Qualquer pessoa capaz e da confiança das partes poderá ser árbitro. Esse terceiro – o árbitro – ao contrário do que ocorre na conciliação e na mediação, tem poder decisório, cuja sentença emitida constituir-se-á título executivo judicial, podendo, em caso de não cumprimento, vir a ser objeto de ação de execução judicial (no âmbito do Poder Judiciário).

Assim sendo, o objetivo da arbitragem é a solução do litígio por meio da declaração do direito ao caso concreto.

Quanto às normas aplicáveis, dispõe o artigo segundo da Lei 9. 307/1996:

 

Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes.

§ 1º - Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.

§ 2º - Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.

§ 3o A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade.

 

                Somente poderão ser objeto de arbitragem os conflitos que versarem sobre direitos patrimoniais disponíveis.

                Diante do novo paradigma introduzido pelo Código de Processo Civil, que estimula e impulsiona os meios alternativos à jurisdição para a resolução de conflitos, a arbitragem é um importante instrumento, em face da sua maior eficácia e efetividade, desde que utilizado adequadamente, conforme à natureza do conflito, sendo indicada para aqueles que exigem um alto nível de especialidade quanto à matéria, objeto do conflito.

 

O tratamento da matéria também é absolutamente diversa. No processo judicial a matéria será analisada por um juiz estatal sem conhecimento profundo da matéria fática. Com a aplicação da arbitragem o fato será analisado por um corpo de árbitros com alto grau de especialidade, reduzindo significativamente o risco de uma interpretação errônea ou equivocada, que se ocorrer irá causar prejuízos incalculáveis. (SILVA JÚNIOR, 2017, p. 154).

 

                Nesse sentido, o procedimento da arbitragem apresenta benefícios em relação à jurisdição, com destaque também para o prazo menor de duração do processo, cuja lei estabelece o prazo máximo de seis meses.

 

2.3 Práticas colaborativas e advocacia colaborativa

               

                Diante da exigência de capacitação, principalmente por parte dos advogados, para o atendimento qualificado à nova ordem jurídica e social, de acordo com o pensamento pós-moderno, que tem a singularidade como unidade de referência, surge uma nova advocacia, centrada na perspectiva da colaboração entre advogados e partes,  para construção conjunta de soluções.

 

A chamada Advocacia Colaborativa foi inicialmente idealizada por Stuart Webb, um renomado advogado de família norte-americano que, mesmo nos casos em que obtinha êxito nas causas de seus clientes, percebia os efeitos desastrosos dos processo judiciais para o sistema familiar, em especial quando havia filhos envolvidos. Assim, observava que seus clientes nunca ficavam realmente felizes, pois logo percebiam que nos processos litigiosos de natureza familiar não existem vencedores – todos perdem.

Diante destas constatações, Webb reformulou sua prática de maneira simples e revolucionária: continuava a atuar como advogado, empenhando-se na defesa dos reais interesses de seus clientes, passando, porém, a focar exclusivamente na construção de acordos, renunciando assim à opção pelo litígio. (citação site Instituto Brasileiro de Praticas Colaborativas).

 

                A advocacia colaborativa no Brasil tem sua origem nas questões de família, especificamente no divórcio. O denominado Divórcio Colaborativo, tem por pressuposto a atuação por equipe multidisciplinar, que trabalhará compartilhando informações e pensando conjuntamente os melhores passos para  um resultado Positivo. Essa equipe (multidisciplinar) é composta por advogados, coach’s, profissionais da saúde, como psicólogos e terapeutas, e a depender da especificidade do caso, um consultor financeiro, por exemplo. No caso de se utilizar de consultor financeiro e terapeuta de crianças e adolescentes, estes são neutros e comuns às partes, já os advogados e os coach’s, defendem cada parte separadamente.

 

Os advogados colaborativos não atuam de forma adversarial. No início do processo é assinado um termo onde se comprometem a exercerem seu papel colaborativamente, não podendo em nenhum momento futuro, caso o Divórcio Colaborativo não dê certo, atuarem de forma litigiosa. Trabalham prestando assessoria legal, mas com o objetivo de auxiliar na construção de uma solução de benefício mútuo, conduzindo uma negociação baseada em interesses. Os advogados utilizarão o Judiciário somente no momento de homologação do acordo (ALMEIDA; PELAJO; JONATHAN, 2017, p. 464).

               

                Merece destaque Práticas Colaborativas no Direito de Família, que foi a prática vencedora do Prêmio Innovare, na categoria advocacia, edição 2013, que premia e divulga as melhores práticas de gestão do Poder Judiciário pelo contributo para o aprimoramento da justiça no Brasil. Tal prática premiada trata-se do Divórcio Colaborativo.

                A mediação é outro instrumento muito adequado às situações de divórcio, que  não se confunde com o Divórcio Colaborativo, embora ambos apresentem resultados semelhantes.

 

A eleição de um destes instrumentos para a condução do processo de divórcio, ao invés do processo judicial, muda radicalmente à natureza dos relacionamentos durante este período. São extremamente potentes para cuidar das necessidades relacionadas à convivência familiar devido ao seu caráter dialógico e colaborativo e ao seu objetivo comum relacionado  à construção de consenso, “entendendo-se como tal um acordo geral de todos os participantes, relativo a um conjunto de decisões e/ou recomendações que contemplem interesses, necessidades e valores de todos os envolvidos” (ALMEIDA; PELAJO; JONATHAN, 2017, p. 466).

 

O Enunciado 55, aprovado na I Jornada Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, realizada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal em 2016, traz essa perspectiva de aprimoramento do acesso à justiça por meio da advocacia colaborativa:

 

Enunciado nº 55. O Poder Judiciário e a sociedade civil deverão fomentar a adoção da advocacia colaborativa como prática de resolução de conflitos na área do direito de família, de modo a que os advogados das partes busquem sempre a atuação conjunta voltada para encontrar um ajuste viável, criativo é que beneficie a todos os envolvidos.  (VASCONCELOS, 2017, p. 88- 89).

 

                A utilização do método de práticas colaborativas não fica restrito às questões de família, muitos advogados têm ampliado a sua utilização em diversas outras áreas, especialmente no direito empresarial.

 

Por iniciativa de Kazuo Watanabe e de um crescente número de brasileiros que pugnam pelas práticas colaborativas, estão sendo firmados pactos pelas soluções extrajudiciais por empresas e escritórios, com destaque para o pacto no âmbito da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIEPE. (VASCONCELOS, 2017, p. 88).

 

                A OAB, diante desse novo paradigma, tem dados passos em direção à atualização de suas diretrizes que vão ao encontro do movimento por soluções extrajudiciais, visando à preparação dos escritórios e departamentos para realizarem práticas colaborativas de acesso à justiça.

 

Em Olinda, no mês de dezembro de 2013, em reunião do Colégio de Presidentes de Comissões de Mediação, Conciliação e Arbitragem das várias Seccionais, em conjunto com a Comissão Especial de Mediação, Conciliação e Arbitragem do Conselho Federal da OAB, foi redigido e encaminhado à apreciação do Conselho Federal o texto de um pacto pelas soluções extrajudiciais. (VASCONCELOS, 2017, p. 88).

 

2.4 Justiça restaurativa

 

                A Justiça Restaurativa tem o seu marco normativo mundial na Resolução n. 12/2002 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. Sobre os projetos já implantados no Brasil, a primeira fonte autorizada foi o Relatório do Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente – ILANUD. A Resolução n. 225, de 2016, do Conselho Nacional de Justiça introduziu a justiça restaurativa, implementado o programa de incentivo à Justiça Restaurativa, no âmbito no Poder Judiciário brasileiro, tornando-se política pública (de caráter permanente).

No que se refere à transação penal, com  previsão legal (marco regulatório) na Lei 9.099/1995, na Lei 10.259/2001 e, mais recentemente, na Lei 12.594/2012 (Sinase – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), ressaltando que, trata-se de regras subjacentes aos princípios constitucionais da cidadania, da dignidade pessoa humana e da promoção da paz, segundos os quais devem ser estas (regras) interpretadas para atendimento à sua efetividade.

 

Justiça Restaurativa é um conceito aberto que vem sendo construído a partir do final da década de 60 e começo da década de 70 do século XX por diversos teóricos da área da criminologia (especialmente os integrantes da “Criminologia Radical” e “Escola de Chicago”), sociologia jurídica e diversas áreas científicas que lidam com conflitos e violência, em decorrência da mudança: (a) na forma de perceber é compreender o que se entende por crime; e (b) na maneira pela qual deve ocorrer a resposta à violência, bem como quem deve participar dessa resposta e, ainda, aonde se quer chegar com a resolução ou transformação destas situações. (ALMEIDA; PELAJO; JONATHAN, 2017, p. 678).

 

                O surgimento de uma justiça restaurativa traz uma nova perspectiva para a realização da justiça, diante do fracasso verificado, hodiernamente, no sistema criminal retributivo ou punitivo, em face da criminalidade epidêmica, segundo critérios definidos pela organização mundial de saúde, que assola o Brasil, suscitando reflexões para o desenvolvimento de soluções de conflitos e violência, valendo-se de métodos que ampliam a responsabilidade tanto do infrator como de todos os envolvidos no conflito, inclusive a sociedade, permitindo a reparação de danos e promovendo uma pacificação efetiva entre vítima(s) e ofensor.

 

No debate criminológico, o modelo restaurativo pode ser visto como uma síntese dialética, pelo potencial que tem para responder às demandas da sociedade por eficácia do sistema, sem descurar dos direitos e garantias constitucionais, da necessidade de ressocialização dos infratores, da reparação às vítimas e comunidade e ainda revestir-se de um necessário abolicionismo moderado. (PINTO, 2005, p. 20).

 

                No Brasil a aplicação, ainda embrionária, da justiça restaurativa, por meio dos métodos próprios, está restrita ao âmbito dos Juizados Especiais Criminais, e  nos casos que envolve menores infratores, disciplinados pela Lei Federal 8.069/1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente -, artigo 112, que trata da socioeducação, cuja regulamentação está na Lei n. 12.594 de 2012, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – Sinase, que tem por objetivo, dentre outros, “a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação” (BRASIL, 2012). Observa-se que, o escopo de aplicabilidade da Justiça Restaurativa corresponde às hipóteses em que o processo penal, ou o sistema criminal brasileiro, permite a transação penal, exceção à regra da indisponibilidade e obrigatoriedade da ação penal pública, mitigando-a com base na discricionariedade regulada pelo controle jurisdicional, que possui natureza de negócio jurídico, cuja sentença homologa acordo entre as partes, Ministério Público e infrator,  para as infrações de menor potencial ofensivo. Essa janela de exceção à regra citada, vai ao encontro das premissas da Justiça Restaurativa.

 

O modelo restaurativo baseia-se em valores, procedimentos e resultados definidos, mas pressupõe a concordância de ambas as partes (réu e vítima), concordância essa que pode ser revogada unilateralmente, sendo que os acordos devem ser razoáveis e as obrigações propostas devem atender ao princípio da proporcionalidade. A aceitação do programa não deve, em nenhuma hipótese, ser usada como indício ou prova no processo penal, seja o original seja em um outro. (PINTO, 2005, p. 22).

 

                A JR também tem sido orientada pelo CNJ, conforme Carta de encerramento da XI Jornada Maria da Penha, que recomendou que os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal adotem práticas da Justiça Restaurativa nos casos que envolverem violência contra a mulher.

                Corroborando com a premissa de valorização pela autocomposição, importante destacar a Resolução n. 118/ 2014 do CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público, e a previsão de aplicação dos meios alternativos de resolução de conflitos, tais como a mediação e as práticas restaurativas, onde o MP figurar com interveniente e/ou parte.

 

                Art. 1o Fica instituída a POLÍTICA NACIONAL DE INCENTIVO À AUTOCOMPOSIÇÃO NO ÂMBITO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, com o objetivo de assegurar a promoção da justiça e a máxima efetividade dos direitos e interesses que envolvem a atuação da Instituição. Parágrafo único. Ao Ministério Público brasileiro incumbe implementar e adotar mecanismos de autocomposição, como a negociação, a mediação, a conciliação, o processo restaurativo e as convenções processuais, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão sobre tais mecanismos. (MINISTÉRIO PÚBLICO, 2014).

 

No nosso sistema criminal retributivo ou punitivista, baseado na pena e no encarceramento, vige uma estrutura vertical sob o domínio do Estado-juiz, que detém o monopólio do jus puniendi, onde ofensor, vítima e comunidade são considerados objetos, e não sujeitos.

Em contraponto, “a Justiça Restaurativa, ao atribuir às partes a possibilidade de uma atuação mais ativa no processo, que se volta para enfrentar as consequências do delito, pode contribuir para a mudança da percepção negativa do Poder Judiciário” (VASCONCELOS, 2017, p. 264).

 

Assim, pode-se definir a Justiça Restaurativa como um processo no qual todas as partes (vítima, ofensor, pessoas diretamente atingidas, família, comunidade e, eventualmente, representantes de entidades Estatais) que são afetadas pela situação do conflito ou violência, voluntariamente se encontram (de forma ordenada e em espaços seguros e acolhedores) para, por meio de um facilitador, (ou coordenador) – capacitado em técnicas (de mediação, diálogo, consenso, comunicação não-violenta, entre outras) – e por meio de dinâmicas dialogia s e empáticas, expressarem os elementos subjacentes ao conflito ou à situação de violência, possibilitando terem consciência acerca das causas e consequências de suas ações e, após estabelecerem as responsabilidades de cada qual, construirem um plano de ação apto à: (a) reparar o dano; (b) eventualmente, restaurar a relação rompida; e (c) transformar o contexto pessoal, social e institucional que ensejou aquela situação. (ALMEIDA; PELAJO; JONATHAN, 2017, p. 684).

 

                As modalidades de práticas restaurativas previstas na doutrina:

 

(…) a) mediação vítima-ofensor (victim offender mediation), quando os encontros incluem apenas os diretamente envolvidos; (b) conferência (conferencing), em que caberá ao facilitador previamente selecionar ou trabalhar a checagem daqueles que irão participar, ou organizar os grupos, distribuindo os papéis entre os que vão negociar os resultados e os que vão avaliar e validar esses resultados; (c) círculos de diálogo, ou de pacificação, com ou sem função decisória (peacemaking circles), mediante encontro com os principais interessados, com a participação voluntária de outros membros da comunidade interessada; (d) círculos decisórios (sentencing circles), em que a autoridade judicial e representante do MP pode participar como membros da comunidade; cabendo ao magistrado propagar a sentença em consonância com o consensuado no círculo” (…).(VASCONCELOS, 2017, p. 262).

 

                Além da Justiça Restaurativa, no âmbito criminal, quando voltados à resolução de conflitos para suporte ou sentenciamento de alguém que cometeu um ato ilícito/danoso, os processos circulares, ou círculos de paz, tem sido utilizado em outros contextos, tais como família, escolas, empresas, nas comunidades. Cabendo ressaltar seus resultados ou efeitos (positivos) para a vítima, pois, nesse procedimento, ela ocupa o centro do processo, tem um papel e voz ativa, recebe assistência, afeto, restituição de perdas materiais e reparação; para o infrator, que participa ativa e diretamente, interagindo com a vítima, e, principalmente, é visto no seu potencial de responsabilizar-se pelos danos e consequências do delito.

 

A finalidade institucional situa a Justiça Restaurativa como instrumento de aperfeiçoamento do funcionamento da justiça formal. Nesse sentido, a JR representaria um aprimoramento institucional dos órgãos estatais na tarefa de lidar com o ato infracional, significando um acréscimo de eficiência e de humanidade à Justiça Penal. (VASCONCELOS, 2017, p. 263).

 

2.5 Direito sistêmico

 

                O Direito Sistêmico consiste na visão sistêmica baseada em um método  terapêutico fenomenológico para a compreensão e resolução de conflitos, no âmbito do Poder Judiciário, consubstanciado nas Leis de Amor decodificadas por Berth Hellinger, criador do método das constelações familiares ou sistêmicas, quais sejam: a hierarquia, o pertencimento e o equilíbrio entre o dar e o receber, que atuam de forma insconsciente no indivíduo, em forma de harmonia, se respeitadas, ou de conflitos, quando violadas, e por isso mesmo este indivíduo passa a ser visto, na aplicação do Direito Sistêmico, integrando um sistema buscando sua harmonização.

 

Resumidamente podemos explanar que a primeira lei consiste que os entes mais velhos preferem aos mais novos e deve haver uma hierarquia entre os membros da família, um respeito aos ascendentes, já a segunda lei trata que todos devem fazer parte do sistema familiar, sem haver qualquer tipo de exclusão, seja falecido, doente, pobre, deficiente, idoso, etc. Todos devem ser incluídos, reconhecidos e amados e a terceira ordem do amor significa que deve haver um equilíbrio entre o dar e o receber para que não haja um sentimento de dívida com o outro, mas de amor, pois à medida que dou amor, recebo também, havendo um movimento nesse sentido, em que todos os membros da família se beneficiam. (MENDES; LIMA apud, OLDONI; LIPPMANN; GIRARDI, 2017, p. 40)

 

                Berth Hellinger é alemão, nascido em 18 de dezembro de 1925, hoje com 92 anos. Berth criou um método inovador reunindo informações empíricas de suas experiências junto às tribos Zulus, além de seus estudos em filosofia, teologia, pedagogia, psicanálise, terapias familiares, programação neurolinguística, dentre outras.

 

Berth Hellinger organizou, de maneira ímpar todo o conhecimento sistêmico e o tornou disponível para o caminho da cura, do bem estar e do desenvolvimento humano. A técnica das Constelações Familiares pode ser compreendida por meio dos conhecimentos da Biologia, pesquisador por Maturana, Varela, Rupert Sheldrake, notáveis cientistas contemporâneos. (GUEDES apud OLDONI; LIPPMANN; GIRARDI, 2017, p. 27).

 

                O método das constelações familiares, ou sistêmicas, é desenvolvido de forma individual ou coletiva. De modo resumido, nas constelações em grupo, geralmente composto de pessoas desconhecidas umas das outras, o terapeuta, ou constelador,   obtém do constelado informações breves sobre eventos familiares, de modo a identificar padrões anímicos, e escolhe, aleatoriamente, algumas pessoas que irão representar membros da família da pessoa que está sendo constelada. Sem explicação científica, por parte de Berth, as pessoas representantes passam a sentir e agir, com toda autenticidade, de modo idêntico, e sem conhecimento prévio, aos membros reais representados. O movimento dos representantes exterioriza o conhecimento anímico oculto e as forças que nele atuam, tornando -se visíveis e experimentáveis para todos os participantes. O terapeuta, a partir dos movimentos dos representantes, induz alterações no campo sistêmico,  por meio de algumas frases que são repetidas pelos representantes e pelo próprio constelado. Essa alteração produz alívio, traz compreensão e mudanças como uma percepção de solução.

                O direito sistêmico, no Brasil, foi introduzido pelo juiz de direito Sami Stroch, que  atua no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, desde 2006. Stroch, estudioso das leis sistêmicas, iniciou sua abordagem na condução dos conflitos/lides sob sua jurisdição, incialmente nos casos de família, e posteriormente na vara (criminal) da infância e juventude, vislumbrando a possibilidade que o método das constelações familiares, ou sistêmicas, possuem de revelar as causas (desordem, exclusão etc), ocultas ou inconscientes, que atuam por trás do conflito. Os primeiros resultados obtidos, pelo juiz Stroch, na Comarca de Castro Alves, pioneira na aplicação do método, o impressionaram, pois obteve 100% de conciliação, para os casos em que ambas as partes participaram da Constelação, e, 91%, nos casos em que apenas uma das partes estava presente.

 

(…) a aplicação do Direito Sistêmico para e pelos profissionais do direito pode se dar de diversas formas. Trata-se de uma ciência dos relacionamentos, válida para relações humanas, organizacionais e relações jurídicas em geral, uma vez que toda relação constitui um sistema ou se constitui dentro de um.(…) O estudo dessa ciência amplia a compreensão sobre a dinâmica oculta nos conflitos. Cada parte no conflito tem motivos para ter se envolvido nele do modo como fez (seja como agressor, vítima, reivindicador ou devedor), e esses motivos podem ter raízes profundas, que não dizem respeito à outra parte no processo, mas sim a passado familiar de cada um, inclusive de gerações anteriores (STORCH apud , OLDONI; LIPPMANN; GIRARDI, 2017, p.46).

 

                O Direito Sistêmico tem como base normativa a Resolução n. 125 do CNJ, nos termos do seu artigo 1º, estabelece que “fica instituída a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade”, estruturando o sistemas multiportas de acesso à justiça.

Atualmente, o Direito Sistêmico está em plena expansão, já sendo utilizado em dezesseis Estados, no âmbito dos tribunais de justiça, por meio dos CEJUC’s, com destaque para os resultados obtidos pelo Estado de Goiás, que aplica o método desde 2012, no 1º grau de jurisdição,  e desde 2017, no 2º grau, que lhe valeu o primeiro lugar na categoria Tribunal Estadual no V Prêmio Conciliar é Legal, promovido pelo CNJ.

Além dos tribunais, a adoção das leis sistêmicas tem sido objeto de capacitação de advogados, dando início à Advocacia Sistêmica.

 

A advocacia sistêmica é uma nova forma de posicionamento do advogado em relação ao mercado, constituída de quatro perspectivas: proposta de valor sistêmico; relacionamento com foco no cliente; modelo estratégico consensual; sistema operacional multiportas. (OLDONI; LIPPMANN; GIRARDI, 2017, p. 47).

 

                A advocacia sistêmica, enquanto modelo de gestão, visa o aprimoramento das habilidades e competências requeridas do advogado nesse novo contexto não adversarial, objeto desse estudo, ou seja, o desenvolvimento pessoal e profissional dos advogados, considerando o pensamento sistêmico, capacitando-os à utilização de técnicas e ferramentas como as constelações familiares e organizacionais, coaching sistêmico, PNL – programação neurolinguística, mediação e conciliação.

                No que se refere à esfera penal, o método das constelações familiares, ou sistêmicas, assim como ocorre na implementação da Justiça Restaurativa, tem limitação à sua utilização, posto que, no processo penal, o conflito não é entre as partes,  pois o Estado assume o papel de acusar, sendo parte o Ministério Público, e, do outro lado, o suposto autor do delito; a vítima é preterida, não lhe permitindo participar do processo. O não pertencimento da vítima no sistema, que pode ter o desejo, ou não, de punir o agressor, bem como atenuar sua pena, assim como o não pertencimento do próprio agressor, pela importância de se responsabilizar pelos seus atos, está em desacordo com as leis de hierarquia e equilíbrio, basilares das constelações familiares.

Dessa forma, somente na hipótese de um procedimento criminal, onde a Justiça Restaurativa estivesse devidamente regulamentada, em face de conformar-se em um espectro mais amplo, que preocupa-se, essencialmente, com a reparação do dano causado pelo crime, as Constelações Familiares, ou Sistêmicas, poderiam ser adequadamente utilizadas, como técnica para uma aproximação dos envolvidos, desvendando, em nível sistêmico individual, a compreensão das causas ocultas que atuam na prática do crime e a consequente modificação perante tal conhecimento, como alternativa à prisão.

Outrossim, a ausência desta regulamentação não afasta a aplicação das constelações familiares, na execução penal, uma vez que, oportunizando ao encarcerado ser ouvido e percebido, diante da completa exclusão em que se encontra, e mais, disponibilizando-lhe técnica que lhe proporcione conhecer a si mesmo, a existência de um sistema no qual ele pertence, poderá mudar sua compreensão sobre a situação de preso e sua postura no futuro, evitando-se a sua reincidência criminal.

 

3. DIRETRIZ CURRICULAR ESTABELECIDA PELO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO PARA O CURSO DE DIREITO QUANTO AOS MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

 

                A pesquisa documental foi realizada no site do Ministério da Educação, notadamente os documentos: (a) Nota Técnica n. 793/2015 – CGLNRS/DPR/SERES/MEC; (b) Resolução CNE/CES n. 9/2004; (c) Resolução CNE/CES n. 3/2017; (d) Parecer n. 211/2004 CNE/CES, expedidos pela Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior/Diretoria de Política Reguladora/Coordenação-Geral de Legislação e Normas de Regulação e Supervisão da Educação Superior; e pelo Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior.

                Consubstanciado nas informações obtidas, especialmente a Nota Técnica n. 793/2015 CGLNRS/DPR/SERES/MEC, que trata de esclarecimentos sobre dúvidas frequentes, ementa - grade curricular de cursos de educação superior-, cujos interessados são as Instituições de Educação Superior, alunos e comunidade em geral, atualmente, as Instituições de Ensino Superior possuem autonomia para a elaboração de suas matrizes curriculares de seus cursos, independentemente da existência de normatização pelo Ministério da Educação, por meio de Diretrizes Curriculares Nacionais específicas.

 

O princípio subjacente a essa prerrogativa de autonomia em matéria curricular, a saber, a flexibilização dos currículos da graduação, tem por objetivo estimular nas Instituições de Ensino Superior a inovação, a criatividade e a responsabilidade pela implementação de projetos pedagógicos que tenham a excelência como horizonte. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2015).

 

                Relativamente às Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN’s, por sua vez, são referenciais que disciplinam a elaboração dos projetos pedagógicos de curso das Instituições de Ensino Superior, não constituindo-se em um corpo normativo rígido.

                No que tange ao curso de Direito, por meio da Resolução CNE/CES – Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior - n. 9, de 29 de setembro de 2004,

foi instituída as diretrizes curriculares nacionais do curso (de Direito), que foi decidida com base no Parecer n. 211, de 08 de julho de 2004 - CNE/CES – Conselho Nacional de Educação/Câmara de Ensino Superior – cujo relatório estabelece que:

 

(…) as DCNs para o curso de graduação em Direito devem refletir uma dinâmica que atenda aos diferentes perfis de desempenho a cada momento exigido pela sociedade, nessa “heterogeneidade das mudanças sociais”, sempre acompanhadas de novas e mais sofisticadas tecnologias, novas e mais complexas situações jurídicas, a exigir até contínuas revisões do projeto pedagógico do curso jurídico, que assim se constituirá a caixa de ressonância dessas efetivas demandas, para formar profissionais do direito adaptáveis e com a suficiente autonomia intelectual e de conhecimento para que se ajuste sempre às necessidades emergentes, revelando adequado raciocínio jurídico, postura ética, senso de justiça e sólida formação humanística.

(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004).

 

                O Relatório, que contém o Parecer n. 211, demonstra as alterações históricas  promovidas na estrutura curricular do curso de Direito, desde o currículo único (de 1827 até 1962);  para currículo mínimo (1962); currículo mínimo nacional e currículos plenos institucionais (1994); diretrizes curriculares nacionais (1995) e suas alterações promovidas posteriormente, até o citado Parecer.

                Dessa forma, as Diretrizes Curriculares do curso de graduação em Direito, instituídas pela Resolução CNE/CES N. 9, em seu artigo 2º, parágrafo 1º, dispõe:

 

§ 1° O Projeto Pedagógico do curso, além da clara concepção do curso de Direito, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização, abrangerá, sem prejuízo de outros, os seguintes elementos estruturais:

[...] IV - formas de realização da interdisciplinaridade; V - modos de integração entre teoria e prática; (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004).

 

Merece destaque o inciso VIII, do artigo 4º da mesma Resolução, que define as habilidades e competências mínimas que o curso deverá possibilitar na formação profissional, no tocante ao “domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004). Assim também, o inciso I, do artigo 5º, que dispõe sobre os eixos interligados de formação, quanto à transdiciplinaridade requerida:

 

I - Eixo de Formação Fundamental, tem por objetivo integrar o estudante no campo, estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber, abrangendo dentre outros, estudos que envolvam conteúdos essenciais sobre Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004).

 

CONCLUSÃO

 

                O Ministério da Educação prima pela atualização dos currículos dos Cursos de Direito às exigências naturais do contexto social e jurídico, em sua dinâmica peculiar, assim  como o estímulo à inovação, criatividade e interdisciplinaridade para construção do modelo de formação  profissional lhe seja compatível, ou seja, viabilize o desenvolvimento de competências e habilidades inerentes ao excelente desempenho do educando quanto à compreender e aplicar o Direito, com fundamento em critérios essenciais de senso de justiça e sólida formação humanística.

                Considerando, fundamentalmente, a terceira onda renovatória proposta por Mauro Capeletti, que diz respeito ao aperfeiçoamento dos instrumentos processuais e à utilização de novos mecanismos, dentro e fora da jurisdição,  como uma realidade do direito processual brasileiro, a partir do novo paradigma colaborativo, implementado pelo Código de Processo Civil, e pela Lei da Mediação, e Políticas Públicas, no âmbito  do Poder Judiciário, e do Ministério Público, que ensejam uma releitura do princípio constitucional da inafastabilidade  da jurisdição,  segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, e do próprio conceito de acesso à justiça inserido no  sistema denominado multiportas.

Considerando que uma mudança conceitual e cultural se realiza gradativamente, e necessariamente mediante a implementação de um conjunto sistematizado e estruturado de ações (objetivos específicos) que convirjam para um ponto central estabelecido (objetivo geral), de forma a assegurar-lhe viabilidade e efetividade.

Concluímos que, nesse contexto de reestruturação, ora detalhado, as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Direito, estabelecidas pelo Ministério da Educação, possibilitam a elaboração e atualização das matrizes curriculares das Instituições de Ensino Superior, de forma autônoma, pelas Instituições de Ensino Superior do curso de Direito, assegurando, entretanto, parâmetros essenciais claros à formação profissional que deverão ser cumpridos por elas com vistas à excelência no atendimento às demandas jurídicas, relativamente à capacitação e desenvolvimento de habilidade de negociação através dos diversos métodos alternativos de resolução de conflitos, ora em plena aplicação e expansão, no âmbito do Poder Judiciário.

Cabe ressaltar que as inovações processuais introduzidas na legislação brasileira, pertinentes ao tema discorrido, caracterizam de forma muito enfática uma humanização do processo, e uma mudança conceitual do senso de justiça, uma vez que, uma decisão justa deve inserir-se num procedimento adequado à sua natureza, pelo qual, inclusive, a ausência de disciplinas, teóricas e práticas, correlatas, na matriz curricular das Instituições de Ensino Superior do curso de Direito, estará em desacordo com o disposto nas Diretrizes Nacionais do curso, especificamente, o inciso VIII, do artigo 4º da Resolução CNE/CES N. 9, que define as habilidades e competências mínimas que o curso deverá possibilitar na formação profissional, no tocante ao “domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO), assim como no que se refere aos seus objetivos, quanto às habilidades do formando “revelando adequado raciocínio jurídico, postura ética, senso de justiça e sólida formação humanística”. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004).

 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Tania; PELAJO, Samantha; JONATHAN, Eva. Mediação de Conflitos: para iniciantes, praticantes e docentes. Salvador: JusPODIVM, 2004.

BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988.  Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 08 nov. 2017.

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Como citar o texto:

GOMES, Vanise Coelho; MARQUES, Vinicius Pinheiro..Acesso à justiça: os meios alternativos de resolução de conflitos e tratamento dispensado pelos cursos de Direito. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 29, nº 1540. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/4105/acesso-justica-os-meios-alternativos-resolucao-conflitos-tratamento-dispensado-pelos-cursos-direito. Acesso em 25 jun. 2018.

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