RESUMO

A coisa julgada tem por função assegurar que os efeitos decorrentes de decisões judiciais não possam mais ser modificados, tornando definitiva. O instituto visto a partir da ausência de limites, acaba por desconsiderar princípios indispensáveis ao equilíbrio do sistema jurídico. A segurança obtida a partir da estabilidade das relações jurídicas representa não só um instituto jurídico, mas uma garantia à manutenção do estado democrático de direito. A constituição da república federativa do Brasil elenca o instituto da coisa julgado como corolário democrático, impedindo que seja atingido por meio de ingerências ou intempéries futuras. A depender da relação jurídica, não há como ignorar o fato de que a realidade pode ser naturalmente inconstante, admitindo concepções e circunstâncias que obrigam o legislador e o intérprete a prever a aplicação de instrumentos que possam conceber efeito não perene ao que possa, em determinada época, ser decidido. A relação de paternidade é definida, quando objeto de controvérsia, por meio de decisão proferida pelo Poder Judiciário. Os critérios utilizados para formação do juízo de convicção podem não oferecer à relação jurídica certeza de perenidade. A admissão de que tais critérios não oferecem certeza absoluta, mesmo após o decurso de certo lapso temporal, pode não oferecer a imutabilidade conferida pelo instituto da coisa julgada.

PALAVRAS CHAVE: Coisa Julgada. Paternidade. Segurança Jurídica. Relativização.

RESUMEN

La cosa juzgadatiene por funciónasegurar que losefectos derivados de lasdecisionesjudicialesya no puedan ser modificados, haciendo definitiva. El instituto visto a partir de laausencia de límites, acaba por desconsiderar principiosindispensables para elequilibriodel sistema jurídico. La seguridadobtenida a partir de laestabilidad de las relaciones jurídicas representa no sóloun instituto jurídico, sino una garantía para elmantenimientodel estado democrático de derecho. La constitución de la república federativa de Brasil elabora el instituto de la cosa juzgado como corolario democrático, impidiendo que seaalcanzado por medio de ingerencias o intemperies futuras. A depender de larelación jurídica, no hay como ignorar elhecho de que larealidadpuede ser naturalmente inconstante, admitiendoconcepciones y circunstancias que obligan al legislador y al intérprete a prever laaplicación de instrumentos que puedanconcebirefecto no perenne a lo que pueda, en determinada de la época, ser decidido. La relación de paternidad es definida, cuando es objeto de controversia, por medio de una decisióndictada por el Poder Judicial. Los criterios utilizados para laformacióndeljuicio de convicciónpueden no ofrecer a larelación jurídica certeza de perennidad. La admisión de que tales criterios no ofrecen certeza absoluta, incluso despuésdel transcurso de cierto lapso temporal, puede no ofrecerlainmutabilidad conferida por el instituto de la cosa juzgada. 

PALABRAS CLAVE: Cosa juzgada. La paternidad. Seguridad jurídica. Relativización.

INTRODUÇÃO

O surgimento do exame de DNA como meio seguro e legítimo de se aferir a verdade real quanto à relação de paternidade biológica potencializou o juízo de certeza, considerando o elevado grau de precisão obtida a partir da tecnologia aplicada neste tipo de exame.

Por outro lado, as relações jurídicas decorrentes da paternidade biológica estabelecidas sob o contexto anterior à referida modalidade probatória tiveram o seu grau de irrefutabilidade questionada.

Por esta razão, o instituto da coisa julgada, como garantia constitucional, passou a ser interpretado a partir de uma realidade fática, capaz de revolucionar a metodologia de instrução processual quando se tratar de controvérsias jurídicas que dependem de identificação por meio da utilização de material genético.

Incontáveis demandas judiciais, nas áreas cível e criminal, foram julgadas a partir de elementos probatórios construídos à partir de elementos frágeis, mas que no contexto que se encontram inseridos, era o que poderia subsidiar uma sentença judicial. Neste cenário, pessoas foram condenadas ao cumprimento das mais diversas penas, em face da acusação de prática de ilícito penal, a partir de provas plenamente refutáveis, assim como elementos foram absolvidos em face da insuficiência probatória.

Da mesma forma, pais e filhos passaram assim serem denominados a partir de uma sentença judicial, muitas vezes, firmada e sustentada em provas testemunhais, plenamente controvertidas. Como também, relações de parentesco nunca deixaram de ser construídas em decorrência desta mesma fragilidade probatória.

Com o surgimento da identificação biológica a partir do exame de DNA, certezas foram inseridas nos novos contextos e controvérsias surgidas, porém, aquelas antes resolvidas passaram a ter a sua estabilidade questionada.

A relativização traria nessas hipóteses de justiça à causa, pois as pessoas que antes tiveram suas demandas julgadas improcedentes ou mesmo procedentes baseando-se na insuficiência/carência de provas, poderiam retornar ao judiciário para buscar uma prestação que melhor retrate a verdade real.

No desenvolvimento deste trabalho, utilizou-se do método dedutivo, e a pesquisa necessária para construção deste produto foi eminentemente bibliográfica, levando à consulta de opiniões exaradas por experts na área de direito constitucional, família e processual, bem como aos mais importantes repositórios de julgados produzidos no País, e relacionados ao tema.

No presente estudo será abordado o importantíssimo instituto da coisa julgada, seus efeitos, a diferenciação entre coisa julgada formal e material, limites objetivos e subjetivos.

Será explorada a paternidade, os critérios existentes para aferição, as formas de reconhecimento e a ação de investigação de paternidade. Da mesma forma, será analisado o conflito estabelecido entre importantes princípios constitucionais.

1 O INSTITUTO DA COISA JULGADA

Como já destacado, sob a égide da CRFB/88, a coisa julgada alcançou o status de garantia constitucional, indispensável à estabilização das relações jurídicas e ao estado democrático de direito.

Luiz Dellore, doutor e mestre em Direito Processual pela USP ao publicar um artigo no site do JOTA (2018, online) sobre a temática, leciona que “a coisa julgada é um tema bastante complexo, a respeito do qual existem grandes divergências doutrinárias, literalmente ao longo dos séculos”.

Ainda nesse toar, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), aduz em seu artigo 6º, § 3º, que “chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial que não caiba recurso”. (BRASIL, 1942).

Desta forma, o melhor conceito a ser empreendido para o instituto o relaciona à impossibilidade de se discutir uma matéria fático-processual, vez que a lei preordena um prazo para cada ato processual. Findado esse prazo, não seria mais possível fazer o reexame da matéria, pois estaria coberto pela autoridade da coisa julgada, como bem assenta a doutrina majoritária.

O instituto encontra previsão na Magna Carta no artigo 5º, inciso XXXVI e também no Código de Processo Civil em seus artigos 502 ao 508.

FredieDiddier Jr argumenta que a indiscutibilidade opera em duas dimensões, sendo elas:

Em uma dimensão, a coisa julgada impede que a mesma questão seja decidida novamente – a essa dimensão dá-se o nome de efeito negativo da coisa julgada. Se a questão decidida for posta novamente para a apreciação jurisdicional, a parte poderá objetar com a afirmação de que já há coisa julgada sobre o assunto, e impedir o reexame do que fora decidido. A indiscutibilidade gera, neste caso, uma defesa para o demandado (art. 337, VII, CPC). Na outra dimensão, a coisa julgada deve ser observada, quando utilizada como fundamento de uma demanda – a essa dimensão dá-se o nome de efeito positivo da coisa julgada. O efeito positivo da coisa julgada determina que a questão indiscutível pela coisa julgada, uma vez retornando como fundamento de uma pretensão (como questão incidental, portanto), tenha de ser observada, não podendo ser resolvida de modo distinto. O efeito positivo da coisa julgada gera vinculação do julgador (de uma segunda causa) ao quanto decidido na causa em que a coisa julgada foi produzida. O juiz fica adstrito ao que foi decidido em outro processo. (DIDIER JR, 2015, p. 513-514)

A coisa julgada possui dois pressupostos: uma decisão judicial fundada em cognição exauriente, conforme preceitua o artigo 502 do CPC; o trânsito em julgado da decisão(se dá quando não é mais cabível recurso). (BRASIL, 2015)

Fredie Diddier afirma que “A coisa julgada é uma concretização do princípio da segurança jurídica. A coisa julgada estabiliza a discussão sobre uma determinada situação jurídica, consolidando um direito adquirido reconhecido judicialmente”.(DIDIER, 2015, p. 517)

Desta forma, conclui-se que o presente instituto surge a partir da necessidade de se evitar a perpetuação dos litígios, bem como evitar incertezas ad eternumem relação ao resultado útil do processo.

Assim, Luiz Guilherme Marinoni prossegue explicando que a coisa julgada “é a imutabilidade decorrente de sentença de mérito, que impede sua discussão posterior”. (MARINONI, 2015, p. 620). Ou seja, o ato judicial coberto pelo manto da coisa julgada não seria mais passível de ser discutido supervenientemente, exceto que observe prazo determinado na legislação para desconstituir a coisa julgada, mediante ação própria.

Observa-se, portanto, que o instituto da coisa julgada visa de forma precípua garantir a estabilidade das decisões judiciais; uma vez proferida a decisão e esta transitar em julgado, em tese, não será mais passível de ser reanalisada.

A coisa julgada divide-se em coisa julgada formal e coisa julgada material.

Por se tratar de um instituto que surge no contexto de uma demanda judicial, especificamente após alguma decisão judicial responsável por resolver a lide, a divisão estabelecida pelo ordenamento processual civil, no tocante aos motivos ensejadores ao encerramento da relação processual, influencia a modalidade de incidência do instituto da coisa julgada. Levando-se em consideração do contexto em que se alcança a coisa julgada, leva a denominá-la como sendo formal ou material

A coisa julgada formal se refere a uma manifestação da coisa julgada no próprio processo em que a decisão foi proferida. A impossibilidade de se modificar a decisão é um fenômeno interno ao processo, quando já não é mais cabível nenhum recurso, seja pelo fato de terem sido esgotadas todas as possibilidades recursais ou pelo fato de o recurso adequado não ter sido interposto no prazo legal.

Leonardo Greco, aduz que a coisa julgada formal é entendida como:

Aquela que adquire a imutabilidade da sentença no mesmo processo em que foi proferida, em razão da preclusão ou esgotamento de todos os recursos. Ou seja, no mesmo processo, depois de esgotados os recursos, não se pode decidir novamente o objeto da coisa. Há, como chamado trânsito em julgado da sentença, o término do ofício jurisdicional, formando-se a coisa julgada formal. (GRECO, 2010, p. 366),

Em contrapartida, a coisa julgada material, consiste no impedimento de que a questão já decidida em caráter definitivo, volte a ser discutida em qualquer outro processo. Se assim não o fosse, os litigantes poderiam bater na porta judiciário com a mesma questão e as decisões judicias pouco valor teriam.

A vedação existente para que se rediscuta a questão, exige que tenha havido decisão judicial a respeito da pretensão posta em juízo. Caso o magistrado tenha extinguido o processo sem resolução de mérito, a renovação da demanda não implicará rediscussão do que foi decidido, mas nova tentativa de obter do judiciário um exame do pedido. Ou seja, faz-se mister que haja decisão de mérito que aprecie a pretensão formulada em juízo favorável ou não ao autor. 

Para melhor definição deste instituto, cabe ressaltar o que dispõe o artigo 337 do Código de Processo Civil que preceitua existir a coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado.O parágrafo 2º deste mesmo artigo esclarece que uma ação será idêntica a outra quando nela possuir as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. (BRASIL, 2015)

Ressalte-se ainda que em todo processo é chegada a hora de ser proferida uma decisão. Quando se resolve o mérito da questão, como ocorre nos casos previstos no artigo 478 do CPC/2015, com o trânsito em julgado, a um só tempo produzirá desde logo o efeito formal e material (DONIZETTI, 2016).

Ademais, o jurista Alexandre Freitas Câmara (CÂMARA, 2003, p.40) preceitua que: “a teoria a ser adotada para o reconhecimento da coisa julgada material deve ser, portanto, a da identidade da relação jurídica”. Prossegue aduzindo que:

O novo processo deve ser extinto quando a res in iudicim deducta for idêntica a que se deduziu no processo primitivo, ainda que haja diferença entre alguns dos elementos identificadores da demanda. Imagina-se a seguinte hipótese: ajuizada a demanda que pretende o autor a declaração (pretende-se, pois, sentença meramente declaratória) da existência de um crédito em seu favor, vê o demandante em seu pedido ser rejeitado, por ter sido provocado pelo réu que já havia efetuado o pagamento Após o trânsito em julgado da sentença, propor o autor (o mesmo autor) nova demanda, em face do mesmo réu, e com base na mesma causa pretendi, mas agora pleiteando a condenação do réu ao pagamento do débito. Parece claro que estamos diante de demandas distintas, já que os pedidos formulados são diferentes. Ainda assim, porém, o resultado deste segundo processo sem resolução de mérito, em razão da existência de coisa julgada material revestido a sentença que declarou a inexistência do crédito. Este resultado, porém, não é alcançada pela utilização da teoria tríplice identidade, mas sim pela teoria da identificação da relação jurídica. (CÂMARA, 2003, p.40)

Nesse viés, sendo o processo extinto sem resolução do mérito, para a propositura de nova demanda deve-se necessariamente observar a trilogia processual, qual seja: partes, causa de pedir e pedido. Dessa maneira, o magistrado só receberá nova demanda, se ela possuir distintos da ação primitiva. Caso contrário, o processo seria extinto sem resolução de mérito, em decorrência do primeiro já ter sido apreciado e ter ocorrido a coisa julgada.

Portanto, em síntese, uma vez o processo coberto pelo manto da coisa julgada material, aquela decisão proferida, em regra, não será passível de ser reanalisada e nem analisada em outro processo. A exceção seria a utilização de ação autônoma, conhecida pela terminologia de sucedâneo recursal, a qual objetiva-se rescindir a decisão de mérito transitada em julgado.

Chega-se à conclusão de que o que difere a coisa julgada material da coisa julgada formal é que a primeira possui óbice de ser discutida no mesmo processo ou em outro processo, pois só a coisa julgada material quando há a análise de mérito da matéria fático-processual. De outro lado, a coisa julgada formal, por não ter sido analisado o mérito propriamente dito da questão não poderá ser discutida no mesmo processo, mas não há óbice de ser discutida em um eventual processo superveniente. De sorte, é o entendimento prelecionado no artigo 486 do CPC/2015, vejamos “o pronunciamento judicial que não resolve o mérito não obsta a que a parte proponha de novo a ação”. (BRASIL, 2015).

2 LIMITES À COISA JULGADA: OBJETIVOS E SUBJETIVOS

Os limites objetivos consiste em identificar o que não poderá ser efetivamente discutido em outros processos. A coisa julgada é uma qualidade dos efeitos da decisão de mérito. Não é todo conteúdo da decisão que se tornará indiscutível, mas somente o que ficar decidido a respeito da pretensão que fora formulada.

As partes da sentença são: o relatório, a fundamentação e o dispositivo. No dispositivo o juiz rejeita ou acolhe a pretensão que foi formulada pela parte, e apenas essa será alcançada pela coisa julgada material.

Neste sentido, o artigo 504 do CPC/15 dispõe que “não faz coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II- a verdade dos fatos estabelecidas como fundamento da sentença”. (BRASIL, 2015)

Marcus Vinicius Rios Gonçalves (2010, p. 22 e 23) preceitua que:

De todas as partes da sentença, somente o dispositivo, que contém o comando emitido pelo juiz, fica revestido da autoridade da coisa julgada material. Os motivos e fundamento não se tornam imutáveis, e podem ser rediscutidos em outro processo, por mais importantes que tenham sido para a formação da convicção do julgador.

Quanto aos limites subjetivos, a limitação diz respeito aos sujeitos do processo para quem a sentença torna-se indiscutível. Sua fundamentação repousa no artigo 506 do CPC, pelo qual: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”. (BRASIL, 2015)

Importante ressaltar que a coisa julgada alcança apenas as partes do processo, mas não terceiros, estes apenas eventualmente poderão ser beneficiados.

No dizer de Cândido Rangel Dinamarco existem duas razões para que a coisa julgada seja limitada às partes que figuraram no processo: a garantia constitucional do contraditório e o desinteresse dos terceiros pelos resultados do processo que não lhes afeta diretamente[3].

O CPC prevê mecanismos pelos quais pode ser afastada a coisa julgada, desconstituindo-a.

Constituem meios para afastar a aplicabilidade da coisa julgada: a) a ação rescisória, prevista no artigo 966 do CPC; b) a impugnação ao cumprimento de sentença, quando o objeto for desconstituir ou declarar ineficaz o título; e c) a ação declaratória de ineficácia. (BRASIL, 2015)

Após o esgotamento dos recursos, a sentença transitará em julgado. Não sendo mais possível rediscuti-la nos mesmos autos, pois haverá coisa julgada formal, efeito comum tanto às sentenças terminativas quanto às definitivas. Sendo o julgamento de mérito, haverá também a coisa julgada material sobre todas as decisões definitivas, que projeta seus efeitos fora do processo, impedindo que as partes rediscutam, em qualquer outro, aquilo que tenha sido decidido sobre os pedidos.

A lei, em casos excepcionais, permite que se utilize de ação autônoma de impugnação cuja finalidade é desconstituir a decisão de mérito transitada em julgado. Sendo possível nela, postular a reapreciação daquilo que foi decidido em caráter definitivo. Este mecanismo é chamado de ação rescisória.

Portanto, a ação rescisória consiste em uma ação cuja finalidade é desfazer o julgamento já tornado definitivo.

Suas hipóteses de cabimento estão elencadas no artigo 966 do CPC, podendo-se aduzir que de maneira geral, é o caminho adequado para suscitar nulidades absolutas que contaminaram o processo ou a decisão.

No que toca às ações anulatórias ou declaratórias de nulidade (art. 966, § 4º CPC), será cabível quando a sentença for apenas de homologação ou quando ocorrer acordo entre os litigantes. Nos casos supracitados, a ação rescisória não será o mecanismo adequado para impugnação, sendo as ações anulatórias ou declaratórias de nulidades, previstas para os atos jurídicos em geral. Aqui, o objeto da rescisão é a transação, ou seja, o ato de disposição dos litigantes. Caberá a declaratória em caso de nulidade, e a anulatória em caso de anulabilidade.

A ação rescisória é cabível quando o processo ou decisão contém uma nulidade absoluta. Após a superação desse prazo, o vício que os contamina estaria sanado, pois mesmo as nulidades absolutas têm um limite para serem alegadas.

No direito, tem sido admitido uma categoria de vícios mais grave, que não seriam sanados com o transcurso do prazo das ações rescisórias. Quando este fato se der, a ação cabível será a declaratória de ineficácia, “querela nullitatisinsanabiis”, que diferente da rescisória não tem prazo e também é proposta em primeiro grau de jurisdição, diferente da rescisória que é no tribunal.

4 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

Em um lapso temporal de 2 (dois) anos a contar o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, existe a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória, sendo possível desconstituir a coisa julgada. Ultrapassado esse prazo, não havia como afastá-la, nem naquelas situações em que é manifesto o equívoco da decisão.

Durante muito tempo esse dogma permaneceu inatacável, porém tem sofrido alguns abalos. Isso se dá ao fato de que, ver esse instituto como algo intangível e absoluto, poderiam ser eternizadas injustiças.

A teoria da relativização prega a possibilidade de em situações excepcionais, se afastar a coisa julgada.

Neste sentido, Marcus Vinicius Rios Gonçalves:

Atualmente, começa-se a admitir, tanto na doutrina como na jurisprudência a possibilidade de, em circunstâncias excepcionais, mitigar-se a autoridade da coisa julgada matéria, quando ela contrariar valores que a ultrapassem em importância. Sua finalidade é dar segurança e estabilidade às relações jurídicas na busca da pacificação social. Mas ela não pode ser tal que imunize julgadores violadores de garantias ou direitos constitucionais, ou que transgridam valores éticos ou jurídicos cuja ofensa fere gravemente o ordenamento jurídico. (GONÇALVES, 2010, p.31)

Neste mesmo sentido, Cristiano Chave assevera:

As regras ordinárias sobre a coisa julgada não podem ir de encontro à Lex Mater, nem – o mais importe! – se sobrepor aos direitos mínimos da existência humana, como a verdade sobre a paternidade. Pensar diferente é trafegar na contramão da história é colidir frontalmente com a evolução das pesquisas genéticas. Se assim não o fosse, qual a vantagem do avanço científico, do estudo da genética, por exemplo? A ciência, nessa área, está a serviço da verdade e se nos impõe usá-la. (CHAVES, 2015 p. 663)

Chega-se à constatação de que é necessário que haja a possibilidade de relativização, pois há valores maiores que a segurança jurídica que devem ser resguardados. Caso assim não o fosse, causaria o risco de gerar sérios danos.

5 O SISTEMA PROCESSUAL VOLTADO À INVESTIGAÇÃO E DEFINIÇÃO DE PATERNIDADE BIOLÓGICA

O termo filiação possui origem do latim, filiatio, significando a relação de descendência entre o pai e filho. Em dicionário jurídico vem descrita coo sendo uma “relação que existe entre uma pessoa e outra de quem descende em primeiro grau, também, do vínculo de parentesco que liga uma pessoa em relação ao seu pai ou a sua mãe” (NETO, 2010, p.294)

Carlos Roberto Gonçalves assevera:

Filiação é a relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àquela que a geraram, ou a receberam como se a tivessem gerado. Todas as regras sobre parentesco consanguíneo estruturam-se a partir da noção de filiação, pois a mais próxima, a mais importante, a principal relação de parentesco é a que se estabelece entre pais e filhos. (GONÇALVES, 2017, p. 408)

As regras que tratam da filiação estão dispostas no Código Civil nos artigos 1.596 a 1.606.

Regulada pela Lei nº 8.560/12, a ação de investigação de paternidade, é definida como aquela em que o filho nascituro ou nascido, autor da ação, interpõe uma ação judicial com a finalidade de obter o reconhecimento forçado da relação de parentesco contra suposto pai, quando este não fez o reconhecimento voluntário.

No que toca ao reconhecimento voluntário, a referida lei aduz que há 4 (quatro) modos, sendo eles: no registro do nascimento; por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivo em cartório; por testamento, ainda que incidentalmente manifestado; e por fim, por manifestação direta e expressa perante o juiz, mesmo que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém. Qualquer dessas formas, será irrevogável o reconhecimento (BRASIL, 2002).

Em contrapartida, a referida lei também regula o reconhecimento forçado da filiação que se dá quando o filho interpõe uma ação judicial com a finalidade de obter o reconhecimento forçado da relação de parentesco, vez que o suposto pai não fez o reconhecimento voluntário. É uma ação personalíssima e é imprescindível a presença do Ministério Público. 

O artigo 27 do Estatuto da Criança e Adolescente (Lei nº 8.609/90) reforça as características do reconhecimento da filiação quando dispõe “O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça”. (BRASIL, 1990)

No que toca à legitimidade para interposição da ação, aduz Carlos Roberto Gonçalves:

A legitimidade ativa para o ajuizamento da ação de investigação de paternidade é do filho. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, por isso, a ação é privativa dele. Se menor, será representado pela mãe ou tutor. [...] Também a Lei n 8.560/92 permite que a referida ação seja ajuizada pelo Ministério Público, na qualidade de parte, havendo elementos suficientes, quando o oficial do Registro Civil encaminhar ao juiz os dados sobre o suposto pai, fornecidos pela mãe ao registrar o filho (art. 2º, § 4º), anda que o registro de nascimento tenha sido lavrado anteriormente à sua promulgação. Trata-se de legitimação extraordinária deferida aos membros do Parquet, na defesa dos interesses do investigando. (GONÇALVES, 2017, p. 457-460)

Paulo Lobo (2011, p.265). assevera que “A legitimidade para a ação é exclusiva do filho, mas a contestação pode ser feita por qualquer pessoa, que justo interesse tenha, segundo as expressões da lei”.Já a legitimidade passiva recai ao suposto pai e aos interessados que possam ser afetados pela decisão judicial.

A Lei nº 8.560/12, em seu artigo 2º tem-se que “na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos.” (BRASL, 2012)

Pode-se destacar nesta ação a prova pericial, que é obtida através de meios técnicos e subdividindo-se em exames, vistorias e arbitramentos, e dentre os mais utilizamos, temos o exame de DNA.

Este deve ser visto como mais um meio de prova, não sendo o único e absoluto. Faz-se mister a necessidade dos demais meios de provas, analisando sua valoração, com a finalidade de assegurar a certeza da relação existente entre o réu e a genitora do autor, uma vez que o réu pode recursar-se a submissão do exame. 

A lei 8.560/92 que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento também prevê a possibilidade de se presumir a paternidade quando, analisando a situação em que se encontrava o suposto pai com a genitora do autor ou pelo conjunto de provas que fora apresentado nos autos ou da recusa do suposto pai em não aceitar a submissão de determinada prova, esse fato gera desconfiança de que tenha algum vínculo biológico com o autor, sendo possível efetivar-se a suposta paternidade. Essa presunção é relativa, sendo necessária a apresentação de outras provas que sejam capazes de convencer o magistrado da efetiva e absoluta paternidade do suposto pai. (BRASIL, 1992)

O Código Civil em seu artigo 1.597 traz algumas situações que se presume a paternidade e pode ser encontrada também na súmula 301 do STJ que prega que “em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”.

Neste sentido, tem-se o importante julgado:

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RECUSA DO RÉU A SE SUBMETER AO EXAME DE DNA. 1. A recusa imotivada do investigado a se submeter ao exame de DNA constitui elemento de prova seguro para agasalhar a convicção sobre a paternidade. 2. O comportamento processual desenvolvido pela parte é, em si mesmo, valioso elemento de prova, revelando que o réu deliberadamente abdicou do direito de revelar a verdade biológica, ficando claro que assim procedeu por sabê-la contrária ao seu interesse. Incidência do art. 231 do CCB. 3. Se o réu, por três vezes, deixou de comparecer sem justificativa plausível, para submeter-se ao exame de DNA, sabedor que esta seria a única prova capaz de elucidar os fatos ocorridos, e, depois, compareceu aos autos para afirmar que não se submeteria à prova pericial, torna-se imperiosa a procedência da ação, com a aplicação da presunção da paternidade de que trata a súmula 301 do STJ. 4. A conduta do réu de se recusar a contribuir para o cabal esclarecimento dos fatos e a interposição do recurso alegando fragilidade da prova aproxima-se perigosamente da litigância desleal. Recurso desprovido. (Apelação Cível Nº 70074880428, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 24/10/2017).

(TJ-RS - AC: 70074880428 RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Data de Julgamento: 24/10/2017, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 26/10/2017)

Conforme foi dito, essa presunção é relativa, fazendo necessário o conjunto probatório juntado pelo autor ou sua representante legal para convencer o juiz da paternidade do réu.

No que se refere a realização do exame de DNA, para os beneficiários da assistência judiciária gratuita, a realização será gratuita, conforme preceitua o Código de Processo Civil no seu artigo 98, § 1º, inciso V. (BRASIL, 2015)

Quando se é reconhecida a paternidade, esse ato jurídico é irrevogável e irretratável. Significando que o pai não poderá arrepender-se. É possível a invalidação judicial através de ação negatória de paternidade caso houver vício de consentimento.

6 O CONFRONTO PRINCIPIOLÓGICO PARA SE ALCANÇAR O EQUILÍBRIO NECESSÁRIO

Quando se fala em relativização da coisa julgada, entende-se que há uma colisão entre princípios constitucionais. Encontra-se de um lado a certeza da segurança jurídica que é representada pela coisa julgada e de outro, o princípio da dignidade da pessoa humana, que acaba por representar a justiça do caso concreto.

O Ministro José Augusto Delgado sustenta que “a segurança jurídica imposta pela coisa julgada está vinculada aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade que devem seguir todo ato judicial”, aduz também que o intérprete tem o dever de “ao se deparar com conflito entre princípios da coisa julgada e outros posto na Constituição, averiguar se a solução pela aplicação do superprincípio da proporcionalidade e da razoabilidade, fazendo prevalece-los no caso concreto, conduz a uma solução justa e ética e nunca àquela que acabaria por consagrar uma iniquidade, uma imoralidade”.(DELGADO, 2000).

Com a instauração de um conflito entre os princípios constitucionais referentes à coisa julgada, é necessário para que haja a resolução da questão, uma ponderação dos interesses que se dará por meio do princípio da proporcionalidade.

Faz-se mister que se busque a prevalência do direito que represente a proteção a um bem jurídico maior, buscando assegurar, a máxima efetividade do princípio subjugado. A segurança jurídica não deve ser tida como absoluta diante das injustiças das decisões jurídicas.

Vê-se como inaceitável que a coisa julgada venha a ser analisada isoladamente, sobrepondo-se até mesmo ao direito à filiação.

Antes da década de 90, no Brasil, a investigação de paternidade era realizada por meio de testes que não retratavam um elevado grau de confiabilidade. Normalmente as partes se valiam de provas documentais e testemunhais e, em diversos casos, pela falta de certeza, as ações acabavam sendo julgadas improcedentes e tendo por consequência, a coisa julgada material.

Importante observar que conforme preceitua Rolf Madaleno, as perícias genéticas provocaram uma verdadeira revolução nos meios jurídicos, este fato se dá por haver a possibilidade de alcançar nas ações de investigação ou negatória da paternidade e filiação a verdade real pelo fato de as perícias genéticas atingirem como prova de inclusão o percentual de 99,99% e 100% no caso de exclusão da filiação. (MADALENO, 2017, p.803)

Devido ao surgimento do exame de DNA, por ser um teste de maior confiabilidade, muitos requeridos e autores que judicialmente tiveram suas ações julgadas improcedentes/procedentes retornaram ao Juízo anos depois, pelo fato de que naquela ocasião, as provas eram insuficientes, não transmitindo certeza e principalmente pela ausência de satisfação com a decisão que fora tomada pelos julgadores.

Diante deste fato, ou seja, da possibilidade de se descobrir a verdade real, através do exame de DNA, a jurisprudência e doutrina começam a analisar a garantia constitucional e o instituto da coisa julgada nas demandas filiatórias, com a consciência de que não é legítimo eternizar injustiças com a justificação de evitar a eternização de incertezas.

Tem-se admitido que o filho ou o pai entre com a ação de investigação/negatória de paternidade, na hipótese em que as partes não foram submetidas ao exame de DNA, tendo o resultado da demanda proferido por ausência/carência de provas. A possibilidade de relativização encontra respaldo no fato na premissa de que não deve se privar o filho de descobrir quem é seu verdadeiro pai, pois esta conduta feriria valores protegidos pela Constituição.

Para os que aderem a relativização, a imutabilidade só ocorre quando tiverem sido produzidas todas as provas permitidas em lei, inclusive o DNA.

Para iniciar tal questão, é necessário trazer à tona o que afirma Rolf Madaleno, no seu artigo que foi titulado de “A coisa julgada na Investigação de Paternidade”, este afirma:

O Direito de Família está dentre os ramos do direito que apresentam as mais rápidas e consagradas evoluções, não somente no campo da cultura, dos costumes e dos valores, no terreno sociais e morais do povo brasileiro em especial, mas, também no terreno da ciência foi possível importar sistemas de pesquisa científica da ascendência e descendência genética do indivíduo humano e que provocaram verdadeiro revolução na afirmação judicial da paternidade, com margens inéditas de declaração pioneira da verdade real e cujus efeitos, parece, ainda não foram devidamente aquilatados pela ciência jurídica que evoca a autoridade da coisa julgada para as demandas passadas (MADALENO, 2000, p.12.)

Neste mesmo sentido, Maria Berenice Dias pontua que “A coisa julgada há de ceder toda vez que contra ela sobrelevem razões mais altas e princípios de maior alcance”.  (DIAS, 2015, p. 443)

Como é sabido, na seara do Direito se busca constantemente a verdade real, não é viável que deixe de se ajustar às novas técnicas disponíveis, permanecendo ultrapassado e evocar a coisa julgada a fim de negar a busca pela verdade real, sendo este um direito das partes.

Maria Helena Diniz sustenta:

“[...] sem embargo, diante da quase certeza do DNA, dever-se-ia, ainda, admitir a revisão da coisa julgada (RT, 802:213) para fins de investigação de paternidade, em casos de provas insuficientes produzidas na ocasião da prolação da sentença, para garantir o direito ao respeito à dignidade humana (CF, art. 1º, III), à identidade genética e à filiação, sanando qualquer injustiça que tenha ocorrido em razão de insuficiência probatória e, além disso, o registro público deve conter a verdade real”. (DINIZ, 2010, p. 510-511)

É necessário que se entenda que somente é possível a aplicação da relativização em situações especiais, em que não foram produzidas provas suficientes.

Marcus Vinicius Rios Gonçalves aduz que dois exemplos podem ilustrar situação nas quais a coisa julgada será afastada, ainda que ultrapassado o caso da ação rescisória. Dentre eles:

O das ações de investigação de paternidade, quando posterior realização de exame científico de material genético comprova que o resultado do processo não retrata a verdade dos fatos. Se, de um lado, há o direito à segurança jurídica, de outro, há o direito individual das pessoas de figurarem como filhos ou pais de quem efetivamente o são. Nesse caso, mesmo que já ultrapassado o prazo da ação rescisória, será possível rediscutir a questão.” (GONÇALVES, 2017, p. 754-755)

O STF, em 2011 determinou ao julgar o RE 363.889, que a coisa julgada deve ser relativizada nas ações de investigação de paternidade quando não foi possível determinar a existência do vínculo genético, em decorrência da não realização do exame de DNA.

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE DECLARADA EXTINTA, COM FUNDAMENTO EM COISA JULGADA, EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE ANTERIOR DEMANDA EM QUE NÃO FOI POSSÍVEL A REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA, POR SER O AUTOR BENEFICÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA E POR NÃO TER O ESTADO PROVIDENCIADO A SUA REALIZAÇÃO. REPROPOSITURA DA AÇÃO. POSSIBILIDADE, EM RESPEITO À PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA IDENTIDADE GENÉTICA DO SER, COMO EMANAÇÃO DE SEU DIREITO DE PERSONALIDADE. 1. É dotada de repercussão geral a matéria atinente à possibilidade da repropositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova. 2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo. 3. Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável. 4. Hipótese em que não há disputa de paternidade de cunho biológico, em confronto com outra, de cunho afetivo. Busca-se o reconhecimento de paternidade com relação a pessoa identificada. 5. Recursos extraordinários conhecidos e providos. (STF - RE: 363889 DF, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 02/06/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-238 DIVULG 15-12-2011 PUBLIC 16-12-2011)

Neste mesmo sentido, em 2014, a 3º turma STJ acolheu um Recurso Especial e retratou julgamento que havia sido reconhecido a coisa julgada em uma ação de investigação de paternidade concluída sem o exame de DNA. Ao caso foi aplicado o entendimento do STF que em 2011 que definiu que o fato da não realização do exame de DNA por conta de omissão, quando essa omissão não tenha sido atribuída ao suposto pai, já constitui motivo suficiente para a admissão da ação. Ao tempo foi pregado que isso vale tanto para as ações de investigação movidas pelo filho, quanto as negatórias movidas pelo pai. 

O ministro Edson Fachin, do STF, em 2016, relativizou a coisa jugada ao dar provimento ao RE com Agravo 900.521 para restabelecer sentença que reconheceu a paternidade de um cidadão após o trânsito em julgado de uma ação anteriormente julgada improcedente pela ausência do teste genético. Na fundamentação o ministro advertiu que não devem ser impostos obstáculos de natureza processual ao exercício do direito fundamental que é a busca da identidade genética.

Com base na jurisprudência, o entendimento pela relativização nas ações anteriores à universalização do exame de DNA, está pacífica no Supremo Tribunal Federal (RE 363.889/MG, Relator Ministro Dias Toffoli) bem como no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (Ag. Reg. no recurso extraordinário com agravo 900.521 Minas, Relator Ministro Edson Fachin).

Em contrapartida aos defensores da relativização, há aqueles que defendem que há uma ofensa a coisa julgada inutilizando este precioso instituto e ferindo a segurança jurídica que tanto é visada no âmbito jurídico.

Neste sentido, Diddier afirma que:

Permitir a revisão da coisa julgada por um critério atípico é perigosíssimo. Esquecem os adeptos desta corrente que, exatamente por essa especial característica do direito litigioso, àquele que pretende rediscutir a coisa julgada bastará alegar que ela é injusta/desproporcional/inconstitucional. E, uma vez instaurado o processo, o resultado é incerto: pode o demandante ganhar ou perder. Ignora-se esse fato. O resultado do processo não se sabe antes do processo; a solução é, como disse, construída. É por isso que a ação rescisória (instituto que é a síntese de vários meios de impugnação das sentenças desenvolvidos em anos de história da civilização contemporânea) é típica e tem um prazo para ser ajuizada. A coisa julgada é instituto construído ao longo dos séculos e reflete a necessidade humana de segurança. Ruim com ela, muito pior sem ela. Relativizar a coisa julgada por critério atípico é exterminá-la. (DIDIER JR, 2017, p. 559)

Os defensores da não-relativização advogam que relativizar não traz solução, mas eternização de conflito, ao admitir que, se errou na primeira vez, as decisões subsequentes presumem-se passíveis de possível erro e por isso, há a possibilidade de serem reanalisadas até que as partes se deem por satisfeitas. Pregam que relativizar a coisa julgada só atrairia desconfiança e descredibilidade das decisões proferidas. E que não aderem a possibilidade de relativização por causar insegurança jurídica, caracterizando como uma verdadeira abolição da coisa julgada.

FredieDiddier aborda que a primeira pessoa a suscitar a tese da relativização no Brasil foi José Augusto Delgado, este é um ex-ministro do STJ e defendeu, com sua experiência diante de casos concretos, a possibilidade de revisão da imperatividade da coisa julgada, toda vez que viesse a afrontar a legalidade, moralidade, razoabilidade e a proporcionalidade. Afirma também que este ensinamento fora difundido por autores como Humberto Theotodo Jr., Candido Rangel Dinamarco e Juliane Cordeiro. (DIDIER JR., 2015)

Neste sentido, Didier assevera que:

Cândido Dinamarco [...] afirma categoricamente que a coisa julgada só deve se conservar inquebrantável se: a) consoante com as máximas da proporcionalidade, razoabilidade, moralidade administrativa – quando não seja absurdamente lesiva ao Estado; b) cristalizar a condenação do Estado ao pagamento de valores “justos” a título de indenização por expropriação imobiliária; c) não ofender a cidadania e os direitos do homem e não violar a garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.  (DIDIER JR, 2015, p.557apud DINAMARCO, 2003, p. 24-25)

Prossegue aduzindo:

A coisa julgada material é atributo do Estado Democrático de Direito e à efetividade do direito fundamental ao acesso ao Poder Judiciário. Em outras palavras, mais do que se garantir ao cidadão o acesso à justiça, deve ser-lhe assegurada uma solução definitiva para o problema que foi levado ao judiciário. (DIDIER JR, 2015, p. 557)

É apontado como principal problema dessa concepção o fato de admitir a relativização com base na existência de injustiça, significando fraquear-se ao judiciário um poder geral de revisão da coisa julgada, dando margem assim a interpretações mais diversas, em prejuízo da segurança jurídica.

É perceptível então o choque entre os posicionamentos doutrinários acerca da possibilidade de aplicar ou não a relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade. Ultimamente, os tribunais superiores têm aplicado a relativização desde que as partes não tenham se submetido ao exame de DNA e esta ausência não tenha sido em decorrência de omissão do suposto pai.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o pensar neste trabalho externado, tem-se que com o surgimento do exame de DNA como meio seguro e infalível para apurar a verdade real no que toca à paternidade, começa a se instaurar um conflito na doutrina e tribunais acerca da relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade. O conflito se dá pelo fato de o instituto da coisa julgada ser visto por muitos como intangível e absoluto, não podendo ser relativizado.  E caso não seja possível a relativização nas demandas que anteriormente ao exame de DNA foram submetidas a apreciação jurisdicional e restaram por serem julgadas procedentes ou até mesmo improcedentes baseando na carência de provas acarretaria na violação de outros princípios constitucionais de igual ou maior grandeza.

A coisa julgada é de suma importância na seara do direito, pois visa a indiscutibilidade e imutabilidade da decisão, garantindo as partes envolvidas no litígio a segurança e a confiabilidade em determinado ato judicial. Ocorre que, enxergar esse instituto como absoluto, pode em certos casos eternizar injustiças.

Foram abordados no presente trabalho diversos posicionamentos de doutrinadores acerca da relativização da coisa julgada, podendo ser constatado que não se encontra pacificado o tema em testilha na doutrina. Os doutrinadores que defendem a impossibilidade de relativização pregam que esta iria ferir o princípio constitucional da segurança jurídica, colocando em questionamento a credibilidade das decisões jurídicas. Aborda também que tal fato abriria precedente para que fossem questionadas quaisquer decisões jurídicas que não agradem as partes.

Os que defendem a relativização, afirmam que esta deve ser limitada apenas a determinadas situações em que é imprescindível para conservação de princípios maiores, no caso da investigação de paternidade, o princípio da dignidade da pessoa humana.

No que toca aos Tribunais Superiores, estes estão caminhando para a pacificação da relativização no caso das ações de investigação de paternidade, tendo por diversas vezes admitido a relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade quando as partes não houveram se submetido ao exame de DNA.

Deste modo, conclui-se que em busca da verdade real, analisar-se-á o caso concreto podendo o juiz decidir pela possibilidade da relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade em que as partes não foram submetidas ao exame de DNA, tendo anteriormente suas demandas julgadas procedentes ou mesmo improcedentes baseando-se na ausência/carência de provas.

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Data da conclusão/última revisão: 15/10/2018

 

Como citar o texto:

CHAVES, Fábio Barbosa;ANDRADE,Carla Rejany Pimenta de..A relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 30, nº 1568. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/4191/a-relativizacao-coisa-julgada-nas-acoes-investigacao-paternidade. Acesso em 17 out. 2018.

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