RESUMO

Diante das transmutações constitucionais advindas dos reflexos da sociedade pós-moderna e a necessidade de se adequar à realidade, há que ser reconhecido o avanço e o significado do que realmente representa a licença-adotante e seus provenientes benefícios. Seguindo o princípio do melhor interesse do menor, é dever do Estado garantir à proteção integral a criança sabendo da sua condição de vulnerabilidade. A licença-adotante aparece nesse cenário como o meio pelo qual usufruem os filhos adotivos, de seus direitos. Além de propiciar melhor desenvolvimento e um maior período de tempo com os pais adotivos, faz com que as relações se consolidem criando por consequência um vínculo afetivo. Essa construção demanda tempo e cuidados peculiares o que faz com que este instituto jurídico seja tão importante. Simultaneamente ao progresso dos ideais da sociedade, o conceito de entidade familiar vem sofrendo modificações e novos arranjos familiares vêm ganhando maior espaço no ordenamento jurídico, a família socioafetiva encontra-se em uma fase que pode desconstituir antigos pensamentos e conquistar o que tanto almeja. A adoção torna-se uma forma de evidenciar a verdadeira definição de família, baseada na afetividade, independentemente de quem a obtém. Os casais homoafetivos amparados pelos princípios da igualdade, não-discriminação vêm lutando para que o direito à licença-adotante, a construção da família, do vínculo e por conseguinte o afeto, seja efetivamente o que a sociedade valoriza e se interessa.

Palavras-chaves: afeto; família; homoafetivos; licença-adotante; vínculo.

ABSTRACT

Faced with the constitutional transmutations arising from the reflexes of postmodern society and the need to adapt to reality, we must recognize the advance and the meaning of what actually constitutes the license-adopter and its benefits. Following the principle of the child best interest, it is the duty of the State to guarantee full protection to the child knowing of its vulnerability condition. The adopter license appears in this scenario as the means by which adoptive children enjoy their rights. In addition to providing better development and a longer period of time with adoptive parents, it causes relationships to consolidate, thus creating an affective bond. This construction demands time and peculiar care that makes this legal institute so important. Simultaneously with the progress of the society ideals, the concept of family entity has undergone modifications and new family arrangements are gaining more space in the legal system, the socio-affective family is in a phase that can deconstitute old thoughts and conquer what it so longs for. Adoption becomes a way of highlighting the true definition of family based on affectivity, regardless of who gets it. Homosexual couples protected by the principles of equality, non-discrimination have been fighting for the right to adoption leave, the construction of the family, the bond and therefore the affection, is effectively what society values ​​and is interested in.

Keywords: affection; family; homoafetivos; license-adopter; bond.

INTRODUÇÃO

           O direito brasileiro vem passando por modificações e alterações significativas diante das novas transfigurações dos perfis da sociedade. Um grande exemplo é em como a legislação vem se adaptando para melhor inserir os casais homossexuais. Os novos arranjos familiares vêm ganhando muito respeito e relevância na área jurídica, diante desses fatos, as conquistas em todas as áreas estão cada vez mais amplas. Uma das questões e que é o tema da presente pesquisa é sobre o direito dos mesmos, em obter a licença-adotante como forma de garantir suas atribuições e principalmente em buscar a melhor proteção ao menor.

A licença-adotante apresenta-se como sendo fator determinante para a construção do vínculo familiar. Como é o primeiro contato do menor com os pais, esse tempo específico é a maneira de se estabelecer laços e lhes conferir uma maior proteção e cuidados. A fragilidade é circunstância substancial de uma criança, e a devida atenção e cautela são essenciais para o desenvolvimento familiar.

A evolução jurídica trouxe várias inovações para a sociedade moderna, os efeitos legais advindos da união homoafetiva, são numerosos, dentre eles, a possibilidade de terem, criarem filhos, se torna cada vez mais concreta. As normas tem-se adaptado à nova realidade, e assim, o aperfeiçoamento do verdadeiro significado de família e da licença-adotiva vêm contribuindo consideravelmente para que as mudanças ocorram.

A licença-maternidade abrange tanto a licença gestante quanto a licença-adotante, de modo que, há que se constatar que a mesma vem sofrendo alterações ao longo do tempo que viabilizam e beneficiam as mulheres que obtém este direito. Na mesma proporção, a licença-adotante vem ganhando destaque, pois o reconhecimento de sua importância é significativo, tanto para os menores que detém o direito, quanto para a sociedade, que é fruto dos mesmos.

No primeiro capítulo será abordado a evolução histórica e também jurídica sobre a licença-maternidade à licença-adotante, partindo do pressuposto que a ideia de proteção e melhor desenvolvimento da criança deu-se com a inserção da maternidade e que esse conceito foi evoluindo, fazendo com que passasse a ser visto como essencial para a formação do ser em crescimento. No segundo capítulo será exposto os princípios constitucionais que garantem e refletem nos direitos desses casais, tendo como ponto de partida o princípio do melhor interesse do menor e o da igualdade, em que assegura os mesmos direitos tanto de casais heterossexuais como o de homoafetivos nas conquistas dos benefícios da licença. Enfim, perfazendo a pesquisa, o último capítulo do presente trabalho, tratar-se-á sobre a importância da licença no âmbito familiar, suas contribuições e progressos, bem como suas consequências advindas deste período de tempo com os menores em situação de vulnerabilidade, dentre elas, o vínculo afetivo instituído.

Por fim, como atributo indispensável na pesquisa e representação de toda sistemática do trabalho, a metodologia utilizada para que o objetivo do artigo fosse alcançado, foi o dedutivo, tendo em vista a análise das informações e a posterior dedução para obter-se a conclusão de todo processo que envolve o tema.

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICO-JURÍDICA DA LICENÇA-MATERNIDADE

A licença-maternidade passou por grandes transformações ao longo da história, se tornando cada vez mais notório e consequentemente ganhando maior credibilidade à medida que se observava sua importância e seus reflexos na sociedade, na construção da família e principalmente perante o menor (MENEZES et al., 2012).

Ainda não se tinha a ideia e nem mesmo o termo próprio para esse tempo com a criança após o nascimento, mas havia a concepção de que o mesmo precisava de um tempo diferenciado de cuidado, e com essa primeira percepção, em 1923 foi publicado um Decreto n. 16.300 que dizia sobre a proteção das crianças, filhos de trabalhadoras que estavam amamentando. Em primeiro momento desenvolveu-se a consciência de que o bebê precisava ser amamentado corretamente e que a mãe necessitava de cautela específica com relação ao pós-parto (ENICK; FARIA, 2015).

Em 1934, na Constituição, em seu artigo 138, trouxe expressamente a preocupação em resguardar os direitos da maternidade e da infância no que diz respeito a adotar medidas que visavam reduzir a mortalidade e a morbidade infantil (BRASIL, 2010).

Com essas alterações a sociedade também passou a importar com as consequências que o tempo pós-parto trazia para a mulher/mãe que estava inserida no mercado de trabalho, pois a mesma perdia força e ficava nitidamente prejudicada dentro do seu ofício. Pensando nisso, a OIT (Organização Internacional do Trabalho), efetivou a terceira convenção em Washington referente ao emprego das mulheres antes e após o parto, e assim, em 1935 o Brasil adotou as recomendações em que compromete o retorno ao trabalho seis semanas após o nascimento do menor e também o direito a duas pausas de meia hora para amamentar durante a jornada de trabalho (BOAKARI, 2018).

Portanto, após essas mudanças passaram a existir a noção de um tempo específico durante a maternidade, e em 1943, com as Consolidações das Leis Trabalhistas, utilizou-se o termo licença-maternidade, que foi conferida às mulheres em 84 dias depois do nascimento da criança e também pagas pelo empregador. Esta última, ainda refletia significativamente de uma maneira negativa para as mulheres, pois o encargo ficou para o empregador que diante desse fato, colocou dificuldades para introduzir a mulher no mercado de trabalho. O salário-maternidade passou a ser associado a esse período como um direito da gestante, pois devido ao aumento nos custos, a mudança da rotina e como a gestante precisa se afastar da profissão exercida, entendeu-se que havia a necessidade do auxílio financeiro, garantido no período inicial depois da chegada do filho (PARREIRA, 2011).

Diante da situação, em 1973, quem passou a pagar a mãe por esse período foi a Previdência Social, a OIT já previa tal problemática e desde o início do século XX, já recomendava que o ônus deveria ser passado para este Instituto. As mudanças continuaram, e a evolução da licença-maternidade tornou-se cada vez mais expressiva. As novas regras passaram a abranger para todas as empregadas gestantes no Brasil, o período passou a ser de 16 semanas (120 dias) podendo ser ampliado e prorrogado para mais 8 semanas (60 dias), com o total de 180 dias (BOAKARI, 2018).

Recentemente foi aprovado um Projeto de Lei do Senado, nº 72, de 2017 que altera o artigo 392 da CLT, para que fosse ampliado o prazo da licença-maternidade de 120 para 180 dias, e também permitiu ao pai acompanhar a mãe do nascituro nas consultas e exames durante a gravidez. Portanto, o período de 180 dias não ficou restrito a funcionárias públicas e outras que trabalham em empresas privadas, como era, e sim para todas.

1.1. Da licença-maternidade à licença adotante

O conceito de licença-maternidade vai muito além dos reflexos do pós-parto, a Constituição Federal a garantiu no rol dos seus direitos Sociais, pois a mesma preserva a saúde de ambos, assegura o direito à vida e principalmente tem função primordial no que diz respeito a unir os laços afetuosos na intimidade familiar (CALIL, 2011).

Com o passar do tempo o conceito de licença-maternidade foi expandindo, a consciência de que, esta etapa era necessária na vida do menor passou a ser intensificada. Tornou-se um direito que não deveria ser restrito a um grupo de pessoas e sim, que atendesse a todos e passasse a ser igual no que se refere à sua abrangência e todos os benefícios como consequência.

Por muito tempo esse amparo beneficiou apenas uma quantidade de pessoas que se enquadravam em um tipo específico de grupo, era uma garantia oferecida apenas para as mulheres que tinham filhos ou que adotavam. Diante de muitas críticas e de um novo contexto social, outras possibilidades foram ganhando notoriedade (DODGE, 2017).

Dentro desta concepção, o progresso e as conquistas da licença não apareceram sozinhos, a evolução dessas idéias eram resultados de uma nova realidade social, a comunidade crescia e dava seguimento ao que idealizava, o mundo atual não poderia ser regido por juízos ultrapassados. A família como sendo originalmente patriarcal recebeu influências na Constituição e ainda hoje existem resquícios que atingem boa parte das pessoas (CALIL, 2011).

A sociedade ainda tem uma visão preconceituosa em relação às competências e responsabilidades de homens e mulheres no âmbito familiar, no que diz respeito a paternidade e a maternidade. Com essa diferenciação, existe uma discriminação dos deveres do pai e da mãe. Não existem responsabilidades iguais, reforçando assim a ideia equivocada de que a maternidade é função e aptidão somente da mãe.

Ideia essa descartada, segundo a autora Maria Berenice Dias (2009): “Não há dúvida de que existe um direito subjetivo à paternidade, que se situa no âmbito dos direitos de personalidade, espairando-se para o direito das famílias, na medida em que decorre de um desejo íntimo e pessoal” (DIAS, 2009, p. 211). Maria Berenice Dias, ainda destaca:

A paternidade não é só um ato físico, mas, principalmente, um fato de opção, extrapolando os aspectos meramente biológicos, ou presumidamente biológicos, para adentrar com força e veemência na área afetiva. Ao falar em filiação, parece que o legislador supõe não só a diversidade do sexo dos pais, como também que eles sejam casados entre si. Do registro de nascimento deve constar o nome e o prenome dos pais e mais uma série de informações que evidenciam a ideia de que os pais, além de casados, vivem sob o mesmo teto. No entanto, a convivência de crianças e adolescentes com casais homoafetivos é realidade bastante frequente. Ainda que no Brasil não exista a preocupação de medir esse fenômeno, estima-se que, nos Estados Unidos, 22% dos homossexuais assumidos tenham a guarda de crianças. Nada permite imaginar que aqui, em nosso país, os números sejam diferentes. (DIAS, 2009, p. 212).

Segundo a autora, a função do pai enquanto representante e modelo familiar é tão valorosa quanto a da mãe, neste caso ela ressalta que muito mais por uma questão biológica, a ligação existente entre pai e filho é uma escolha, é reprodução de cuidado, proteção e carinho. Por muitas vezes não há a figura específica feminina mas isso não interfere na relação afetiva de ambos (DIAS, 2009).

E com essa compreensão, Maria Berenice Dias (2009) salienta sobre os novos arranjos familiares e como conseqüência expõe a possibilidade de adoção por esse perfil familiar, que carrega em sua essência o afeto como base para a verdadeira projeção de família. São equivalentes e possuem os mesmos objetivos que outros modelos familiares, buscam a proteção do adotado e que, portanto devem ser tratados de maneira proporcional, principalmente no que tange aos seus direitos, a partir daí que se renova e adapta-se o que é redigido na legislação sobre várias questões, incluindo as mudanças a respeito da licença-maternidade e quem pode usufruir deste direito.

A sociedade pós-moderna trouxe à tona muitas informações e ideais inovadores, a definição de família foi modificada e novas ordenações familiares foram ganhando importância e o devido respeito. Houve uma mudança significativa em relação ao conceito de entidade familiar (PASSOS, 2017).

Novas interpretações foram dadas, devido às transmutações em que a sociedade vem passando ao longo do tempo. Fato é que os costumes, as ideologias, as crenças foram transformando e passando por alterações e assim, houve a necessidade de que a legislação acompanhasse a evolução da coletividade. A família monoparental, a união estável foram reconhecidas recentemente perante a lei na Constituição Federal, em seu artigo 226, § 3º e §4º e fazem parte do Princípio da pluralidade familiar (SOUZA, 2009).

As uniões homoafetivas fazem parte desse novo cenário global, recentemente existiram julgados que comprovam a efetiva necessidade de mudança e a evolução jurídica que o país vem passando. Prova disso são os atuais julgados dos tribunais acerca desta realidade, como por exemplo, o STF apreciou a ADI (ação direta de inconstitucionalidade) 4.277/2011 em que reconhece a união estável entre cônjuges do mesmo sexo e também o Recurso Extraordinário RE 890.060/SC que afasta qualquer hierarquia entre as paternidades sócio-afetivas biológicas, prevendo também a possibilidade de existir a multiparentalidade que é a possibilidade jurídica do genitor físico ou biológico de manterem o estabelecimento de vínculos baseados no princípio da dignidade humana e da afetividade, destarte, leva em consideração a afetividade e não o fator biológico (SOUZA, 2009).

Um dos grandes reflexos dessas mudanças também estão enquadras as alterações das leis que regem sobre a licença-maternidade, perante as novas necessidades que estavam surgindo, passou a ser indispensável o tratamento igualitário aos casais homoafetivos que adotavam, o homem adotante entre outros (SILVA JÚNIOR, 2011).

Por muito tempo, ao homem adotante não se previu licença alguma (até o ano de 2002) sendo alvo de muitas críticas e como consequência alterada por força da Lei 12.873/2013, que incluiu o artigo 392-C na CLT (consolidações das leis trabalhistas), segundo o mesmo: “aplica-se, no que couber, o disposto nos artigos 392-A e 392-B ao empregado que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção”.

Essa alteração foi significativa para a sociedade e para aqueles que adotavam, se manifestou assim uma inovação com ideais igualitários, a coletividade passou a ganhar uma nova maneira de inclusão, era a licença-adotante criando notabilidade diante da nova realidade social.

A adoção passou a ser muito frequente no novo âmbito familiar, devido as transmutações e as evoluções em que a sociedade vem superando, a noção de licença-adotante passou a ser um direito fundamental que engloba as definições de dignidade da pessoa humana, que visam à inclusão e proteção de grupos sensíveis e vulneráveis, dentre eles, a criança. Ampliou-se para este outro grupo de pessoas, o que tornou mais acessível e igualitário. A conquista desta licença tem uma relevância jurídica significativa dentro do direito, os reflexos sociais resultante destas mudanças representaram um avanço para a sociedade, que advém de grandes princípios e ideais constitucionais como será mencionado (DIAS, 2009).

2. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO DIREITO À LICENÇA ADOTANTE

O Estado tem fundamental importância na garantia dos direitos fundamentais inerentes aos cidadãos, vivemos em um Estado Democrático de Direito, que estabelece uma proteção jurídica e assegura o respeito às liberdades civis, aos direitos humanos e aos direitos imprescindíveis de cada indivíduo. Com esse entendimento, Marcelo Novelino  (2014) ainda completa:

A noção de Estado Constitucional Democrático está indissociavelmente ligada a duas ideias correlatas: a garantia jurisdicional da supremacia material e formal da Constituição e a efetividade dos direitos fundamentais tanto em seu aspecto formal, como em sua dimensão material, com vistas a implementar níveis reais de igualdade e liberdade. A preocupação com a supremacia constitucional e com o respeito, proteção e promoção dos direitos fundamentais pode ser constatada no extenso rol de ações constitucionais consagrado na Constituição de 1988 (ADI, ADC, ADPF, mandado de segurança, habeas data, habeas corpus...), com destaque para os instrumentos de controle das omissões inconstitucionais (ADO e mandado de injunção). (NOVELINO, 2014, 19.3).

            Diante disto, a função do Estado é de certificar os direitos incluídos na Constituição sendo eles demonstrados da forma material ou formal, em consonância com os efeitos e reflexos da disponibilidade dos direitos fundamentais, bem como o alcance de uma dimensão substancial, pois devem ser usufruídos por todos, sendo os mesmos minorias ou maiorias, devem abranger todas as pessoas de maneira igualitária.

Esta última característica do Estado Democrático de Direito pode ser destacada, pois é a que diferencia de outras fases que antecederam o país, que eram regidas por governos monárquicos e absolutistas. A evolução do mundo trouxe consigo a evolução de uma sociedade, que agora, Moderna traz à tona a importância do interesse de seus indivíduos em sua totalidade, acompanhando portanto um instituto fundado na submissão de todos, independente de classe social, política, gêneros, entre outros (SCHIFINO, 2015).

            Dentro dessa percepção, a Constituição Federal se apresenta como conjunto de leis que garantem direitos e deveres aos cidadãos e o Estado como sendo o representante da efetivação dessas leis. No artigo 226 da Constituição, ratifica este conceito, como por exemplo, quando coloca à família tendo especial proteção do Estado por ser base e suporte dentro da sociedade. Portanto, ao Estado é atribuído total amparo a família.

            É também dever do Governo, assim como da família e da sociedade assegurar à criança cuidados específicos, no caput do artigo 227 expõe sobre essa proteção:

Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao espeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Proporcionar à criança, ao adolescente e ao jovem o direito à vida, à saúde é dever do Estado. A natural vulnerabilidade, bem como a fragilidade e a inexperiência comparada à vida adulta, faz com que os mesmos tenham uma diferenciação de tratamento, que garante maior proteção.

Essa especial defesa aos menores passou a ser prioridade, é princípio do melhor interesse do menor e também está presente no dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente, nos seus artigos 3º, 4º e 5º:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

A Constituição (1988) e a ECA (1990) reafirmam o compromisso e o cuidado especial referentes aos que se encontram em uma situação de fragilidade. Tendo como fundamentação o melhor amparo jurídico para os menores, surgiram outras estruturas familiares que puderam garantir esses direitos por completo. A realidade expôs o fato de que nem sempre a criança é protegida pela família, e que haviam muitas pessoas que gostariam que esse fato fosse diferente. Surgiu assim, a adoção, que é a possibilidade de uma pessoa, ou mais de uma, de acolher por integralidade o menor e assegurar que todos os seus direitos os são conferidos, passando a ser responsável por ele.

A necessidade de ter alguém para que guiassem a vida dessas crianças, abriu espaço para que pais não-biológicos, que não podiam conceber filhos e queriam muito tê-los utilizassem da adoção, como uma maneira de constituição de uma família. A Constituição e o Estado sempre em conjuntura com o princípio do melhor interesse do menor foi observando que novas ordenações familiares iam se formando. Percebia-se que existia um perfil de quem preferia a adoção e por isso essas mudanças sociais passaram a fazer parte da vida efetiva. Os casais homoafetivos compunham essa parcela, e as mudanças foram abrangendo outras como consequência (VIEIRA, 2016).

Com essa grande responsabilidade, muitos deveres fizeram parte da nova família, assim os direitos também passaram a integrá-lo, foram conquistados com uma grande luta, não foi de um dia para o outro, como vimos, mas um deles em especial, a licença-adotante passou a ser conferida e resguardada segundo o ideal de justiça e igualdade perante todos (VIEIRA, 2016).

A licença-adotante passou a ser uma concessão reconhecida àqueles que não podem ter filhos de maneira biológica, surgiu como sendo um direito aos adotantes e passou a ser regulamentada de acordo com os princípios que regem a Constituição. Revelou-se como sendo essencial e eficaz para a construção da família e que por isso, se mostrou resguardada pela Constituição Federal (1988).

Ela já tem seus preceitos baseados na licença-maternidade, pois a sua fundamentação é a mesma, tem o intuito de dar total proteção e bem estar ao menor, fazendo com que o mesmo tenha os melhores cuidados e se sinta integrado na família. Portanto, os ideais e seus objetivos foram os mesmos, e assim, os princípios da não-discriminação e o da igualdade foram essenciais para que fossem garantidos os mesmos benefícios (BRASIL, 1988).

A dignidade da pessoa humana representa nesse sentido, uma maneira de alcançar os direitos fundamentais, dando valoração aos direitos humanos, assegurando assim o pleno desenvolvimento da personalidade. É inerente e intrínseco a todo ser humano e por isso, se violado, se torna ultraje em relação a própria dignidade do ser humano. Dentre suas características estão incluídos os valores morais, além do mais garante condições necessárias para que uma pessoa tenha uma vida digna através da ação do Estado, por conseguinte é um de seus deveres respeitar este princípio fundamental no Brasil (BRASIL. 1988).

Existem alguns princípios que compõem o rol deste conceito extremamente abrangente que representa a dignidade da pessoa humana, e associando a estas circunstâncias expostas dão valoração e sentido ao que representa a licença-adotante.

O princípio da não-discriminação apresenta-se nesse cenário, com a finalidade de não haver distinção das famílias e nem dos direitos posteriores adquiridos por estes, sendo elas biológicas, homoafetivas ou monoparentais, resguardando assim o pleno desenvolvimento da família, com as raízes e fundamentações baseadas na afetividade (SOUZA, 2009).

Tanto os filhos biológicos quanto os filhos adotados possuem os mesmos direitos, o artigo 227 da CF (1988), em seu parágrafo 6º reforça esta questão e ainda dispõe sobre os princípios da igualdade e não-discriminação: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Aparece juntamente com o princípio da isonomia/ igualdade com a mesma finalidade, para que não possa ocorrer desigualdade entre os mesmos. Sobre os princípios, Marcelo Novelino (2009) acrescenta:

Consagrado no caput do art. 5° da Constituição de 1988 (“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”), o princípio da isonomia tem por fim impedir distinções, discriminações e privilégios arbitrários, preconceituosos, odiosos ou injustificáveis. A expressão “sem distinção de qualquer natureza” não impede a lei de estabelecer distinções, pois “o papel da lei não é o outro senão o de implantar diferenciações”. O traço de diferenciação escolhido pela lei pode ser qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou situações. Para ser compatível com o princípio da isonomia, o elemento discriminador, cuja adoção exige uma justificativa racional, deve ter por finalidade promover um fim constitucionalmente consagrado. O critério utilizado na diferenciação deve ser objetivo, razoável e proporcional. (NOVELINO, 2009, p. 412 e 413).

Marcelo Novelino (2009) caracteriza em poucas palavras expõe o que é o princípio da igualdade e em paralelo o princípio da isonomia. O da igualdade se refere a todos no mesmo sentido, todos são iguais perante a lei, já o princípio da isonomia leva em consideração a realidade que está sendo discutida.

Nem sempre a distinção é sinônimo de desigualdade, e nesse sentido Aristóteles falava que o ideal de justiça iria de acordo com o tratamento que se dava aos indivíduos e que portanto consistia em aquinhoar os iguais igualmente e os desiguais na medida de sua desigualdade (SANTOS, 2010).

Dentro desta concepção o princípio da igualdade se subdivide em igualdade formal (também conhecida como igualdade “perante a lei”) que consiste no tratamento isonômico a todas as pessoas de todas as categorias e a igualdade material, que se trata da isonomia formal, que tem por fim a os desiguais se igualam por intermédio da concessão de direitos substanciais (SANTOS, 2010).

A primeira, se deu inicialmente como uma forma de minimizar as discriminações e privilégios estabelecidos desde muito tempo, denomina-se perante a lei, porque é o que a mesma representa, pois aparece na Constituição Federal (1988) em seu artigo 5º, caput, na 1ª parte: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Significa que todos são iguais perante a legislação, sendo homens, mulheres, pessoas que possuem alguma deficiência e outros. O princípio objetivava assegurar a igualdade real, material e substancial.

Acontece que a realidade se mostrou diferente em algumas situações, por ser insuficiente, acaba por fim desigualando muito mais do que propriamente dando equidade. Existem casos em que os desiguais precisam ser tratados de maneira específica, é a isonomia material, quando o fato sai do papel e se realiza na prática (SANTOS, 2010).

A igualdade material diz respeito aos seres humanos que recebem tratamentos iguais ou desiguais dependendo de suas condições. Quando as situações são iguais, deve ser dado um tratamento igual, mas quando as situações são diferentes é importante que haja um tratamento diferenciado (SANTOS, 2010).

Ao Estado cabe promover ações e políticas públicas que possam diferenciar as pessoas em situações diferentes. A promoção da igualdade não significa proibir as diferenças e sim proibir as diferenças arbitrárias e injustas. Dessa forma, deverá ser observado critérios de razoabilidade e proporcionalidade diante de um tratamento diferenciado, verificando se ele é adequado e necessário para o caso em concreto (OLIVEIRA, 2012).

Há que ser reconhecido conforme o tema abordado, que os novos arranjos familiares são peculiares e são minorias dentro da sociedade. Portanto, merecem um tratamento específico levando em consideração a proporcionalidade e a garantia dos seus direitos. O objetivo da igualdade material é apenas adequar e equilibrar as situações e não priorizar um lado ou o outro (DIAS, 2009).

De acordo com a proporcionalidade também é importante destacar sobre os menores que estão na fase de adoção. Alguns deles passaram por traumas, ou situações inusitadas e o fato de serem inseridos em uma nova família demanda um cuidado maior e particularidades importantes para o melhor desenvolvimento e para a mais sensata adaptação, assim, a condição mais gravosa da criança adotada, faz jus à ampliação prescrita (BRASIL, 2013).

O princípio da igualdade entra no mérito nesse sentido, quando se valoriza e é atribuído o direito à licença adotante para os casais homoafetivos, que assim como outros casais, possuem o direito à licença-maternidade. Pois o que deve ser levado em consideração é a importância deste instituto jurídico para a construção da família e o vínculo afetivo (SANTOS, 2010).

É importante compreender que existem alguns fatores que devem se sobressair para que não se quebre o princípio da isonomia: as leis devem ser iguais para todos, nem que existam alterações e adaptações que assim o garantem. Como nesse caso, em que o intuito é igualar as oportunidades dos menores que foram adotados daqueles que nasceram de pais biológicos. O que deve ser levado em consideração é a importância do alcance em que essas licenças podem atribuir, e o devido respeito com todos que possuem o direito de obtê-la, independentemente de ser por caráter biológico ou não.

Dias (2009) discorrendo sobre a importância da licença-adotante, surge a incidência de outro princípio tão importante quanto os anteriores, que tem como fundamentação o bem-estar da criança, é o princípio da afetividade. A função do Estado é proporcionar meios que façam com que o indivíduo alcance bens morais, a afetividade como sendo meio indispensável para a estruturação de uma pessoa com caráter, se faz essencial em seus parâmetros.

Segundo a autora, Maria Berenice Dias, a afetividade:

A afetividade não é indiferente ao Direito, pois é o que aproxima as pessoas, dando origem aos relacionamentos que geram as relações jurídicas, fazendo jus ao status de família. Cabe lembrar o diálogo entre Hans Kelsen e Cossio perante a congregação da Universidade de Buenos Aires. Cossio, autor da teoria egológica, desafiou Kelsen a criar um exemplo de relação intersubjetiva que estivesse fora do Direito. Kelsen respondeu: Oui, monsieur, l’amour. O Direito não regula sentimentos, mas as uniões que associam o afeto a interesses comuns e que, ao terem relação jurídica merecem proteção legal, independentemente da orientação sexual do par. (DIAS, 2009, p. 129).   

   

Portanto, a afetividade tem todo o reconhecimento para o direito e para o Estado, ele não pode o impor, mas pode criar condições para manter íntegros os laços afetivos dentro da família. Este princípio é basilar no que tange a conquista do direito a licença-adotante para os casais homoafetivos, e por isso, também será dissertado no próximo capítulo.

3. IMPORTÂNCIA DO PERÍODO DA LICENÇA-ADOTANTE PARA A CONSTRUÇÃO DA FAMÍLIA E CONVIVÊNCIA FAMILIAR

A licença-adotante é um auxílio, que garante a um dos adotantes ou guardião do filho adotivo, o devido afastamento, segurado pelo INSS, independentemente da idade da criança. Autoriza também ao adotante, receber o salário-maternidade, que será pago a um dos cônjuges (caso seja uma família homoafetiva). A previdência social quem realiza o pagamento, que é equivalente ao salário integral do segurado que for empregado ou trabalhador avulso (INSS, 2015).

Mas este benefício vai muito além dos vários direitos adquiridos por eles, essa conquista além de igualar os casais que amparam os menores dos casais que tem filhos biológicos, tem a finalidade de desenvolver, fortalecer a família que está sendo construída. Ela enriquece a estrutura familiar no que condiz a aperfeiçoar a convivência, aprimora e estimula a paternidade responsável.

Para o antigo Procurador Geral da República, Rodrigo Janoat (BRASIL, 2018 a), a licença-maternidade não tem apenas sustentação no que diz respeito ao caráter biológico advindo do pós-operatório, não tem raízes unicamente “calcadas na recuperação biológica da mulher após o parto, associando-se, especialmente, com o bem estar geral do filho e com o estabelecimento de vínculo afetivo materno-paterno-filial no início do acolhimento familiar”. E ainda ressalta, que esta visão sobre as consequências do direito a esta licença, está ultrapassada.

Como a licença-maternidade não tem somente como fundamentação a reabilitação da gestante no que tange ao seu restabelecimento físico e biológico, e sim, ideais voltados a inserção do menor na família, o seu melhor desenvolvimento enquanto ser dotado de vulnerabilidade, tem-se o entendimento de que a licença-adotiva (paralela a licença-maternidade) tem como finalidade auferir o melhor desenvolvimento do menor visando seu progresso. Dentro desse contexto o afeto desponta como alicerce para a construção da família, e a respeito dele, Maria Berenice Dias (2009) destaca:

A adoção é um instituto com forte caráter de ficção jurídica, que cria vínculo parental que não corresponde à realidade biológica. A adoção é uma filiação exclusivamente jurídica, que se sustenta na pressuposição de uma relação não biológica, mas afetiva. O que é preciso é que a Justiça retire o véu do preconceito para garantir a crianças e adolescentes os direitos que se encontram constitucionalmente tutelados. Não se pode esquecer que têm eles, com absoluta prioridade, direito à convivência familiar. E negar o vinculo de filiação é vetar o direito à família, lugar idealizado onde é possível, a cada um, integrar sentimentos, esperanças e valores para a realização do projeto pessoal de felicidade. (DIAS, 2009, p.216).

A autora supramencionada explana sobre a adoção e através de seu intermédio, a obtenção da licença- adotante, ressalta sobre a importância deste instituto para a construção do vínculo familiar, que não esta baseada no caráter biológico de fato e sim, na conexão afetiva.

Ainda em relação à questão entre o caráter biológico e afetivo de fato, as autoras Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues (2010), em seu livro: “ O Direito das Famílias entre a Norma e a Realidade” dissertam:

O que se constata é que a dicotomia biológica versus socioafetividade é uma constante nos casos levados aos tribunais, pois irrompeu um novo valor jurídico no Direito de Família, advindo da posse do estado de filho: a socioafetividade. Constatamos o conflito entre a busca pela verdade genética e o que  a pessoa se tornou pela convivência com alguém que pode com ela não ter vínculos consanguíneos, mas que deixou grandes marcas na história da criança, na construção, na construção da sua personalidade. Afinal, é a convivência que possibilita a criação de laços de afetividade, que hoje, são fontes do Direito, têm eficácia jurídica. Por isso, num ato de liberdade, de escolha pela convivência, existe a incidência do princípio da solidariedade, que impõe deveres mútuos aos membros de uma entidade familiar. (TEIXEIRA; RODRIGUES, 2010, p.173).

Assim, o que influi significativamente para a construção da personalidade da criança tem a interferência do convívio, do contato que advém da familiaridade e intimidade que foram ganhando espaço dentro da relação com os laços da afetividade. Explorando ainda mais o tema sobre afetividade, neste mesmo livro, as autoras aprofundam e até subdividem este tópico.

As autoras supramencionadas destacam que existe uma diferenciação entre o princípio do afeto dentro da concepção jurídica, um como princípio (princípio da afetividade) e a outra como uma espécie de relação. E esta determinada característica que a diferencia se dá quando o afeto, e as relações familiares passam a ser uma escolha, pois a função do direito é conseguir alcançar condutas externas e objetivas, socializadas entre os indivíduos.

O princípio da afetividade não coordena o dever de afeto, pois o desamor não é conduta antijurídica que faz jus a reparação ou sanção. O afeto tem primordial importância quando passa a ser externado por meio de condutas objetivas e voluntárias que marcam a convivência familiar. Um trecho do livro mencionado dissertando a diferenciação:

Pensamos que o afeto pode se revelar como duas situações distintas dentro do ordenamento jurídico: como um princípio e como uma relação. Por um lado, há o princípio da afetividade, corolário do próprio princípio da dignidade humana. Enquanto princípio, [...], nosso entendimento é de que funciona como um vetor que reestrutura a tutela jurídica do Direito de Família: hoje nos ocupamos mais da qualidade dos laços travados nos núcleos familiares do que com a forma através da qual eles se estabelecem. Todavia, asseveramos que o princípio da afetividade não comanda o dever de afeto, porquanto se trata de conduta incoercitível no Direito. O afeto só se torna juridicamente relevante quando externado pelos membros das entidades familiares através de condutas objetivas voluntárias que marcam a convivência familiar. Uma vez que esse princípio é um dever de tutela, ele pode qualificar certos laços e condutas como juridicamente eficazes. (Teixeira; RODRIGUES, 2010, p. 176).

Não há que se falar em direito ou dever do afeto, mas deve-se valorizar as relações exteriores que representam a existência do afeto em determinadas relações. Impossível medir, limitar e delimitar a afetividade, não tem como penalizar ou repreender uma relação em que não exista o afeto, por ser algo natural e espontâneo provenientes de vínculos familiares. E que por isto, estas, devem ser devidamente tuteladas e dignas de respeito.

Portanto, o princípio da afetividade enquanto meio de garantir um melhor relacionamento ao menor, não consegue alcançar a todos na mesma proporção. Por conseguinte, quando existe correspondência de vínculo e elo que ligam duas ou mais pessoas que tem como base e a sustentação afetiva, elas devem ser respeitadas e valoradas tanto no íntimo da sociedade como dentro do ordenamento jurídico.

Dando continuação e destaque sobre a importância da licença-adotante nas relações, é relevante dar ênfase para as conquistas e as mudanças que este instituto vem ofertando. As recentes alterações vêm quebrando paradigmas e se adequando a realidade.

Para exemplificar, as transições do período da licença, concedido para as adotantes é a mais nova conquista incluída nas disposições jurídicas. Anteriormente, na lei 8112/90 a servidora pública que adotasse ou obtivesse guarda judicial da criança, teria a concessão a depender da idade do adotado. Ela teria 90 (noventa) dias caso a criança tivesse até 1 (um) ano de idade e 30 (trinta) dias se tivesse mais de 1 (um) ano de idade.

Porém, isso foi alterado por um julgado em 10 de março de 2016, um Recurso Extraordinário no STF (RE 778889), com repercussão geral e tendo como relator o Ministro Roberto Barroso. O mesmo modificou consideravelmente o prazo que o beneficiado pode usufruir da licença-adotante. Ficou definido que o prazo da licença obtida para adotantes, não poderia ser menor que a licença concedida à gestantes, a licença-maternidade.

Com a fundamentação baseada na dignidade da pessoa humana, no princípio da não-discriminação, da igualdade entre os filhos biológicos e os adotados e da proteção integral do interesse superior do menor, o Ministro respalda a favor da ampliação do período de tempo desta licença especificamente.

Consoante a antiga lei em que se era baseada, os adotados com idade acima de 1 (um) ano, ficavam pouco tempo sob os cuidados totais do adotante em questão, e quanto mais velhos, a dificuldade de adaptação é ainda mais complexa. Assim, o maior tempo proveniente da alteração vem como meio de fazer com que a criança se desenvolva cada vez mais, sempre com o propósito de aproximá-lo da família e conseqüentemente se adapte da melhor maneira possível.

Portanto, diante da violação do princípio proporcionalidade como vedação à proteção eficiente, foi declarada a inconstitucionalidade do artigo 210 da lei 8.112/1990 e dos parágrafos 1º e 2° do artigo 3° da Resolução CJF n° 30/2008, dando como corolário o provimento do recurso extraordinário que amplia o prazo da licença-adotante. Sendo a tese da repercussão geral: “Os prazos da licença adotante não podem ser inferiores aos prazos da licença gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações. Em relação à licença adotante, não é possível fixar os prazos diversos em função da idade da criança adotada”.

Outra grande transformação dentro da seara jurídica é a amplificação do tempo da licença-maternidade, que agora passou a ser de 180 dias, de seis meses, aprovado pelo Senado em abril de 2018 é a proposta do projeto de Lei (PL) 72/2017. A intenção é tornar esse período uma regra geral, para abranger tanto aos que trabalham no serviço público quanto no setor privado.

Como a licença maternidade prevista no artigo 7º, XVIII, da Constituição Federal, abrange tanto a licença gestante como a adotante, esse prazo interfere significativamente a licença obtida para adotantes na fase atual. Esse progresso e evolução constitucional que atravessa a nova compreensão da realidade social dão a devida valoração do direito da licença, faz com que seja compreendido que existe uma necessidade de adaptação e avanço da matéria em questão.

Para encerrar, uma jurisprudência que explana todo o conteúdo mencionado, ela reflete sobre as alterações e faz alusão ao (RE) 778889:

MASCULINO. CASAL HOMOAFETIVO. LICENÇA GESTANTE/ADOTANTE. DISCRIMINAÇÃO. VEDAÇÃO. DIREITO DO FILHO. DECISÃO NÃO TERATOLÓGICA. 1. O ora agravado requereu à Administração Pública Federal  à concessão de licença adotante pelo mesmo período concedido no caso de licença-maternidade, isto é, por 120 dias (art. 207, Lei n° 8.112/90) prorrogáveis por mais 60 dias (art. 2°, § 1º, do Decreto n° 6.690/08). Administrativamente, o pleito indeferido, tendo sido concedida apenas a licença-paternidade por 5 dias consecutivos, nos moldes do art. 208 da Lei n° 8.112/90, prorrogáveis por mais um único período de 15 dias (Decreto n° 8.737, de 03/05/2016, que instituiu o Programa de Prorrogação da Licença-Paternidade para os servidores regidos pela Lei n° 8.112/90). 2. Ab initio, cabe destacar que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 778889, com repercussão geral conhecida, fixou a tese no sentido de que Os prazos da licença adotante não podem ser inferiores ao prazo da licença gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações. Em relação à licença adotante, não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada. Resta saber se o impetrante, servidor público do gênero masculino, que vive em união homoafetiva, poderia ser beneficiado pelo prazo da licença gestante/adotante concedidas as servidoras do gênero feminino. 3. Na decisão proferida no julgamento conjunto da ADPF 132 e ADI 4277, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que o caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado (...) Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos, salientando ainda que a isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos (...) somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Dessa forma o reconhecimento do direito do autor ao gozo de licença adoção nos moldes aplicados às servidoras mulheres não se trata de concessão de privilégio ou fator de discriminação, mas de dar eficácia à isonomia reconhecida entre casais homoafetivos e heteroafetivos. 4. Ademais como bem destacado na destacado na decisão agravada, ao se negar tal direito de convívio , o maior prejudicado será o filho. No caso sub examine, esse aspecto ganha especial relevância em razão do déficit afetivo dos filhos impetrantes, que são provenientes de lar desestruturado, sendo fundamental a convivência integral durante o período da licença para se estruturarem os laços afetivos, e por certo isso será impossível e 5 (cinco) dias. Assim, a licença remunerada de 120 dias (art. 207 da Lei n° 8.112/90), com a prorrogação de 60 dias prevista no art. 2º, § 1° do Decreto n. 6.690/08, deve ser estendida a um dos integrantes do casal homoafetivo. Ressalte-se, por oportuno, que o companheiro do agravado firmou declaração constando que não irá solicitar licença adotante a qualquer órgão público ou privado. 6. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (TRF 2ª R.; AI 0012013-77.2016.4.02.0000; Sétima Turma Especializada; Rel. Des. Fed. José Antonio Neiva; Julg. 15/03/2017; DEJF 23/03/2017).

Ademais, baseando-se nos princípios constitucionais e principalmente em quaisquer discriminações relativas à filiação, o julgado permite o entendimento do quão amplo e importante é o instituto da adoção e do que dele provém. Ressalta a dimensão do que é a afetividade independentemente de quem obtiver os benefícios, mas destaca que sempre, o principal favorecido é o menor.

CONCLUSÃO

A sociedade ainda possui uma visão preconceituosa em relação às atividades e responsabilidades de homens e mulheres no âmbito familiar, no que tange à paternidade e a maternidade. Estas ideias estão bem fixas e definidas, e com essa discriminação dos deveres do pai e da mãe há um reforço da imagem equivocada de que a maternidade é função e aptidão apenas da mãe.

A licença-adotante apresenta-se como intermédio para que pais que não podem experienciar de forma biológica o nascimento de um filho, possam exercer a paternidade em sua totalidade. Paralelamente, a licença apresenta-se no ordenamento jurídico como solução para a questão e ainda como fator substancial para que os menores possam obter melhor desenvolvimento e crescimento, tendo em  vista que os mesmos possuem características inerentes de acordo com as suas condições, como a fragilidade e a indefensabilidade.

A evolução do conceito da licença e os seus benefícios provenientes foram fatores fundamentais para que se abrisse espaço para esta possibilidade, bem como as mudanças dos conceitos de família, como entidade que exercem o papel de prestar as devidas responsabilidades, mas que acima de tudo seja reflexo de afeição, carinho e fraternidade.

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Data da conclusão/última revisão: 18/10/2018

 

Como citar o texto:

MARQUES, Vinicius Pinheiro; MILHOMEM,Jordana Resende..Licença-adotante para casais homoafetivos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 30, nº 1569. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/4192/licenca-adotante-casais-homoafetivos. Acesso em 19 out. 2018.

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