RESUMO

Não é rara a frequência de demandas judiciais acerca do pedido de esquecimento, legitimando a vida privada, a intimidade e a honra da pessoa. Seja pela vontade de regressar ao anonimato ou por entender que algum conteúdo relacionado a si não possui mais contemporaneidade e relevância social, podendo reascender sentimentos, ideias e opiniões diversas sobre a sua índole. Entretanto, há casos em que a demanda não possui força suficiente para que prosperem os direitos individuais suscitados, vista a primordial relevância e importância do direito à liberdade de imprensa e do livre acesso à informação. Visto isso, essa pesquisa tem como objetivo elucidar, na legislação, autos processuais, decisões e acórdãos, o que é o instituto do direito ao esquecimento, em quais hipóteses ele será suscitado, o que ele representa no direito brasileiro e, se a sua previsão pode ou não acarretar conflitos com a aplicabilidade do princípio da liberdade de imprensa, especificamente na liberdade jornalística, no acesso livre à informação e no seu interesse social. A abordagem do tema foi construída de forma qualitativa, pois as ideias dissertadas no trabalho não foram apresentadas mediante dados e sim por observação através de dissertação, por meio de análises e justificativas. Entendeu-se, por fim, que caberá aos magistrados, nos casos específicos, proporcionar o equilíbrio de todas as garantias discorridas. Devem levar em consideração a relevância social das informações apresentadas, a garantia da liberdade de imprensa sendo exercida dentro dos limites relevantes e a melhor e mais extensa forma possível de preservação dos direitos da personalidade da vítima, para que então alcance a proporcionalidade entre o emprego da perfeita e ética função da imprensa e a plena garantia dos direitos da personalidade, à privacidade, à intimidade, imagem, honra e memória.

Palavras chave: Personalidade; Esquecimento; Liberdade: Imprensa.

RESUMEN

No es rara la frecuencia de demandas judiciales acerca del pedido de olvido, legitimando la vida privada, la intimidad y el honor de la persona. Es por la voluntad de regresar al anonimato o por entender que algún contenido relacionado a sí no posee más contemporaneidad y relevancia social, pudiendo reascender sentimientos, ideas y opiniones diversas sobre su índole. Sin embargo, hay casos en que la demanda no tiene fuerza suficiente para que prosperen los derechos individuales suscitados, vista la primordial relevancia y importancia del derecho a la libertad de prensa y del libre acceso a la información. En este sentido, esta investigación tiene como objetivo elucidar, en la legislación, autos procesales, decisiones y sentencias, lo que es el instituto del derecho al olvido, en qué hipótesis él será suscitado, lo que él representa en el derecho brasileño y, si su previsión puede o no acarrear conflictos con la aplicabilidad del principio de la libertad de prensa, específicamente en la libertad periodística, en el acceso libre a la información y en su interés social. El enfoque del tema fue construido de forma cualitativa, pues las ideas disertadas en el trabajo no fueron presentadas mediante datos sino por observación a través de la disertación, por medio de análisis y justificaciones. Se entendió, por fin, que cabría a los magistrados, en los casos específicos, proporcionar el equilibrio de todas las garantías discutidas. Deben tener en cuenta la relevancia social de las informaciones presentadas, la garantía de la libertad de prensa que se ejerce dentro de los límites pertinentes y la mejor y más extensa forma posible de preservación de los derechos de la personalidad de la víctima, para que entonces alcance la proporcionalidad entre el empleo de la persona perfecta y ética función de la prensa y la plena garantía de los derechos de la personalidad, la privacidad, la intimidad, la imagen, el honor y la memoria.

Palabras clave: Personalidad; Olvido; Libertad; Prensa.

INTRODUÇÃO

O direito à personalidade, tutelado pela Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988, art. 5º, X, dispõe sobre a proteção do indivíduo em diversos aspectos, entre eles, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, sendo passível de indenização por dano moral ou material a sua violação, ofensa ou retaliação.

Em paralelo à tutela dos direitos de personalidade, a CRFB, 1988 evidencia que é um direito fundamental e humano a liberdade de expressão, ou seja, o acesso à informação plena, canalizando a construção de suas convicções, posicionamentos e ideias acerca de quaisquer que sejam os fatos, bem como a liberdade dos meios de comunicação de divulgarem informações, opiniões e mensagens para o público por via de qualquer plataforma de mídia. Tais defesas são formas de oxigenar o processo de construção da democracia.

É certo que vivemos na Era da informação, ou seja, nos dias atuais é possível coletar e divulgar dados pessoais de um grande número de pessoas, através dos bancos de dados digitais oriundos do extremo avanço tecnológico. Essas pessoas, muitas vezes, recorrem à justiça para impedir com que sejam veiculados documentos, fatos, dados, imagens ou vídeos relacionados a algum momento passado de sua vida privada que consideram não possuírem relevância jornalística e interesse social. 

Dessa forma, surge o instituto do “Direito ao Esquecimento”, que versa sobre a discussão da possibilidade de não ter o seu nome, imagem e honra suscitados em jornais, revistas, televisão, rádio, entre outros meios de alcance em massa, ou seja, a ser esquecido pelos meios de comunicação.    

Tal recurso pode, muitas vezes, estabelecer conflito entre liberdade de expressão e imprensa e a tutela dos direitos da personalidade do indivíduo, criando um campo extenso de julgamento para os magistrados, onde a análise das situações fáticas, aliada ao cumprimento e retidão dos preceitos constitucionais, criam diversos entendimentos do que se deve ou não ser esquecido pela imprensa brasileira.

Não é rara a frequência de demandas judiciais acerca do pedido de esquecimento, legitimando a vida privada, a intimidade e a honra da pessoa. Seja pela vontade de regressar ao anonimato ou por entender que algum conteúdo relacionado a si não possui mais contemporaneidade e relevância social, podendo reascender sentimentos, ideias e opiniões diversas sobre a sua índole. Entretanto, há casos em que a demanda não possui força suficiente para que prosperem os direitos individuais suscitados, vista a primordial relevância e importância do direito à liberdade de imprensa e do livre acesso à informação. Dentro dessa colisão de princípios, questiona-se: suscitar o direito de ser esquecido pode, em algum aspecto, apresentar feridas à tutela da liberdade da imprensa?

Ao realizar a pesquisa, é notável o interesse dos veículos de comunicação em permanecer com os conteúdos publicados ao alegar, entre outras coisas, que os mesmos são produzidos de forma não sensacionalista, construindo críticas prudentes e se ausentando de parcialidade. Acontece que, por se tratar de matéria de extrema subjetividade – personalidade -, não há de se enquadrá-la em apenas um modelo jurisprudencial, sendo fundamental a análise dos fatos processuais de forma ampla e detalhada, levando em consideração critérios temporais, antes e depois do ocorrido que levou à construção do conteúdo reclamado.

Tem-se por regra que o interesse social é fundamental para a construção e permanência de qualquer objeto jornalístico, sendo esse privilegiado em todas as instâncias, como consta na CRFB, art. 220, § 2º, que veda completamente todo e qualquer tipo de censura prévia à manifestação dos órgãos de comunicação. Ou seja, pelo entendimento legislativo, antecede-se à reclamação da violação do direito o fazimento ou a criação do conteúdo jornalístico.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 130/DF, de relatoria do ministro Ayres Britto e julgada em 6 de novembro de 2009, entra também em pauta para elucidar e afirmar tais questões com o método de “calibração temporária de princípios”, ou seja, certificar-se de que, primordialmente, há a construção livre da matéria, objeto ou conteúdo jornalístico e que, paralelamente, paira sobre ele a livre possibilidade de reclamação dos seus direitos de personalidade, que, se atingida, há sim, de ser demandada judicialmente.

Diante do exposto, o presente trabalho tem como objetivo elucidar, através de pesquisa realizada em artigos, na legislação, autos processuais, decisões e acórdãos, o que é o instituto do direito ao esquecimento, em quais hipóteses ele será suscitado, o que ele representa no direito brasileiro e, se a sua previsão pode ou não acarretar conflitos com a aplicabilidade do princípio da liberdade de imprensa, especificamente na liberdade jornalística, no acesso livre à informação e no seu interesse social.

Especificamente, pretende-se identificar o direito à intimidade como fruto de sua inserção no direito de personalidade, inserido nos preceitos constitucionais fundamentais, conceituando este e elencando as suas formas de defesa, paralelamente, ao direito de liberdade de comunicação e imprensa; exemplificar, através de decisões jurisprudenciais e tendências de tribunais, as hipóteses de cabimento do direito a ser esquecido, apontando a importância do direito ao esquecimento e à dignidade da pessoa humana, identificando os pontos em comum que beneficiam ou não a ação, bem como os argumentos e votos dos magistrados acerca do assunto; e analisar se a demanda do direito ao esquecimento pode, em algum aspecto, representar ameaça à construção democrática, tendo em vista o pedido de cerceamento e não veiculação de informações específicas, que, a depender do viés, pode ferir o direito de liberdade de comunicação e imprensa e o livre acesso à informação.

Para que os objetivos do presente trabalho sejam alcançados, devem ser levados em conta os métodos para a elaboração de um artigo científico. A metodologia representa a sistemática de todo o trabalho e a forma como ele irá desenvolver. A abordagem do tema será construída de forma qualitativa, pois as ideias dissertadas no trabalho não serão apresentadas mediante dados e sim por observação através de dissertação, por meio de análises e justificativas.

1 DIREITO AO ESQUECIMENTO: CONCEITO, ORIGEM E POSIÇÃO LEGISLATIVA NO ORDENAMENTO PÁTRIO

O “Direito ao Esquecimento” surge em detrimento aos avanços e criações de novas tecnologias, que, ao multiplicar de forma instantânea as informações e dados, mediante as inúmeras plataformas de comunicação, facilita a violação de direitos fundamentais como a honra, privacidade e a intimidade, fazendo com que esses dados se tornem ininterruptamente acessíveis. 

Por isso, torna-se necessário que haja proteção jurídica para a sociedade, que vive na Era da informação. Esse direito beneficia as pessoas que tenham se envolvido, há muitos anos, em situações que envolveram crimes, bem como àqueles que passaram por julgamentos, foram inocentados e pretendem fazer com que seus delitos não sejam, de nenhuma forma, trazidos novamente à tona, ainda que a imprensa insista em publicar novamente todos aqueles fatos embaraçosos, ocasionando-lhes inúmeras adversidades e prejuízos.

Além disso, o “Direito ao Esquecimento” também se manifesta no sentido de possibilitar a restrição de dados verdadeiros e passados divulgados pelos meios de comunicação e que tragam qualquer tipo de vergonha, vexame ou transtorno. (RODRIGUES, 2017).

No Brasil, o “Direito ao Esquecimento” é muito recente. Segundo Sierra (2013, p. 11), o direito supracitado passou a ser perfilhado no ordenamento jurídico com a edição do Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal (CJF), que protege a dignidade da pessoa humana na Era da informação, a incluir o “Direito ao Esquecimento”.

Todavia, apresentou-se definitivamente a partir de julgados proferidos pelos Egrégios Tribunais brasileiros e pelo Supremo Tribunal Federal, que são os casos da Chacina da Candelária (Recurso especial nº1.334.097) e Aída Curi (1.335.153) (Anexo 1).

Na atualidade, é importante se notar que há uma ferida no que diz respeito aos direitos privativos da personalidade, em razão da revolução tecnológica, ocasionando a expansão da espionagem privada e a intervenção na privacidade e na intimidade, criando vias para a divulgação de informações pelos meios de comunicação. Em detrimento disso, o costume de ostentar a própria imagem e vida acabou se transformando em vontade de passar despercebido diante da intromissão alheia.

Porque o caudal tecnológico, desordenado, avassalador, alimenta-se em grande parte da indiferença como que os homens se deixam levar de roldão. E não permanecer indiferentes quando os meios de comunicação de massa realizam um tipo de expropriação da vida privada por “curiosidade pública”, quando a tecnologia põe ao alcance de indiscretos e bisbilhoteiros instrumentos verdadeiramente diabólicos, para penetrarem em nosso “jardim secreto” e transformarem nova solidão em ingênua aparência (COSTA, 2007, p. 18).

Dessa forma, a revolução tecnológica atingiu as reclamações dos direitos privativos da personalidade, ocasionando assim a criação de direitos diversos que não estejam necessariamente elencados pela norma jurídica, como o “Direito ao Esquecimento”, que foi identificado pelo Enunciado n. 531 do CJF/STJ, da VI Jornada de Direito Civil, do ano de 2013:

ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Artigo: 11 do Código Civil Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do exdetento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.

O discorre no Enunciado n. 531 do CJF/STJ encaixa-se perfeitamente nas situações da Era da informação, motivada pelos problemas causados pelo avanço exacerbado da tecnologia. Ademais, a norma protege a privacidade, a intimidade e a imagem, também utilizada em relação às informações passadas sobre a vida da pessoa, dados esses que não se perdem no tempo. Ainda nesse aspecto, o Conselho da Justiça Federal salienta que, numa linha histórica, o “Direito ao Esquecimento” foi criado no âmbito do Direito Penal, em condenações criminais, dispondo o indivíduo de seu direito à ressocialização e impedindo que ele seja martirizado durante muitos anos por crime do qual a pena já foi cumprida. Importa ressaltar que esta analogia é fundamentada no artigo 93 do Código Penal e no artigo 748 do Código de Processo Penal, in verbis:

“ADMINISTRATIVO – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - ANTECEDENTES CRIMINAIS - INQUÉRITOS ARQUIVADOS - EXCLUSÃO DE DADOS DO REGISTRO DO INSTITUTO DE IDENTIFICAÇÃO DA POLÍCIA CIVIL.

1. Por analogia ao que dispõe o art. 748 do CPP, que assegura ao reabilitado o sigilo das condenações criminais anteriores na sua folha de antecedentes, devem ser excluídos dos terminais dos Institutos de Identificação Criminal os dados relativos a inquéritos arquivados e a processos em que tenha ocorrido a absolvição do acusado por sentença penal transitada em julgado, de molde a preservar a intimidade do mesmo.

2. “A lei confere ao condenado reabilitado direito ao sigilo de seus registros criminais, que não podem constar de folha de antecedentes ou certidão (arts. 93, do CP e 748, do CPP). O réu absolvido, seja qual for o fundamento, faz jus ao cancelamento do registro pertinente, em sua folha de antecedentes.” (RMS 17774/SP. Rel. Min. PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, DJ 1.7.2004, p. 278).”

Para o Ministro Paulo Medina e de acordo com os arts. 93, CP e 748, CPP, os indivíduos que já cumpriram pena devem ter sigilo na folha de antecedentes, bem como devem ser excluídos dos registros de condenação no Instituto de Identificação. Cabe lembrar que se concede o direito a ser esquecido principalmente para aqueles que foram absolvidos do processo criminal.

Na atualidade, o direito a ser esquecido não se confere somente a ex-detentos e absolvidos, mas também aplica sua eficácia ao limitar a publicação dispensável e descabida de fatos passados que possam reavivar desgostos, angústias e humilhações que já foram superados. Conforme estabelece Schreibe (2013. p. 170):

De um lado, é certo que o público tem direito a relembrar fatos antigos. De outro, embora ninguém tenha direito de apagar os fatos, deve-se evitar que uma pessoa seja perseguida, ao longo de toda a vida, por um acontecimento pretérito. (...). Se toda pessoa tem direito a controlar a coleta e uso dos seus dados pessoais, deve-se admitir que tem também o direito de impedir que dados de outrora sejam revividos na atualidade, de modo descontextualizado, gerando-lhe risco considerável. O direito ao esquecimento (dirittoalUoblio) tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização, evitando-se que seja perseguido por toda a vida pelo crime cuja pena já cumpriu.

Dessa forma, diante o supracitado por Schreibe (2013. p. 170) há de se definir o “Direito ao Esquecimento” como o direito que evita com que meios de comunicação e mídia disseminem dados e informações passadas vexatórias, humilhantes e angustiantes (ainda que sejam de curiosidade alheia, mas que não possuam nenhum interesse público ou social efetivo), podendo levar o sujeito daquelas informações a ter que lidar com danos graves em sua vida, trabalho, entre outros aspectos. É importante destacar que, como foi dito pelo autor, um indivíduo não pode ser perseguido durante toda a vida por um fato pretérito.

Do mesmo modo, o “Direito ao Esquecimento” toma forma também no Código de Defesa do Consumidor. O artigo 43, § 1º, elenca que os dados de cadastro de consumidores precisam ter objetividade, clareza, veracidade e linguagem facilmente compreensível, além de dar o prazo máximo de cinco anos para a permanência de informações negativas em banco de dados. De acordo com os conhecimentos do Ilmo. Ministro Humberto Martins:

Também no direito do consumidor, o prazo máximo de cinco anos para que constem em bancos de dados informações negativas acerca de inadimplência (art. 43, § 1º), revela nítida acolhida à tese do esquecimento, porquanto, paga ou não a dívida que ensejou a negativação, escoado esse prazo, a opção legislativa pendeu para a proteção da pessoa do consumidor – que deve ser esquecida – em detrimento dos interesses do mercado, quanto à ciência de que determinada pessoa, um dia, foi um mau pagador (RECURSO ESPECIAL Nº 1.334.097 – RJ (2012/0144910-7).

O Direito do Consumidor abraça o instituto do “Direito ao Esquecimento” no art. 43, § 1º, afirmando que não pode ser superior a cinco anos o prazo de permanência do nome de consumidores em banco de dados que verse sobre negatividade e inadimplência, não dependendo isto da efetividade do pagamento da dívida em questão.

Ademais, tem-se no Enunciado 531 do CJF/STJ, que se fundamenta na interpretação do Código Civil e delimita o “Direito ao Esquecimento” como um dos direitos inerentes à personalidade mas que, todavia, não é imperativo que seja aplicado pelo jurisconsulto (PIRES; FREITAS, 2013, p. 168-169). Da mesma forma, o “Direito ao Esquecimento” está fundamentado no art. 1º, III, da CRFB, sendo este o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, e também nos artigos 5º, X, da CRFB e art. 21 do Código Civil, que defendem o direito à privacidade, à intimidade e à honra. O art. 21, CC, pressupõe que a vida privada do indivíduo é inviolável, sendo o juízo, de acordo com o requerimento de quem tenha interesse, responsável por adotar medidas necessárias para impossibilitar ou proibir e findar o que quer que se oponha a esta norma.

Importa pontuar então, que não diz respeito a nenhum indivíduo desaparecer ou refazer uma nova história de vida. Pretende-se, com esse direito, mediar, impossibilitar ou bloquear a exploração sem moderação da imagem, privacidade, honra e memória, onde careça história e interesse público.

Para Cachapuz e Carello (2014, p.113), o “Direito ao Esquecimento” não busca fazer com que a sociedade esqueça o passado, mas que limite o ilícito relacionado à sua exploração que, inevitavelmente, pode trazer graves problemas a dignidade de um indivíduo.

O Direito de estar só, englobado pela privacidade e intimidade, demonstra-se debilitado em razão dos extremos avanços tecnológicos e da Era da informação. Esse direito, então, passa a ser reclamado expressivamente, buscando tutela para que se proteja da possível imprudência e falta de ética dos meios de comunicação, imprensa e do jornalismo. Por esse motivo, o “Direito ao Esquecimento” é uma forma de fortificar os direitos privativos da personalidade.

2 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO, INFORMAÇÃO E IMPRENSA

A liberdade de acesso à informação e da manifestação da expressão estão positivadas no artigo 5º, incisos IV, V, IX e XIV, da Constituição de 1988. É notório que essas liberdades são fundamentais para a dignidade da pessoa humana e para que exista um Estado Democrático de Direito e é com elas que o indivíduo pode expressar-se, dar opiniões e adquirir informações, entre outros.

Dessa forma, é fundamental destacar o artigo 5º, incisos IV, V, IX e XIV, da Carta Magna de 1988:

Art. 5º [...]

IV – Resguarda a manifestação de pensamento, desde que haja a identificação;

V – Concede o pedido de indenização a qualquer pessoa que tenha sofrido danos morais e materiais ou na sua imagem;

IX – É direito de todos manifestarem seus pensamentos através dos meios de comunicação, não necessitando de autorização para isso;

XIV – Todos têm o direito de ter acesso às informações e quando necessário, é resguardado sigilo da fonte ao exercício profissional. (BRASIL, 1988)

O art. 220 da CRFB protege o princípio da liberdade de comunicação, englobando a livre manifestação do pensamento, da criação da informação e da liberdade de expressão, frisando que nenhuma lei poderá conter dispositivo que constitua embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observando nos dispositivos já mencionados.

O artigo também proíbe de forma veemente toda e qualquer forma de censura e estabelece restrições, como por exemplo, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem. É importante destacar que a proibição da censura é condizente com um estado democrático que busca sua plenitude, onde a Lei Maior se opõe a análise prévia de informações por qualquer ente estatal.

Outrossim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, em seu artigo XIX, preserva os direitos de informação e expressão.

A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), de 1969, estabelece, da mesma forma, em seu art. 13, inciso I, que toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Tal direito engloba a liberdade de pesquisa, recebimento e propagação de ideias diversas e de toda natureza, sem considerar fronteiras escritas ou verbais, podendo ser em forma artística, impressa ou qualquer processo de escolha do autor.

Define-se liberdade de informação como o direito do indivíduo de comunicar os fatos de forma livre e, ao direito coletivo, de receber a informação. A liberdade de expressão é o pensamento humano, ou seja, protege o direito de manifestar opiniões, ideias e juízos de valor. (BARROSO, 2004, p.18).

Para Ramos Filho (2014, p. 14), liberdade de informação define-se como um composto de direitos, processos e formas que criam vias para defender a promoção do pensamento e da informação, em que esses sejam exteriorizados mediante quaisquer categorias de meios de comunicação. Ramos Filho expõe também que essa proteção acolhe as produções não verbais, como expressões de comportamento, imagem e música.

Aponta ainda, que as liberdades de expressão e informação são resguardadas pela Constituição de 88 e legislações internacionais, indicadas como direitos essenciais e inerentes a todo indivíduo presente e atuante em uma democracia, podendo este manifestar-se livremente sobre seus pensamentos, ideias e opiniões, por intermédio de quaisquer meios de comunicação.

É importante frisar que, ambas as liberdades distinguem-se. Liberdade de expressão dispensa a apuração da veracidade, enquanto a liberdade de informação deve possuir autenticidade e acordo com os fatos. Para Mendes e Branco (2014, p. 241), “[…] será mister que se atenda ao interesse da coletividade de ser informada, porque através dessas informações é que se forma a opinião pública, e será necessário que a narrativa retrate a verdade”.

Por outro lado, informações não reais não são resguardadas pela Constituição Federal, pois pode se configurar como “quase atividade” na formação da opinião pública. Além do mais, para Mendes e Branco (2014, p. 241), a liberdade de informação possui uma função social, e essa é a de conectar um indivíduo ao mundo em que ele vive, “para que possa desenvolver toda a potencialidade da sua personalidade e, assim, possa tomar as decisões que a comunidade exige de cada integrante”.

No que se refere à liberdade de imprensa, tem-se um ente formador de opinião pública que está conectado diretamente tanto com a liberdade de informação, como de expressão. Tem como requisitos imprescindíveis o livre exercício de informar e ser informado por diferentes meios de comunicação e mídia. De acordo com Ramos Filho (2014, p. 16), a imprensa é um “verdadeiro corolário da liberdade de expressão (art. 5º, IX), buscando-se proteger o direito individual constitucionalmente garantido será difundido, por intermédio dos meios de comunicação em massa”.

Nas palavras de Pinho (2004 p.128), imprensa é ente formador de opinião pública e dotado de função social, auxiliando na evolução da liberdade de escolha de uma sociedade para o fortalecimento de seu regime democrático.

Nota-se então, de forma clara, que a Constituição renuncia a censura. Entretanto, essas não são liberdades plenas, pois não podem violar os limites que a Carta Magna prevê, majoritariamente, no que diz respeito aos direitos da personalidade do indivíduo. Sendo assim, ainda que pratique o exercício da liberdade de informar, se for possível comprovar invasão e, consequentemente, afetação dos direitos privativos da personalidade, poderá responder de forma cível e/ou criminal.

3 A PROTEÇÃO DA PRIVACIDADE À LUZ DOS PRINCÍPIOS INFORMATIVOS

Não há de se discutir que a privacidade é um dos bens mais preciosos e íntimos do ser humano. Sem a sua proteção, abre-se margem para a violação da personalidade do indivíduo. Diante disso, a Constituição Federal, no seu artigo 5°, X, versou sobre a inviolabilidade à intimidade, à vida privada, à honra e a imagem das pessoas, bem como assegurou o direito a indenização por eventuais danos decorrentes dessa invasão.

Portanto, a privacidade tem um estatuto constitucional de inviolabilidade, como termo em que deferem também as garantias individuais fundamentais do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Nesse sentido, a Constituição Federal proclama que perante a vida privada e a intimidade de cada um dos indivíduos existe um dever, que atinge a todos os sujeitos, de direitos, de abstenção de atos de intromissão indevida (ZANON, 2013, p.44).

O conceito de privacidade surge com a criação das cidades, ou seja, de uma comunidade ou sociedade, um grupo de pessoas e com a necessidade dos homens de não terem sua privacidade e intimidade invadidas. Assim, segundo Rodotà (2008, p.27) “o nascimento da privacidade não se apresenta como a realização de uma exigência natural de cada indivíduo, mas como a aquisição de um privilégio por parte de um grupo”.

O âmbito da privacidade plasmado no estatuto constitucional consiste, portanto, no conjunto de operações desenvolvidas por um individuo que restam imunes ao poder de ingerência estatal ou privada. Essa imunidade, proclamada constitucionalmente sob o signo da inviolabilidade, consiste na impossibilidade de intromissão sem que esta seja vista como ilícita. A privacidade envolve, assim, um conceito fundamental do Estado Democrático de Direito ao redor do qual se estabelece uma relação jurídica cujo elemento básico é a imputação de um dever de abstenção e de sigilo, ou seja, de não intromissão e de não desvelamento de determinados aspectos pessoais do indivíduo. O resguardo da privacidade impõe, portanto, uma obrigação de não fazer, de silenciar (ZANON, 2013, p.44).

Ou seja, privacidade e liberdade são palavras que estão conectadas de forma que somente ao observarmos a proteção à privacidade, já se efetiva, para os indivíduos, o exercício de suas liberdades.

O direito à privacidade é considerado um direito de primeira geração posto que ele apresenta-se, antes de tudo como uma proteção dos princípios da liberdade e da dignidade humana. Para ser livre e digno, o homem precisa dispor no âmbito de sua esfera individual, de um espaço para garantir seu livre desenvolvimento, seja ficando só, seja por meio de autonomia de compor e decidir o que fará parte da sua vida (VIEIRA; MENDES, 2007, p. 29).

Ter o poder de realizar de forma plena e eficaz as liberdades humanas individuais presume que os direitos inerentes ao indivíduo estejam sendo exercidos, ou seja, proceder com os atos de sua vida privada de acordo com seu entendimento, sem estar sob nenhum tipo de censura, ou até mesmo de sentir-se invadido, pressionado ou sob a constante observação de outras pessoas.

A privacidade possibilita ao indivíduo a oportunidade de não precisar lidar com preconceitos e comportamentos socialmente impostos. Logo, ela o empodera em relação a tomar as rédeas de sua própria vida, dando a ele autodeterminação e fazendo com que o direito seja plenamente individual e inviolável.

4 A PERSPECTIVA JURÍDICA DA PRIVACIDADE FRENTE À DEMANDA INFORMATIVA SOCIAL

A apuração do conflito entre normas constitucionais é fato recente no Direito brasileiro. O pluralismo e a complexidade das sociedades pós-modernas estenderam à proteção constitucional direitos, valores e interesses diversos e que eventualmente se chocam (BARROSO, 2013, p. 409-410). Dessa forma, tem-se uma colisão de direitos, quando um direito essencial invade a esfera de outro direito que também é indispensável. A partir disso, caberá ao intérprete da Constituição segmentar os limites e excessos, de forma adequada e sempre considerando, pacificamente, os conflitos do caso (MENDES, 2014, p. 208).

Para Novelino (2014, p. 430), essa colisão ou conflito entre direitos fundamentais ocorre quando dois ou mais direitos válidos de forma abstrata entram num embate diante a uma demanda judicial ou caso concreto. Isso pressuposto, as possíveis soluções serão diferentes de acordo com o direito a ser aplicado.

É nítido que de um lado está o “Direito ao Esquecimento”, decorrente dos direitos da personalidade, à honra, privacidade, intimidade e imagem, sendo estes fundamentais para a manutenção da dignidade do indivíduo. E, do outro lado, estão as liberdades de informação, de expressão e de imprensa, ambas salvaguardadas pela CRFB, ocasionando assim uma situação de conflito normativo, que leva o nome de “colisão de direitos fundamentais”.

É importante citar que o instituto da subsunção foi técnica bastante recorrida para que se compreendesse a aplicação do direito, todavia, o entendimento dogmático foi de que tal técnica falharia em soluções de colisões em consequência da expansão de princípios. Em decorrência disso, a subsunção causaria a preferência por uma premissa - ou norma - maior, que iria imperar sobre a premissa menor - os fatos. Ressalta-se ainda que, com base no princípio da unidade da Constituição, a interpretação não poderá optar por uma norma e preterir a outra, como se existisse hierarquia entre elas, pois não há (RODRIGUES, 2017). Sobre a subsunção, Barroso discorre que (2004, p. 8-9):

Após examinar a situação de fato que lhe foi trazida, irá identificar no ordenamento positivo a norma que deverá reger aquela hipótese. Em seguida, procederá a um tipo de raciocínio lógico, de natureza silogística, no qual a norma será a premissa maior, os fatos serão a premissa menor e a conclusão será a consequência do enquadramento dos fatos à norma. Esse método tradicional de aplicação do direito, pelo qual se realiza a subsunção dos fatos à norma e pronuncia-se uma conclusão, denomina-se método subsuntivo[…].

Desta forma, dois princípios do Direito são imprescindíveis para a ponderação do caso concreto: proporcionalidade e unidade. Frisa André Luis Dornellas Alves (2010, p. 3) que, para o princípio constitucional da unidade não existe hierarquia entre as normas. O magistrado responsável pela interpretação terá que encontrar uma possível harmonia in concreto entre interesses contrapostos ou comandos que defendam valores.

Já de acordo com Campus (2004, p. 28), sempre que houver conflito entre princípios e direitos fundamentais, o magistrado irá aplicar o balanceamento entre esses, procurando a resolução mais harmoniosa e que resguarde ao máximo as garantias consagradas pela Constituição. Ou seja, o intérprete constitucional irá ater-se à técnica denominada de ponderação de princípios, definida como uma fórmula que analisa o peso de cada um deles ante o caso, objetivando desvendar qual irá prevalecer.

A dificuldade descrita já foi amplamente percebida pela doutrina; é pacífico que casos como esses não são resolvidos por uma subsunção simples. Será preciso um raciocínio de estrutura diversa, mais complexo, capaz de trabalhar multidirecionalmente, produzindo a regra concreta que vai reger a hipótese a partir de uma síntese dos distintos elementos normativos incidentes sobre aquele conjunto de fatos. De alguma forma, cada um desses elementos deverá ser considerado na medida de sua importância e pertinência para o caso concreto, de modo que, na solução final. Tal qual em um quadro bem pintado, as diferentes cores possam ser percebidas, embora alguma (s) dela (s) venha (m) a se destacar sobre as demais. Esse é, de maneira geral, o objetivo daquilo que se convencionou denominar técnica da ponderação (BARROSO, 2004, p. 9).

Com base no que foi definido, percebe-se portanto, que a presente discussão coloca dois princípios constitucionais em colisão: em uma esfera, o “Direito ao esquecimento” como forma de direito da personalidade, tutelando privacidade, sigilo, tranquilidade, restrição de informações pessoais, limitação de exibição de imagens, etc., e, do outro lado, a liberdade de informação, expressão e imprensa possuindo o direito pleno e livre para circular notícias.

Para dar corpo ao que foi escrito até aqui, deve-se trazer ao cerne da questão, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 130/DF, de relatoria do ministro Ayres Britto e julgada em 6 de novembro de 2009. O Supremo Tribunal Federal (STF, 2009), por maioria de votos, deisgnou que a Lei de Imprensa (Lei nº 5250/67) não é compatível com a CRFB de 1988. Os ministros Eros Grau, Cármen Lúcia, Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Cezar Peluso, além do relator, Min. Carlos Ayres Britto, votaram pela total procedência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130. Os ministros Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes e Ellen Gracie se pronunciaram pela parcial procedência da ação e o ministro Marco Aurélio, pela improcedência.

 O ministro Menezes Direito frisou que a imprensa é o único ente “dotado de flexibilidade para publicar as mazelas do Executivo”, sendo garantida a outros entes e órgãos a obrigação de tomar quaisquer atitudes a partir dessas publicações. Para ele, a imprensa realiza missão democrática, onde o cidadão de bem recorre, de forma dependente, para conseguir informações, avaliações políticas e práticas governamentais. Por isso, a imprensa deve ser totalmente autônoma em relação ao Estado.

Já Joaquim Barbosa votou pela parcial procedência do pedido, referindo-se aos artigos 20, 21 e 22, da Lei de Imprensa. Para o Ministro, tais artigos que abordam penalidades ao elencar os tipos de calúnia, injúria e difamação no seio da comunicação social e pública já têm compatibilidade com a CRFB. “O tratamento em separado dessas figuras penais quando praticadas através da imprensa se justifica em razão da maior intensidade do dano causado à imagem da pessoa ofendida”, pontuou.

De acordo com ele, esse tratamento penal “especial” é de extrema importância na proteção ao direito da personalidade da pessoa humana e útil ao impedir invasões e abusos não suportados pela estrutura jurisdicional, não se limitando somente a agentes públicos. “Entendo que a liberdade de expressão deve ser a mais ampla possível no que diz respeito a agentes públicos, mas tenho muita reticência em admitir que o mesmo tratamento seja dado em relação às pessoas privadas, ao cidadão comum”, disse.

Durante o voto, Joaquim Barbosa alegou que ter uma imprensa livre não é suficiente, é preciso que ela seja plural e diversa, podendo ofertar várias formas de canais para expressão de pensamentos. O ministro reprovou a atuação de grupos de imprensa hegemônicos e que defendam somente seus interesses políticos em alguns estados, dominando quase completamente o cenário áudio-visual e a publicidade das ideias e informações. Para ele, a imprensa deve ser diversa em sua plenitude a ponto de impossibilitar a manipulação da mídia que, no seu entendimento, é algo extremamente tóxico para a democracia.

O ministro Cezar Peluso seguiu o voto do relator no entendimento de não recepcionar a Lei de Imprensa pela Constituição Federal de 88. Para ele a CRFB não presume caráter absoluto a nenhum direito, dessa forma, não poderia conceber a liberdade de imprensa com essa largueza absoluta. Pontuou ainda que “talvez não fosse prático manter vigentes alguns dispositivos de um sistema que se tornou mutilado e a sobrevivência de algumas normas sem organicidade realmente poderia levar, na prática, a algumas dificuldades”. Para o ministro, enquanto o Congresso Nacional entenda que não é necessário editar uma lei de imprensa – o que ele considera adaptável ao sistema constitucional – é responsabilidade do Judiciário decidir alguns objetos relacionados a direitos como o de resposta, por exemplo.

5 A RELEVÂNCIA SOCIAL COMO JUSTIFICATIVA PARA MANUTENÇÃO DE EXPOSIÇÃO DE IMAGEM

Nenhuma instituto jurídico, sobretudo regras insculpidas no texto constitucional, deverá ser analisado desalinhado com o contexto social.

Expõe Alexandre de Moraes (2016, p. 110):

A manifestação do pensamento é livre e garantida em nível constitucional, não aludindo a censura prévia em diversões e espetáculos públicos. Os abusos porventura ocorridos no exercício indevido da manifestação do pensamento são passíveis de exame e apreciação pelo Poder Judiciário com as consequentes responsabilidades civil e penal de seus autores, decorrentes inclusive de publicações injuriosas na imprensa, que deve exercer vigilância e controle da matéria que divulga.

É importante destacar que grupos corporativos que utilizam televisão, internet, rádio e outros meios de mídia e comunicação, exibem seus materiais com o intuito de gerar lucro. Ou seja, caso haja exercício desproporcional no direito de liberdade de imprensa que venha a causar danos, existe o agravante de que aquele dano foi constituído por meio de atividade que gerou benefício material para o veículo de comunicação em questão (MORAES, 2016).

Traçada está a divergência entre direitos e garantias constitucionais. Numa esfera, o direito à privacidade, à imagem, honra e intimidade; na outra, a liberdade de informação, expressão e de imprensa que, ao passo que foi comprovado, não diz respeito apenas ao exercício da profissão de jornalista, mas também da urgência de que os cidadãos brasileiros tomem ciência do que ocorre em seu país e no mundo em que vivem (MACHADO, 2016).

Para Rodrigues (2017), as transformações ocorridas em detrimento dos avanços tecnológicos podem facilmente expor na íntegra a vida de um indivíduo com apenas um clique, apoderando-se de seu espaço e ferindo os seus direitos à privacidade, à imagem e intimidade, fazendo com que a pessoa volte a sua memória para aquele acontecimento pretérito infeliz que lhe causou traumas, humilhações, prejuízos, enfim, inúmeros abalos tanto de cunho moral quanto material. Dessa forma nasce o hodierno “Direito ao Esquecimento”, tendo o poder de controlar que acontecimentos catastróficos e nefastos sejam divulgados pelos meios de comunicação e mídia, fazendo reavivar momentos adversos para vítimas e seus familiares, ou, que denigram a imagem do autor de alguma espécie de delito em processo de ressocialização, ou daquele que é considerado inocente em procedimentos da esfera penal.

Em contrapartida, é importante o registro de que o papel da imprensa é relevante no Estado Democrático de Direito. Sendo assim, as liberdades de expressão, informação e imprensa estão perfeitamente contempladas pela Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), sendo postas como valores constitucionais e não podendo ser submetidas a nenhum tipo de censura. Dessa forma, ante as colisões entre o “Direito ao Esquecimento” e as Liberdades de expressão, informação e imprensa, o magistrado terá que aplicar técnica denominada de ponderação de princípios, normas ou interesses para remediar as presunções de colisão entre os direitos confrontados no caso concreto, examinando-o minuciosamente para que seja tomada a decisão mais justa, adequada e condizente possível com a realidade (RODRIGUES, 2017).

Conforme exposto, não se considera nenhuma hierarquia entre os dispositivos constitucionais. Em conseqüência disso, as divergências entre as normas da Carta Magna serão resolvidas considerando todas as circunstâncias do caso, de forma a resguardar ao máximo a essência de cada um dos dispositivos em questão na demanda.

No presente estudo foi demonstrado que as ações judiciais propostas com a temática são motivadas, sobretudo, pela defesa à dignidade da pessoa humana. Os avanços da tecnologia e dos meios de comunicação, inevitavelmente, irão possibilitar, cada vez mais, o crescimento no número desse tipo de demanda judicial e, em detrimento disso, espera-se que num futuro breve a jurisprudência, no que se refere ao instituto do “Direito ao Esquecimento”, esteja pacificada e alcance a proporcionalidade entre a o emprego da perfeita e ética função da imprensa e a plena garantia dos direitos da personalidade, à privacidade, à intimidade, imagem, honra e memória.

CONCLUSÃO

Além de inerente e permanente, a personalidade é um direito humano fundamental que se estabelece para a composição do ser e sua convivência no meio social. Dessa forma, é imprescindível que o Direito, no cerne de sua função basilar e democrática, conceitue e atribua à personalidade a devida proteção legal, como consta da Constituição Federal Brasileira, art. 5º, X. 

O indivíduo que sente que a sua personalidade foi atingida pode reclamar judicialmente, pedindo reparação ou indenização pelo dano moral ou material sofrido em decorrência do fato que gerou o dissídio. Nesse leque, há ainda a possibilidade de suscitar o direito a ser esquecido ou desvinculado de conteúdo que venha a demonstrar o ferimento de sua intimidade, vida privada, imagem, honra, nome ou memória de fato passado que possa criar situação vexatória, humilhante ou prejuízos.

Pretendeu-se, com esta abordagem, tratar do “Direito ao Esquecimento” buscando as hipóteses em que ele será suscitado, e o que representa para o sistema jurídico brasileiro, e se a sua previsão pode ou não acarretar conflitos com a aplicabilidade do princípio da liberdade de imprensa, no acesso livre à informação e no seu interesse social.

Conclui-se que caberá aos magistrados, nos casos específicos, proporcionar o equilíbrio de todas as garantias discorridas. Devem levar em consideração a relevância social das informações apresentadas, a garantia da liberdade de imprensa sendo exercida dentro dos limites relevantes e a melhor e mais extensa forma possível de preservação dos direitos da personalidade da vítima, para que então alcance a proporcionalidade entre o emprego da perfeita e ética função da imprensa e a plena garantia dos direitos da personalidade, à privacidade, à intimidade, imagem, honra e memória.         

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Data da conclusão/última revisão: 22/10/2018

 

Como citar o texto:

CHAVES, Fábio Barbosa; PAULA,Miguel Luiz Vieira Gonçalves de..Direito ao esquecimento: Desafios na proteção à privacidade e ao livre acesso à informação. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 30, nº 1570. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direitos-humanos/4197/direito-ao-esquecimento-desafios-protecao-privacidade-ao-livre-acesso-informacao. Acesso em 24 out. 2018.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.