RESUMO

O presente artigo científico, em tese, faz uma abordagem das transformações que o conceito de família vem sofrendo e como consequentemente algumas normas podem ser consideradas ultrapassadas. Como método de alcançar a finalidade deste ensaio foi selecionado o casamento civil que é um dos vários gêneros existentes de família perante a conceituação moderna e ampla de família da atualidade. Assim, foi desenvolvido um estudo entre as finalidades do antigo Código Civil de 1916 e do Código Civil de 2002 no intuito de esclarecer as consequências que a transição do conceito de família traz até hoje. Desta forma, foi criada uma problemática baseada em compreender que o Estado, perante o arranjo familiar, deve interferir de forma mais cautelosa, uma vez que atualmente o conceito de família é disciplinado pelos laços de afetividade entre seus entes. Posta assim a questão, o presente estudo argumenta os Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Afetividade para que seja demonstrado que algumas das normas impostas pelo Código Civil encontram-se de certa forma desatualizadas ocasionando lacunas no Direito, podendo, portanto, ser objeto de uma futura revogação. Desfrutou-se de doutrinas, análises de artigos científicos e sites relacionados ao tema, normas do Direito de família, entres outras metodologias. Pode-se chegar à conclusão que apesar de o Estado tutelar o Direito de família, ou melhor dizendo, Direito das famílias (de todos os modelos existentes), o casamento civil não precisa mais limitar um número de pessoas e impedir uma entidade familiar de ser composta por um impedimento que hoje, pode-se considerar como irrelevante.

Palavras-chave: Afetividade, arranjo familiar; casamento civil; conceito de família; intervenção estatal.

ABSTRACT

This Article scientific, in theory, takes an approach of transformations what the concept in family comes suffering and as consequently some standards can to be considered outdated. As method in catch up the goal of this test was selected civil marriage what is one of the various genres existing in family towards the conceptualization modern and broad in family of the present time. Thus, a study was developed between the of the old Civil Code of 1916 and of the Civil Code of 2002 in order to clarify the consequences that the transition of the concept of family brings until today. In this way, a problematic was created based on understanding that the State, before the family arrangement, must interfere in a more cautious way, since today the concept of family is disciplined by the bonds of affection between its beings. Having thus put the question, this study argues the Principles of Human Dignity and Affectivity so that it can be shown that some of the rules imposed by the Civil Code are somewhat out of date, creating gaps in the law and can therefore be subject to a future revocation. Doctrines, analyzes of scientific articles and websites related to the subject, norms of family law, among other methodologies were used. It can be concluded that although the State protects family law, or rather, family law (of all existing models), civil marriage no longer needs to limit a number of persons and prevent a family entity from being composed of an impediment that today, can be considered as irrelevant.

Key words: Affectivity; family arrangement; civil marriage; family concept; state intervention.

INTRODUÇÃO

            A primeira percepção que se tem ao analisar o Direito de família é que muito daquilo que já foi construído encontra-se ultrapassado, podendo, portanto, ser objeto de mudança. É dentro desse contexto que o presente ensaio aborda as consequências que a carência de algumas mudanças legais pode trazer aos indivíduos se as normas de Direito não passarem a se adequar as constantes evoluções da sociedade

            O Código civil de 1916 traz uma consideração de noção de família como uma monarquia ou uma república autoritária, porém, não se pode olvidar do fato de que na sociedade moderna o conceito de família se ampliou mais do que se pode imaginar, fazendo com que as famílias atuais não possuam as mesmas finalidades das antigas entidades familiares, isto porque nos tempos de hoje a conceituação de família abrange diversas formas de se conviver, estruturadas através de compromisso amoroso, de afetividade e do carinho e do respeito entre seus entes.

            Foi através dessas considerações e tomando como base o casamento civil que se pode desenvolver a problemática: Quais as possibilidades de a intervenção do Estado no arranjo familiar ser de menor potencialidade, uma vez que o caráter de natureza privada do Direito de família é compreendido. Com intuito de replicar a problemática acreditou-se que o cenário de impedir de contrair um novo casamento, as pessoas já casadas e consequentemente penalizá-las penalmente, pode ser mudado através de um inciso abrangido pelo CC.

O objetivo do presente ensaio é demonstrar que sim, o Estado pode e deve se ponderar quanto as formalidades da constituição das famílias, pois, suas bases e essências encontram-se tuteladas antes de tudo, pela Constituição Federal de 1988 e as outras normas têm por obrigação respeitá-la por critérios de hierarquia.

            Para elaboração e para efetivar o objetivo geral, realizou-se um estudo através de obras jurídicas, sites e pesquisas bibliográficas relacionados ao Direto civil e especificamente ao Direito de Família, pois, este, é merecedor de uma justiça mais próxima possível do que acontece nos relacionamentos e na vida cotidiana.

O trabalho foi então fragmentado em alguns itens para melhor compreensão do leitor de toda a matéria abordada e assim foi desenvolvido abrindo espaço para tratar da evolução do conceito de família, acompanhado dos diferentes modelos familiares. Passou-se então a tratar do instituto do casamento Civil e religioso, que é objeto principal deste ensaio, como também os seus impedimentos.

Por fim, foi discorrido sobre a inadequação social e jurídica do inciso VI do artigo 1.521 do Código Civil Brasileiro de 2002, demonstrando que a relação familiar dispõe de Direito privado e que os Princípios da Dignidade da pessoa humana e da Afetividade elucidam maior relevância à conservação familiar sem interferir como se dará sua composição.

1.      EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA

            A conceituação de família foi por muito tempo defendido pelo Código Civil de forma complexa desde os períodos Colonial, Imperial e até mesmo uma parte do Século XX. Com o passar dos séculos as mudanças da composição familiar, da sua natureza e sua principal função vieram a sofrer diversas transformações tuteadas pela Constituição Federal de 1988. Os primeiros entendimentos da origem da família consistiam-se em defender inicialmente a busca pela felicidade, tornando sólida a crença de que a felicidade somente poderia ser alcançada a dois.

A relação familiar não se baseava na importância da posição que se ocupava dentro de uma família, mas sim em pertencer a uma entidade familiar agregando a ela princípios a procura da felicidade. Estruturada extensivamente, as famílias eram motivadas a procriar almejando engrandecer seus patrimônios, como bem defende o Código Civil de 1916, através da soma da força de trabalho dos seus entes organizados hierarquicamente sem qualquer ligação com o afeto.

“Antes de jurídica é uma instituição de conteúdo moral, sociológico e biológico, que centraliza interesses sociais da maior importância.” (NADER, 2016 p. 42). Em épocas passadas, a natureza jurídica da família era dada basicamente através da ideia de construção de uma personalidade jurídica que objetivava benefícios em alcançar poderes fora do matrimônio, como o nome, o poder familiar, a propriedade do bem de famílias, entre outros.

“O direito de família regula exatamente a relação entre os seus diversos membros e as consequências que delas resultam para as pessoas e bens.” (GONÇALVES, 2018, p. 18).

            Contudo, sobreveio a concepção de que a família em si não é titular de direitos, mas sim seus entes familiares de forma individual. A doutrina majoritária traz considera a conceituação de família como uma instituição, mas isso não significa que este entendimento é homogêneo.

“Como instituição, a família é uma coletividade humana subordinada à autoridade e condutas sociais. Uma instituição deve ser compreendida como uma forma regular, formal e definida de realizar uma atividade” (VENOSA, 2017, p. 9). Deste modo, a sociedade dispõe da família, que, considerada como sociedade, é regulada pelo Direito (Ciência social) e maneada por direitos e deveres onde os seus maiores objetivos eram procriar e educar todos os seus membros, depositando uma maior atenção aos filhos.

Não pode se olvidar que a evolução do conceito de família relaciona-se com as transformações da sociedade que hoje em dia toleram as muitas formas de relacionamento na base do respeito, da democracia e da liberdade de expressão dos sentimentos.

Assim, uma vez que ocorre primeiramente os fatos e depois a criação das leis para solucionar os conflitos, a realidade de seguir aquilo que seria considerado correto em determinada época faz perceber que as leis também devem atualizadas para acompanhar a evolução do conceito familiar que veio a demonstrar que não existe mais uma necessidade de seguir a dura linhagem patriarcal, onde os poderes masculinos eram direcionados sob as mulheres prevendo até mesmo sobre elas castigos, cárcere privado, direito de morte, caso fosse constatado a prática de adultério em flagrante.

             Pelo Código Civil de 1916, a mulher, ao se casar, tornava-se relativamente incapaz, passando a ser assistida pelo marido nos atos da vida civil. Ao marido              competia a chefia da sociedade conjugal, com a atribuição de estabelecer o           domicílio conjugal, administrar o patrimônio familiar, neste compreendidos os            bens do casal, além de reger a pessoa e os bens dos filhos menores, na medida            em que detinha, com exclusividade, o pátrio poder. (Ramos, 2016, p. 28).

Historicamente, a força da Revolução Industrial introduziu a mulher de forma ativa para o mercado de trabalho e a emancipação feminina distorceu de forma significativa o papel que era dado a mulher de cuidar e zelar do contexto doméstico fazendo com que o homem perdesse o papel central de manutenção de uma família por força da indispensabilidade da mão de obra e resultaram para que o modelo de família patriarcal fosse aos poucos extinto da sociedade.

Com o passar das épocas o casamento, tido como regra, foi considerado conduta alcançada por algumas limitações a responsabilidade jurídica que ficou mais conhecido como matrimônio. “Em uma sociedade conservadora, para merecer aceitação social e reconhecimento jurídico, o núcleo familiar se dispunha de perfil hierarquizado e patriarcal.” (DIAS, 2017, p. 38).

Como algumas famílias decidiram não procriar, a chamada função procracional perdeu força e consequentemente pode-se notar que procriar não seria algo indispensável, pois, considerando a afetividade como centro, as famílias poderiam ser construídas através da adoção dos filhos ou até mesmo através da união de pessoas do mesmo sexo. A promulgação da Constituição Federal de 1988 contou com inúmeras orientações de entidades voltadas a família que foram adotadas pela Assembleia do Congresso Nacional para esclarecer que a igualdade entre os entes familiares, a união através de afeto, guarda dos filhos, igualdade de filhos sem descriminação de sua origem são alguns pontos que evidenciam que a entidade familiar é consolidada em aspectos pessoais, deixando para trás os aspectos patrimoniais.

O fato de a sociedade moderna estar em constante transformação torna árdua a tarefa de conceituar, no direito, o termo “família”. Considerando, no entanto, as normas do Código Civil e da Constituição Federal, assim como a interpretação que os nossos julgadores e doutrinadores têm dado a estas normas, pode-se declarar que, de forma ampla, o termo “família” indica um conjunto de pessoas unidas por relação de parentesco (v. g., avós, pais, filhos, irmãos, tios, sobrinhos etc.), e/ou afinidade (v. g., marido e mulher; companheiros etc.) (Araújo Júnior, 2018, p. 22).

É notório que a estrutura da família moderna veio sendo transformada junto com o passar do tempo e mesmo que as pessoas estejam acostumadas a ligar uma família somente pela conexão construída atreves do casamento, as transformações sofridas trazem uma visão ampliada da tentativa do conceito de família que permite compreender que apesar de o Código Civil não trazer expressamente este conceito, nos dias de hoje, podemos considerá-la como uma instituição social, pois, a sua base é sustentada na affectio, esclarecendo que o fundamento essencial de entidade familiar é sem sombra de dúvidas, a afetividade entre seus entes aclarada através da intimidade, não importando como foi formada inicialmente.

Assim, mesmo que não haja nenhuma ligação biológica a afetividade sobrepõe qualquer tentativa de enquadrar a família em conceitos que não levam primeiramente em consideração o carinho, o amor e o respeito que os entes familiares depositam um no outro em busca da felicidade.

Por tudo isso, entende-se que as funções procriativas, econômicas, religiosas e politicas impostas pelo modelo familiar patriarcal desapareceram para dar lugar a contribuição que a família tem de influenciar nas personalidades dos seus componentes, onde assim, o Estado pode justificar a proteção dada a família. Em razão disso, a sociedade evoluiu em relação a tolerância e a liberdade, onde só assim, pode-se enxergar que não se necessita mais seguir a linhagens impostas antigamente para que uma entidade familiar seja respeitada e valorizada.

Com todas essas mudanças, a verdade e o direito de escolha foram essenciais para satisfação das famílias de hoje, pois, a traição veio saindo de cena no momento em que cada pessoa pode escolher com quem viver e por quanto tempo viver. Assim sendo, aquele que possui afeto a alguém busca felicidade, subtendendo que aquele que busca felicidade deseja manter o elo familiar que não deve ser mantido por obrigação, mas sim por amor.

1.1. Os diferentes modelos familiares

Com o decorrer dos anos a ideia de que a família para ser respeitada deveria ser construída somente por meio daquele modelo imposto através do casamento civil onde o homem e a mulher foram feitos para procriar foi sendo desfeita e a sociedade aos poucos foi entendendo que a família poderia ser consolidada de diferentes formas.

Para identificar uma família hoje não se precisa mais tomar como base a idealização de um casamento e nem a divergência dos sexos, mas, precisamente na existência de afeto entre seus entes que se comprometem uns com os outros em buscar a felicidade e satisfação pessoal mutua com o relacionamento que assumem.

Com relação aos tipos de famílias o artigo 226 da Constituição Federal expressa:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. Regulamento

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Este dispositivo possibilita duas interpretações diferentes e isso ocorre porque pode-se perceber uma prevalência ao casamento, podendo limitar a tutela jurídica dos ouros gêneros familiares, mas, ao mesmo tempo, como a Constituição garante a liberdade de escolha, pode-se notar uma igualdade entre os tipos, onde todos teriam mesmos direitos.

Nosso Direito, ao tempo do Império, conheceu, a princípio, somente o casamento católico (in facie Ecclesiae), por ser oficial do Estado a religião. Com o crescimento populacional, aumentou o número de não católicos, que se viam forçados a um drama de consciência: absterem-se do casamento ou realizarem-no em contradição com as suas convicções espirituais. (PEREIRA, 2017, p. 118).

O casamento Civil era regulado pela lei, através do matrimônio. É um dos modelos familiares e pode-se considerá-lo como ponto central do Direito de Família, pois foi atreves dele que se difundiram as normas essenciais para esta área do Direito. É verídico que sua conceituação muda de acordo com as mudanças dos fenômenos sociais, porém, pode-se compreender que casamento é a união entre um homem e uma mulher através da lei com as finalidades de satisfação mutua relacionando-se sexualmente e esforçando-se para cuidar dos filhos.

Sua importância como negócio jurídico formal, vai desde as formalidades que antecedem a sua celebração, passando pelo ato material de conclusão até os efeitos do negócio jurídico se desaguarem nas relações entre os cônjuges, os deveres recíprocos, a criação e assistência material e espiritual reciproca e da prole etc. (VENOSA, 2017, p. 27).

A manutenção do casamento sempre foi interesse do Estado e por esse motivo a sua solidificação era dada pelo nome do homem/marido, era ainda consagrada sua indissolubilidade, além de seguir pelo modelo legal de regime de comunhão parcial de bens.

De acordo todos os requisitos, era essa a única forma de constituir uma família, até que entrou em vigor a Constituição de 1988, na qual consagrou a família como base da sociedade dispondo de especial proteção do Estado. O Código Civil zela pelo casamento em seu artigo 1.511 e seguintes e o tratou como instituição com uma característica de contrato de negócio jurídico bilateral. Desta forma pode-se considerá-lo como ato de negócio jurídico.

A união estável é mais um tipo de entidade familiar, porém, que não necessita de oficialidades do Estado e nem de registro em cartório para ser válido. Mesmo assim a Lei facilita sua conversão para casamento (CF, art. 226, § 3º). Já para o Código Civil de 2002 o objeto é tratado como instituto, conforme o artigo 1.723 do mesmo dispositivo.

Desta forma, percebe-se que mesmo não sendo um matrimônio, a união estável é a convivência de duas pessoas, em caráter sólido e duradoura, com finalidade baseada na satisfação sexual mutua e com objetivo principal a preocupação de constituição familiar, dando assistência aos filhos advindos desta entidade familiar.

Os requisitos, nesse contexto, são que a união seja pública (no sentido de notoriedade, não podendo ser oculta, clandestina), contínua (sem que haja interrupções, sem o famoso “dar um tempo” que é tão comum no namoro) e duradoura, além do objetivo de os companheiros ou conviventes de estabelecerem uma verdadeira família (animus familiae). (TARTUCE, 2017, p. 199).

A família monoparental pode ser determinada como uma entidade familiar constituída por um dos pais (sendo pai ou mãe) e os filhos menores e pode ser derivada de várias circunstâncias como, por exemplo, a separação de fato, a viuvez, a mãe solteira, porém existe uma limitação a descendência em primeiro grau, onde os avós não se encontram inseridos neste tipo de entidade familiar e sua convivência com seus netos não constitui família monoparental, mas sim de natureza parental (CF, Art 226, § 4º).

As causas desencadeadoras da monoparentalidade apontam para a natalidade de mães solteiras, inclusive por técnicas de inseminação artificial, até mesmo post mortem e motivos ligados a uma prévia relação conjugal (não necessariamente oriunda do casamento, mas da conjugação de interesses em uma vida comum), com separação de fato, divórcio, nulidade ou anulação do casamento, ou viuvez. (MADALENO, 2018, p. 49).

É oportuno destacar que este tipo de entidade familiar não dispõe de direitos e deveres em específico, mas lhes são aplicadas as normas gerais de Direito de Família e alcançada a maioridade dos filhos ou quando por algum motivo ocorrer sua emancipação o vínculo de entidade monoparental se transforma em relação de parentesco, e ainda, se ocorrer a morte do genitor deste tipo de família, a mesma não existirá mais mesmo quando  denominado algum tutor com intuito de cuidar do menor, da mesma forma não existirá mais a família monoparental se o filho estabelece nova família ausentando-se do genitor.

Depois de muitas controvérsias, também se considera como entidade familiar a união homoafetiva, caso ela preencha os requisitos essenciais de afetividade, estabilidade e ostensibilidade com propósito de constituir família, uma vez que a Constituição não proibiu a união de pessoas com o mesmo sexo, mas também não se manifestou a favor. A não manifestação em relação a este tipo de família abriu espaço para que o artigo 226 da CF/88 fosse interpretado de forma análoga e assim por obter maior aproximação a união estável a união homoafetiva é protegida constitucionalmente.

As constantes divergências nas jurisprudências dos tribunais fez com que o Supremo Tribunal Federal incluísse a união homoafetiva como espécie do gênero união estável através da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 em 2011, pois, quando o artigo 1.723 do Código Civil cita homem e mulher na união estável, não determina que este tipo de entidade familiar não possa ser composto por pessoas de mesmo sexo.

Consolida-se a família socioafetiva em nossa Doutrina e Jurisprudência, uma vez declarada a convivência familiar e comunitária como Direito Fundamental, a não discriminação de filhos, a corresponsabilidade dos pais quanto ao exercício do poder familiar e o núcleo monoparental reconhecido como entidade familiar. (PEREIRA, 2017, p. 66).

Em 2012 o STJ decidiu em Recurso Especial que o casamento também é um direito dos casais homossexuais, embasado no entendimento de que os artigos do Código Civil que tratam do casamento não vedam esse direito aos mesmos, que já formavam uma entidade familiar por meio da união estável e por este motivo não se deveria existir uma vedação tácita que feria o Princípio basilar da Dignidade da Pessoa Humana. Outra conquista para este gênero de família foi a Resolução nº 175 de 2013, editada pelo Conselho Nacional de Justiça, que segue:

Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.

Art. 2º A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis.

O resultado de todas essas conquistas possibilitou a não distinção dos efeitos jurídicos entre os casais, sejam eles heterossexuais ou homossexuais, para casamento ou união estável, tornando-os igualitários na forma da lei e no poder que a Constituição Federal lhes atribui. Desta forma, a essência de família não pode restringir ou limitar nenhum tipo de família através do sexo.

Por último, constitui também entidade familiar as famílias recompostas ou também chamadas de reconstruídas. Esses tipos de famílias são formados por um cônjuge ou companheiro e os filhos do outro, derivados de outros relacionamentos. Importante frisar que o artigo 1.595 do Código Civil aduz que cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo de afinidade.

Assim, sendo parente em linha reta, não pode, o enteado casar-se com o cônjuge ou companheiro da mãe ou cônjuge ou companheira do pai, mesmo que o casamento ou união estável sejam posteriormente desfeitos, pois, uma vez parente em linha reta por afinidade, este laço não é desfeito.

O artigo 1.521 do mesmo dispositivo reforça essa percepção e expressa que os afins em linha reta não podem casar. Essa assimilação não se dá aos irmãos afins, ou seja, enteado (a) que pretenda casar-se com filho (a) do padrasto ou madrasta. Este tipo de família também foi objeto de conquistas no que se refere o Direito de família.

Uma dessas conquistas foi a Lei 11.924/2009 que admite que o enteado (a) possa ter registrado somente o nome de seu padrasto ou madrasta, desde que esses concordem, outro ponto importante foi o STJ em REsp nº 1106637 reconhecer que padrasto possui poder para demandar pedido de destituição do poder familiar em face do genitor de laço sanguíneo e por fim admissão da dupla paternidade fixada em tese de repercussão geral de REsp nº l 898.060 – tema 622, tornando viável a converter o parentesco por afinidade em parentesco sócio afetivo, quando o pai ou a mãe biológicos abandonarem a criança.

2. O INSTITUTO DO CASAMENTO NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

            No Código Civil de 1916 o instituto familiar era condicionado ao casamento civil, inexistindo qualquer menção referente ao casamento religioso, desvalorizava a mulher, considerava-a relativamente incapaz, onde a figura masculina era privilegiada na sociedade conjugal. Das mudanças implantadas no Código Civil de 2002, está primeiramente estabelecido que o casamento é comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, destituindo o poder absoluto anteriormente existente do pater famílias, aceitando também a equiparação do casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil. Resta claro que a conceituação de casamento pode mudar com o passar dos anos. Assim o artigo 1.511 do Código Civil de 2002 estabelece como critério a comunhão plena de vida para o casamento:

O Código Civil não define a natureza jurídica do casamento, mas consigna em seu artigo 1.511 o seu principal pressuposto, de o matrimônio estabelecer entre os cônjuges um estado de comunhão plena de vida, sustentado na igualdade de direitos e deveres dos esposos, como já consagrado pelo princípio constitucional prescrito no artigo 226, § 5º, da Constituição Federal, sendo gratuita a sua celebração civil para as pessoas que declararem a sua pobreza, sob as penas da lei. (MADALENO, 2018, p. 164).

                De fato, a doutrina não é unânime quando se trata da matéria da natureza jurídica do casamento, porém, se discutia a respeito de considerá-lo um contrato formalizado através da vontade das partes. Em contrapartida, há quem considere o casamento como uma instituição social fundamentado na ideia de que além de refletir acontecimentos jurídicos, o casamento é conduzido pelo legislador.

            Vale ratificar quanto a polêmica de considerar o casamento como sendo um contrato ou uma instituição social. Decorrente dessa controvérsia, percebe-se mais uma corrente sobre a natureza jurídica do casamento. “Nessa polêmica surgiu uma terceira concepção, de natureza eclética ou mista, que considera o casamento ato complexo, ao mesmo tempo contrato e instituição.” (GONÇALVES, 2018, p. 41).

            Assinale-se ainda que, presumisse a validade e eficácia do casamento civil através de declaração feita por juiz de direito e juiz de paz, como também pelo desejo dos nubentes em construir juridicamente um vínculo. Desta forma, o casamento é consumado somente depois de senados todos os meios de habilitá-lo e superados os requisitos de capacidade civil plena ou idade núbil consentida pelos responsáveis. Quanto a sua eficácia, ressalta-se que é tão somente civil. Conforme Lôbo (2017, p. 92):

O casamento é válido somente quando as manifestações de vontade e a celebração são válidas. Quando o casamento for celebrado por juiz de direito competente para tal fim, o atraso do registro não prejudicará os casados, pois a guarda da documentação é responsabilidade do próprio oficial de registro público.

            Quando celebrado um casamento religioso, tem por obrigatoriedade, os nubentes, em consolidá-lo em registro público com um prazo imposto pelo artigo 1.515 do Código civil de 90 (noventa dias), quando celebrado religiosamente e não celebrado civilmente. No caso de os nubentes não seguirem as normas, o mesmo não é constituído completamente.

Para provar que o casamento é valido e eficaz, os nubentes se resguardam atreves da certidão de casamento expedida somente pelo oficial do registro público de casamentos. Tal certidão possui caráter de uma relação jurídica instituída através da escolha das partes.

2.1. O casamento Religioso

De forma exclusiva, durante os períodos Colonial e Imperial a celebração e os efeitos o casamento eram considerados somente atreves de ato religioso, mais conhecido como sacramento, onde a igreja católica o regulou por muito tempo. “Nosso direito anterior, na época do Império, apenas conhecia o casamento católico, por ser essa legislação oficial do Estado.” (VENOSA, 2017, p. 32).

Com o passar das épocas, inclusive, quando as pessoas começaram se adaptar com outras religiões, passou a ser inserido socialmente o casamento civil e assim foi sendo compreendida a ideia de nubentes de religiões diferentes, chamando de casamento misto. “O Decreto n. 181, de 1980, do Governo Provisório regulou o casamento civil, expressando a separação entre Estado e Igreja postulada pela República, e negando qualquer efeito ao casamento religioso.” (LÔBO, 2017, p. 93). Mencionado Decreto, chegou a ponto de desconsiderar e proibir o casamento realizado com religiosidade, havendo até mesmo punição para aquele que assim o consolidasse.

Depois de várias resistências tanto da sociedade quanto da igreja, construídas através notável a separação entre os casamentos civil e religioso, o legislador passou a conceder os mesmos efeitos a eles, conforme artigo 72, § 4º da Constituição de 1891 e isto tornou-se motivo principal de as pessoas até hoje serem adeptas as duas formas de casamento.

Ultimado o casamento religioso, sua inscrição poderá ser efetivada. O legislador foi mais além, contudo, ao permitir que a habilitação ocorra posteriormente ao casamento religioso, com a apresentação dos documentos legalmente exigidos, sem a prévia habilitação civil. (VENOSA, 2017, p. 33).

Finamente, impende salientar que os efeitos decorridos do casamento religioso são válidos desde que efetivamente celebrado, ficando a condição de contemplá-lo na esfera civil dentro dos 90 (noventa dias). Assim, seus efeitos são retroagidos alcançando a sua data de celebração.

2.2. Dos impedimentos do casamento Civil

Para que os cônjuges pactuem o casamento de forma válida é necessário respeitar as causas de impedimentos que baseiam-se primeiramente na preocupação das grandes chances de ocorrer problemas que no futuro possam atingir as finalidades do casamento, não permitindo tal pactuação configurar como perfeita, tão importantes para o Código Civil de 2002 que podem ser passíveis de sanção na área penal (como no caso de bigamia).

Prevalece no mundo contemporâneo a organização familiar monogâmica, pela     qual não é lícita           a realização de segundo matrimônio enquanto não dissolvido o vínculo anterior. Acorde com este princípio, o   Código Civil prevê o impedimento matrimonial de pessoas casadas. (NADER, 2016, p. 160).

A preocupação do Direito Canônico, no qual sempre foi influenciador do antigo Código Civil, sempre foi de manter a natureza indestrutível do casamento, que no âmbito religioso é tido como principio.

Desde o Direito Romano, apontam-se motivos de proibição para o matrimônio.  O Direito Canônico, vendo no casamento um ato de envergadura capital para o indivíduo e para a sociedade, tomou-os desenvolveu-os, e construiu com eles a teoria dos “impedimentos matrimoniais”. (PEREIRA, 2017, p. 130). 

Assim, preocupou-se primeiramente em analisar os principais requisitos para que o matrimônio fosse realizado corretamente evitando um negocio passível de ser abalado por motivos de nulidades e condenado a um rompimento.

O Código de 1916 regia os impedimentos do casamento no seu Art 183, onde dos incisos I a XII tratava dos impedimentos dirimentes, subdivididos em absolutamente e relativamente dirimentes. Os absolutamente abordavam em proibir de forma direta e clara o casamento composto pelos afins de linha reta, ascendentes e descendentes, os irmãos e as pessoas que já possuíam um casamento. Os relativamente se pronunciavam a respeito do impedimento dos menores que não possuíam representação como  também dos incapazes e finalmente de todos os que não apresentavam idade mínima legal para contrair núpcias. Precisava-se ainda tomar cuidados com os impedimentos chamados de proibitivos, elencados nos incisos XIII a XVI do mesmo artigo que se preocupou em impedir de casar, quando não realizada a partilha, todos os viúvos nos quais possuíssem filhos da pessoa falecida.

A matéria de impedimentos do casamento é tratada de forma diferenciada pelo Código Civil em vigência, destacando que eles podem ser absolutos ou relativos,  determinados no artigo 1.521 e passíveis de ser declarados por qualquer pessoa capaz até o momento em que o casamento for celebrado (artigo 1.522 CC/2002), por ser considerada de ordem pública e elencadas em rol taxativo da Lei, não cabe outros motivos além dos mencionados.

            Os chamados impedimentos relativos servem para relativizar as determinadas pessoas nas quais estarão impedidas, como por exemplo o caso do inciso V – o adotado com o filho adotante. O impedimento absoluto protege o modelo sistemático da monogamia e condena o casamento de pessoas que já se encontram casadas. Para melhor assimilação segue:

Art. 1.521. Não podem casar:

I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural       ou civil;

II - os afins em linha reta;

III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;

IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;

V - o adotado com o filho do adotante;

VI - as pessoas casadas;

VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

Os reflexos dos impedimentos são de peso máximo e a prática do inciso VI é tipificada no Código Penal como delito de Bigamia. Importante apontar que, quando o Direito Penal caracterizou a bigamia como forma de ato criminoso pretendia proteger o único modelo de família imposto antigamente, para que assim os laços familiares não fossem desfeitos perante os fatores imorais e desonrosos que sempre ocorreram na sociedade, como o adultério por exemplo.

“Nessa linha, proíbe-se, sob pena de nulidade absoluta, o casamento de quem ainda não teve dissolvido, pelo divórcio ou pela morte do seu consorte, o vínculo matrimonial anterior.”  (GALIANO, PAMPLONA FILHO, 2017, p. 269). Entender os cuidados tomados em relação a conservação do casamento é compreensível. O que não deveria acontecer é impedir uma família se consolidar por já existir entre duas pessoas um casamento, ou seja, um negócio jurídico de número limitado de participantes onde foram impostas na antiguidade regras, que já deveriam ter sido superadas através de atualização das normas que devem acompanhar o desenvolvimento da sociedade.

3. DA INADEQUAÇÃO SOCIAL E JURÍDICA DO INCISO VI DO ARTIGO 1521 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO DE 2002

3.1 A relação familiar como um Direito privado

Para tratar desta matéria deve-se ter primeiramente uma clara compreensão da distinção entre Direito público e Direito privado. O primeiro se subdivide em Direito público interno, que se caracteriza como aquele que domina todo e qualquer interesse do Estado como é o caso do Direito Administrativo, Penal, Tributário, Constitucional e outros e Direito público externo, que aborda a função de inter-relacionamento quando versar sobre os Estados e as relações internacionais. “Considerando-se a importância social, e ainda a vulnerabilidade do núcleo familiar, várias de suas regras são cogentes, de ordem pública, inderrogáveis pela simples vontade das partes (como as referentes ao casamento, ao estado de filiação etc.)”. (GALIANO, PAMPLONA FILHO, 2017 p. 78).

            Em contrapartida, o direito privado foi concebido por tratar das matérias que tem como fulcro as relações típicas de particulares sob a vida privada de não interesse Estatal.  De fato, o Direito Civil é ramo do Direito privado, pois, não é difícil perceber que as normas reguladas por ele que versam basicamente sobre os direitos e obrigações inerentes aos bens e as relações das pessoas como partes da sociedade.

Com isso, podemos concluir que o Direito de Família, ramo do Direito Civil, integra, sob o ponto de vista enciclopédico, o Direito Privado, posto reconheçamos a cogência da grande maioria de seus institutos, integrantes de seu corpo normativo positivo. (GALIANO, PAMPLONA FILHO, 2017, p. 78).

Porém, com a criação de normas que alcançassem o desenvolvimento da sociedade, a proteção dos indefesos foi afetada pela interposição de alguns dos ramos do Direto público, nos quais se preocuparam em dar maior assistência a este grupo e foi assim que o Direito Público passou interferir de forma significativa nas matérias que o Direito Civil tratava de forma isolada, compreendendo que a assistência por hora comentada, não retirou a natureza de Direito privado da área cível.

No que consiste ao Direito de família, o qual é derivação do Direito Civil, constata-se que este é de forma natural classificado como parte do Direito privado, com exceção das normas de cumprimento obrigatório ou das normas ordem pública, os seus indivíduos como um todo são entes privados. Diante desta afirmativa, fica claro que entre relacionamentos que atenham sujeitos privados, não se encaixa a relação de Direito público. De acordo Lôbo (2017, p.43):

O Direito de família é visceralmente composto de direitos pessoais, ainda que a patrimonialização fomentada pelo individualismo liberal se lhes toldasse, em sua trajetória histórica. A realização da pessoa humana e de sua dignidade no ambiente familiar é sua finalidade. Nada é mais privado que a vida familiar.  (grifou-se)

Cumpre ratificar que não se trata de definir que o Direito Público nunca deverá interferir nas normas do Direito de família, até por existem casos em que o Estado não somente pode, mas deve intervir de forma direta. Em vista disso pode-se destacar como exemplo as circunstâncias que envolvam cuidados relacionados aos menores, onde o Código Civil se preocupou em suspender e extinguir o poder familiar da forma que segue:

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.

Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I - castigar imoderadamente o filho;

II - deixar o filho em abandono;

III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

V - entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)

Parágrafo único. Perderá também por ato judicial o poder familiar aquele que: (Incluído pela Lei nº 13.715, de 2018)

I – praticar contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar: (Incluído pela Lei nº 13.715, de 2018)

a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher; (Incluído pela Lei nº 13.715, de 2018)

b) estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão; (Incluído pela Lei nº 13.715, de 2018)

II – praticar contra filho, filha ou outro descendente: (Incluído pela Lei nº 13.715, de 2018)

a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher; (Incluído pela Lei nº 13.715, de 2018)

b) estupro, estupro de vulnerável ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão. (Incluído pela Lei nº 13.715, de 2018)

Compreender que artigos citados serão aplicados em entidades familiares já formadas é simples e mais simples ainda é assinalar que depois de composta qualquer entidade familiar, o Estado poderá intervir quando necessário, mas isso não deleta o entendimento de que se a vida familiar é privada, a forma de composição de qualquer entidade familiar deveria ser mais ainda, afinal, o Direito de família carrega consigo características muito peculiares juntamente com a proporção gigantesca de sua conceituação que resultou da criação do Projeto de Lei nº 470/2013 que tramita no Senado por entender que é justificável a diferenciar Direito Civil e Direito de família.

3.2 Dos princípios que elucidam maior relevância à conservação familiar sem interferir como se dará sua composição

No Direito Civil ou em qualquer ramo do Direito é imprescindível a aplicação dos princípios para solucionar os conflitos. Assim, cabe entender primeiramente que é através dos princípios onde se inicia a organização das regras impostas pelo Direito, pois eles, apesar serem normas, estão hierarquicamente acima de todas as outras normas aplicadas e isso se resultou por força de suas criações serem dadas antes das criações das normas em geral, nas quais passaram a ser subordinadas aos princípios. Compreende-se então, que os princípios são um tipo de norma fundamental para melhores efeitos da aplicação no Direito na sociedade.

“A tutela jurisdicional efetiva é não apenas uma garantia, mas, ela própria, também um direito fundamental, cuja eficácia irrestrita é preciso assegurar, em respeito à própria dignidade humana.” (RAMOS, 2016, p. 117)

Apesar de o Princípio da dignidade da Pessoa Humana não estar aludido expressamente no Código Civil de 2002, a primazia constitucional permite que ele seja facilmente aplicado ao Direito de família por ser tratado hierarquicamente superior a qualquer princípio do Direito Civil, uma vez que a Constituição é considerada Lei maior do Estado, onde todas as outras se encontram em patamar inferior, ou seja, as normas derivam dos princípios e são infraconstitucionais.

“É o princípio maior, o mais universal de todos os princípios.” (Dias, 2017, p. 52). A dignidade humana é fundamental e garantida expressamente pela Constituição Federal (CF, Art 1º, III) a todos os cidadãos sem distinção, violando a comparação do valor de uma pessoa referente a um objeto. Sua aplicação alcança qualquer área do Direito e de tão importante, praticamente torna-se impossível conceituá-lo em palavras.

É pertinente fazer uma relação do Princípio aqui mencionado com a formação das entidades familiares, onde uma pessoa passa a ter o direito de conviver com outras pessoas por escolha própria em espaços dignos para todos conviverem bem e harmonicamente felizes.

Como já abordado, os vários tipos de família existem com intenção de satisfação mutua de seus membros nos quais desejam estender a relação que é protegida pela Constituição Federal de 1988 e pelos Direitos Humanos, ligado diretamente ao Princípio da dignidade da pessoa Humana. “Mais do que garantir a simples sobrevivência, esse princípio assegura o direito de se viver plenamente, sem quaisquer intervenções espúrias — estatais ou particulares — na realização dessa finalidade.” GALIANO, PAMPLONA FILHO, 2017, p. 95).

Percebe-se a partir deste ponto que o Estado deveria ser mais cauteloso e intervir de forma mínima quando as pessoas desejarem formar uma entidade familiar, pois, o afeto, a união, a confiança, o carinho e o respeito são os pontos primordiais e são considerados como base do conceito da família de hoje, concedendo espaço para cada pessoa (em individual) da entidade familiar, se desenvolver socialmente. O artigo 1.521 o CC/2002 traz o rol das pessoas que são impedidas de se casarem e chama atenção um dos impedimentos do casamento, abordado no inciso VI.

Os incisos do artigo citado logo acima regem dos impedimentos do casamento civil dado pelo matrimônio, e o inciso VI chama atenção justamente por causa do impedimento de casar-se as pessoas que se encontram casadas, ou seja, uma entidade familiar não pode ser formada por 3 (três) pessoas. Destarte, se esta situação ocorrer no mundo real, o agente que praticou tal ato é considerado como infrator sendo punido penalmente sob a forma do artigo 235 do Código Penal que pune com pena de reclusão, de dois e seis anos, aquele que contrair alguém, sendo casado, novo casamento.

         Tomando por exemplo que a norma é inferior aos princípios, não há porque punir alguém que deseja a formação de uma entidade familiar consolidada através do matrimônio somente porque ela se constituirá por mais de duas pessoas. Veja-se que existe um equívoco do legislador porque não está sendo levado em consideração o respeito ao princípio da Dignidade da pessoa Humana, que reflete igualdade, autonomia, liberdade de escolha, cidadania e solidariedade, que é moderno e que principalmente, deve ser adequado ao contexto em que estamos vivendo hoje.

“Assim, é indigno dar tratamento diferenciado as várias formas de filiação ou aos vários tipos de constituição de família, com o que se consegue visualizar a dimensão do espectro desse princípio, que tem contornos cada vez mais amplos.” (DIAS, 2017, p. 53). O que deveria ser levado em consideração é a manutenção das entidades familiares e não a forma como elas se iniciam.

O Código Civil também não trata expressamente do Princípio da Afetividade, mesmo sendo ele o condutor do Direito de família e decorrendo da Dignidade humana. O Direito empresarial faz uso do termo affectio societatis, onde na formação de uma sociedade é certo que se leva em conta o afeto entre os societários. Temos aqui um termo que é precioso no estudo do Direito das famílias, porque, apesar de ter sido objeto de contradição entre os juristas, a afeição entre as pessoas é de relevância máxima para a formação das famílias atuais.

A grandiosa valorização que veio sendo dada ao afeto tornou medíocre ao antigo modelo familiar patrimonialista focado em procriar seus entes e isso possibilitou que a sociedade aceitasse novos tipos de entidades familiares como a união homoafetiva, união estável, entre outras e mesmo que não encontrado no CC a afetividade, de forma análoga, percebemos que a guarda das crianças favorecendo terceira pessoa é ponto crucial para definir a guarda, porque para adoção,  não importa o laço sanguíneo mas sim a relação de afeto e ação solidária. Para melhor compreensão, segue:

Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:

I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

§ 5º Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

Está aí o afeto. Vivo, presente, claro e determinado pelo legislador que não se importou com nada além do valor jurídico ao laço afetivo de uma relação que deriva por muitas vezes de uma convivência familiar.

Da mesma forma, a Constituição Federal não utiliza a palavra afetividade ou afeto, mas dedica algumas matérias relacionadas a este sentimento de convivência de forma obscura. É primordial entender que os laços de afeto sustentam a continuidade da relação de qualquer família, como também o modo de como se dá uma família.

Nesse seguimento nota-se alguns aspectos que levam em consideração que a família não deve se desmoronar por qualquer motivo, mas, que deve ela, perdurar enquanto houver felicidade no lar. Assim, a CF aborda os laços afetivos implicitamente, onde o seu artigo 227, § 6º, defende a igualdade entre os filhos sem fazer distinção da sua origem e os parágrafos 5º e 6º do mesmo artigo trata da adoção com direitos uniformes, e ainda, o § 4º aduz que a dignidade deve ser igual entre as famílias monoparentais e os outros tipos de famílias.

Vejamos mais uma vez que o Estado não deveria mais se importar na forma que a família irá se compor, porque isto foi superado. A preocupação da origem de uma entidade ser dada apenas biologicamente se deu por muitos anos atrás quando o modelo patriarcal/patrimonialista se preocupava com estruturar a família de olho nos negócios, que após a Constituição de 1988 foi superado e assim muitos valores passaram a superar a relação sanguínea.

De toda sorte, deve ser esclarecido que o afeto equivale à interação entre as pessoas, e não necessariamente ao amor, que é apenas uma de suas facetas. O amor é o afeto positivo por excelência. Todavia, há também o ódio, que constitui o lado negativo dessa fonte de energia do Direito de Família Contemporâneo. (TARTUCE, 2017, p. 29).

Deve ficar claro que a afetividade é a convivência em si que não deve ser confundida com outros sentimentos cariados a partir dela. Assim, mais uma vez há se compreender inviável o inciso VI do artigo 1521 do CC.

Nessas veredas, pode-se imaginar uma família, feliz, formada pelo casamento ente um homem e uma mulher que passam a conviver com uma terceira pessoa (sendo este homem ou mulher) e que depois de muito tempo de convivência essas três pessoas não se imaginam mais separadas fisicamente, por diversos fatores. Estando certos de que podem se completar, em uma relação de extremo afeto, respeito, harmonia, fidelidade e satisfação para todos, seria natural que despertasse o desejo de selar a relação nas formalidades do CC, de forma consciente, consensual, e de boa-fé porém, seria um desejo impossível de se alcançar porque o matrimônio selado no casal inicial é o motivo que impede essa “família” de perdurar e de se satisfazer juridicamente nos requisitos legais.

A situação narrada hipoteticamente demostra de forma clara a não aplicação do Princípio da afetividade que deveria ser flexível a atualidade, além disso, no caso apresentado, as três pessoas estão com a Dignidade humana claramente violada porque elas não estão desfrutando de pleno direito de formar uma entidade familiar e assim a liberdade de escolher com quem passar a maior parte de suas vidas não está sendo respeitada.

Com efeito, temos que ao legislador incumbe apenas o reconhecimento do ente familiar, mas não a sua conceituação técnica delimitativa, excludente de outros agrupamentos não estandardizados, pois se assim o fosse, estar-se-ia consagrando uma odiosa discriminação normativa, em franco desrespeito à superior principiologia constitucional. (GALIANO, PAMPLONA FILHO, 2017, p. 112).

Em suma, o legislador ao persistir com este tipo de impedimento do casamento civil não está contrariando mais uma vez somente o princípio constitucional da Dignidade da pessoa humana, mas também o Princípio da Afetividade que é primordial na aplicação das normas do Direito de família. Mais uma vez resta claro que o Estado não deveria ter se preocupado em abster o número limitado de pessoas casadas, porque sejam dois ou até mais, o que realmente importa é o afeto como principal regramento do novo conceito de família atual.

CONCLUSÃO

            Como foi demonstrado ao longo deste ensaio, a família é a base da sociedade e por esse motivo tem a proteção especial do Estado. O Direito de família veio evoluindo de acordo com o progresso da sociedade, pois as leis são criadas ou alteradas para melhor sua aplicabilidade no contexto social. Os reflexos dessa evolução contribuíram para a ampliação de vários tipos de modelos familiares e consequentemente nas diversas formas em como elas podem ser construídas. Nesse contexto, pode-se ser observado que o Estado pode e deve interferir no âmbito familiar, porém, o seu arranjo, ou seja, a forma como uma família se compõe, não deveria ser sua preocupação maior.

            É certo que, a família tem como base o Princípio da afetividade que provém de cada pessoa poder, em tese, escolher como quem ela se relacionará satisfazendo a si e a outrem e consequentemente na atenção que estes darão a prole, e isso se faz presente não somente na família constituída a partir do casamento civil, mas em todos os outros modelos familiares, pois o afeto não está ligado ao laço sanguíneo, matéria mais do que provada na igualdade de filiação tratada no artigo 1.596 do CC.

            Essa liberdade de escolha é abraçada no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que é considerado basilar, primordial e maior que todas as normas aplicadas pelo Direito, nas quais podem apresentar contradições, pois a constituição regula relações da humanidade antes mesmos das normas aplicadas através do Direito civil, que é enquadrado como direito privado. A dignidade humana aqui apresentada deve ser aplicada a cada ente familiar sem se importar com a sua colocação de pai, mãe ou filho e defende os direitos de cada cidadão.

            A partir desses entendimentos, compreende-se que o Estado não deveria se importar um número limitado de pessoas para dar início ao casamento civil, que é um tipo dos vários modelos familiares, isto porque, do mesmo jeito que existe afetividade nas relações monogâmicas (regime imposto ao homem ou mulher ter apenas um cônjuge), pode existir efetividade em relações poligâmicas (um homem se relacionar com mais de uma mulher, ou vice-versa). Essa limitação configura uma clara afronta tanto ao Princípio da afetividade quanto ao Princípio da Dignidade da pessoa humana.

            Por fim, deve o legislador permanecer sempre atento as diversas mudanças ocorridas na sociedade para que a legislação permaneça atualizada a ponto de regular o que já acontece de fato na sociedade. Assim, percebe-se que a evolução do Código Civil de 1916 no qual objetivava a conservação dos patrimônios para o Código de 2002 que é existencialista também é um fator importante para sustentar os fundamentos de revogação do inciso VI, artigo 1.521/CC, pois, continuar impedindo de casar as pessoas já casadas não será a melhor maneira de tratar a formação das entidades familiares, uma vez que o que realmente importa é sua natureza de continuidade e este impedimento em si não deveria ser considerado viável para fins da formação das famílias quando estas de forma consciente, tiverem por base o afeto, o amor e o respeito.

            Por último, se observa a inadequação social da aplicação deste inciso, devendo o legislador, conforme o caso, deixar de aplicá-lo ou tomar uma posição quanto a sua revogação que trará como consequência a extinção da prática de bigamia como ato criminoso, por ser notável a natureza familiar como um Direito Privado.

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REFERÊNCIAS

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TARTUCE, Flávio. Direito civil. V. 5: Direito de Família. 12. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.

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Data da conclusão/última revisão: 29/10/2018

 

Como citar o texto:

NASCIMENTO,Marillya Mirelly Santos do; MARQUES,Vinicius Pinheiro..A intervenção mínima do Estado no arranjo familiar: estudo a partir do casamento civil. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 30, nº 1571. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/4206/a-intervencao-minima-estado-arranjo-familiar-estudo-partir-casamento-civil. Acesso em 30 out. 2018.

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