RESUMO

O presente artigo científico tem como alicerce dois institutos de suma importância para o direito penal, quais sejam: o dolo eventual e a culpa consciente. Nele buscar-se-á o melhor entendimento dos dois institutos, estudando-os desde sua conceituação, espécies, até sua aplicabilidade no caso concreto. Abordar-se-á, ainda, os princípios norteadores do direito penal, a fim de melhor entender tudo que circunda tais institutos, ora, estudados. Ademais, cumpre ressaltar, que ambos os institutos são muito semelhantes, sendo de difícil percepção quando do caso concreto. Assim, espera-se sanar todas e quaisquer dúvidas dos operadores do direito, bem como dos leitores que por ventura se interessarem pelo tema proposto.

PALAVRAS-CHAVE: Culpa. Dolo. Instituto.

ABSTRACT

The present scientific article has as foundation two institutes of paramount importance for the criminal law, which are: the possible fraud and conscious guilt. It will seek the best understanding of the two institutes, studying them from their conceptualization, species, until their applicability in the concrete case. The guiding principles of criminal law will also be examined in order to better understand everything that surrounds these institutes, which have been studied. In addition, it should be emphasized that both institutes are very similar, being difficult to perceive in the concrete case. Thus, it is hoped to remedy any doubts of the operators of the right, as well as of the readers who happen to be interested in the proposed theme.

KEYWORDS: Guilt. Dolo. Institute.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo científico busca demonstrar o quão necessário é fazer uma diferenciação entre dolo eventual e culpa consciente, dois institutos do direito penal com profunda semelhança. Todavia, os efeitos de tais institutos são deveras diferentes.

Os dois institutos tema do presente trabalho tem sua ocorrência verificada quando o agente, ao praticar uma conduta, prevê que pode haver uma ameaça a um bem jurídico tutelado pelo direito penal e mesmo assim continua agindo até que a dita ameaça se concretize.

A diferenciação dos dois institutos é de fácil compreensão, porém de difícil percepção no caso concreto, pois depende do querer do agente.

No dolo eventual o agente sabendo dos riscos, o aceita, enquanto que na culpa consciente o agente acredita fielmente que por conta de suas habilidades o resultado ofensivo ao bem jurídico tutelado será evitado, ou seja, não ocorrerá.

Deste modo, o presente trabalho tem como finalidade a diferenciação entre o dolo eventual e a culpa consciente, sem que haja necessidade de entrar na mente do agente. Assim, trabalhar-se-á de maneira primordial, o dolo e suas espécies, na esfera jurídica e na doutrina, abordando conceitos e sua aplicabilidade, enfatizando o tema central do presente trabalho que é o dolo eventual.

Seguindo com o estudo, abordar-se-á o tema culpa, com suas espécies, fazendo o mesmo estudo que fora feito com o dolo, ou seja, observar-se-á o que diz a legislação pátria e a doutrina, estudando conceitos e sua aplicação, dando uma maior ênfase na culpa consciente.

Assim, depois de explanado de maneira minuciosa as definições e aplicabilidade do dolo e da culpa, trabalhar-se-á o tema central do trabalho, qual seja, a diferença entre os institutos, o dolo eventual e a culpa consciente, evidenciando na prática como a doutrina e os tribunais fazem tal diferenciação, tendo em vista a enorme semelhança entre eles.

2 PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL

Neste ponto do artigo trabalhar-se-á a questão principiológica que norteia o direito penal no ordenamento brasileiro. Todavia, vários são os princípios que salvaguardam o meio ambiente, porém, abordar-se-á alguns princípios que possuem maior relevância para o trabalho em examine.

Após fazer as considerações acima, faz-se necessário compreender o que vem a ser princípios jurídicos dentro do ordenamento pátrio brasileiro.

Neste diapasão, Miguel Reale (2003) conceitua princípios dizendo que:

(...) são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas. São verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis. (REALE 2003, p. 37)

No mesmo contexto o doutrinador Mauricio Godinho Delgado (2011, p. 180) entende que “princípio traduz, de maneira geral, a noção de proposições fundamentais que se formam na consciência das pessoas e grupos sociais, a partir de certa realidade, e que, após formadas, direcionam-se à compreensão, reprodução ou recriação dessa realidade”.

Com relação à função dos princípios dentro do ordenamento jurídico brasileiro, Silvio de Salvo Venosa (2004, p. 162) diz que através “dos princípios, o intérprete investiga o pensamento mais elevado da cultura jurídica universal, buscando orientação geral do pensamento jurídico”.

Assim, fica evidenciado a enorme importância que os princípios possuem dentro do ordenamento jurídico pátrio, devendo os operadores do direito valerem-se dos mesmos para interpretação e aplicação da Lei, para que os mesmos sejam utilizados em casos concretos.

2.1 PRINCÍPIO DA EXCLUSIVA PROTEÇÃO DE BENS JURÍDICOS

O direito penal moderno reconhece que no princípio em examine está seu escopo imediato e primordial, ou seja, sendo este essencial para a comunidade e os indivíduos, dentro de um conceito de estado democrático de direito.

Deste modo, pode-se aferir que tal princípio tem o dever de tutelar bens jurídicos de suma relevância para a sociedade, não considerando valores, de maneira exclusiva, ideológicos ou morais

2.2 PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE

O princípio da intervenção mínima diz que o direito penal somente deve interferir quando houver lesividade a bens jurídicos de suma importância para a vida em comunidade.

Feita a observação acima, pode-se compreender de modo mais claro que a aplicabilidade de tal princípio está ligada diretamente às condutas que deverão ser de fato tidas como crime, ou seja, incriminadas pelo direito penal. Assim sendo, pode-se aferir que o referido princípio veda a incriminação das seguintes condutas: sentimentos e/ou pensamentos em âmbito pessoal; condutas que não afetam/atingem um bem jurídico tutelado e que são moralmente mal vistas pela sociedade; e algumas outras.

2.3 PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PESSOAL DO AGENTE

O referido princípio estabelece que a responsabilidade é pessoal, ou seja, o agente responde pela conduta que praticou. Logo, a responsabilidade não pode ser transferida para terceiros.

2.4 PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE

Segundo o princípio em examine, para que o agente seja responsabilizado penalmente, este dever agir com dolo ou culpa. Ademais, deve-se ressaltar, ainda, que tal responsabilização somente ocorrerá se o agente for penalmente imputável, ou seja, o agente deve ter consciência que sua atitude é ilícita.

3 CONCEITO DE DOLO

De acordo com o artigo 18, I, do Código Penal (CP), “diz-se o crime: doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.”

Examinando mais detalhadamente o conceito fornecido pelo diploma legal de modo genérico, pode-se observar que o dolo pode ser definido, segundo Rogério Greco (2007, p. 256), como a “vontade e consciência dirigidas a realização da conduta prevista no tipo penal incriminador”. Por sua vez, Welzel apud Bitencourt (2007, p. 256) diz que: “dolo, em sentido técnico penal, é somente a vontade de ação orientada à realização do tipo de um delito.”

Neste diapasão, Luiz Flávio Gomes (2007, p. 376) conceitua didaticamente o tipo doloso:

(...) é a consciência e vontade de realizar (de concretizar) os requisitos objetivos do tipo que conduzem à produção do resultado jurídico relevante (lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico) desejado (querido, intencional – dolo direto) ou pelo menos esperado como possível (assumido pelo agente – dolo eventual).

Para Raúl Zaffaroni e José Pierangeli (2011, p. 420) “dolo é uma vontade determinada que, como qualquer vontade, pressupõe um conhecimento determinado”.

Logo, o direito penal brasileiro define dolo como sendo o querer do agente em praticar um ato antijurídico, ou seja, que não é permitido pela legislação vigente, tendo como finalidade a afronta de um bem jurídico que encontra-se tutelado pelo direito penal. Todavia, o dolo também pode ser interpretado quando o agente assume o risco de um resultado que afronte a um bem juridicamente tutelado, quando da ausência do querer do mesmo.

Para Cézar Roberto Bittencourt (2006, p. 334-335) deve haver a presença dos elementos cognitivo e volitivo, ou seja, para o autor não basta somente a amplitude, contemporaneidade e probabilidade de ofender um bem juridicamente tutelado para que seja concretizado o dolo em uma tipificação penal.

O elemento cognitivo trata-se da consciência do agente em cometer um ilícito penal, ou seja, é imprescindível que o mesmo compreenda o injusto penal que cometera ou que irá cometer, tal compreensão deve englobar de maneira exata e completa todos os elementos do tipo, caso não venha a ocorrer, poderá enquadrar-se em uma excludente penal prevista no artigo 20, caput, §1º; artigo 21, caput; ou artigo 28, §1º do CP, in verbis:

Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.

§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.

Art. 28. (...)

§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Por sua vez, o elemento volitivo está ligado ao querer do agente em cometer um ilícito penal, englobando a ação ou omissão, o resultado e o nexo de causalidade. Logo, pode aferir que é imperioso que o agente queira cometer tal ação ou omissão que enquadra-se na tipificação penal, com a finalidade de atingir o resultado desejado, qual seja: afrontar um bem jurídico penalmente tutelado.

Para melhor compreensão acerca do tema dolo, deve-se ter em mente que o mesmo divide-se em: dolo direito; dolo eventual; dolo alternativo; dolo cumulativo; dolo antecedente; dolo subsequente; dolo genérico e dolo específico. Todavia, apesar do trabalho de conclusão de curso contemplar todas as espécies de dolo, dar-se-á maior ênfase ao dolo eventual que é tema central do presente trabalho.

3.1 ESPÉCIES DE DOLO

Neste ponto do trabalho, apesar de evidenciar acima todas as espécies de dolo, abordar-se-á apenas duas modalidades que possuem uma maior relevância para o estudo e compreensão do tema proposto.

Deste modo, serão abordados o dolo direto e o dolo eventual, dando mais ênfase neste último por ser um dos focos centrais do presente artigo científico.

3.1.1 Dolo Direto

De acordo com o CP, artigo 18, inciso I, “diz-se o crime: I – doloso, quando o agente quis o resultado [...]”. (BRASIL, 1940). Por sua vez, o artigo 33 do CP Militar assemelha-se com a conceituação exposta acima. Guilherme de Souza Nucci (2010, p. 205), define dolo direto como sendo “a vontade do agente dirigida especificamente à produção do resultado típico, abrangendo os meios utilizados para tanto”.

Para a caracterização da tipificação penal na modalidade dolo direto, devem estar presentes os elementos cognitivo e o volitivo. Caso algum dos elementos supracitados encontrar-se ausente, não há que se falar em crime praticado em dolo direto.

De acordo com o doutrinador Cezar Roberto Bittencourt (2004, p. 206) o dolo direto possui três aspectos, sendo eles:

a) representação do resultado, dos meios necessários e das consequências secundárias; b) o querer o resultado, bem como os meios escolhidos para a sua consecução; c) o anuir na realização das consequências previstas como certas, necessárias ou possíveis, decorrentes do uso dos meios escolhidos para atingir o fim proposto ou da forma de utilização desses meios. (BITTENCOURT, 2004, p. 260)

Deste modo, pode-se aferir que é imperioso que o agente tenha conhecimento dos meios empregados para que o ilícito penal seja consumado, conhecer do resultado que sua ação ou omissão pode acarretar, além de dever conhecer as consequências do corolário. Se faz necessário, ainda, que o agente queira o resultado, além do querer dos métodos utilizados na obtenção do resultado. Por derradeiro, o agente deve admitir a realização das consequências através de métodos empregados para a obtenção do corolário, pois o agente será responsável pelos produtos obtidos dos meios utilizados, ou seja, o agente responderá de acordo com os métodos por ele aplicados.

O dolo direto é dividido em dolo direto de primeiro e segundo grau. Para o doutrinador Luiz Regis Prado (2010, p. 339) o dolo direto de primeiro grau ocorre quando “o agente busca diretamente a realização do tipo legal, a prática do delito. O resultado delitivo era seu fim principal”.

Por sua vez, Guilherme de Souza Nucci (2010, p. 205) define dolo direto de segundo grau como sendo “a intenção do agente, voltada a determinado resultado, efetivamente desejado, embora, na utilização dos meios para alcançá-lo, termine por incluir efeitos colaterais, praticamente certos”.

3.1.2 Dolo Eventual

Nucci (2010, p. 205) define dolo eventual dizendo que trata-se da “vontade do agente dirigida a um resultado determinado, porém vislumbrando a possibilidade de ocorrência de um segundo resultado, não desejado, mas admitido, unido ao primeiro”. Por sua vez, Cezar Roberto Bittencourt (2004, p. 261) diz que o dolo eventual ocorre “quando o agente não quiser diretamente a realização do tipo, mas a aceita como possível ou até provável, assumindo o risco da produção do resultado”.

Deste modo, pode-se aferir que o dolo eventual caracteriza-se pela ação ou omissão do agente, que conhecendo dos riscos que poderá cometer contra um bem juridicamente tutelado pelo direito penal, através de sua conduta e se coaduna no caso a lesão venha a ocorrer.

Fernando Capez (2011, p. 227) exemplifica brilhantemente a presente espécie de dolo. O referido autor cita um motorista que dirige seu veículo de maneira distorcida dos padrões recomendados, além de realizar manobras perigosas/arriscadas. Ocorre que, mesmo o agente entendendo que é possível perder a direção do veículo que conduz , podendo ocasionar um atropelamento e consequentemente acarretando uma possível lesão corporal ou até mesmo a morte de algum terceiro, ele não se atem às consequências que suas ações podem ocasionar, pois para o agente é mais prazeroso dirigir perigosamente, realizando manobras arriscadas, do que interromper sua diversão, ou seja, o corolário lesivo não é o pretendido, mas o risco que algo lesivo possa ocorrer é aceito pelo mesmo.

Cabe obtemperar que no dolo eventual o elemento volitivo não encontra-se presente, pois o referido elemento é a “vontade do agente de praticar o fato típico almejando o resultado, e, existindo entre ambos, o nexo causal” (TAVARES, 2010), ou seja, se não há vontade do agente em cometer um fato tipificado pelo ordenamento jurídico brasileiro, mas apenas sua concordância, resta mais que evidenciado que tal elemento não se faz parte integrante do dolo eventual. Todavia, deve-se ressaltar, ainda, que o elemento cognitivo integra a referida espécie de dolo, sendo tal elemento um pressuposto imprescindível da espécie em examine, bem como da culpa consciente.

4 CONCEITO DE CULPA

De acordo com o inciso II, art. 18, do Código Penal (CP), incide em crime culposo todo aquele que “deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”. (BRASIL, 1940).

A doutrina por sua vez, traz pontos mais específicos na conceituação de crime culposo, classificando-o em modalidades que serão apontadas a seguir.

Segundo Bittencourt (2007, p. 270), culpa é a “inobservância do dever objetivo de cuidado manifestada numa conduta produtora de um resultado não querido, objetivamente previsível”. Por outro lado, Guilherme de Souza Nucci (2014, p. 187) conceitua culpa como o “comportamento voluntário desatencioso, voltado a um determinado objetivo, lícito ou ilícito, embora produza resultado ilícito, não desejado, mas previsível, que podia ter sido evitado”.

Quanto a conceituação de crime culposo, também é possível destacar a definição abordada pelo Código Penal Militar, em seu art. 33, II.  (BRASIL, 1969).

Art. 33: Diz-se o crime: II - culposo, quando o agente, deixando de empregar a cautela, atenção, ou diligência ordinária, ou especial, a que estava obrigado em face das circunstâncias, não prevê o resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe levianamente que não se realizaria ou que poderia evitá-lo.

Com base na conceituação doutrinária e legal, é possível extrair que para configuração de um tipo penal culposo necessário se faz que a transgressão de um dever seja decisivo para o resultado, ou seja, o agente deve violar o dever de cuidado, fazendo ou deixando de fazer (omissão), agindo com total imprudência, imperícia ou negligência, sem possuir intuito do efeito danoso, embora seja possível prever o resultado.

Quanto as espécies, Edgard Magalhães Noronha (1983), define imprudência como sendo:

A imprudência tem forma ativa. Trata-se de uma agir sem cautela necessária. É forma militante e positiva da culpa, consistente no atuar do agente com precipitação, insensatez ou inconsideração, já por não tentar para a lição dos fatos ordinários, já por não perseverar no que a razão indica. (NORONHA 1983, p. 141)

Já Imperícia é a imperícia técnica e consiste na “incapacidade ou falta de conhecimento necessário para o exercício de determinado mister”. (NUCCI, 2010, p. 213).

Por fim, age com negligência todo aquele que “assume atividade passiva; quando deveria agir e deixa de fazê-lo”. (PRADO, 2014, p. 246).

4.1 DOS ELEMENTOS DA CULPA

A doutrina divide os elementos do fato típico culposo, em: conduta voluntária; relação de imputação objetiva e quebra do dever de cuidado objetivo, por imprudência, negligência ou imperícia; produção de um resultado indesejado; nexo causalidade; previsibilidade objetiva do resultado e tipicidade. (GRECO, 2006, p. 208).

Para Santos (1985, p.164), antes do enquadramento da tipificação criminal culposa, necessário se faz analisar a forma e o modo utilizado pelo indivíduo na consumação delituosa:

A conduta (ação ou omissão de ação) lesiva do cuidado objetivo exigido constitui um comportamento qualificado de modo especial: a) pela realização de uma ação perigosa; b) pela lesão do cuidado objetivo exigido na realização de ações perigosas. A compreensão adequada desse elemento do tipo culposo requer uma descrição do contexto histórico-social de sua existência concreta.

Além da forma, necessário se faz ainda, analisar a previsibilidade do resultado causado, ou seja, se era a época da ação ou omissão previsível ou não, classificando-se em objetiva ou subjetiva:

Quanto a previsibilidade objetiva, Mirabete pontua que:

Há na conduta não uma vontade dirigida à realização do tipo, mas apenas um conhecimento potencial de sua concretização, vale dizer, uma possibilidade de conhecimento de que o resultado lesivo pode ocorrer. Esse aspecto subjetivo da culpa é a possibilidade de conhecer o perigo que a conduta descuidada do sujeito cria para os bens jurídicos alheios, e a possibilidade de prever o resultado conforme o conhecimento do agente. [...] Se o fato for previsível, pode o agente, no caso concreto, prevê-lo ou não. Não tendo sido previsto o resultado, existirá a chamada culpa inconsciente; se previsto, pode ocorrer a culpa consciente ou dolo eventual. (FÁTIMA VENZI apud JULIO FABBRINI MIRABETE 2011, online)

a previsibilidade subjetiva, Conceição (2010) entende que o indivíduo deve “prever o resultado segundo suas aptidões pessoais, na medida do seu entendimento individual”.

Por fim, no que se refere ao último requisito da culpa, a tipicidade, extrai-se com base no teor da previsão constitucional (art. 5º, XXXIX) e do disposto no art. 1º do CP, só a crime se antes do fato houver previsão legal, sob pena de não ser considerado crime.

Teles (1998, p. 173) leciona que “não basta que o sujeito tenha causado, sem vontade, um resultado lesivo previsível e indesejado, com negligência. Se não estiver prevista na lei sua punição, se não houver o tipo culposo, não haverá crime.”

Necessário ainda consignar que inexiste modalidade tentada no tipo penal da culpa, uma vez que nessa modalidade o agente não queria os resultados produzidos, e em querendo teríamos a figura do dolo e não da culpa propriamente dita.

Por fim, resta assinalar que a culpa se divide em três tipos de culpa, quais sejam: culpa inconsciente, culpa consciente e culpa imprópria.

4.2 ESPÉCIES DE CULPA

Como visto no tópico acima, a culpa se divide em três, assim, abordar-se-á todas as suas espécies, porém será dado uma maior ênfase a culpa consciente. Inicialmente trabalhar-se-á a culpa inconsciente, a fim de elucidar melhor esta espécie de culpa.

O doutrinador Guilherme de Souza Nucci (2010, p. 211) diz que a culpa nesta espécie não há previsão quanto ao resultado, ou seja, o agente não é capaz de prever o resultado. Por sua vez, Luiz Regis Prado (2010, p. 348) diz que a culpa inconsciente é “a culpa comum, que se verifica quando o autor não prevê o resultado que lhe é possível prever. A lesão ao dever objetivo de cuidado lhe é desconhecida, embora conhecível”.

Todavia, na culpa consciente o agente antecipa que sua ação pode ocasionar uma lesão a um bem juridicamente tutelado, mesmo acreditando fielmente que tal lesão não se concretizará, ou seja, confia em suas habilidades para impedir a ocorrência do ato lesivo. Assim, Nucci (2010, p. 211) diz que tal espécie tem sua ocorrência “quando o agente prevê que sua conduta pode levar a um certo resultado lesivo, embora acredite, firmemente, que tal evento não se realizará, confiando na sua atuação (vontade) para impedir o resultado”.

Para o doutrinador Cezar Roberto Bittencourt (2004, p. 281) a culpa consciente deve ser analisada com cautela, pois a simples previsão do resultado não configura culpa consciente, devendo o agente ter consciência do resultado. Logo, é conhecida como culpa com previsão.

Ademais, existe a culpa imprópria, tal culpa tem incidência quando o agente interpreta mal uma situação e/ou os meios utilizados, não tendo cautela em sua avaliação, vindo a agir de modo culposo. Todavia, quando da execução do ato lesivo (crime), o agente age de maneira dolosa, embora tal ato esteja eivado de erros evitáveis e culposos.

5 DISTINÇÃO ENTRE DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE

Nos tópicos acima foram trabalhados os dois institutos, ficando para o presente apenas evidenciar a diferença existente entre os mesmos.

Assim, pode-se aferir que os dois institutos diferem-se consubstancialmente no fato de o agente, prevendo o resultado do ato lesivo, acreditar fielmente que tal ato não se concretizará ou se o mesmo for indiferente ao resultado provocado.

Logo, observa-se que é algo íntimo do agente. Deste modo, por se tratar de algo de foro íntimo do agente, sendo impossível retirar do agente a crença que tal ato lesivo não ocorrerá ou quando o mesmo estiver indiferente com a possível lesão que pode ocasionar, tanto a doutrina quanto a jurisprudência tem defendido que deverá ser analisado o fato concreto e dele retirado alguns requisitos que regem a lesão do bem juridicamente tutelado, corroborando assim para a identificação de qual instituto aplicar quando da lesão.

Tanto o dolo eventual quanto a culpa consciente, institutos do direito penal, são de difícil identificação em um caso concreto, ocorrendo em muitos dos casos dúvidas, podendo ocasionar alguma injustiça. Para alguns doutrinadores como Rogério Greco (2006), a culpa consciente deve ser a regra, pois sua punição é menos gravosa, enquanto que o dolo eventual deve ser a exceção, devido sua punição ser mais gravosa, tendo o último instituto que ser aplicado com cautela, devendo-se observar se fora de fato comprovado, ou seja, de maneira indubitável que a lesão enquadra-se no instituto do dolo eventual, logo, para aplicação do mesmo não pode pairar dúvidas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após toda explanação acima, ficou evidente a distinção entre os dois institutos.

Como dito anteriormente, o dolo eventual caracteriza-se quando o agente assumi o risco de produzir um resultado conhecido, ou seja, o mesmo tem ciência que sua conduta lesionará um bem juridicamente tutelado.

Por sua vez, na culpa consciente o agente conhece o risco e mesmo assim continua com a mesma conduta, acreditando fielmente que tal resultado lesivo não ocorrerá.

Deste modo, pode-se aferir que os dois institutos são deveras idênticos, sendo o fator primordial de distinção de ambos entrar na mente do agente. Todavia, é impossível. Assim, deve-se buscar outros meios de comprovar se o ato enquadra-se como dolo eventual ou culpa consciente.

Há uma consolidação nos tribunais quanto a tese a ser aplicada. Assim, no caso concreto é impossível identificar se o agente aceitou ou não o risco de tal ato lesivo, devendo ser trocado esse condição (aceitar ou não o risco) pelos fatos havidos. Assim, se o douto julgador estiver convicto de que o agente quando do ato lesivo assumiu o risco, deverá ser enquadrado no dolo eventual, e caso paire dúvidas, deverá ser aplicada o instituto da culpa consciente.

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2004.

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2006.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2007.

BRASIL. Código Penal. Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 06 de outubro de 2018, às 22h16min.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal-parte geral. São Paulo, Saraiva, 2011.

CONCEIÇÃO, Arnaldo Alves da. Distinção de dolo eventual e culpa consciente. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 79, ago. 2010. Fonte: . Acesso em 06 de outubro de 2018, às 21h56min.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2011.

GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: Parte Geral.  São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. v. I. 6. ed. Niterói: Impetus, 2006.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Niterói: Impetus, 2008.

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal: Parte Geral. Volume 1. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 1983.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

OLIVEIRA, Natália. Princípios do Direito Penal – Um resumo básico de princípios do Direito Penal. Fonte: https://nataliafoliveira.jusbrasil.com.br/artigos/468089349/principios-do-direito-penal. Acesso em 07 de outubro de 2018, às 18h34min.

PRADO, Luiz Regis.Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral – Arts. 1º a 120. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direto Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

QUEIROZ, Paulo. Curso de Direito Penal-Parte Geral. Revisada, Ampliada e Atualizada, Editora JusPODIVM, 2015.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2003.

TELES, Ney Moura. Direito Penal – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 1998.

TAVARES, Ana Maria Gautério. Os elementos subjetivos do tipo e os limites fronteiriços entre o dolo eventual e a culpa conscienteFonte: . Acesso em 05 de outubro de 2018, às 20h37min.

VENOSA, Silvio de Salvo. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 2004.

VENZI, Fátima. Crime Culposo – Julio Fabbrini Mirabete. Fonte: https://kandofatimavenzi.blogspot.com/2011/03/crime-culposo-julio-fabbrini-mirabete.html. Acesso em 05 de outubro de 2018, às 23h58min.

ZAFFARONI, Raúl; PIERANGELI, José. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

Data da conclusão/última revisão: 31/10/2018

 

Como citar o texto:

DIAS, Victor Nunes; CHAVES, Fábio Barbosa..A diferença entre dolo eventual e culpa consciente. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 30, nº 1573. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/4214/a-diferenca-entre-dolo-eventual-culpa-consciente. Acesso em 6 nov. 2018.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.