RESUMO

Após Marcio Rodrigues Dantas ser condenado por supostamente cometer o crime de roubo majorado, art. 157, §2º, inciso I e II do Código Penal Brasileiro, à 5 anos e 4 meses de reclusão, em regime fechado, Maria Claudia de Seixas impetrou habeas corpus por não se conformar  com a decisão que indeferiu o pedido para que o réu recorresse em liberdade até o trânsito em julgado. O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) sob o nº HC 126.292/SP.

Então, no dia 17 de fevereiro de 2016, o STF, no julgamento do habeas corpus supracitado, decidiu, por maioria de votos sobre a possibilidade de executar antecipadamente a pena privativa de liberdade, quando o decreto condenatório é confirmado pelo tribunal.

O julgamento do HC 126.292/SP se tornou, talvez, a decisão mais polêmica proferida pelo Supremo Tribunal Federal, tendo em vista a distorção do texto constitucional e infraconstitucional.

Assim, o presente trabalho visa discorrer sobre a incompatibilidade do julgamento do HC 126.292/SP com os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais.

Palavras-chave: Presunção de inocência – Execução antecipada da pena – Habeas corpus HC 126.292/SP – Pacto de São José da Costa Rica –Garantias individuais.

ABSTRACT

After being convicted of allegedly committing the crime of increased robbery, art. 157, § 2, item I and II of the Brazilian Penal Code, to 5 years and 4 months of seclusion, in a closed regime, Marcio Rodrigues Dantas filed habeas corpus for not complying with the decision rejecting the request for the defendant to freedom until final res judicata. The case reached the Federal Supreme Court (STF) under number HC 126.292 / SP. Then, on February 17, 2016, the STF, in the abovementioned habeas corpus trial, decided by a majority of votes on the possibility of executing the custodial sentence in advance, when the condemnatory decree is confirmed by the court. The judgment of HC 126,292 / SP became, perhaps, the most controversial decision rendered by the Federal Supreme Court, in view of the distortion of the constitutional and infraconstitutional text. Thus, the present work aims to discuss the incompatibility of the judgment of HC 126.292 / SP with constitutional and infraconstitutional devices.

Keywords: Presumption of innocence - Early execution of sentence - Habeas corpus HC 126.292 / SP - Pact of São José da Costa Rica - Individual guarantees.

SUMÁRIO

1. Introdução. 2. Apresentação do habeas corpus 126.292/SP. 3. Normas que tratam a respeito da matéria. 4. Apresentação de decisão contrária ao habeas corpus 126.292/SP. 5. Posicionamento doutrinário sobre o tema. 6. Conclusão. 7. Referências.

1.    INTRODUÇÃO

O princípio da presunção de inocência, no presente momento, encontra-se cada vez mais instável na cultura dos operadores do direito e na jurisprudência do nosso país.

Tal instabilidade coloca em voga um dos direitos fundamentais mais importante - talvez o mais importante - que é a liberdade.

Este trabalho visa apresentar, sem, contudo, exaurir o assunto, se o princípio da presunção de inocência foi respeitado no julgamento do HC 126.292/SP perante o Supremo Tribunal Federal (STF) no qual decidiu, por maioria de votos, sobre a possibilidade de executar a pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado, mesmo sem o preenchimento dos requisitos da prisão cautelar.

Vale lembrar que a decisão proferida pelo Supremo não possui efeito vinculante, vez que não foi prolatada em sede de controle concentrado de constitucionalidade, ou seja, cada magistrado (juiz, desembargador, ministro) pode decidir de modo diferente.

O presente estudo mostra-se importante, em virtude de que o entendimento do Supremo atingiu vários processos criminais em trâmite no Brasil, pois os magistrados, embora tenham autonomia para decidir de modo diverso do entendimento do STF, muitos já expediram mandado de prisão para aqueles réus que já tiveram a confirmação de sentença condenatória pelos tribunais, e, alguns juízes mais extremos, expediram o mandado após a condenação perante o conselho de sentença do tribunal do júri. 

Assim, o intuito do presente estudo é analisar as principais fundamentações exaradas pelos ministros do STF no julgamento do HC 126.292/SP no qual justificaram pela possibilidade ou não da execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado, bem como de apresentar o entendimento dos doutrinadores, sendo que em todas as hipóteses, o foco será o princípio constitucional da presunção de inocência.

2. APRESENTAÇÃO DO HABEAS CORPUS 126.292/SP

O habeas corpus HC 126.292/SP, foi impetrado em favor de Marcio Rodrigues Dantas, condenado por supostamente cometer o crime de roubo majorado, art. 157, §2º, inciso I e II do Código Penal Brasileiro, à 5 anos e 4 meses de reclusão, em regime fechado. A impetração do remédio heróico se deu pela inconformidade da decisão que indeferiu o pedido para que o réu recorresse em liberdade até o trânsito em julgado.

Então, no dia 17 de fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal, por 7 votos a 4, entendeu pela possibilidade de executar a pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado, e, de forma resumida, será apresentado os principais argumentos levantados pelos ministros do STF, e para tanto, será mencionado primeiro o posicionamento majoritário, em seguida, os votos vencidos.

O posicionamento vencedor do Supremo no julgamento do HC 126.292/SP explanou no sentido de que as instâncias ordinárias exaure a possibilidade de reexame de provas e de fatos; A Declaração Universal dos Direitos Humanos dispõe que a presunção de inocência prevalece até que se prove a culpabilidade; A Lei de Ficha Limpa dispõe que a condenação proferida por órgão colegiado é causa de inelegibilidade; Que em nenhum país do mundo, respeitado o duplo grau de jurisdição, a execução fica suspensa, esperando a decisão da Corte Suprema; O recurso especial e extraordinário somente possuem efeito devolutivo; Que o judiciário deve atender o clamor público a fim de retirar sentimento de impunidade; A presunção de inocência até o trânsito em julgado possibilita a interposição de recurso protelatório, com o objetivo nítido de almejar o instituto da prescrição punitiva ou executória.

Ao passo que os votos vencidos, abordaram que o texto constitucional é expresso e taxativo no sentido de que toda pessoa é considerada inocente, até o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória; Que o STF adotou em 2009 a inconstitucionalidade da execução antecipada da pena e, em nome da segurança jurídica, deve-se manter o mesmo entendimento; Que o momento atual é de turbulência, e por esse motivo que a defesa dos direitos fundamentais e da segurança jurídica devem ser ainda mais consolidados e garantidos; Que a distorção do dispositivo constitucional não deve ser a solução para o problema que o país enfrenta; A possibilidade de recurso especial e extraordinário impedem a execução da pena, uma vez que a presunção de inocência somente é sucumbida com o trânsito em julgado; e que o art. 637 do Código de Processo Penal (CPP) que dispõe que o recurso extraordinário não possui efeito suspensivo não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

Desse modo, no dia 17 de fevereiro de 2016 o Supremo Tribunal Federal, por 7 votos a 4, entendeu que não fere o princípio da presunção de inocência a execução da pena privativa de liberdade quando o decreto condenatório é confirmado em segunda instância, ainda que o réu tenha direito de interpor recurso especial ou extraordinário.

3.    Normas que TRATAM A RESPEITO DA matéria

As normas que regulamentam sobre o princípio da presunção de inocência, destaco a Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos, que, pela primeira vez, expressamente trata sobre o princípio supramencionado, “todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor não necessário à guarda da sua pessoa, deverá ser severamente reprimido pela Lei”. (FRANÇA, 1789).

Após a Segunda Guerra Mundial, a humanidade vivenciou provavelmente o pior episódio provocado por seres humanos, e assim, temendo a Terceira Guerra Mundial, foi promulgada em 10 de dezembro de 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e nela consta o princípio da presunção de inocência. In verbis:

“Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa” (UNIDAS, 1948).

Também destaco a tão famosa Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (1969), ratificada pelo Brasil por meio do Decreto 678/1992, que em seu artigo 8º, 2, traz a presunção de inocência, “toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”. (BRASIL, 1989).

E por fim, coleciono a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã, que, pela primeira vez positivou a presunção de inocência no sistema jurídico brasileiro ao prever no art. 5º, LVII, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. (BRASIL, 1988).

O cerne dos dispositivos acima elencados é o marco final da presunção de inocência. A Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos consta até o acusado ser declarado culpado; A Declaração Universal dos Direitos Humanos, dispõe que a presunção de inocência perdurará até que seja provada a culpabilidade do acusado; O Pacto de San José da Costa Rica prescreve que a presunção de inocência milita enquanto não for comprovada legalmente a culpa do réu.

Por fim, a Constituição Federal dispõe expressamente que a presunção de inocência perdurará até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

O principal embate no julgamento do HC 126.292/SP é sobre a relativização da presunção de inocência. Os ministros que votaram a favor da execução antecipada da pena argumentaram que a sentença penal condenatória confirmada pelo tribunal comprova legalmente a culpabilidade do réu e, portanto, retira a presunção de inocência do acusado.

Ao passo que os ministros que votaram contra a execução antecipada da pena alegaram que a Constituição Federal traz o princípio da presunção de inocência de forma expressa e clara no sentido de que tal princípio deva-se vigorar até o trânsito em julgado, logo, mesmo havendo confirmação de sentença penal condenatória pelo tribunal, o réu deve ser considerado inocente.

4. APRESENTAÇÃO DE DECISÃO CONTRÁRIA AO HABEAS CORPUS 126.292/SP

O julgamento do HC 126.292/SP perante o STF ocorreu no dia 17 de fevereiro de 2016, tendo como relator o ministro Teori Zavascki, no qual votou a favor da execução da pena antes do trânsito em julgado.

Ocorre que no dia 15 de dezembro de 2015, cerca de dois meses antes, o ministro Zavascki, também como relator, mas agora no HC 130.636/PR, votou no sentido de que, por mais que o crime seja grave, e que contenha prova robusta de autoria do crime, o encarceramento preventivo somente deve ser decretado se preenchido os requisitos previstos no art. 312 e 313 do CPP. Vejamos:

“HC 130636 / PR - PARANÁ

HABEAS CORPUS

Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI

Julgamento:  15/12/2015           Órgão Julgador:  Segunda Turma

Publicação

PROCESSO ELETRÔNICO

DJe-095  DIVULG 11-05-2016  PUBLIC 12-05-2016

Parte(s)

PACTE.(S)  : ADIR ASSAD

IMPTE.(S)  : MIGUEL PEREIRA NETO E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ementa

Ementa: HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. PRISÃO PREVENTIVA. SUPERVENIÊNCIA DE NOVO DECRETO DE PRISÃO QUE MANTÉM BASICAMENTE OS FUNDAMENTOS DA CUSTÓDIA CAUTELAR ANTERIOR. PRESERVAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RISCOS À ORDEM PÚBLICA, À INVESTIGAÇÃO E À INSTRUÇÃO CRIMINAL E À APLICAÇÃO DA LEI PENAL. INEXISTÊNCIA. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS COM A MESMA EFICIÊNCIA. PRESCINDIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM. 1. A Segunda Turma desta Corte possui o entendimento consolidado no sentido da possibilidade de impetração de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário (HC 122268, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, DJe de 4/8/2015; HC 112836, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 15/8/2013; HC 116437, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 19/6/2013). 2. Na superveniência de fatos novos, nada impede o decreto de nova prisão preventiva, como prevê, aliás, o art. 316 do Código de Processo Penal. Todavia, é incabível que eventual superveniência de novo ato constritivo concorra – mesmo involuntariamente – para limitar o exercício da competência do Supremo Tribunal Federal na apreciação de habeas corpus impetrado contra o primeiro decreto de prisão. A perda de interesse do habeas corpus somente se justifica quando o novo título prisional invocar fundamentos induvidosamente diversos do decreto de prisão originário. Precedentes. 3. A prisão preventiva supõe prova da existência do crime (materialidade) e indício suficiente de autoria; todavia, por mais grave que seja o ilícito apurado e por mais robusta que seja a prova de autoria, esses pressupostos, por si sós, são insuficientes para justificar o encarceramento preventivo. A eles deverá vir agregado, necessariamente, pelo menos mais um dos seguintes fundamentos, indicativos da razão determinante da medida cautelar: (a) a garantia da ordem pública, (b) a garantia da ordem econômica, (c) a conveniência da instrução criminal ou (d) a segurança da aplicação da lei penal. 4. Os fundamentos utilizados não se revelam idôneos para manter a segregação cautelar, porquanto os supostos riscos à ordem pública, à investigação e à instrução criminal e à aplicação da lei penal não estão baseados em circunstâncias concretas relacionadas ao paciente. As únicas condutas delituosas concretamente apontadas remontam ao período de março de 2009 a março de 2012. O que há, na verdade, é presunção, sem fundamentação idônea, de que o paciente seguirá a cometer crimes, o que não é admitido pela jurisprudência desta Corte como fundamento para a decretação da custódia cautelar. 5. Em nosso sistema, notadamente a partir da Lei 12.403/2011, que deu nova redação ao art. 319 do Código de Processo Penal, o juiz tem não só o poder, mas o dever de substituir a prisão cautelar por outras medidas sempre que essas se revestirem de aptidão processual semelhante. Impõe-se ao julgador, assim, não perder de vista a proporcionalidade da medida cautelar a ser aplicada no caso, levando em conta, conforme reiteradamente enfatizado pela jurisprudência desta Corte, que a prisão preventiva é medida extrema que somente se legitima quando ineficazes todas as demais (HC 106446, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 20/9/2011; HC 114098 Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 12/12/2012). No caso dos autos, como já afirmado, o longo tempo decorrido desde o decreto de prisão e a significativa mudança do estado do processo e das circunstâncias de fato estão a indicar que a prisão preventiva atualmente pode (e, portanto, deve) ser substituída nos termos dos arts. 282 e 319 do Código de Processo Penal, por medidas cautelares diversas. 6. Ordem parcialmente concedida, para substituir a prisão preventiva do paciente por medidas cautelares específicas.

Decisão

A Turma, por maioria, concedeu, em parte, a ordem, para, se por outro motivo não estiver preso, substituir a prisão preventiva do paciente decretada no Processo 5011708-37.2015.4.04.7000/PR e posteriormente confirmada na sentença condenatória na Ação Penal 5012331-04.2015.4.04.7000/PR, pelas seguintes medidas cautelares: a) afastamento da direção e da administração das empresas envolvidas nas investigações, ficando proibido de ingressar em quaisquer de seus estabelecimentos, e suspensão do exercício profissional de atividade de natureza empresarial, financeira e econômica; b) recolhimento domiciliar integral até que demonstre ocupação lícita, quando fará jus ao recolhimento domiciliar apenas em período noturno e nos dias de folga; c) comparecimento quinzenal em juízo, para informar e justificar atividades, com proibição de mudar de endereço sem autorização; d) obrigação de comparecimento a todos os atos do processo, sempre que intimado; e) proibição de manter contato com os demais investigados, por qualquer meio; f) proibição de deixar o país, devendo entregar passaporte em até 48 (quarenta e oito) horas; g) monitoração por meio da utilização de tornozeleira eletrônica; destacando-se que o descumprimento injustificado de quaisquer dessas medidas ensejará, naturalmente, decreto de restabelecimento da ordem de prisão (art. 282, § 4º, do CPP), nos termos do voto do Relator, vencida a Ministra Cármen Lúcia, que denegava a ordem. Falaram, pelo paciente, o Dr. Miguel Pereira Neto e, pelo Ministério Público Federal, a Dra. Deborah Duprat. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. 2ª Turma, 15.12.2015”. (grifei).

Como visto, a segunda turma do STF, ao julgar o HC 130.636/PR, cerca de dois meses antes do HC 126.292 SP, entendeu que a prisão cautelar somente é admissível quando presente os requisitos da prisão preventiva exigidos pelo Código de Processo Penal, a saber, para a garantia da ordem pública, para a garantia da ordem econômica, para a conveniência da instrução criminal , para assegurar a aplicação da lei penal ou quando preencher os requisitos da prisão temporária prevista na Lei 7960/1989, do contrário, o réu deve recorrer em liberdade, sob pena de violar o princípio da presunção de inocência.

5. POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO SOBRE O TEMA

O renomado professor Renato Brasileiro Lima, em sua obra, destaca que o art. 5, LVII, da Carta Magna é clara no sentido de que a presunção de inocência milita até o trânsito em julgado, sendo possível, tão somente, a prisão cautelar, observado seus requisitos.

Com a devida vênia à maioria dos Ministros do STF que admitiram a execução provisória da pena, parece-nos que esse novo entendimento contraria flagrantemente a Constituição Federal, que assegura a presunção de inocência (ou de não culpabilidade) até o trânsito em julgado de sentença condenatória (art. 5°, LVII), assim como o art. 283 do CPP, que só admite, no curso da investigação ou do processo - é dizer, antes do trânsito em julgado de sentença condenatória -,a decretação da prisão temporária ou preventiva por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente cabível, prisão cautelar somente por decisão fundamentada nos autoridade judiciária competente (LIMA, 2017, p. 48 ).

Nesse mesmo sentido, o doutrinador Gustavo Henrique Badaró, também se manifesta.

“(...) os termos da Constituição são claríssimos, a presunção de inocência ou o estado de não culpabilidade vigora até “o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Essa expressão tem significado técnico e com tal deve ser interpretada. Diante disso, argumentos de direito comparado perdem total sentido, se a garantia no ordenamento em comparação não tiver expressa previsão de subsistência até o trânsito em julgado.

(..)

Assim, o trânsito em julgado da sentença penal condenatória ocorre no momento em que a sentença ou o acórdão torna-se imutável, surgindo a coisa julgada material. Não há margem exegética para que a expressão seja interpretada, mesmo pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o acusado é presumido inocente, até o julgamento condenatório em segunda instância, ainda que interposto recurso para o Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça (BADARÓ, 2017, p. 134).

Em sentido contrário, ou seja, de acordo com o julgamento do STF no HC 126.292 SP, menciono o jurista Luiz Flávio Gomes que em seu artigo - Execução provisória da pena. STF viola Corte Interamericana. Emenda Constitucional resolveria tudo – (2016) diz, estou plenamente de acordo com o espírito do julgamento do STF, que está pretendendo dar um basta, embora muito tardiamente, à sensação de impunidade generalizada, sobretudo das pilhagens, corrupção e roubalheiras dos poderosos, leia-se, dos barões ladrões, que são os criminosos donos da “ordem social”, cujo serviçal proeminente é o - indevido - Estado de Direito, que normalmente é o veículo escravizado da ordem social e sua ideologia, salvo em momentos de ruptura, como estamos vendo agora na Lava Jato.

Também a favor do cumprimento antecipado da pena, o Presidente da Associação Brasileira de Juízes Federais (Ajufe), Fernando Mendes, se manifesta no artigo -Especialistas analisam decisão do STF que aceita execução provisória da pena – (2018) no sentido de que, é correta a delimitação que o STF deu ao princípio da presunção de inocência, na medida em que os recursos aos tribunais superiores não comportam mais o reexame da matéria fática, que é definida no julgamento que ocorre nos tribunais regionais federais e tribunais de Justiça. A maior efetividade das decisões judiciais contribui para desfazer a exacerbada disfuncionalidade do sistema penal brasileiro, serve de prevenção geral à prática criminosa e tem papel relevante no combate à impunidade.

    6. CONCLUSÃO

           A Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos de 1789, traz a presunção de inocência de forma muito tímida, na verdade, pode-se até dizer que se apresenta como uma forma mitigada da presunção de culpabilidade advinda do Direito Romano. O art. 9º da Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos prescreve que, “todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei”. (FRANÇA, 1789, grifei).

No mesmo sentido está o art. 11º, 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos que dispõe:

“Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa” (UNIDAS, 1948, grifei).

Para arrematar, colaciono o art. 8º, 2, da Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto 678/1992 que dispõe, “toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”. (BRASIL, 1989, grifei).

Perceba que os dispositivos acima prescrevem que a presunção de inocência vigora até enquanto não for comprovada a culpa do réu.

Em 1988, o Brasil positivou o princípio da presunção de inocência no art. 5º, LVII da Constituição Federal como garantia individual, cláusula pétrea, no qual prescreve que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. (BRASIL, 1988, grifei).

Data máxima vênia, a decisão do STF é lamentável. A constituição é clara em dizer que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Em outras palavras, a contrario sensu, toda pessoa será considerada inocente até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, até o esgotamento de todas as instâncias recursais, até que a decisão se torne imutável. E aqui, me valho do professor Renato Brasileiro de Lima que diz.

Não negamos que se deva buscar uma maior eficiência no sistema processual penal pátrio. Mas, a nosso juízo, essa busca não pode se sobrepor à Constituição Federal, que demanda a formação de coisa julgada para que possa dar início à execução de uma prisão de natureza penal. E só se pode falar em trânsito em julgado quando a decisão se torna imutável, o que, como sabemos, é obstado pela interposição dos recursos extraordinários, ainda que desprovidos de efeito suspensivo. Não há, portanto, margem exegética para que o art. 5°, inciso LVII, da Constituição Federal, seja interpretado no sentido de se concluir que o acusado é presumido inocente (ou não culpável) tão somente até a prolação de acórdão condenatório por Tribunal de 2a instância (LIMA, 2017, p. 48).

Cabe destacar que a Constituição Federal de 1988, no que tange ao princípio da presunção de inocência, foi muito além do que prever a Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos, Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica. Isto porque, a Carta Magna dispõe expressamente que a presunção de inocência deve militar até o trânsito em julgado, enquanto que as declarações e a convenção acima citadas, dispõe que a presunção de inocência prevalece até ser comprovada legalmente a culpa do réu.

Os ministros do STF que votaram a favor da execução da pena antes do trânsito em julgado, relativizaram o princípio da presunção de inocência alegando que o Pacto de San José da Costa Rica dispõe que esse princípio não perdura até o final do processo e, como o Brasil é signatário da Convenção Americana, pode-se executar a pena antes do trânsito em julgado.

Ora, o princípio da presunção de inocência em nossa constituição é bem mais amplo do que aquele trazido pelas declarações e convenções, e desse modo, devemos aplicar como está esculpido na Lei Maior.

Ademais, o próprio Pacto de San José da Costa Rica, em que os ministros se fundamentaram, no art. 29, c, prescreve que nenhuma “disposição da presente Convenção pode ser interpretada no sentido de (...) excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo” (BRASIL, 1989, grifei).

Aliás, ao relativizar (mitigar) a presunção de inocência, o STF violou frontalmente o art. 60, §4º, IV, da Constituição Federal que dispõe: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV - os direitos e garantias individuais.” (BRASIL, 1988, grifei).

Nesse sentido, a emenda constitucional pode modificar as garantias individuais, desde que seja para amplia-las e não para restringi-las ou aboli-las.

Em outras palavras, o termo utilizado na Constituição Federal, “tendente a abolir”, significa que é proibido, até mesmo por emenda constitucional, minimizar, suprimir ou apequenar cláusula pétrea.

Assim, o Poder Constituinte foi claro ao assegurar que a presunção de inocência deva-se vigorar até o trânsito em julgado e de que em hipótese alguma essa garantia poderia sofrer limitações ou relativizações.

Gize-se que as normas infraconstitucionais atrelam a execução da pena e até a reincidência ao trânsito em julgado, como veremos. Não é casualmente que as leis foram criadas dessa maneira. O propósito de condicionar a execução da pena e até a reincidência ao trânsito em julgado é de respeitar o princípio da presunção de inocência.

Para iniciar a análise de alguns dispositivos legais referente ao princípio ora em estudo, cito o art. 283 do Código de Processo Penal.

“Art. 283.  Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva” (BRASIL, 2011).

Em síntese, o artigo supramencionado dispõe sobre as modalidades de prisões, a saber, prisão em flagrante, prisão preventiva, prisão temporária e a prisão proveniente de sentença penal condenatória transita em julgado (prisão pena).

A prisão decorrente de confirmação de sentença penal condenatória em segundo grau não é nenhuma das prisões citadas acima, e desta forma, os ministros, ao analisar o HC 126.292/SP, deveriam, em algum momento, debater sobre o art. 283 do Código de Processo Penal, vez que o artigo mencionado e a execução antecipada da pena não podem coexistir.

Nesse ponto, menciono o doutrinador Aury Lopes Jr., que em seu artigo - Fim da presunção de inocência pelo STF é nosso 7 a 1 jurídico – (2016) diz que, incrivelmente não li no julgado qualquer menção ao artigo 283 e, principalmente, uma declaração fundamentada de sua inconstitucionalidade, pois ele é completamente incompatível com a decisão proferida pelo STF. Grave omissão ou propositada omissão? E como simplesmente ‘não aplicar’ o artigo 283 sem declarar previamente sua inconstitucionalidade?

De fato, a decisão do STF no habeas corpus ora em estudo e o dispositivo do CPP são inconciliáveis, de modo que seria imprescindível o Supremo Tribunal Federal abordar sobre o art. 283 do CPP.

Mas, alguns meses depois do julgamento do HC 126.292/SP, o Supremo teve que enfrentar o art. 283 do Código de Processo Penal, em razão de que o Partido Ecológico Nacional (PEN) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ingressaram com duas ações - Ação Direta de Constitucionalidade (ADC 43 e 44) - com pedido liminar, para que se reconhecesse a constitucionalidade do dispositivo citado.

Ao julgar o pedido liminar, o STF entendeu que o art. 283 do Código de Processo Penal é constitucional, porém, o dispositivo não veda a execução de pena antes do trânsito em julgado.

É óbvio que o Supremo entenderia dessa forma, uma vez que se entendesse o contrário – de que o art. 283 do Código de Processo Penal é constitucional e veda a execução antes do trânsito em julgado - estaria indo contra a própria decisão da Corte proferida no HC 126.292/SP. Então, como se não bastasse distorcer o texto constitucional no habeas corpus ora em estudo, o Supremo Tribunal Federal, se refugia na famigerada “interpretação conforme a Constituição” para também deturpar a redação do art. 283 do Código de Processo Penal na ADC 43 e 44.

Assim, cada vez mais a decisão do STF, em matéria penal, está se tornando teratológica, e certamente, o ápice desse absurdo foi a distorção do princípio da presunção de inocência.

O uso da “interpretação conforme a Constituição” no HC 126.292/SP chega a ser inusitada, vez que o texto constitucional não traz qualquer margem para interpretação, ao revés, o art. 5º LVII, da Constituição Federal é claríssimo em dizer que toda pessoa é considerada inocente até o trânsito em julgado.

A técnica de “interpretação conforme a Constituição” não pode ser “salvo-conduto” para o STF decidir como lhe convier. Tal técnica tem desvirtuado, e muito, o espírito da Constituição Federal e a mens legis, a ponto, da ministra Rosa Weber dizer (2016), não posso me afastar da clareza do texto constitucional.

Era inimaginável que o STF deturparia uma redação tão clara e objetiva como é o art. 5º LVII da Lei Maior.

A Lei de Execução Penal (LEP) também vela pelo princípio da presunção de inocência, pois condiciona a execução da pena ao trânsito em julgado, conforme prever o art. 105 da LEP, “transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução” (BRASIL, 1984, grifei).

Note que a execução da pena privativa de liberdade somente é exigível quando transita em julgado a sentença penal condenatória, e nesse momento sim, se o réu não estiver preso por meio da prisão preventiva, será levado à prisão para efetivamente cumprir a pena.

De igual modo, as penas restritivas de direitos e a de pena de multa também exigem o trânsito em julgado para que seja exigível o cumprimento de pena. Vejamos os artigos 147 e 164, ambas da Lei 7.210 (LEP):

“Art. 147. Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o Juiz da execução, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, promoverá a execução, podendo, para tanto, requisitar, quando necessário, a colaboração de entidades públicas ou solicitá-la a particulares”. (BRASIL, 1984, grifei).

“Art. 164. Extraída certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado, que valerá como título executivo judicial, o Ministério Público requererá, em autos apartados, a citação do condenado para, no prazo de 10 (dez) dias, pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora”. (BRASIL, 1984, grifei).

Como visto, as penas restritivas de direitos e de multa exigem o trânsito em julgado para que se torne título executivo judicial, e assim, o Estado poderá exercer de fato o ius puniendi.

Ora, em se tratando de pena de multa, por exemplo, cujo o bem jurídico é o patrimônio, é necessário o trânsito em julgado de sentença penal condenatória para que se torne exigível a execução da pena, de igual modo, e com muito mais razão, deve suceder também com a pena privativa de liberdade, cujo o bem jurídico é infinitamente maior daquele mencionado, a saber, a liberdade.

Ademais, em nome da presunção de inocência, o art. 105 da Lei de Execução Penal, como vimos, determina que a execução de pena privativa de liberdade somente pode ocorrer com o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

É indiscutível que o ordenamento jurídico brasileiro impõe que o princípio da presunção de inocência deva-se vigorar até o trânsito em julgado, e não poderia ser diferente, pois do contrário, estaria violando o princípio mencionado.

Tanto é verdade que a reincidência só ocorre quando o agente comete novo crime, após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, conforme dispõe o art. 63 do Código Penal (CP), “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”. (BRASIL 1984, grifei).

Destarte, o ordenamento jurídico brasileiro assegura que a presunção de inocência milita até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Sobre o recurso especial e extraordinário destaco que, o fato desses recursos não possuírem efeito suspensivo, em nada interfere na presunção de inocência, haja vista que a Constituição Federal, em seu art. 5º, LVII, prescreve que tal presunção prevalece até o trânsito em julgado. Nesse sentido, esclarece o renomado doutrinador, Aury Lopes Jr., em seu artigo - Fim da presunção de inocência pelo STF é nosso 7 a 1 jurídico – (2016) E o caráter “extraordinário” dos recursos especial e extraordinário? Em nada afeta, porque o caráter ‘extraordinário’ desses recursos não altera ou influi no conceito de trânsito em julgado expressamente estabelecido como marco final do processo (culpabilidade normativa) e inicial para o ‘tratamento de culpado’. A essa altura, não preciso aqui explicar o que seja trânsito em julgado, coisa julgada formal e material, mas é comezinho e indiscutível que não se produz na pendência de (qualquer) recurso.

Ora, o fato de o recurso especial e extraordinário não possuírem efeito suspensivo, não significa uma inversão de culpabilidade, sendo que esta, só ocorre com o trânsito em julgado.

Da mesma maneira, não merece prosperar a fundamentação de que a Lei de Ficha Limpa dispõe que a condenação proferida por órgão colegiado é causa de inelegibilidade, e por isso relativizou a presunção de inocência, pois a perda ou suspensão dos direitos políticos necessita do trânsito em julgado, conforme art. 15, III, da Constituição Federal, “É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: (...) III. condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;”. (BRASIL, 1988, grifei).

Além disso, os princípios e parâmetros do âmbito criminal é totalmente diferente de qualquer outro âmbito jurídico, logo, não se pode comparar norma eleitoral com norma penal.

No tocante ao fato de que o Brasil é o único país onde a execução fica suspensa, esperando a decisão da Corte Suprema, deve-se registrar primeiro que Portugal também assegura a presunção de inocência até o trânsito em julgado. Mas, ainda que o Brasil fosse o único país a assegurar essa garantia, isso não é justificativa para se criar uma prisão “nova” e antecipar a execução da pena.

Aliás, o direito comparado nesse caso, data máxima vênia, foi infeliz, pois as constituições dos países mencionados no julgamento do HC 126.292 SP sequer mencionam expressamente a presunção de inocência, e, portanto, a comparação feita mostra-se inadequada.

E mais, a Lei Maior inseri um marco claro para o término da presunção de inocência, qual seja, o trânsito em julgado. Logo, não se pode comparar a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 com a de outros países, que sequer mencionam o princípio da presunção de inocência.

Em relação ao clamor público, aqui devemos tomar um cuidado enorme. Em Primeiro lugar, vale dizer que o clamor público não é respaldo jurídico. Em segundo lugar, o clamor público, desde a antiguidade, não é uma forma adequada para solucionar questões jurídicas.

Cito aquela passagem bíblica onde o governador Pilatos leva Jesus e Barrabás até a multidão para que esta decida quem irar ser solto em razão da páscoa. Entre liberar Jesus, que não tinha transgredido nenhuma lei, a ponto de Pilatos dizer, conforme livro de Mateus, “estou inocente do sangue deste [justo](27, 24), e liberar Barrabás, criminoso conhecido, a multidão, de forma unânime, preferiu soltar Barrabás. O clamor público liberou um criminoso conhecido e condenou um inocente legítimo. 

Cito também o caso da “Escola Base”. Caso esse que ocorreu no ano de 1994, em que os proprietários dessa escola particular e alguns funcionários foram suspeitos de terem cometido abuso sexual contra os alunos da escola. Na época, a mãe de um dos alunos foi até a delegacia para noticiar o suposto fato de abuso sexual sofrido pelo filho. O delegado do caso tomou o relato da mãe como verdade, sem realizar qualquer diligência para confirmar o fato e repassou o caso para a mídia, e a mídia para todo o mundo.

Ocorre que não havia qualquer tipo de prova que concluísse de fato que os proprietários e funcionários tivessem cometido o suposto crime, e mesmo assim, eles foram presos. A mídia tem forte poder de persuasão, e logo, a sociedade já chegou a um “veredito”, culpados.

Durante o inquérito, houve uma série de erros, razão pela qual outro delegado é designado para dar prosseguimento ao inquérito e, após concluir que não havia provas contra os suspeitos, opinou pelo arquivamento do inquérito.

Ora, o clamor público não deve ser fundamento para tomada de decisão. O clamor público deve servir para impulsionar os legisladores a criarem leis para o bem comum, mas não para fundamentar decisão jurídica.

Ademais, os operadores do direito, não devem seguir o clamor público, mas sim aplicar e respeitar a Constituição Federal e as leis (lato sensu). Como dizia Platão, filósofo grego (428 – 347 A.C.) “o juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo as leis”.

Não podemos tomar como fundamento o clamor público, pois hoje o desejo popular quer o cumprimento da pena antes do trânsito em julgado, amanhã será a admissão de prova ilícita, em pouco tempo teremos pena de caráter perpétuo e pena de morte em tempo de paz.

Assim, devemos pensar bem antes de considerar o clamor público como fundamento para decidir. Se iniciámos nesse caminho, daremos passadas largas para o retrocesso jurídico.

Sobre os recursos protelatórios, almejando o instituto da prescrição punitiva ou executória, primeiro devemos saber o que é e para que foi criado o instituto da prescrição.

Para conceituar a prescrição, sirvo-me do ilustre doutrinador Rogério Greco que define como “instituto jurídico mediante o qual o Estado, por não ter tido capacidade de fazer valer o seu direito de punir em determinado espaço de tempo previsto pela lei, faz com que ocorra a extinção da punibilidade” (2017, p. 887).

Então, a prescrição é um limite temporal do poder punitivo estatal. É a prova de que o poder de punir não pode se eternizar no tempo, logo, a prescrição é uma garantia ao cidadão contra a inércia do poder dever do Estado de punir.

Ora, é sabido que o cumprimento da pena interrompe o prazo prescricional conforme art. 117, V, do Código Penal, desse modo, ao colocar o réu na prisão para cumprimento de pena sem o trânsito em julgado, estará violando pelo menos duas garantias do cidadão. A primeira a presunção de inocência, e a segunda a garantia do cidadão contra a hipertrofia do Estado de punir, vez que o prazo prescricional será interrompido.

A interrupção da prescrição não pode ser fundamento para executar antecipadamente a pena, visto que o acusado não pode sofrer pela mora do Estado em exercer o ius puniendi.

Outro ponto importante para ressaltar, é que o STF legislou no julgamento do HC 126.292/SP. Isto porque, no Brasil, como já dito, atualmente temos a prisão precautelar (flagrante), a prisão cautelar (preventiva e temporária) e a prisão pena (proveniente de sentença penal condenatória transita em julgado).

Ocorre que o STF criou uma espécie de prisão “nova”, visto que a prisão em decorrência da confirmação do decreto condenatório em segundo grau não tem qualquer base legal, pois uma prisão que não é em flagrante, preventiva, temporária e que não decorre de uma sentença penal condenatória transitada em julgado (prisão pena) é uma prisão sem respaldo jurídico, e, por consectário, uma prisão ilegal.

Desta forma, infelizmente o Brasil adotou na prática o sistema common law, uma vez que a decisão do STF está acima das normas jurídicas e até mesmo da Constituição Federal, e a prova disso é o julgamento feito no habeas corpus ora em estudo.

O Estado não pode punir o réu a qualquer custo, aliás, se torna até antagônico o fato de o Estado Juiz querer punir o acusado em razão deste ter violado uma norma infraconstitucional, e ele, o Estado, viola norma constitucional, sobretudo, cláusula pétrea, para exercer o ius puniendi. Nesse ponto, vale transcrever o refrão da música tocada pela banda Legião Urbana, de autoria de Renato Russo, “Que país é esse?”

                                                                                                                                   

Ninguém respeita a Constituição

Mas todos acreditam no futuro da nação

Que país é esse?

Que país é esse?

Que país é esse? (RUSSO, 1987, grifei).

A situação jurídica atual é repugnante, pois estamos vivendo no tempo da violação das garantias. O Estado Democrático de Direito é composto de decisões jurídicas e não políticas.

O Poder Judiciário deve aplicar o direito, tão somente o direito, e jamais troca-lo pela moral, economia, clamor público ou política. Como diria Lenio Luiz Streck em seu artigo - O segredo do (dilema) de Fátima Bernardes aplicado ao Direito – (2016), Direito substituído pela moral e pela política (e agora também pela economia). E Direito legislado substituído pelo Direito jurisprudencializado (...). E ao que consta, ainda não inventaram, até hoje, uma TGP. Não, não falo de uma Teoria Geral do Processo. Refiro-me à outra TGP: a Teoria do Gosto Pessoal.

Tristemente, o julgamento do Supremo foi totalmente político, outra prova disso é que o ministro relator, Teori Zavascki, no HC 130.636/PR, entendeu que a prisão cautelar somente é admissível quando presente os requisitos da prisão preventiva ou temporária, exigidos pelo Código de Processo Penal ou pela Lei 7960/1989, respectivamente, sob pena de violar a presunção de inocência. Contudo, cerca de dois meses depois, o mesmo ministro foi relator no HC 126.292/SP, e votou no sentido de que não fere o princípio da presunção de inocência a execução da pena privativa de liberdade, quando o decreto condenatório é confirmado em segunda instância, ainda que o réu tenha direito de interpor recurso especial ou extraordinário.

Ora, em dois meses o ministro alterou seu entendimento de forma drástica, sendo que não houve qualquer alteração no texto constitucional alusivo à presunção de inocência para mitiga-la ou relativiza-la.

Ademais, nem se deveria, em virtude de que tal princípio trata-se de cláusula pétrea. Desse modo, o julgamento do HC 126.292/SP demonstra que a decisão do Supremo não foi jurídica, mas sim política.

Para não retroceder juridicamente, precisamos que o Poder Judiciário não legisle e nem julgue com base em questões políticas, econômicas ou pelo apelo popular.

É função do judiciário conservar a norma jurídica, não de modifica-la. É função do judiciário aplicar a lei, não de criá-la. É função do judiciário decidir conforme o ordenamento jurídico, não a bel-prazer. Sobretudo, é dever do guardião da constituição, Supremo Tribunal Federal, velar pela Carta Magna, não de infringi-la.

Nesse sentido, termino relembrando as palavras do saudoso Rui Barbosa (1912 apud BOTTINI, 2016), não importa ao STF saber se os seus julgados serão ou não respeitados pelo governo, se serão ou não acatados pela força, se terão ou não execução material, ante a anarquia ou as multidões revoltadas. Diante dos vossos olhos, venerandos Ministros, não existe senão a letra da lei, na sua vontade expressa ou na sua vontade implícita, a lei nos seus preceitos, a lei no que ela manda, a lei no que ela exige, no que ela impõe.

7. REFERÊNCIAS

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BADARÓ, Gustavo Henrique, Manual dos recursos penais [livro eletrônico] / Gustavo Badaró – 2ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.

BOTTINI, Pierpaolo Cruz Bottini (28 de junho de 2016) Direito de Defesa. A presunção de inocência e o sucesso da operação "lava jato". Disponível em Consultor Jurídico: <https://www.conjur.com.br/2016-jun-28/direito-defesa-presuncao-inocencia-sucesso-operacao-lava-jato>. Acesso em 28 de agosto de 2018.

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BRASIL. Decreto-Lei 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 24 out. 1941. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 28 de agosto de 2018.

BRASIL. Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em 29 de agosto de 2018.

BRASIL. Lei nº 7960 de 21 de dezembro de 1989. Dispõe sobre prisão temporária. Disponível em: . Acesso em 29 de agosto de 2018.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 130.636/PR. Relator: Teori Zavascki – Segunda Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 15 de dezembro de 2015. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10941493. Acesso em 28 de agosto de 2018.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 130.636/PR. Relator: Teori Zavascki – Plenário. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 17 de fevereiro de 2016. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10964246. Acesso em 28 de agosto de 2018.

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RUSSO, Renato. Que país é esse? Disponível em: <https://www.letras.mus.br/legiao-urbana/46973/>. Acesso em: 26 de setembro de 2018.

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STRECK, Lenio Luiz, O segredo do (dilema de Fátima Bernardes aplicado ao direito. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2016-dez-01/senso-incomum-segredo-dilema-fatima-bernardes-aplicado-direito>. Acesso em: 29 de agosto 2018.

UNIDAS, Assembleia Geral das Nações. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: . Acesso em: 28 de agosto de 2018.

Data da conclusão/última revisão: 29/9/2018

 

Como citar o texto:

ROSA, Bruno Borges..Execução provisória da pena versus presunção de inocência. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 30, nº 1582. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/4275/execucao-provisoria-pena-versus-presuncao-inocencia. Acesso em 13 dez. 2018.

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