Igualdade - É consenso, entre nós, que a igualdade é um valor que deve orientar a construção da sociedade humana que se quer aberta, plural, igualitária e democrática.
Na civilização ocidental, o direito à igualdade foi buscado nos acontecimentos que se desenrolaram entre a crise da sociedade feudal, no século 14, e as revoluções burguesas dos séculos 17 e 18, culminando com a construção da sociedade moderna. No lugar dos privilégios de nascença de poucos, a igualdade genérica e abstrata de todos moldou a nova sociedade que: no século 18, elaborou os direitos civis; no século 19, os direitos políticos; e, no século 20, os direitos sociais. Claro, com avanços e recuos... pós setembro de 2001, por exemplo, recuo... triste recuo na construção dos direitos civis e políticos.
De qualquer maneira, a igualdade genérica e abstrata, fundamental para a desconstrução da sociedade feudal, não solucionou as desigualdades particulares (raça, etnia, gênero, orientação sexual etc.). O ideal se chocou com os preconceitos e as perseguições. Aqueles que são discriminados pela maioria não são concretamente iguais em direitos, sendo, por isso, excluídos dos benefícios da sociedade que ajudam a construir.
Com essa percepção da desigualdade social, a partir da segunda metade do século 20, junto com a elaboração do sistema de proteção que tem por destinatário toda e qualquer pessoa, abstrata e genericamente considerada, também se prepara um sistema especial de proteção dos direitos humanos endereçado a um sujeito de direito concreto formado pelas minorias (grupos socialmente vulneráveis: mulheres, crianças, afro-descendentes, portadores de deficiência, homossexuais, povos indígenas etc.).
Se antes, a igualdade abstrata e genérica de todos foi suficiente para a desconstrução da sociedade hierarquizada pelos privilégios de nascença; agora, em uma sociedade formalmente igualitária, é necessário que a igualdade reconheça as diferenças. Elabora-se, então, ao lado do direito à igualdade, o direito à diferença. Os grupos socialmente vulnerados possuem direitos específicos para assegurar, efetiva e concretamente, a inclusão de todos na sociedade que se constrói aberta, plural, igualitária e democrática.
A efetivação desse direito à diferença está ocorrendo, concretamente, por ações afirmativas. Por definição, ação afirmativa significa: "Política compensatória de discriminação que visa compensar membros de grupos sociais atingidos pelos mecanismos de exclusão social, capazes de lhes tirar a eqüidade no acesso às oportunidades." Por exemplo: regime de cota para mulheres no exercício de atividade político-partidária; regime de cota para deficientes físicos nos concursos públicos etc. Portanto, a política compensatória ao afirmar a diferença (isto é: ao tratar os diferentes, diferentemente, na medida das suas diferenças), promove igualdade social.
Regime de cotas obrigatórias nas universidades - A intervenção do Estado brasileiro no processo de seleção das universidades públicas (vestibular) a partir da determinação legal do regime de cotas obrigatórias para afro-descendentes está inserida nesse processo histórico de construção dessa sociedade igualitária, porque estabelece direito específico e concreto aos afro-descendentes de concorrerem entre si para determinado número de vagas nas universidades públicas, uma vez que não conseguem acesso à universidade, em decorrência de sua situação sócio-econômico-cultural pregressa (escravidão): os afro-descendentes constituem menos de 2% dos estudantes nas universidades públicas brasileiras, embora sejam 45% da população.
Assim, o Estado brasileiro, neste início do século 21, busca acelerar o processo de igualdade dessa minoria com a maioria, equilibrando a desvantagem social desse grupo com as cotas. Aliás, como fez antes com as mulheres e deficientes físicos. Trata-se, portanto, de uma medida compensatória pelo passado de escravidão, presente hoje nos preconceitos e perseguições aos negros.
Conclusão - Com o regime de cotas obrigatórias para afro-descendentes, pela primeira vez em 500 anos de história do Brasil, a condição de negro pode significar um benefício. É o respeito à diferença que a igualdade, na modernidade contemporânea, exige para continuarmos a construção da sociedade humana que todos queremos.
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Edison Miguel da Silva Jr
Procurador de Justiça em GoiásSítio na internet: www.juspuniendi.net
Email: emiguel@cultura.com.br
Código da publicação: 472
Como citar o texto:
SILVA JR, Edison Miguel da..Regime de cotas obrigatórias nas Universidades Públicas. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 112. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direitos-humanos/472/regime-cotas-obrigatorias-nas-universidades-publicas. Acesso em 30 jan. 2005.
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